4 Artigo original A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO ÂMBITO ANTROPOLÓGICO RIBEIRO, Josuel Stenio da Paixão1 Josuel Stenio da Paixão Artigo submetido em 22/07/2012 Aceito em 15/08/2012 Correio eletrônico: [email protected] RESUMO Ao pensarmos a formação do povo Brasileiro e sua imensa diversidade étnica atrelada a uma postura de preconceito centenária que data da época da colonização procuramos buscar as raízes desses preconceitos, afim de, elencar elementos de superação. Tratando de alguns elementos centrais como o relativismo cultural/alteridade como antídoto para o etnocentrismo. Palavras-chave: etnocentrismo – povo brasileiro – superação. ABSTRACT When thinking about the formation of the Brazilian people and their immense ethnic diversity linked to an attitude of prejudice centennial dating from the time of colonization try to seek the roots of these prejudices, in order to, to list elements overcoming. Addressing some key elements such as culture relativism / otherness as an antidote to ethnocentrism. Key-words: preconception - Brazilian people - overcoming. 1 Mestre em Ciências Sociais pelo programa de pós-graduação em Ciências Sociais na UNESP/Marília-SP. Membro dos grupos de estudos: “Filosofia Contemporânea: Habermas”; “Organização e Democracia” e “Teoria Crítica: racionalidade comunicativa e reconhecimento social”. Docente da Faculdade de Presidente Prudente (UNIESP). Também é professor de Sociologia e Filosofia na rede pública do Estado de São Paulo pela Escola Estadual Comendador Tannel Abbud em Presidente Prudente - SP. e-mail: [email protected] 5 A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO “regra” era que os mulatos eram filhos bastardos de senhores escravistas brancos O Brasil de hoje é um dos países mais miscigenados do mundo graças a sua com negras escravas que quase sempre eram violentadas. formação recente e diversa, vários povos Podemos observar que além do contribuíram para a formação do Brasil, a índio que teve o seu território invadido, saber, suas crenças violentadas, seus hábitos os nativos (os índios), os colonizadores principais (os portugueses), transformados os “demais colonizadores” em forma de investidas contra a sua liberdade, temos o imigrantes como (franceses, Holandeses, negro que foi trazido para o Brasil de forma posteriormente Japoneses, compulsória, arrancados de sua terra natal, alemães entre outros), e na história mais de suas famílias, de seu povo. Ainda nos recente com maior intensidade temos navios negreiros que faziam o tráfico de coreanos, nigerianos, bolivianos e peruanos, escravos, os negros com os mesmos além daqueles aqui não mencionados, e dialetos eram separados, a fim de, não se ainda os que são objeto de nossa discussão comunicassem uns com os outros e não (os negros) que vieram para o Brasil de promovessem movimentos de resistência, forma compulsória a datar do início da além de ser tornarem ainda mais frágeis em colonização até final do século XIX. suas condições recentes de escravos. Italianos, e sofreram diversas Exatamente por sermos um país Segundo Darcy ribeiro em sua obra miscigenado onde há uma interação entre as O povo brasileiro: A formação e o sentido diversas etnias aqui existentes é que foram do Brasil “O espantoso é que os índios criadas três categorias para definir o “fruto” como os pretos, postos nesse engenho das relações entre brancos, negros e índios, deculturativo, sendo o mameluco a descendência do humanos” (2001, p. 118), aqui ele fez uma índio(a) com o branco(a), em que nos alusão a todo sofrimento e imposições primeiros tempos, geralmente era, a índia feitas pelos colonizadores ao povo indígena com o branco por meio de relações sexuais e ao povo negro trazido da África. consigam permanecer forçadas; o cafuzo que é relativo a É relevante lembrarmos que nos descendência do negro(a) com o índio(a) e primeiros anos de colonização os índios por fim o mulato que é relativo a eram escravizados para as tarefas mais descendência do negro(a) com o branco(a), árduas, porem por conhecerem bem o sendo que no início de nossa colonização a território, eles conseguiam se articular mais 6 facilmente, tanto para a defesa quanto para através de um olhar imediatista, inflexível e o resgate de índios aprisionados, além de acrítico, exatamente por não conhecer de estarem habituados com uma dinâmica de forma efetiva a realidade analisada e se trabalho totalmente diferente àquela a que valer de conceitos prévios sem intenção de queriam submetê-los, com isso, a opção de colocá-los a prova. escravizar os negros fora menos difícil por O ato de discriminar passa longe de estes serem trazidos há um lugar distante e ser apenas o ato de criar e separar com base não terem articulação entre si. em categorias. Por exemplo, ao criar a Com o “fim” da escravidão legal em categoria cor, e discriminá-las agregando 1888 se instalou no Brasil uma falsa idéia valores cria-se por conseqüência de convívio harmônico entre as diversas hierarquias. É a partir dessa ação que se etnias, contudo chegam a ser corriqueiras as desenvolvem a discriminação racial, que é o práticas de etnocentrismo, preconceito e ato de hierarquizar as pessoas tendo como discriminação. base sua cor da pele, com isso, a O etnocentrismo tão presente até nos conseqüência é a ofensa, a exclusão, o dias de hoje, é uma postura vinculada ao menosprezo e o desprezo com vistas a modo do(s) individuo(s) verem o mundo inferiorizar uma determinada etnia. exclusivamente a partir de seu próprio É importante compreender que as ponto de vista, pelo qual tendem, a rejeitar, ações de discriminação podem ocorrer por negar, recusar e até mesmo agir com meios de atos explícitos ou velados, preconceito e discriminar qualquer cultura dirigidos diretamente à pessoa ou a grupos, que não seja igual a sua. Sendo o ou de forma indireta atacando instituições, relativismo cultural um antídoto por tratar corporações, crenças ou hábitos vinculados as múltiplas sociedades enquanto iguais de a uma etnia em particular. direitos ao passo em que se respeitam as O etnocentrismo, e o preconceito se suas diferenças, dessa forma, o relativismo mostram evidente no Brasil quando cultural metodologicamente se posiciona de observamos o conteúdo da programação da modo contrário a postura defendida pelo televisão e das revistas, dos meios de etnocentrismo, assim, propõe uma postura comunicação como um todo, em que de compreensão e aceitação do outro. excluem ou coloca os negros de uma Uma das facetas do etnocentrismo maneira bem singular, quase não fazendo se manifesta por meio do preconceito que é menção sobre temas ou assuntos vinculados um juízo preestabelecido, baseado na à cultura negra. O que se evidencia é um simples crença ou opinião que é formada 7 contraste entre o número de negros em estabelecida pelo percentual de pessoas nossa sociedade e sua representatividade. com renda domiciliar per capita menor que O preconceito racial e o racismo no R$ 37,75, ou análogo a ¼ do salário Brasil se manifestam no cotidiano das mínimo vigorante em agosto de 2000. Em relações pessoais, materializando-se nas seguida Brito ao considerar o critério da cor empresas privadas, nas repartições públicas, demonstra como nessa mesma época a nos prédios, miséria atinge muito mais aos negros que condomínios e casas de diversas famílias, aos brancos, ao passo que 10,01% dos assim como, nos locais de formação, tal indivíduos com essa renda eram brancas e qual, universidades, cursos técnicos, escolas 23,80% eram negras. locais de moradias, de formação inicial com seus livros Outro dado que nos referenda no didáticos em que retrata o negro geralmente que concerne a discriminação racial e sua de modos pejorativos os colocando como interferência nas questões objetivas é a sujeitos passivos da história, tendo apenas esperança de vida ao nascer no ano 2000, as pessoas brancas como referências, e no estado de São Paulo, ainda de acordo quase sem exceção, os negros aparecem com dados do Ipea, era de 72,30 anos para nesses os brancos enquanto que para os negros era materiais exclusivamente para delinear o período escravista do Brasil. Contudo, ainda convivemos com 69,90. Considerando regionais, o estado as diferenças do Maranhão, situações de discriminação e preconceito pertencente ao Nordeste é aquele que racial em todas essas estruturas acima proporcionava a menor expectativa de vida posta, convivemos também com essas ações a sua população em todo o território entre os alunos e professores, profissionais nacional (o negro tem uma expectativa de da saúde e seus pacientes, vendedores e vida de 60,9 enquanto o branco 63,9), já na clientes, empregado, região Sul, o estado de Santa Catarina é o vizinhos, parentes, sendo o mais grave a que apresentava as maiores taxas de naturalização desses atos e relações sociais longevidade (entre os negro a taxa é de deturpadas pela intolerância a diversidade. 70,16 já entre os brancos é de 74,24), e em empregador e Esta formação que nos impõe a desigualdade racial promove em certa medida a desigualdade de renda. No artigo de Brito (2008) ao falar todas as situações o negro tem menos esperança de vida. A questão da renda per capita, da educação, da longevidade entre outras sobre a desigualdade e indigência, ele permite a formulação do Índice de expõe a classificação da indigência que é Desenvolvimento Humano (IDH), e este 8 por sua vez também demonstra a situação CIÊNCIA E CONCEITO DE CULTURA de desvantagem da população negra no que se refere à população branca de nosso país, Abaixo discutiremos de forma mais o que é demonstrado a partir dos dados do ampla a idéia de cultura, por agora basta Ipea em 2008 o índice de rendas da compreender que o conceito de cultura foi população branca é 0,776 e da negra é de desenvolvido com maior eficácia pela 0,623, assim como o de longevidade para a antropologia que é a ciência do homem no população branca é de 0,775 e para a negra sentido mais lato, que engloba origens, de 0,686, no que concerne a educação o evolução, índice em relação ao povo branco é de materiais e culturais, fisiologia, psicologia, 0,891 e 0,799 para o povo negro, o que características “raciais”, costumes sociais, culmina com o IDH em que os negros crenças e etc. aparecem com 0,703 e a população branca com 0,814. O desenvolvimentos homem sempre físicos estudou (interrogou) sobre si mesmo e em todas as Sendo o IDH a média aritmética sociedades houve homens que observavam simples da renda familiar per capita média, outros homens, no entanto, o projeto de da longevidade e da taxa de alfabetização e uma ciência do homem (antropologia) é taxa bruta de freqüência à escola, daí, recente e data do século XIX (Laplantine, podemos dizer de forma categórica que os 1991, p.13), isso porque toda e qualquer negros, quando comparados aos brancos, ciência para existir precisa que haja método sofrem pela desigualdade social que é a e objetividade, algo que só ocorreu para o somatória de uma educação desigual, até estudo do homem após o Iluminismo e a mesmo com acesso desiguais a educação, a Revolução Industrial. salários mais baixos, ou falta de Depois a das duas saber, a grandes oportunidades no mundo do trabalho, assim Revoluções, Francesa e como, a má alimentação, a má condição de Industrial, surgiu o pensamento Iluminista e moradia e programas de saúde precária. Positivista em que o homem passa a ser Toda essa desigualdade econômica e de objeto de conhecimento do próprio homem situações nos permite compreender que e não mais a “natureza” no centro, o meio embora o Brasil seja um país com leis que ambiente, ou mesmo a mitologia, o cósmico prezam pela igualdade formal o que dar ou teológico. Enquanto o positivismo que é margem para a idéia de democracia racial, um sistema criado por Auguste Conte se de fato não é o que vivenciamos. Propõe a ordenar as ciências experimentais contrarias a metafísica, o iluminismo que 9 foi um movimento intelectual do século O problema é que influenciados por XVIII se caracteriza pela centralidade da estudos de Jean Baptiste Lamack (1744- ciência e propõe a confiança na Razão e nas 1829) e Charles Darwin (1809-1882), assim ciências como motores do progresso, uma como, influenciado pelo próprio modelo de vez que a razão exige uma maior ligação estudo biológico, que a antropologia adotou com o empirismo, considerando que tudo na busca por compreender as diferentes merece ser provado através de textos e/ou culturas passando a constituir estudos das experiências. formas Se para ser ciência é preciso de crânios, mensurações do esqueleto, tamanho, peso, cor da pele, projeto anatomia comparada as “raças” e dos sexos. antropológico por não possuir os seus Toda essa conjuntura propiciou o métodos próprios, e objetividade, começou o utilizando métodos desenvolvimento e a ratificação de posturas comuns a física e a biologia, por isso esse eurocêntricas e etnocêntricas, uma vez que determinismo biológico e a tentativa de o etnocentrismo se caracteriza por uma diferenciar os povos por meio de caracteres visão de mundo que considera o seu grupo objetivos caráter étnico, nação ou nacionalidade socialmente subjetivo da construção de um povo foi mais importante do que os demais, partindo bastante comum no início desta ciência. de uma postura em que as normas e valores desconsiderando o Na tentativa de compreender as diversas culturas os primeiros antropólogos da sociedade de quem observa servi como critério de avaliação para todas as demais. encontraram como saída o estudo de Se por um lado este modelo de sociedades longínquas ou simples que observação trouxe diversos problemas, por tiveram pouco contato com sociedades outro, quando estudado corretamente, o fato vizinhas, isso por que nas ciências que de observar aquele que está distante de nós estudam os homens não dar para fazer em termos de aspectos culturais, nos como na ciência biológica e cria um possibilita compreender aos outros e a nós “sistema” dentro de um laboratório, mas mesmo tendo a antropologia tomando emprestados descobrirmos que muito daquilo em que os métodos da biologia precisava separar o acreditávamos ser natural (intrínseco) é na objeto observado do sujeito observante, realidade exclusivamente cultual. É o que o neste caso temos que entender que as que nos deixa como lição o antropólogo sociedades longínquas ou simples que eram brasileiro Roberto DaMatta ao falar da distantes do centro europeu passou a ser a interação entre o pesquisador e o sujeito alternativa para o estudo antropológico. investigado, pelo que simples por motivo diversas de vezes 10 (Secretaria da educação, 2009:1ª série, vol. 3, p. 29). compartilham de um mesmo universo das experiências humanas. Franz Boas (1858-1942), nascido Apesar das diferenças e por causa delas, nós sempre nos reconhecemos nos outros e eu estou inclinado a acreditar que a distância é o elemento fundamental na percepção da igualdade entre os homens. Desse modo, quando vejo um costume diferente é que acabo reconhecendo, pelo contraste, o meu próprio costume. (Damatta, 1987, p. 24). na Alemanha viveu muitos anos nos Estados Unidos, foi o antropólogo que desenvolveu as bases de uma Antropologia Cultural que não aceita as concepções do evolucionismo, que era predominante nos estudos antropológicos. Ele estabeleceu a crítica aos determinismos biológicos e Neste salientarmos momento que é importante diversos estudos antropológicos ao longo da história desta geográficos, e buscou demonstrar a relevância dos estudos minuciosos de cada cultura. ciência demonstraram que a diferenciação É dessa forma que Boas entende entre as pessoas e sociedades são todas no que âmbito cultural, ou seja, as diferenças singularidade e demonstrar a diversidade surgem por meio da tradição, dos hábitos e humana e as diferenças culturais existentes. costumes de um determinado povo. De uma forma mais ampla, podemos é possível compreender as Boas ainda contribuiu de forma significativa para a compreensão da dizer que “cultura” é tudo aquilo que as diversidade a partir da antropologia quando pessoas cultivam, seja em termos da criou agricultura, do conhecimento, da arte, ou metodológica do relativismo cultural, ou mesmo de hábitos ou costumes. Já para a seja, a orientação para se praticar uma Antropologia postura crítica ao etnocentrismo, de maneira e a Sociologia, especificamente, cultura significa: e desenvolveu a proposta a evitar que o conjunto de crenças e valores prejudique no estudo de outras etnias. Tudo aquilo que o homem vivencia, realiza e transmite por meio da linguagem; ou seja, a cultura está relacionada com os conteúdos simbólicos da vida. Ou então, como alguns diriam, está relacionada com os mecanismos de controle dos indivíduos em sociedade, isto é, sistemas de símbolos entrelaçados e interligados que fornecem para os indivíduos um modo de pensar, de agir e de sentir. É exatamente essa postura que permite entendermos que os homens se diferenciam por meio de suas culturas, das formas de organização, modelo de vida e interpretação do mundo em que vivem. Isso nos permite falarmos em culturas, e não mais em uma única cultura que deveria ser 11 seguida, daí a idéia de civilizados e não avaliar o estágio de civilizados e da Europa como centro do desenvolvimento mundo passa a ser questionada, por conta concepção vinculada do reconhecimento da diversidade existente biológico e entre as sociedades humanas. compreendemos que o que nos une e o que de progresso uma ao e sociedade, determinismo geográfico, hoje já Outro nome muitíssimo relevante nos separa como seres humanos são as no que concerne a discussão das formações culturas, porem estas são produtos de nós e modelos culturais é do antropólogo mesmos ao passo em que elas também nos Claude Lévi-Strauss (1908-2009), um dos produzem, mas sempre de modo subjetivo e fundadores do moderno estruturalismo, ele simultâneo é uma referência significativa nos estudos produtores de cultura, ao longo de nosso da sociologia da cultura. Lévi-Strauss vai ininterrupto e permanente processo de além dos demais quando entende que é socialização. necessário buscar os “invariantes universais porque somos produto e Segundo Linton “uma das mais que estruturavam a produção de códigos importantes simbólicos unidade modernos é o reconhecimento da cultura”, psíquica do homem”. (Maia; Pereira, 2009, pois para ele é o que nos permite se p. 70-71) conhecermos e compreendermos aquele que e expressavam Lévi-Strauss, ao a estudar conquistas dos tempos as está distante de nós. E para ilustrar e deixar culturas, destaca a necessidade de constituir mais evidente a sua teoria ele cria a os fatos que fazem referência à mente seguinte proposição: “tem-se dito que a humana e às suas organizações sociais. É na última criação de regras, como na proibição do profundezas do mar descobriria seria, incesto, que ele identifica a existência de justamente, a água. Ele só se tornaria um padrão de comportamento comum em consciente da existência desta, se algum todas as sociedades, o que corrobora para a acidente o trouxesse à superfície e o tese de existências de formas regulares de introduzisse na atmosfera”, aqui ele ratifica estruturação das culturas. a necessidade do estranhamento, ou seja, de coisa que um habitante das Aqui mais uma vez é importante se distanciar de seus próprios valores e retomarmos a idéia de que o que nós temos costumes para melhor entender aquilo que em comum em todas as culturas é a tomávamos como natural ou imutável e capacidade de resolver de modos diferentes assim ter um melhor conhecimento de si os mesmos problemas, e se antes se próprio e do outro partindo do contraste que entendia que a cultura era a forma de evidencia a existência de culturas. Para 12 Linton “não é acidentalmente que a que se faz possível estabelecer o relativismo compreensão da cultura pelos cientistas cultural. modernos derivou grandemente do estudo A alteridade é um estado ou de culturas não européias, cuja observação qualidade que se constitui através de pôde ser facilitada pelo contraste”. E acaba relações de contraste, distinção, diferença por defini que “aqueles que não conhecem relegada ao plano de realidade não essencial outra cultura, senão a sua própria, não pela metafísica antiga, a alteridade adquire podem conhecer nem mesmo esta”. (Linton centralidade e relevância ontológica na apud Pereira; Foracchi, 1977, p. 49-50). filosofia É a partir da desnaturalização da moderna (hegelianismo) e contemporânea (pós-estruturalismo). vida em sociedade que podemos organizar Quando nós nascemos não temos as diferenças culturais como mediação inserido em nós o conceito de alteridade, o necessária para se estabelecer uma forma de processo de internalização é desenvolvido conhecimento crítico apto de compreender lentamente, a exemplo disso podemos a existência humana, na medida em que são lembrar que as crianças recém-nascidas só essas diferenças que explicam o que nos reconhecem as suas próprias necessidades, une e o que nos separa enquanto seres e para elas não existem o antes, sendo elas humanos. mesmas a razão da existência do mundo, por não conceber o outro como igual, mas SUPERAÇÃO: DA ALTERIDADE AO como aquele que está para satisfazer suas RELATIVISMO CULTURAL carências. Somente ao compreender que o mundo existe antes e continuará a existir Como vimos no item anterior o depois de si e que o outro é um possível relativismo é uma doutrina segundo a qual dele mesmo é que o sujeito alcança um os valores morais não apresentam validade determinado grau de alteridade. universal e absoluta, diversificando-se ao A relação de cada membro de uma sabor de circunstâncias históricas, políticas cultura é de “identidade”, a relação de e culturais. Nesse sentido a antropologia é a membros de culturas diferentes deve ser de ciência da diferença, da alteridade, uma vez “alteridade”. que a alteridade se opõe a identidade; o Para Tugendhat (1999, p. 362), um radical (alter), em latim, significa “outro”, dos portanto se o EU define a identidade, o contemporaneidade, Outro caracteriza a alteridade, e justamente pressuposto por perceber e se colocar no lugar do outro entender que a conduta moral e ética maiores filósofos a universal alemão ética da tem um justamente por 13 consiste em reconhecer o outro como brasileira, bem como da Educação para sujeito de direitos iguais e, deste modo, os Relações compromissos que temos em relação ao obrigatório do ensino fundamental e médio. outro correspondem, por sua vez, a direitos Essa postura de compreender a que não firam a particularidade de cada um história do negro enquanto sujeito de nossa e devem ser respeitados. sociedade e do mundo tem como função Deste modo, currículo corrigir os diversos equívocos cometidos mazelas criadas pelo sentimento e teorias pelo fato da história oficial ter quase eurocêntricas, etnocêntricas e racistas se faz sempre preciso que ocorram debates intensos que significância secundária, e esquecendo seus contemplem heróis envolvidos, superar no as a para Étnico-Raciais realidade sem local dos esquecer-se de contextualizar com a totalidade ou pelo relegado ou aos mesmo negros deturpando uma os acontecimentos para transformá-los em insubordinados ou contraventores. menos interpor com um grupo distinto, e Embora no Brasil, por meio da para isso a visão daquele que introduz o hipocrisia, tema, respeita, democracia racial, ou seja, boa parte das valoriza, incorpora e problematiza as manifestações racistas ocorre de modo experiências velado, enquanto muitos propagam que enquanto alguém diferentes que de todos é fundamental. vivenciamos o mito da efetivamente vivemos em uma sociedade Somente conhecendo como ocorre o livre do preconceito racial e do racismo em processo de naturalização do preconceito e relação aos negros, na realidade há uma do estereótipo em nossa subjetividade, que desvalorização, que se junta há uma faz desqualificação e desumanização, o que com que todos, voluntária ou involuntariamente, se tornem cúmplices de culmina sua perpetuação é que possibilita construir simbólico das tradições, saberes e fazeres o caminho inverso para a desnaturalização. do povo afro-descendente que vive neste Nesse contexto, que muitos com o não reconhecimento país. estudiosos compreendem como necessidade Essa conjuntura dificulta a auto- o fortalecimento da identidade dos negros estima e o auto-reconhecimento do negro brasileiros, estimulado pelo conhecimento em relação a sua condição étnica. Contudo, do continente africano e de sua cultura. ao contrário do que se costuma dizer Sendo exatamente isso que motivou o exatamente para ferir a imagem do negro, projeto Lei 10.639 a qual torna obrigatória não é uma questão de preconceito sobre si o estudo da História e Cultura Afro- mesmo, mas de auto proteção e mesmo de 14 busca da inserção a sociedade de forma instituições ao qual fazemos parte, sejam plena, algo que o negro hoje não desfruta, elas basta ver o baixo índice de protagonistas familiares entre outras. religiosas, políticas, econômicas, negros em novelas, filmes e programas Podemos compreender que, uma televisivos, assim como, nos cargos de vez que, houve uma hierarquização cultural chefias das diversas áreas de atuação. nas sociedades ocidentais atuais, seguir Porem é importante salientar a necessidade uma postura que busque o relativismo de romper com esse recurso de não cultural afirmação da sua própria condição e buscar (re)conhecer e compreender o diferente, não superar os limites impostos a essa parcela apenas entre as diferentes culturas do da população por meio do diálogo, da mundo interação, da conscientização e do direito sociedade em que vivemos. constitui ocidental, a possibilidade mas de também, na efetivo, de forma que o direito a igualdade Não é em ignora essa discussão, e deixe de ser meramente formal e passe a ser muito menos em criar uma fantasia em que existente de fato. nela não existam problemas a serem Um exemplo dessa tentativa de resolvidos que chegaremos às melhores perpetuação do negro enquanto um sujeito soluções para a questão “racial”, é vitimizado pode ser observado no que se necessário superar a condição acrítica, refere à formação de nossas crianças e superficial e do senso comum que essa jovens por meio dos nossos livros didáticos, temática carrega como legado. que destinados ao ensino-aprendizagem dos Com isso, almejamos propor um estudantes, costumam trazer a imagem dos diálogo que se tornou possível a partir do negros selvagens, conhecimento sociológico e antropológico incultos, submissos, explorados e, por fim, para nos tornarmos capazes de questionar sempre derrotados. Entretanto, é crucial criticamente mudar a postura, o material e, sobretudo a visão/postura etnocentrista de nossa própria forma de abordagem da história desse povo sociedade/cultura, superando a situação que hoje é representada por uma parcela vigente, uma vez que sem (re)conhecimento significativa do povo brasileiro. não poderemos compreender a sociedade sempre oprimidos, É preciso que ao estudar, discutir ou teorizarmos sobre o racismo percebamos que não se trata de algo distante e que está “lá” na sociedade, e que não nos compromete diretamente, ou mesmo as a em que vivemos. hegemonia de uma 15 REFERENCIAS sociologia da educação. 8. Ed. São Paulo: Editora Nacional, 1977. BRITO, F. Transição demográfica e desigualdades sociais no Brasil. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo: Scielo, n. 1, vol. 25, jan./jun. 2008. MAIA, J. M. E.; PEREIRA, L. F. A. Pensando com a sociologia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. (Coleção FGV de Bolso, série Sociedade e Cultura). 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