4
Artigo original
A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO ÂMBITO
ANTROPOLÓGICO
RIBEIRO, Josuel Stenio da Paixão1
Josuel Stenio da Paixão
Artigo submetido em 22/07/2012
Aceito em 15/08/2012
Correio eletrônico: [email protected]
RESUMO
Ao pensarmos a formação do povo Brasileiro e sua imensa diversidade étnica atrelada a uma
postura de preconceito centenária que data da época da colonização procuramos buscar as
raízes desses preconceitos, afim de, elencar elementos de superação. Tratando de alguns
elementos centrais como o relativismo cultural/alteridade como antídoto para o etnocentrismo.
Palavras-chave: etnocentrismo – povo brasileiro – superação.
ABSTRACT
When thinking about the formation of the Brazilian people and their immense ethnic diversity
linked to an attitude of prejudice centennial dating from the time of colonization try to seek
the roots of these prejudices, in order to, to list elements overcoming. Addressing some key
elements such as culture relativism / otherness as an antidote to ethnocentrism.
Key-words: preconception - Brazilian people - overcoming.
1
Mestre em Ciências Sociais pelo programa de pós-graduação em Ciências Sociais na UNESP/Marília-SP.
Membro dos grupos de estudos: “Filosofia Contemporânea: Habermas”; “Organização e Democracia” e “Teoria
Crítica: racionalidade comunicativa e reconhecimento social”. Docente da Faculdade de Presidente Prudente
(UNIESP). Também é professor de Sociologia e Filosofia na rede pública do Estado de São Paulo pela Escola
Estadual Comendador Tannel Abbud em Presidente Prudente - SP. e-mail: [email protected]
5
A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO
“regra” era que os mulatos eram filhos
bastardos de senhores escravistas brancos
O Brasil de hoje é um dos países
mais miscigenados do mundo graças a sua
com negras escravas que quase sempre
eram violentadas.
formação recente e diversa, vários povos
Podemos observar que além do
contribuíram para a formação do Brasil, a
índio que teve o seu território invadido,
saber,
suas crenças violentadas, seus hábitos
os
nativos
(os
índios),
os
colonizadores principais (os portugueses),
transformados
os “demais colonizadores” em forma de
investidas contra a sua liberdade, temos o
imigrantes como (franceses, Holandeses,
negro que foi trazido para o Brasil de forma
posteriormente
Japoneses,
compulsória, arrancados de sua terra natal,
alemães entre outros), e na história mais
de suas famílias, de seu povo. Ainda nos
recente com maior intensidade temos
navios negreiros que faziam o tráfico de
coreanos, nigerianos, bolivianos e peruanos,
escravos, os negros com os mesmos
além daqueles aqui não mencionados, e
dialetos eram separados, a fim de, não se
ainda os que são objeto de nossa discussão
comunicassem uns com os outros e não
(os negros) que vieram para o Brasil de
promovessem movimentos de resistência,
forma compulsória a datar do início da
além de ser tornarem ainda mais frágeis em
colonização até final do século XIX.
suas condições recentes de escravos.
Italianos,
e
sofreram
diversas
Exatamente por sermos um país
Segundo Darcy ribeiro em sua obra
miscigenado onde há uma interação entre as
O povo brasileiro: A formação e o sentido
diversas etnias aqui existentes é que foram
do Brasil “O espantoso é que os índios
criadas três categorias para definir o “fruto”
como os pretos, postos nesse engenho
das relações entre brancos, negros e índios,
deculturativo,
sendo o mameluco a descendência do
humanos” (2001, p. 118), aqui ele fez uma
índio(a) com o branco(a), em que nos
alusão a todo sofrimento e imposições
primeiros tempos, geralmente era, a índia
feitas pelos colonizadores ao povo indígena
com o branco por meio de relações sexuais
e ao povo negro trazido da África.
consigam
permanecer
forçadas; o cafuzo que é relativo a
É relevante lembrarmos que nos
descendência do negro(a) com o índio(a) e
primeiros anos de colonização os índios
por fim o mulato que é relativo a
eram escravizados para as tarefas mais
descendência do negro(a) com o branco(a),
árduas, porem por conhecerem bem o
sendo que no início de nossa colonização a
território, eles conseguiam se articular mais
6
facilmente, tanto para a defesa quanto para
através de um olhar imediatista, inflexível e
o resgate de índios aprisionados, além de
acrítico, exatamente por não conhecer de
estarem habituados com uma dinâmica de
forma efetiva a realidade analisada e se
trabalho totalmente diferente àquela a que
valer de conceitos prévios sem intenção de
queriam submetê-los, com isso, a opção de
colocá-los a prova.
escravizar os negros fora menos difícil por
O ato de discriminar passa longe de
estes serem trazidos há um lugar distante e
ser apenas o ato de criar e separar com base
não terem articulação entre si.
em categorias. Por exemplo, ao criar a
Com o “fim” da escravidão legal em
categoria cor, e discriminá-las agregando
1888 se instalou no Brasil uma falsa idéia
valores
cria-se
por
conseqüência
de convívio harmônico entre as diversas
hierarquias. É a partir dessa ação que se
etnias, contudo chegam a ser corriqueiras as
desenvolvem a discriminação racial, que é o
práticas de etnocentrismo, preconceito e
ato de hierarquizar as pessoas tendo como
discriminação.
base sua cor da pele, com isso, a
O etnocentrismo tão presente até nos
conseqüência é a ofensa, a exclusão, o
dias de hoje, é uma postura vinculada ao
menosprezo e o desprezo com vistas a
modo do(s) individuo(s) verem o mundo
inferiorizar uma determinada etnia.
exclusivamente a partir de seu próprio
É importante compreender que as
ponto de vista, pelo qual tendem, a rejeitar,
ações de discriminação podem ocorrer por
negar, recusar e até mesmo agir com
meios de atos explícitos ou velados,
preconceito e discriminar qualquer cultura
dirigidos diretamente à pessoa ou a grupos,
que não seja igual a sua. Sendo o
ou de forma indireta atacando instituições,
relativismo cultural um antídoto por tratar
corporações, crenças ou hábitos vinculados
as múltiplas sociedades enquanto iguais de
a uma etnia em particular.
direitos ao passo em que se respeitam as
O etnocentrismo, e o preconceito se
suas diferenças, dessa forma, o relativismo
mostram
evidente
no
Brasil
quando
cultural metodologicamente se posiciona de
observamos o conteúdo da programação da
modo contrário a postura defendida pelo
televisão e das revistas, dos meios de
etnocentrismo, assim, propõe uma postura
comunicação como um todo, em que
de compreensão e aceitação do outro.
excluem ou coloca os negros de uma
Uma das facetas do etnocentrismo
maneira bem singular, quase não fazendo
se manifesta por meio do preconceito que é
menção sobre temas ou assuntos vinculados
um juízo preestabelecido, baseado na
à cultura negra. O que se evidencia é um
simples crença ou opinião que é formada
7
contraste entre o número de negros em
estabelecida pelo percentual de pessoas
nossa sociedade e sua representatividade.
com renda domiciliar per capita menor que
O preconceito racial e o racismo no
R$ 37,75, ou análogo a ¼ do salário
Brasil se manifestam no cotidiano das
mínimo vigorante em agosto de 2000. Em
relações pessoais, materializando-se nas
seguida Brito ao considerar o critério da cor
empresas privadas, nas repartições públicas,
demonstra como nessa mesma época a
nos
prédios,
miséria atinge muito mais aos negros que
condomínios e casas de diversas famílias,
aos brancos, ao passo que 10,01% dos
assim como, nos locais de formação, tal
indivíduos com essa renda eram brancas e
qual, universidades, cursos técnicos, escolas
23,80% eram negras.
locais
de
moradias,
de formação inicial com seus livros
Outro dado que nos referenda no
didáticos em que retrata o negro geralmente
que concerne a discriminação racial e sua
de modos pejorativos os colocando como
interferência nas questões objetivas é a
sujeitos passivos da história, tendo apenas
esperança de vida ao nascer no ano 2000,
as pessoas brancas como referências, e
no estado de São Paulo, ainda de acordo
quase sem exceção, os negros aparecem
com dados do Ipea, era de 72,30 anos para
nesses
os brancos enquanto que para os negros era
materiais
exclusivamente
para
delinear o período escravista do Brasil.
Contudo, ainda convivemos com
69,90.
Considerando
regionais,
o
estado
as
diferenças
do
Maranhão,
situações de discriminação e preconceito
pertencente ao Nordeste é aquele que
racial em todas essas estruturas acima
proporcionava a menor expectativa de vida
posta, convivemos também com essas ações
a sua população em todo o território
entre os alunos e professores, profissionais
nacional (o negro tem uma expectativa de
da saúde e seus pacientes, vendedores e
vida de 60,9 enquanto o branco 63,9), já na
clientes,
empregado,
região Sul, o estado de Santa Catarina é o
vizinhos, parentes, sendo o mais grave a
que apresentava as maiores taxas de
naturalização desses atos e relações sociais
longevidade (entre os negro a taxa é de
deturpadas pela intolerância a diversidade.
70,16 já entre os brancos é de 74,24), e em
empregador
e
Esta formação que nos impõe a
desigualdade racial promove em certa
medida a desigualdade de renda.
No artigo de Brito (2008) ao falar
todas as situações o negro tem menos
esperança de vida.
A questão da renda per capita, da
educação, da longevidade entre outras
sobre a desigualdade e indigência, ele
permite
a
formulação
do
Índice
de
expõe a classificação da indigência que é
Desenvolvimento Humano (IDH), e este
8
por sua vez também demonstra a situação
CIÊNCIA E CONCEITO DE CULTURA
de desvantagem da população negra no que
se refere à população branca de nosso país,
Abaixo discutiremos de forma mais
o que é demonstrado a partir dos dados do
ampla a idéia de cultura, por agora basta
Ipea em 2008 o índice de rendas da
compreender que o conceito de cultura foi
população branca é 0,776 e da negra é de
desenvolvido com maior eficácia pela
0,623, assim como o de longevidade para a
antropologia que é a ciência do homem no
população branca é de 0,775 e para a negra
sentido mais lato, que engloba origens,
de 0,686, no que concerne a educação o
evolução,
índice em relação ao povo branco é de
materiais e culturais, fisiologia, psicologia,
0,891 e 0,799 para o povo negro, o que
características “raciais”, costumes sociais,
culmina com o IDH em que os negros
crenças e etc.
aparecem com 0,703 e a população branca
com 0,814.
O
desenvolvimentos
homem
sempre
físicos
estudou
(interrogou) sobre si mesmo e em todas as
Sendo o IDH a média aritmética
sociedades houve homens que observavam
simples da renda familiar per capita média,
outros homens, no entanto, o projeto de
da longevidade e da taxa de alfabetização e
uma ciência do homem (antropologia) é
taxa bruta de freqüência à escola, daí,
recente e data do século XIX (Laplantine,
podemos dizer de forma categórica que os
1991, p.13), isso porque toda e qualquer
negros, quando comparados aos brancos,
ciência para existir precisa que haja método
sofrem pela desigualdade social que é a
e objetividade, algo que só ocorreu para o
somatória de uma educação desigual, até
estudo do homem após o Iluminismo e a
mesmo com acesso desiguais a educação, a
Revolução Industrial.
salários
mais
baixos,
ou
falta
de
Depois
a
das
duas
saber,
a
grandes
oportunidades no mundo do trabalho, assim
Revoluções,
Francesa
e
como, a má alimentação, a má condição de
Industrial, surgiu o pensamento Iluminista e
moradia e programas de saúde precária.
Positivista em que o homem passa a ser
Toda essa desigualdade econômica e de
objeto de conhecimento do próprio homem
situações nos permite compreender que
e não mais a “natureza” no centro, o meio
embora o Brasil seja um país com leis que
ambiente, ou mesmo a mitologia, o cósmico
prezam pela igualdade formal o que dar
ou teológico. Enquanto o positivismo que é
margem para a idéia de democracia racial,
um sistema criado por Auguste Conte se
de fato não é o que vivenciamos.
Propõe a ordenar as ciências experimentais
contrarias a metafísica, o iluminismo que
9
foi um movimento intelectual do século
O problema é que influenciados por
XVIII se caracteriza pela centralidade da
estudos de Jean Baptiste Lamack (1744-
ciência e propõe a confiança na Razão e nas
1829) e Charles Darwin (1809-1882), assim
ciências como motores do progresso, uma
como, influenciado pelo próprio modelo de
vez que a razão exige uma maior ligação
estudo biológico, que a antropologia adotou
com o empirismo, considerando que tudo
na busca por compreender as diferentes
merece ser provado através de textos e/ou
culturas passando a constituir estudos das
experiências.
formas
Se para ser ciência é preciso
de
crânios,
mensurações
do
esqueleto, tamanho, peso, cor da pele,
projeto
anatomia comparada as “raças” e dos sexos.
antropológico por não possuir os seus
Toda essa conjuntura propiciou o
métodos
próprios,
e
objetividade,
começou
o
utilizando
métodos
desenvolvimento e a ratificação de posturas
comuns a física e a biologia, por isso esse
eurocêntricas e etnocêntricas, uma vez que
determinismo biológico e a tentativa de
o etnocentrismo se caracteriza por uma
diferenciar os povos por meio de caracteres
visão de mundo que considera o seu grupo
objetivos
caráter
étnico, nação ou nacionalidade socialmente
subjetivo da construção de um povo foi
mais importante do que os demais, partindo
bastante comum no início desta ciência.
de uma postura em que as normas e valores
desconsiderando
o
Na tentativa de compreender as
diversas culturas os primeiros antropólogos
da sociedade de quem observa servi como
critério de avaliação para todas as demais.
encontraram como saída o estudo de
Se por um lado este modelo de
sociedades longínquas ou simples que
observação trouxe diversos problemas, por
tiveram pouco contato com sociedades
outro, quando estudado corretamente, o fato
vizinhas, isso por que nas ciências que
de observar aquele que está distante de nós
estudam os homens não dar para fazer
em termos de aspectos culturais, nos
como na ciência biológica e cria um
possibilita compreender aos outros e a nós
“sistema” dentro de um laboratório, mas
mesmo
tendo a antropologia tomando emprestados
descobrirmos que muito daquilo em que
os métodos da biologia precisava separar o
acreditávamos ser natural (intrínseco) é na
objeto observado do sujeito observante,
realidade exclusivamente cultual. É o que o
neste caso temos que entender que as
que nos deixa como lição o antropólogo
sociedades longínquas ou simples que eram
brasileiro Roberto DaMatta ao falar da
distantes do centro europeu passou a ser a
interação entre o pesquisador e o sujeito
alternativa para o estudo antropológico.
investigado,
pelo
que
simples
por
motivo
diversas
de
vezes
10
(Secretaria da educação, 2009:1ª série,
vol. 3, p. 29).
compartilham de um mesmo universo das
experiências humanas.
Franz Boas (1858-1942), nascido
Apesar das diferenças e por causa
delas, nós sempre nos reconhecemos
nos outros e eu estou inclinado a
acreditar que a distância é o elemento
fundamental na percepção da igualdade
entre os homens. Desse modo, quando
vejo um costume diferente é que acabo
reconhecendo, pelo contraste, o meu
próprio costume. (Damatta, 1987, p.
24).
na Alemanha viveu muitos anos nos
Estados Unidos, foi o antropólogo que
desenvolveu as bases de uma Antropologia
Cultural que não aceita as concepções do
evolucionismo, que era predominante nos
estudos antropológicos. Ele estabeleceu a
crítica aos determinismos biológicos e
Neste
salientarmos
momento
que
é
importante
diversos
estudos
antropológicos ao longo da história desta
geográficos,
e
buscou
demonstrar
a
relevância dos estudos minuciosos de cada
cultura.
ciência demonstraram que a diferenciação
É dessa forma que Boas entende
entre as pessoas e sociedades são todas no
que
âmbito cultural, ou seja, as diferenças
singularidade e demonstrar a diversidade
surgem por meio da tradição, dos hábitos e
humana e as diferenças culturais existentes.
costumes de um determinado povo.
De uma forma mais ampla, podemos
é
possível
compreender
as
Boas ainda contribuiu de forma
significativa
para
a
compreensão
da
dizer que “cultura” é tudo aquilo que as
diversidade a partir da antropologia quando
pessoas cultivam, seja em termos da
criou
agricultura, do conhecimento, da arte, ou
metodológica do relativismo cultural, ou
mesmo de hábitos ou costumes. Já para a
seja, a orientação para se praticar uma
Antropologia
postura crítica ao etnocentrismo, de maneira
e
a
Sociologia,
especificamente, cultura significa:
e
desenvolveu
a
proposta
a evitar que o conjunto de crenças e valores
prejudique no estudo de outras etnias.
Tudo aquilo que o homem vivencia,
realiza e transmite por meio da
linguagem; ou seja, a cultura está
relacionada
com
os
conteúdos
simbólicos da vida. Ou então, como
alguns diriam, está relacionada com os
mecanismos de controle dos indivíduos
em sociedade, isto é, sistemas de
símbolos entrelaçados e interligados
que fornecem para os indivíduos um
modo de pensar, de agir e de sentir.
É exatamente essa postura que
permite entendermos que os homens se
diferenciam por meio de suas culturas, das
formas de organização, modelo de vida e
interpretação do mundo em que vivem. Isso
nos permite falarmos em culturas, e não
mais em uma única cultura que deveria ser
11
seguida, daí a idéia de civilizados e não
avaliar
o
estágio
de
civilizados e da Europa como centro do
desenvolvimento
mundo passa a ser questionada, por conta
concepção
vinculada
do reconhecimento da diversidade existente
biológico
e
entre as sociedades humanas.
compreendemos que o que nos une e o que
de
progresso
uma
ao
e
sociedade,
determinismo
geográfico,
hoje
já
Outro nome muitíssimo relevante
nos separa como seres humanos são as
no que concerne a discussão das formações
culturas, porem estas são produtos de nós
e modelos culturais é do antropólogo
mesmos ao passo em que elas também nos
Claude Lévi-Strauss (1908-2009), um dos
produzem, mas sempre de modo subjetivo e
fundadores do moderno estruturalismo, ele
simultâneo
é uma referência significativa nos estudos
produtores de cultura, ao longo de nosso
da sociologia da cultura. Lévi-Strauss vai
ininterrupto e permanente processo de
além dos demais quando entende que é
socialização.
necessário buscar os “invariantes universais
porque
somos
produto
e
Segundo Linton “uma das mais
que estruturavam a produção de códigos
importantes
simbólicos
unidade
modernos é o reconhecimento da cultura”,
psíquica do homem”. (Maia; Pereira, 2009,
pois para ele é o que nos permite se
p. 70-71)
conhecermos e compreendermos aquele que
e
expressavam
Lévi-Strauss,
ao
a
estudar
conquistas
dos
tempos
as
está distante de nós. E para ilustrar e deixar
culturas, destaca a necessidade de constituir
mais evidente a sua teoria ele cria a
os fatos que fazem referência à mente
seguinte proposição: “tem-se dito que a
humana e às suas organizações sociais. É na
última
criação de regras, como na proibição do
profundezas do mar descobriria seria,
incesto, que ele identifica a existência de
justamente, a água. Ele só se tornaria
um padrão de comportamento comum em
consciente da existência desta, se algum
todas as sociedades, o que corrobora para a
acidente o trouxesse à superfície e o
tese de existências de formas regulares de
introduzisse na atmosfera”, aqui ele ratifica
estruturação das culturas.
a necessidade do estranhamento, ou seja, de
coisa
que
um
habitante
das
Aqui mais uma vez é importante
se distanciar de seus próprios valores e
retomarmos a idéia de que o que nós temos
costumes para melhor entender aquilo que
em comum em todas as culturas é a
tomávamos como natural ou imutável e
capacidade de resolver de modos diferentes
assim ter um melhor conhecimento de si
os mesmos problemas, e se antes se
próprio e do outro partindo do contraste que
entendia que a cultura era a forma de
evidencia a existência de culturas. Para
12
Linton “não é acidentalmente que a
que se faz possível estabelecer o relativismo
compreensão da cultura pelos cientistas
cultural.
modernos derivou grandemente do estudo
A alteridade é um estado ou
de culturas não européias, cuja observação
qualidade que se constitui através de
pôde ser facilitada pelo contraste”. E acaba
relações de contraste, distinção, diferença
por defini que “aqueles que não conhecem
relegada ao plano de realidade não essencial
outra cultura, senão a sua própria, não
pela metafísica antiga, a alteridade adquire
podem conhecer nem mesmo esta”. (Linton
centralidade e relevância ontológica na
apud Pereira; Foracchi, 1977, p. 49-50).
filosofia
É a partir da desnaturalização da
moderna
(hegelianismo)
e
contemporânea (pós-estruturalismo).
vida em sociedade que podemos organizar
Quando nós nascemos não temos
as diferenças culturais como mediação
inserido em nós o conceito de alteridade, o
necessária para se estabelecer uma forma de
processo de internalização é desenvolvido
conhecimento crítico apto de compreender
lentamente, a exemplo disso podemos
a existência humana, na medida em que são
lembrar que as crianças recém-nascidas só
essas diferenças que explicam o que nos
reconhecem as suas próprias necessidades,
une e o que nos separa enquanto seres
e para elas não existem o antes, sendo elas
humanos.
mesmas a razão da existência do mundo,
por não conceber o outro como igual, mas
SUPERAÇÃO: DA ALTERIDADE AO
como aquele que está para satisfazer suas
RELATIVISMO CULTURAL
carências. Somente ao compreender que o
mundo existe antes e continuará a existir
Como vimos no item anterior o
depois de si e que o outro é um possível
relativismo é uma doutrina segundo a qual
dele mesmo é que o sujeito alcança um
os valores morais não apresentam validade
determinado grau de alteridade.
universal e absoluta, diversificando-se ao
A relação de cada membro de uma
sabor de circunstâncias históricas, políticas
cultura é de “identidade”, a relação de
e culturais. Nesse sentido a antropologia é a
membros de culturas diferentes deve ser de
ciência da diferença, da alteridade, uma vez
“alteridade”.
que a alteridade se opõe a identidade; o
Para Tugendhat (1999, p. 362), um
radical (alter), em latim, significa “outro”,
dos
portanto se o EU define a identidade, o
contemporaneidade,
Outro caracteriza a alteridade, e justamente
pressuposto
por perceber e se colocar no lugar do outro
entender que a conduta moral e ética
maiores
filósofos
a
universal
alemão
ética
da
tem
um
justamente
por
13
consiste em reconhecer o outro como
brasileira, bem como da Educação para
sujeito de direitos iguais e, deste modo, os
Relações
compromissos que temos em relação ao
obrigatório do ensino fundamental e médio.
outro correspondem, por sua vez, a direitos
Essa postura de compreender a
que não firam a particularidade de cada um
história do negro enquanto sujeito de nossa
e devem ser respeitados.
sociedade e do mundo tem como função
Deste
modo,
currículo
corrigir os diversos equívocos cometidos
mazelas criadas pelo sentimento e teorias
pelo fato da história oficial ter quase
eurocêntricas, etnocêntricas e racistas se faz
sempre
preciso que ocorram debates intensos que
significância secundária, e esquecendo seus
contemplem
heróis
envolvidos,
superar
no
as
a
para
Étnico-Raciais
realidade
sem
local
dos
esquecer-se
de
contextualizar com a totalidade ou pelo
relegado
ou
aos
mesmo
negros
deturpando
uma
os
acontecimentos para transformá-los em
insubordinados ou contraventores.
menos interpor com um grupo distinto, e
Embora no Brasil, por meio da
para isso a visão daquele que introduz o
hipocrisia,
tema,
respeita,
democracia racial, ou seja, boa parte das
valoriza, incorpora e problematiza as
manifestações racistas ocorre de modo
experiências
velado, enquanto muitos propagam que
enquanto
alguém
diferentes
que
de
todos
é
fundamental.
vivenciamos
o
mito
da
efetivamente vivemos em uma sociedade
Somente conhecendo como ocorre o
livre do preconceito racial e do racismo em
processo de naturalização do preconceito e
relação aos negros, na realidade há uma
do estereótipo em nossa subjetividade, que
desvalorização, que se junta há uma
faz
desqualificação e desumanização, o que
com
que
todos,
voluntária
ou
involuntariamente, se tornem cúmplices de
culmina
sua perpetuação é que possibilita construir
simbólico das tradições, saberes e fazeres
o caminho inverso para a desnaturalização.
do povo afro-descendente que vive neste
Nesse
contexto,
que
muitos
com
o
não
reconhecimento
país.
estudiosos compreendem como necessidade
Essa conjuntura dificulta a auto-
o fortalecimento da identidade dos negros
estima e o auto-reconhecimento do negro
brasileiros, estimulado pelo conhecimento
em relação a sua condição étnica. Contudo,
do continente africano e de sua cultura.
ao contrário do que se costuma dizer
Sendo exatamente isso que motivou o
exatamente para ferir a imagem do negro,
projeto Lei 10.639 a qual torna obrigatória
não é uma questão de preconceito sobre si
o estudo da História e Cultura Afro-
mesmo, mas de auto proteção e mesmo de
14
busca da inserção a sociedade de forma
instituições ao qual fazemos parte, sejam
plena, algo que o negro hoje não desfruta,
elas
basta ver o baixo índice de protagonistas
familiares entre outras.
religiosas,
políticas,
econômicas,
negros em novelas, filmes e programas
Podemos compreender que, uma
televisivos, assim como, nos cargos de
vez que, houve uma hierarquização cultural
chefias das diversas áreas de atuação.
nas sociedades ocidentais atuais, seguir
Porem é importante salientar a necessidade
uma postura que busque o relativismo
de romper com esse recurso de não
cultural
afirmação da sua própria condição e buscar
(re)conhecer e compreender o diferente, não
superar os limites impostos a essa parcela
apenas entre as diferentes culturas do
da população por meio do diálogo, da
mundo
interação, da conscientização e do direito
sociedade em que vivemos.
constitui
ocidental,
a
possibilidade
mas
de
também,
na
efetivo, de forma que o direito a igualdade
Não é em ignora essa discussão, e
deixe de ser meramente formal e passe a ser
muito menos em criar uma fantasia em que
existente de fato.
nela não existam problemas a serem
Um exemplo dessa tentativa de
resolvidos que chegaremos às melhores
perpetuação do negro enquanto um sujeito
soluções
para
a
questão
“racial”,
é
vitimizado pode ser observado no que se
necessário superar a condição acrítica,
refere à formação de nossas crianças e
superficial e do senso comum que essa
jovens por meio dos nossos livros didáticos,
temática carrega como legado.
que destinados ao ensino-aprendizagem dos
Com isso, almejamos propor um
estudantes, costumam trazer a imagem dos
diálogo que se tornou possível a partir do
negros
selvagens,
conhecimento sociológico e antropológico
incultos, submissos, explorados e, por fim,
para nos tornarmos capazes de questionar
sempre derrotados. Entretanto, é crucial
criticamente
mudar a postura, o material e, sobretudo a
visão/postura etnocentrista de nossa própria
forma de abordagem da história desse povo
sociedade/cultura, superando a situação
que hoje é representada por uma parcela
vigente, uma vez que sem (re)conhecimento
significativa do povo brasileiro.
não poderemos compreender a sociedade
sempre
oprimidos,
É preciso que ao estudar, discutir ou
teorizarmos sobre o racismo percebamos
que não se trata de algo distante e que está
“lá”
na
sociedade,
e
que
não
nos
compromete diretamente, ou mesmo as
a
em que vivemos.
hegemonia
de
uma
15
REFERENCIAS
sociologia da educação. 8. Ed. São Paulo:
Editora Nacional, 1977.
BRITO, F. Transição demográfica e
desigualdades sociais no Brasil. Revista
Brasileira de Estudos de População, São
Paulo: Scielo, n. 1, vol. 25, jan./jun. 2008.
MAIA, J. M. E.; PEREIRA, L. F. A.
Pensando com a sociologia. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2009. (Coleção FGV
de Bolso, série Sociedade e Cultura).
DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma
introdução à antropologia social. Rio de
Janeiro: Rocco, 1987
LAPLANTINE,
François.
Aprender
Antropologia. 4. Ed. São Paulo – SP:
Brasiliense, 1991.
LINTON,
Ralph.
Condicionamento
Sociocultural da Personalidade.
In:
PEREIRA, Luiz; FORACCHI, Maria M
(org.). Educação e Sociedade: Leituras de
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro, a
Formação e o Sentido do Brasil. 2ª Ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Secretaria da educação; coordenação geral
Maria Inês Fini; equipe, Heloisa H. T. de S.
Martins, Melissa de M. Pimenta, Stella C.
Schrijnemaekers. Caderno do Professor
Volume Três 1ª série, São Paulo: SEE,
2009.
TUGENDHAT, E. Lições sobre ética.
Petrópolis: Vozes, 1999.
Download

a formação do povo brasileiro e suas consequências no