PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - PPGD MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS João Antônio M. Peixoto OS DIREITOS HUMANOS, O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENCÃO E REPRESSÃO AOS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO MUNICÍPIO DE LAJEADO 2 Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2006. João Antônio M. Peixoto OS DIREITOS HUMANOS, O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENCÃO E REPRESSÃO AOS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO MUNICÍPIO DE LAJEADO Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito – Universidade de Santa Cruz do Sul, na área de Concentração Direitos Sociais e Políticas Públicas, na linha de Pesquisa do Constitucionalismo Contemporâneo. Orientadora: Profª. Dra. Marli Marlene Moraes da Costa Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2006. 3 4 AGRADECIMENTOS Agradeço aos que eu amo e sempre estiveram ao meu lado. À minha mãe pelo inestimável auxílio e apoio nos momentos mais difíceis desta jornada. Tudo que sou e consegui conquistar até hoje devo a você e ao meu pai, que mesmo na sua ausência, deixou um caminho para ser trilhado por seus filhos. Aos meus filhos Thael e Leandro que, mesmo pequenos, foram grandes para conseguir superar as dificuldades impostas pela minha ausência. A Valdiane pelo seu apoio, auxílio e carinho durante o transcurso desta etapa. Aos meus amigos e colegas João Alberto Selig e Elisabete pela compreensão e inestimável apoio, solidariedade e amizade. 5 A minha amiga Flávia e amigo Renato, grandes colegas e companheiros de Mestrado que, junto com Max e tantos outros, foram grandes companheiros na Academia. A minha amiga Dra. Sandra Vial pelo auxílio inicial que mostrou o caminho de volta à Academia; a minha amiga Roseli pela ajuda na minha pesquisa de campo, sem a qual não lograria o êxito pretendido. Em especial, agradeço a minha orientadora, Dra. Marli Marlene Moraes da Costa, que não economizou esforços, compreensão e tempo, compartilhando suas idéias e conhecimentos de forma determinada e acessível. Muito obrigado por sua inestimável consideração e apreço. Agradeço da mesma forma ao Professor Clóvis Gorczeviski e ao Professor Rogério Gesta Leal pela disponibilidade e amizade. Estendo meu agradecimento à Coordenação e funcionários do Programa do Mestrado, em especial à Rosana sempre muito prestativa e atenciosa. Outra grande amiga. Enfim, agradeço a todas as pessoas que de uma forma ou outra contribuíram para a realização deste trabalho. 6 RESUMO A presente dissertação procurou abordar a questão da violência doméstica contra a mulher, a criança e o adolescente, no âmbito circunscrito da Comarca de Lajeado, RS, e dos registros policiais da delegacia especializada na matéria, nos últimos 05 anos, tentando identificar, em face destes dados, quais os delitos mais recorrentes e de que forma eles se apresentam tutelados normativamente, tanto em face da Constituição de 1988, dos Tratados Internacionais que versam sobre a matéria, e a legislação infraconstitucional pertinente à espécie. Analisou-se os mecanismos legais de proteção contra a violência doméstica face ao princípio da dignidade humana e do direito constitucional à segurança, questionando principalmente a eficácia da Lei 9.099/95, nos crimes de violência doméstica, no sistema de justiça criminal dos Juizados Especiais Criminais. Propôs ainda a pesquisa alternativas de implantação de políticas públicas de prevenção e repressão à violência doméstica com base em experiências existentes em outros países da América Latina. Foi realizada pesquisa documental junto ao Posto da Mulher e do Juizado Especial Criminal do município de Lajeado com o objetivo de verificar o resultado do Sistema de Justiça Criminal nos crimes de violência doméstica.. 7 ABSTRACT The present dissertation aimed to approach the matters of the domestic violence against the woman, the child and the adolescent, in the bounded extent of the judiciary district of Lageado, RS, and the police registrations of the specialized police station in the matter, in the last 05 years, trying to identify, in face of these data, which were the most common crimes and in which way they were normatively tutelaged, in face of the Constitution of 1988, of the International Treaties concerning to the matter, and the infraconstitutional legislation pertinent to the species. It was analyzed the legal mechanisms of protection against the domestic violence face to the principle of the human dignity and of the constitutional right to the safety, questioning mainly the effectiveness of the Law 9.099/95, in the crimes of domestic violence, in the system of criminal justice of Criminal Special Judgeship. This research has still proposed alternatives of implantation of public policies of prevention and repression to the domestic violence based on existent experiences in other countries of Latin America. A documental research was accomplished in the Woman's Post close to and of Special Criminal Judgeship of the municipal district of Lageado with the objective of verifying the result of the Criminal Justice System in the crimes of domestic violence. Key-words: Women, Child and Adolescent’s Rights - Domestic Violence - Public Policies of Prevention to Domestic Violence. 8 SUMARIO INTRODUÇÃO.................................................................................................... 11 1OS DIREITOS HUMANOS E O PRINCIPIO DA DIGNIDADE HUMANA.......... 14 1.1 Evolução histórica dos direitos humanos fundamentais............................... 14 1.2 Direitos humanos fundamentais.................................................................... 18 1.2.1 Conceito..................................................................................................... 18 1.2.2 Classificação dos direitos humanos fundamentais.................................... 22 1.3 O princípio da dignidade humana................................................................. 25 2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA............................................................................ 34 2.1 A violência e suas implicações...................................................................... 34 2.1.1 O Conceito de violência............................................................................. 34 2.1.2 As múltiplas faces da violência................................................................. 37 2.1.3. A classificação da violência....................................................................... 42 2.2 A violência doméstica.................................................................................... 43 2.2.1 Conceito de família..................................................................................... 43 2.2.2 A violência doméstica contra a mulher....................................................... 47 2.2.3 A violência doméstica contra a criança e o adolescente............................ 58 2.3 Conseqüências da violência doméstica........................................................ 3 OS MECANISMOS LEGAIS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS 69 DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA........................................................ 78 3.1 A violência doméstica e o princípio constitucional à segurança e à dignidade humana............................................................................................... 78 9 3.2 A violência doméstica e a legislação penal................................................... 90 3.2.1 A ineficácia do sistema de justiça criminal nos crimes de violência doméstica............................................................................................................ 92 3.2.2 O crime de violência doméstica................................................................. 95 3.2.3 A Lei 9099/95 face ao texto constitucional................................................. 99 3.3 Políticas públicas de prevenção e repressão no sistema de justiça criminal................................................................................................................ 105 3.3.1 O sistema de justiça criminal na América Latina........................................ 112 3.3.2 Políticas públicas baseadas em grupos de apoio...................................... 117 3.3.3 Outras políticas públicas preventivas à violência doméstica..................... 120 3.3.4 Políticas públicas na área de educação..................................................... 122 3.3.5 Projetos de lei e legislação existente que criam mecanismos para coibir a violência doméstica.......................................................................................... 125 3.4 Políticas públicas de prevenção e repressão à violência doméstica............ 128 4 ANÁLISE DE DADOS LEVANTADOS NO MUNICÍPIO DE LAJEADO............ 131 4.1 Base de dados do JECRIM e da Vara Criminal de Lajeado........................ 140 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 145 7 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 151 ANEXO A - Modelo da ficha de levantamento de dados................................. 158 ANEXO B – Levantamento de ocorrências no Posto da Mulher 2003................ 160 ANEXO C - Levantamento de ocorrências no Posto da Mulher 2004................ 179 ANEXO D – Levantamento de decisão dos processos no JECRIM de Lajeado 201 em 2003.............................................................................................................. ANEXO E - Levantamento de decisão dos processos no JECRIM de Lajeado em 2004.............................................................................................................. 220 10 ANEXO F – Projeto de Lei 4559/2004................................................................ 238 ANEXO G – Lei Estadual nº 11.314, de 20 de janeiro de 1999.......................... 250 11 INTRODUÇÃO O presente trabalho busca trazer uma contribuição acerca da violência doméstica, face ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana e ao direito à segurança face aos Direitos Humanos Fundamentais. Vivenciou-se a escalada da violência doméstica ou intrafamiliar com graves conseqüências às vítimas que não recebem a devida atenção e cuidado da sociedade civil e do Estado que tem, por obrigação prevista no Art. 226, § 8°, da Constituição Federal, o dever de criar mecanismos e políticas de proteção à família. A família é considerada a base da sociedade e deveria ter especial proteção do Estado, o que é previsto no caput do Art. 226 da Constituição, mas tal proteção não vem sendo realizada nos casos de violência doméstica em face da falta de uma legislação penal adequada que efetivamente proteja os direitos humanos e a dignidade das vítimas nos casos de violência doméstica. Vislumbrou-se também a necessidade da elaboração de uma legislação infraconstitucional, visando dar cumprimento ao Art. 226, § 8°, da Constituição Federal no qual a magna carta prevê a criação de mecanismos para coibir a violência intrafamiliar. Ao buscar contribuir com o presente trabalho na questão da violência doméstica, verificou-se um déficit da legislação no trato da questão, bem como a urgência de se buscar a efetividade de políticas públicas que possam atender de 12 forma digna e humana às vítimas (mulheres, crianças e adolescentes) da violência doméstica. Assim, a presente pesquisa foi dividida em três momentos distintos: Inicialmente buscou-se definir os direitos humanos e fundamentais, por meio de um estudo da evolução histórica e da classificação dos direitos humanos fundamentais. Também se buscou conceituar o princípio da dignidade humana em face do seu significado como norma jurídica fundamental prevista em nossa Constituição. O segundo capítulo trata da violência, como um fenômeno da sociedade contemporânea, buscando conceituar-se o que seja violência. Num segundo momento buscou-se definir e discutir o fenômeno da violência doméstica e de suas conseqüências para a sociedade. No terceiro capítulo tratou-se da questão da violência doméstica face ao princípio constitucional do direito à segurança e à dignidade humana: à questão do Juizado Especial Criminal e ao sistema de Justiça Criminal em face das expectativas das vítimas de violência intrafamiliar. Este encerra-se tratando de políticas públicas de prevenção e repressão a violência doméstica. No último capítulo, desenvolveu-se a metodologia, envolvendo levantamento e análise dos dados pesquisados junto ao Posto da Mulher e do Juizado Especial da Comarca de Lajeado, com o objetivo de detectar os principais delitos de violência 13 criminal, a motivação da violência e a solução dos conflitos domésticos nos anos base 2003 e 2004. 14 1 OS DIREITOS HUMANOS E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA 1.1 Evolução histórica dos direitos humanos fundamentais Os direitos fundamentais humanos são resultado de direitos históricos que vêm sofrendo alterações com base na evolução da sociedade. Os direitos fundamentais humanos no ocidente têm como marca o direito constitucional que visa à defesa dos direitos das pessoas, protegendo-os dos abusos do Estado, ao mesmo tempo em que visa promover condições dignas de vida e desenvolvimento às pessoas. Sendo os direitos fundamentais do homem produto ou resultado de conquistas históricas, é importante que se faça a historização dessa matéria. O Código de Hamurabi talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, como a vida, a liberdade, a honra, a família, estabelecendo a supremacia da lei em relação aos governantes. 15 Posteriormente, de forma mais coordenada, conforme cita Leal1 tem-se “as concepções formuladas pelos hebreus, pelos gregos, pelos romanos, e pelo cristianismo, passando pela idade média, até os dias de hoje”. Os mais importantes antecedentes históricos das declarações de direitos fundamentais do homem encontram-se, primeiramente, na Inglaterra, dentre os quais pode ser citada a Magna Charta Libertatum, outorgada por João Sem-Terra, em 1215. A Magna Charta previa, entre outras garantias, a liberdade da Igreja da Inglaterra, as restrições tributárias, a proporcionalidade entre delitos e sanções, a previsão do devido processo legal, etc. O Hábeas Corpus Act, de 1679, que suprimia as prisões arbitrárias, e o Bill of Righs, de 1689, que restringia o poder estatal que fortalecia o princípio da legalidade, figuram como os mais importantes documentos da cultura inglesa que firmavam a supremacia do parlamento em face do poder do monarca. Encontra-se idêntica importância na evolução dos direitos humanos fundamentais na Revolução dos Estados Unidos da América, por meio da Declaração de Direitos de Virgínia (1776) que proclama o direito à vida, à liberdade e à propriedade; os princípios da legalidade, do devido processo legal; o princípio do juiz natural e imparcial, a liberdade de imprensa e religiosa. A declaração de Independência dos Estados Unidos da América, produzida por Thomas Jefferson, impunha limitações ao poder estatal. 1 LEAL, Rogério Gesta. Direitos Humanos no Brasil: Desafios a Democracia. Porto Alegre, Livraria do Advogado, Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1997, p. 20. 16 A Constituição Americana e suas dez primeiras emendas, aprovadas em 1789 e ratificadas em 1791, também limitavam o poder Estatal, estabelecendo a separação dos poderes e diversos direitos humanos fundamentais consagrados na Declaração de Direitos de Virgínia. A consagração normativa dos direitos humanos fundamentais ocorreu em 1789, quando a Assembléia Nacional promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos em que se destacavam os princípios da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, legalidade, presunção de inocência, princípio da reserva legal e anterioridade da lei penal, livre manifestação e liberdade religiosa. A efetivação dos direitos humanos fundamentais continuou durante o século XIX, por meio do constitucionalismo liberal, notadamente pela Constituição Espanhola (1812), Constituição Portuguesa (1822) e a Declaração Francesa de 1848. O início do século XX trouxe constituições marcadas por fortes preocupações sociais a exemplo da Constituição Mexicana (1917), Constituição Soviética (1918) e a Constituição de Weimar (1919). A Constituição de Weimar previa os direitos e deveres fundamentais dos alemães. Previa os tradicionais direitos e garantias individuais na I Secção, enquanto na II Secção trazia os direitos relacionados à vida social. 17 A Constituição Soviética de 1918 em face dos ideais revolucionários marxistas aboliu o direito à propriedade privada, o que entende-se constituiu um retrocesso à evolução dos direitos humanos e às garantias individuais. A Constituição Imperial de 1824 trazia no seu Título VIII um extenso rol de direitos e garantias individuais, os quais deixamos de citar. O mesmo rol de direitos humanos fundamentais também consagrou os tradicionais direitos e garantias individuais na Constituição Republicana de 1891 e 1934. Já a Constituição Brasileira de 1937 trouxe inovações, além dos direitos humanos clássicos. Proibia a aplicação de pena de prisão perpétua. Andou na contramão dos direitos humanos quando aumentou a possibilidade de aplicação de pena de morte além dos casos militares, e criou um Tribunal Especial para processar crimes contra a segurança do Estado. A Carta de 1946, em seu artigo 157, estabeleceu diversos direitos sociais relativos aos trabalhadores e empregados, seguindo uma tendência da época. Na mesma esteira seguiu a Constituição de 1967 que também previu direitos sociais aos trabalhadores no sentido de melhorar suas condições sociais. A Constituição de 1988 estabeleceu cinco espécies ao gênero direito e garantias fundamentais que são direitos individuais e coletivos; direitos sociais; direitos políticos; direitos de nacionalidade e direitos relacionados a existência, organização e participação em partidos políticos. 18 Visando finalizar este capítulo sobre a evolução histórica dos direitos humanos fundamentais cita-se Leal2 que nos ensina: No tocante aos direitos, estes consistem numa atividade negativa por parte da autoridade estatal, de não-violação da esfera individual ( os chamados direitos de primeira geração, os direitos civis e políticos). Essa concepção de Constituição perdura até a crise social do Século XX. O colapso da sociedade de modelo oitocentista, e a implementação de uma nova ordem social, exige uma nova estrutura de direitos fundamentais, não mais assentada no puro individualismo que caracteriza as constituições liberais clássicas. Com o constitucionalismo social, as constituições, e em particular os Direitos Humanos e Fundamentais, são prestigiados com o ingresso de novos direitos, os chamados direitos de segunda geração – os direitos sociais, culturais e econômicos concernentes às relações de produção, ao trabalho, à educação, à cultura e à previdência. Hoje as sociedades modernas caminham no sentido de criação e proteção de novos direitos. Fala-se atualmente de direitos de terceira e quarta geração. Daí decorre a importância de conceituar e classificar os direitos humanos fundamentais. 1.2 Direitos humanos fundamentais 1.2.1 Conceito No presente capítulo tem-se em vista especificar o que sejam os direitos humanos ou direitos fundamentais eis que, quanto à sua nomenclatura, não existe um consenso entre os pensadores jurídicos, uma vez que a idéia de direitos humanos está ligada às condições de vida do homem e a sua evolução histórica e social. 2 LEAL,Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil. Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre. 2000. p. 98 19 Os Direitos Humanos Fundamentais seriam um conjunto de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e do estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. A UNESCO definiu genericamente os direitos humanos fundamentais considerando de um lado a proteção institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado, e por outro lado, regras para estabelecer condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana (Les dimension Internationales dês droits de I’homme. Unesco. 1978, p.11). Existem inúmeros conceitos do que seja direitos humanos. Não é fácil, no entanto, essa definição. Qualquer tentativa de defini-los pode redundar num resultado insatisfatório. Moraes3 afirma que: A ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no desenvolvimento histórico dificulta a definição de um conceito sintético e preciso. Essa dificuldade aumenta pela circunstância de se empregarem várias expressões para designa-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem. 3 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: Teoria Geral. Comentários aos Arts. 1º e 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, Doutrina e Jurisprudência, São Paulo: Atlas, 2002, p.40 20 Moraes também concorda com a análise de Nascimento4, sobre as terminologias do que sejam direitos fundamentais dos homens, que conclui citando José Afonso da Silva: Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservado para designar, no nível do direito positivo àquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre, e igual para todas as pessoas. No mesmo sentido, se manifesta Bonavides5 que explica que “a vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirão sem óbices ao significado de uma universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana”. Todos os direitos fundamentais como são encontrados no Art. 5º da nossa Constituição Brasileira são oponíveis ao Estado. A Constituição utiliza a expressão “direitos fundamentais do homem” para englobar os direitos individuais, os direitos sociais, os direitos de solidariedade, expressão utilizada tanto em nível interno, como internacional. A expressão “direitos fundamentais” se aproxima da noção de direitos naturais, no sentido de que a natureza humana seria portadora de certo números de direitos fundamentais. 4 NASCIMENTO, Tupinambá. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª Ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 174 e 177. (apud Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16 Ed. São Paulo, Malheiros). 5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª Ed., São Paulo, Malheiros Ed., 2001, p. 516 21 A doutrina nos ensina que não existe uma lista imutável de direitos fundamentais. Os direitos do homem variam no tempo enquanto possuem valores históricos, políticos e filosóficos. Luño6 adota a expressão: “derechos humanos” compreendendo-a como “um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.” O autor não esconde seu propósito de integrar a noção geral de direitos humanos, a exigência jusnaturalista, quanto à sua fundamentação, e a técnica de positivação e de proteção ao seu exercício. Perces-Barba7 utiliza a expressão “derechos subjetivos fundamentales” entendendo-os como faculdade de proteção que a norma atribui à pessoa no que se refere à vida, à liberdade, à igualdade, à sua participação política ou social, ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o seu desenvolvimento integral como pessoa, numa comunidade de homens livres, exigindo o respeito aos demais homens, dos grupos sociais e do Estado, e com a possibilidade de pôr em marcha o aparato coativo do Estado em caso da infração. 6 LUÑO, Antônio Perez. Derechos Humanos, Estado de Derecho Y Constitución. 5ª Ed., Madrid. Tecnos, 1995. 7 GREGÓRI, Perces-Barba. Derechos Fundamentales, 2ª Ed. Madrid; Biblioteca Universitária Guadiana, 1976, p.80 (apud José A Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, São Paulo, 1999, p.164.) 22 Júnior8 lembra que os denominados direitos humanos: Serão aqueles essenciais, sem os quais não se reconhece o conceito estabelecido de vida. Não há uma relação estabelecida e final de tais direitos, já que seu caráter é progressivo, correspondendo a cada momento ao estágio cultural da civilização, como se vê das sucessivas gerações. Da análise dos conceitos que se busca apresentar sobre o que seja direitos humanos, parece que a terminologia mais correta seja os Direitos Fundamentais do Homem porque referem aos princípios que resumem a concepção de mundo que decorre dos valores históricos e filosóficos que visam concretizar uma vida digna e livre para todas as pessoas. 1.2.2 Classificação dos direitos humanos fundamentais Os direitos humanos fundamentais sofrem evoluções históricas e filosóficas de acordo com a evolução das sociedades dentro do contexto em que estão inseridos. São direitos de primeira dimensão os direitos individuais e políticos que surgiram com o Estado Liberal do Século XVIII. Nesses direitos encontram-se as proteções da liberdade, a inviolabilidade do domicílio, o direito de propriedade, as liberdades de ordem econômica e a participação da pessoa no processo político. 8 JUNIOR, Belisário dos Santos, Direitos Humanos Priorizados pela Justiça. Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas, ano 10, nº 14, jan/jun. 1996, São Paulo, p.282 ( Apud, André Ramos Tavares), Curso de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, São Paulo, 2002, p.362). 23 Os direitos de segunda geração, chamados direitos sociais, visam oferecer meios materiais para a concretização dos direitos de primeira geração (individuais e políticos). Não se trata de apenas proteger-se do Estado, mas de elaborar pretensões de que o Estado seja obrigado a satisfazer às necessidades coletivas da comunidade. São direitos de segunda geração: o direito ao trabalho, à proteção ao caso de desemprego; o direito ao salário mínimo, ao número máximo de horas trabalhadas, o acesso à educação em todos os níveis. Os direitos de segunda geração têm na mira a realização do princípio da igualdade de condições para todos. Os direitos sociais são imprescindíveis especialmente para os direitos políticos, uma vez que, por meio da educação, chega-se à participação consciente da população no processo político de consolidação da democracia política e econômica. Os direitos de terceira geração ou dimensão são os chamados direitos difusos ou coletivos como o direito ambiental e o direito do consumidor. Sarlet9 refere que: Os direitos fundamentais de terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem- indivíduo, como seu titular, destinando-se À proteção de grupos humanos (família, 9 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Livraria do Advogado, 2ª Ed., Porto Alegre, 2001. p. 52. 24 povo e nação) e caracterizando-se, conseqüentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difuso.” Os direitos de terceira dimensão são os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente, a qualidade de vida. Existe uma grande dificuldade de proteção jurídica desses direitos face à insuficiência estrutural da Administração Pública e a um sistema judicial calçado no modelo liberal individualista, muitas vezes incapaz de lidar com fenômenos meta-individuais. Cumpre salientar também que os direitos fundamentais de terceira dimensão não encontrar reconhecimento no direito constitucional, o que já vem ocorrendo no âmbito do direito internacional através de tratados. Recentemente, tem-se falado de direitos humanos fundamentais de quarta dimensão, notadamente, em face do fenômeno da globalização. Os direitos de quarta geração compreenderiam os direitos das minorias, cuja proteção é de enorme importância num país democrático. Bonavides10 defende como direitos de quarta dimensão aqueles que resultam da globalização dos direitos que corresponderiam à derradeira institucionalização do Estado Social. Bonavides apresenta também como direitos humanos de quarta dimensão o direito à democracia, ao pluralismo e o direito à informação. 10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 7ª Ed., São Paulo, Ed. Malheiros, 1997, p. 526 25 Também vamos encontrar doutrinadores que afirmam que seriam direitos de quarta geração os direitos a respeito da manipulação da biogenética a partir da visão do homem como parte integrante do meio ambiente. Nos direitos de quarta dimensão seria incluída a proibição de clonagem em seres humanos, assim como o avanço da biotecnologia referente a alimentos transgênicos. Morais11 muito bem definiu o significado dos direitos humanos: Resumidamente poderíamos dizer, então que os direitos humanos, como conjunto de valores históricos, básicos e fundamentais, que dizem respeito à vida digna, jurídica-política-psíquica-econômica-física e afetiva dos seres e de seu habitat, tanto daqueles do presente quanto daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante da vida, impondo aos agentes político-jurídico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí-los em benefício próprio e comum ao mesmo tempo. Assim como os direitos humanos se dirigem a todos, o compromisso com a sua concretização caracteriza tarefa de todos, em um comprometimento comum com a dignidade comum. 1.3 O princípio da dignidade humana Estabelecido o que sejam os direitos fundamentais, parte-se a definição do conceito do Princípio da Dignidade Humana. O problema do significado do que seja dignidade da pessoa humana e seu valor intrínseco segundo Sarlet12, deita raízes já no pensamento clássico e no ideário cristão: 11 MORAIS, José Luis Bolzan. As Crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espacial dos Direitos Humanos. Livraria do Advogado. POA. 2002, p. 64 12 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, Livraria do Advogado, Porto Alegre. 2001. p. 30 26 Tanto no Antigo como no Novo Testamento podemos encontrar referências no sentido de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus na qual o cristianismo extraiu a premissa de que o ser humano e não apenas os cristãos é dotado de um valor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento. Também encontra-se no pensamento filosófico da antiguidade clássica e no medievo a idéia do que seja dignidade humana, senão vejamos lições de Sarlet13: No pensamento filosófico e político da antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade (dignitas) da pessoa humana, dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas. Por outro lado, já no pensamento estóico, a dignidade era tida como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção da liberdade pessoal de cada indivíduo ( o Homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino), bem como à idéia de que todos os seres humanos, no que diz com a sua natureza, são iguais em dignidade. Durante o medievo, segundo Sarlet14 citando Klaus Stern, “a concepção de inspiração cristã e estóica seguiu sendo sustentada, destacando-se Tomás de Aquino, o qual chegou a referir expressamente o termo ‘dignitas humanas’”, secundado na plena Renascença, e no limear da Idade Moderna, pelo humanista Pico Della Mirandola que partiu da racionalidade como qualidade peculiar inerente ao ser humano, advogou que a racionalidade seria a qualidade que possibilitaria ao homem construir de forma livre e independente a sua existência e destino. No pensamento jusnaturalista dos Séculos XVII e XVIII também encontra-se a concepção da dignidade humana. O direito natural manteve a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade, especialmente por Immanunel Kant, cuja concepção de dignidade parte da autonomia da ética do ser 13 14 Idem, p. 30 Idem, p. 31 27 humano, considerando sua autonomia como fundamento da dignidade humana, sustentando que o ser humano não pode ser tratado como objeto. Nas palavras de Kant15 a concepção de dignidade foi construída a partir da natureza racional do ser humano. Kant sinala também que a autonomia da vontade (faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis) é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana. Sarlet16, ao mesmo tempo em que afirma que foi no pensamento de Kant que a doutrina jurídica mais expressiva identificou as bases de uma fundamentação do conceito de dignidade da pessoa humana, entende que ela não pode ser adotada sem reservas na atual fase de evolução social, econômica e jurídica. O pensamento de Kant, que sustenta a concepção de ser a dignidade atributo exclusivo da pessoa humana, constitui uma visão antropocentrista, em que a pessoa humana, em função de sua racionalidade, ocuparia lugar privilegiado em relação aos demais seres vivos. A crítica a Kant decorre do fato de que sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, principalmente pelo reconhecimento da necessidade de proteção do meio ambiente como valor fundamental à vida. Da concepção Jusnaturalista remanesce a constatação de que as ordens constitucionais consagraram a idéia da dignidade da pessoa humana, segundo a qual o homem independentemente de qualquer outra circunstância é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo 15 KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes, in: Os Pensadores, p. 134 e 141. SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2001. 16 28 Estado. Essa visão foi recepcionada pelo pensamento cristão e humanista quanto a fundamentação metafísica da dignidade humana que, na sua fundamentação jurídica, significa uma última garantia da pessoa humana em relação a uma total disponibilidade por parte do poder estatal e social. Concorda-se com a idéia de Sarlet17 de que existe uma dificuldade muito grande de se obter uma conceituação clara do que seja dignidade humana no âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, pois trata-se de um conceito em construção. Hoje é mais fácil dizer o que a dignidade não é, do que expressar o que ela seja. Neste sentido Sarlet18 nos ensina: Neste contexto, costuma apontar-se corretamente para a circunstância de que a dignidade da pessoa humana ( por tratar-se, à evidência – e nisto não diverge de outros valores e princípios jurídicos – de categoria axiológica aberta) não poderá ser conceituada de maneira fixista, ainda mais quando se verifica que uma definição desta natureza não harmoniza com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democráticas contemporâneas, razão pela qual correto afirmarse que (também aqui) nos deparamos com um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento. Ao buscar-se um conceito de dignidade humana, apesar de todas as dificuldades apontadas pelo autor, é necessário retomar a idéia nuclear de que a dignidade é uma qualidade intrínseca da pessoa humana, qualidade esta irrenunciável e inalienável da condição humana que deve ser respeitada, promovida e protegida pelo Direito, pelo Estado e por seus semelhantes. 17 18 Obra citada, p 40 Ibidem p. 40 29 A dignidade é limite e tarefa do Estado que Sarlet procura definir como “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.19 Martins20 entende, sinteticamente, que o princípio da dignidade constitui uma qualidade inerente de cada pessoa humana que a faz destinatária do respeito e proteção tanto do Estado, quanto das demais pessoas impedindo que seja alvo não só de quaisquer situações desumanas ou degradantes, como lhe garantindo o direito de acesso às condições mínimas de vida. A Constituição brasileira de 1988, na nossa ordem jurídica, representa a ruptura e a superação dos padrões vigentes no que concerne à defesa e à promoção da dignidade da pessoa humana. Normatisou o princípio da dignidade da pessoa humana transformando-o em valor supremo da ordem jurídica, declarando-o no art. 1º, inciso III, como um dos fundamentos da República do Brasil, senão vejamos: 19 Obra citada, p. 60 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana. Princípio Constitucional Fundamental. Juruá Editora, 2003, Curitiba, p. 120. 20 30 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela União Indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania II – a cidadania III – a dignidade da pessoa humana IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (grifo do autor). A Constituição de 1988 representa, pois, um marco de ruptura e superação dos padrões no que se refere à defesa e promoção da dignidade humana, projetando-a por todo sistema jurídico, político e social, tendo sofrido influência das Constituições da Alemanha, Portugal e Espanha. A Constituição Alemã de 1949 foi a primeira Constituição a normativar o princípio da dignidade da pessoa humana em seu Art. 1, inciso I, firmando que “A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os Poderes estatais.” A constitucionalização do princípio da dignidade humana decorreu principalmente das atrocidades cometidas pelo Estado Nazista. A doutrina Alemã entende que o princípio da dignidade humana é um direito fundamental ou uma garantia ao livre desenvolvimento da personalidade. A doutrina alemã atribui valor inserto ao princípio da dignidade considerando-o (valor) fonte do sistema constitucional. Já a Constituição Portuguesa de 1976 estabelece em seu art. 1º que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Na Constituição portuguesa a pessoa, tanto homem, como mulher, constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado, aplicando o princípio da dignidade desde a concepção. O princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição 31 portuguesa não seria apenas um valor aos direitos fundamentais, mas um fundamento da própria República. A Constituição Espanhola também consagrou, em seu art. 10, o princípio da dignidade da pessoa humana, considerando-o o vetor do ordenamento jurídico espanhol, uma vez que acolheu a dignidade como fundamento da ordem política e da paz social. O Constituinte de 1988 positivou o princípio da dignidade da pessoa humana, considerando que a Constituição decidiu atribuir-lhe relevância jurídica, dotando-o de plena normatividade ao incluí-lo na categoria de princípio fundamental. O princípio da dignidade humana pode e deve servir de fonte de soluções jurídicas. Não se trata de um valor absoluto, porque nem sempre servirá de fonte imediata e direta de soluções jurídicas, mas o seu valor é absoluto à medida que deverá conformar e orientar as opções do intérprete na solução do caso concreto. Nesse sentido, a doutrina. Senão vejamos: O expresso reconhecimento da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz, em parte, a pretensão constitucional de transformá-lo em um parâmetro objetivo de harmonização dos diversos dispositivos constitucionais, obrigando o intérprete a buscar uma concordância prática entre eles, na qual o valor acolhido no princípio, sem desprezar os demais valores constitucionais, seja efetivamente preservado. Enquanto valor incerto em princípio fundamental a dignidade da pessoa humana serve de parâmetro para a aplicação, interpretação e integração de todo o ordenamento jurídico, o que ressalta o seu caráter instrumental. Quando a Constituição elencou um longo catálogo de direitos fundamentais e definiu os objetivos fundamentais do Estado, buscou essencialmente 21 concretizar a dignidade da pessoa humana. 21 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana. Princípio Constitucional Fundamental. Juruá Editora, 2003, Curitiba, p. 124. 32 O princípio da Dignidade da Pessoa Humana funciona como uma cláusula aberta, no sentido de possibilitar o surgimento de direitos novos e, ao mesmo tempo, de permitir a adaptação do conteúdo constitucional à evolução da sociedade sem que seja necessário fazer a reforma do texto constitucional. Na doutrina são encontrados, vários conceitos descritivos a respeito do que seja a dignidade da pessoa humana, mas o que se pode concluir é que a dignidade constitui uma qualidade inerente da pessoa humana que a faz destinatária do respeito e da proteção do Estado e das demais pessoas. Dela decorre o dever de se evitar qualquer situação desumana ou degradante contra a pessoa, possibilitando o seu direito de acesso às condições existenciais mínimas de vida. No que concerne à aplicação concreta do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, considera-se que ele não pode ser desconsiderado ou desprezado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas. O princípio da dignidade humana para ser efetivado deve, pois, assegurar inicialmente por meio de políticas públicas a concretização dos direitos sociais previstos no Art. 6º e no Art. 225 da Carta Constitucional. No presente trabalho, interessa sobremaneira, o que dispõe o Art. 6º da Constituição sobre o direito social à segurança: Art. 6º - São Direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 33 Aos direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição somam-se outros direitos fundamentais como o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à vida privada, à honra, a integridade física. Por intermédio do princípio da dignidade humana resta claro que além de se garantir às pessoas o direito a vida, pretende-se garantir o direito a uma vida digna, sendo o Estado responsável pela proteção e cumprimento dos direitos sociais e fundamentais da pessoa por meio de ações correlativas. Não é suficiente que o Estado se abstenha de ofender os direitos fundamentais dos seus cidadãos. O Estado possui a obrigação positiva de manter a ordem como de criar condições favoráveis ao respeito à pessoa por parte de todos os que dependem de sua soberania, inclusive, nas relações havidas entre os particulares. Nos próximos capítulos, será abordada a questão da violência, especialmente da questão da violência doméstica contra a mulher sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana, verificando como a questão vem sendo tratada no âmbito do direito penal, bem como apontando políticas públicas de prevenção à violência doméstica. 34 2 A VIOLENCIA DOMÉSTICA 2.1 A violência e suas implicações No presente capítulo nos será abordado o fenômeno da violência e suas implicações com a violência doméstica, eis que o homem sempre conviveu numa realidade violenta, ora como autor, ora como vítima, ora como testemunha. 2.1.1 O conceito de violência No dicionário22 a expressão violência vem do latim “violentia”. É definida como qualidade de violento; ato de violência; ato de violentar. Juridicamente seria o constrangimento físico ou moral; o uso da força, da coação. Júnior23 considera que “violência é sempre violência”, seja ela urbana, rural, doméstica, pública ou privada, por ação ou omissão, quantitativa ou qualitativa, praticada por ódio ou por vingança, por necessidade, por ambição ou consumismo, 22 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª Ed. ,Ed. Nova Fronteira,2001 JUNIOR, Heitor P. Violência é Sempre Violência. A Violência Multifacetada. Estudos Sobre Violência e Segurança Pública. Ed. Del Rey. Coordenadores Cesar Barros Leal e Heitor Piedade Junior. Belo Horizonte, 2003. p220 23 35 por rebeldia ou insubmissão, por capricho, por nobreza ou futilidade, por tradição ou por outro motivo imaginável na consciência de qualquer ser humano. Hobbes em sua obra Leviathan (1651), ao tratar da natureza humana já definia o homem como “o lobo do homem”. Também parece certo o antropólogo francês Girard ao concluir que a raiz da violência está na estrutura do desejo humano. Afirma esse autor que o desejo humano encontra-se num processo que chama de mimética ou de imitação, pelo qual o ser humano busca imitar o ser humano. O ser humano deseja o que o outro deseja. Junior24 afirma que o ser – pessoa física, sociedade, poder autoridade, dominador, poderoso – procura sempre um bode expiatório que passa a se chamar “vítima” (vitimologia) e que geralmente é o não-privilegiado, o pobre, o analfabeto, o idoso, o doente, o negro, os mais fracos, as minorias, enfim, aparece na sociedade como se fosse a causa do que é errado, do prejudicial. Em razão disso, os mais fortes – o poder público, os poderosos – unem-se para afastá-los do convívio social, procurando uma paz ou uma ordem. Não é por nada que as nossas prisões estão lotadas de pobres e negros, quando não são vítimas de chacinas e grupos de extermínio, pois os mortos não oferecem perigo à sociedade. Veronese e Costa25 conceituam violência como “abuso da força, usar de violência é agir sobre alguém ou fazê-lo agir contra a sua vontade, empregando a força ou a intimidação. É forçar, obrigar. É também brutalidade: força brutal para submeter alguém. É sevícia e mau-trato, quando se trata de violência psíquica e 24 Obra citada, p. 234 In VERONESE, Josiane R. P. e DA COSTA, Marli M. M. Violência Doméstica. Quando aVítima é Criança ou Adolescente. Uma Leitura Interdisciplinar. Ed. OAB-SC. Florianópolis –SC 2005. p 101/102 25 36 moral. É cólera, fúria, irrascibilidade, quando se trata de uma disposição natural à expressão brutal dos sentimentos. É furor, quando significa o caráter daquilo que produz efeitos brutais. Tem como seus contrários a calma, a doçura, a medida, a temperança e a paz”. A violência, segundo Strey26, “é uma palavra que expressa comportamento, modos de vida em sociedade e outros fenômenos humanos.” Segundo a autora não seria uma impressão somente utilizada por psicólogos, sociólogos, mas que surge cada vez mais nos meios de comunicação, nas escolas, no dia-a-dia das pessoas. A violência se tornou o ingrediente principal da vida humana. O homem é um ser essencialmente violento, tendo a violência passado a ser um predicativo do jeito humano de ser. No núcleo da definição do termo violência existe uma ação ou omissão de alguém, de um grupo, de uma situação ou instituição que fere, maltrata, submete alguém ou um grupo. A violência pode ser direta, indireta, ou explícita. A violência pode ter muitas caras, algumas disfarçadas de tradição, moralidade, religiosidade ou mesmo não ter disfarce algum. A violência é sempre carregada de poder que permite violentar em alguma extensão. Na visão de Chittó27, a violência é “um elemento estrutural, intrínseco ao fato social e não o resto anacrônico de uma ordem bárbara em vias de extinção. Esse fenômeno aparece em todas as sociedades; faz parte, portanto, de qualquer civilização ou grupo humano: basta atentar para a questão da violência no mundo atual, nas grandes cidades como também nos recantos mais isolados”. 26 GROSSI, Patrícia K. e Werba, Graziela C. (Org.) Violência e Gênero. Coisas que a Gente não Gostaria de Saber. Porto Alegre Edipuc 2001. p.47 27 GAUER, Gabriel José Chittó. Machado, Débora Silva ( Org.). Filhos e Vítimas do Tempo da Violência. A família, a criança e o adolescente. Curitiba: Ed. Juruá, 2003. p.13 37 A referida autora entende a violência como constrangimento físico, moral, uso da força, coação, torcer o sentido do que foi dito, estabelecendo o contrário do direito à justiça, que se baseia na ética, negando a livre manifestação que o outro expressa de si mesmo a partir de suas convicções. 2.1.2 As múltiplas faces da violência Na sociedade moderna os sujeitos são individualistas, mas se vêem como iguais, com os mesmos direitos e deveres. Contudo, vivem numa sociedade onde o suposto igual vive em desigualdade, criando o conflito e a violência com a violação da cidadania. O rompimento da reciprocidade social desemboca na violência e no conflito. Na sociedade tornou-se essencial ser vencedor e na dificuldade utilizar-se de atalhos, como o tráfico e a arma, do que “da moral”. A arma e o tráfico culminam no aumento da criminalidade, principalmente entre os jovens. Os noticiários estão repletos de notícias sobre a morte precoce de jovens envolvidos com o crime. Observa-se um Estado neoliberal que retira sua assistência deixando a descoberto a parcela mais carente da população, deixando-a a mercê do crime e da violência. Num estudo a respeito da violência encontram-se muitas análises diferenciadas, várias divergências na interpretação do fenômeno da violência, suas causas, e propostas e soluções para diminuí-la. Uma das análises e interpretações sugere uma afinidade entre a pobreza e o crime com a intensificação das 38 desigualdades sociais que estariam associadas ao aumento da criminalidade. Aqueles que adotam essa posição entendem que a criminalidade e a violência decorrem de fatores como a desorganização familiar da chamada “classe pobre”, pela ausência da figura paterna, pela miséria e pelo abandono das crianças dessas famílias, pelo número excessivo de filhos, contato com o cotidiano da violência nos bairros pobres, favelas e nas comunidades carentes; pela ausência da educação adequada e pelo desejo de consumo incompatível com as possibilidades econômicas do grupo. Essa posição é adotada por aqueles que militam a favor do movimento da lei e da ordem, levantando a bandeira da “tolerância zero”, movimento que eclodiu em Nova York na administração do Prefeito Guiliani e do criminólogo William Bratton. Apelam para o melhor aparelhamento do corpo policial, por reformas do código penal, pela redução da menoridade penal para 16 anos, pela pena de morte para criminosos irrecuperáveis, por um sistema carcerário mais rigoroso, controle de natalidade e outras soluções paliativas. De acordo com Leal28: A população vive uma histeria generalizada, uma síndrome coletiva do medo, explorada demagogicamente pelos meios de comunicação e pelo movimento da lei e ordem, que costuma criticar veementemente os defensores dos direitos humanos e propõe o aumento da repressão, o agravamento das sanções, a criação de novas figuras penais ( a partir da falaciosa idéia da “ eficácia automática da cominação de penas”), a aplicação cada vez maior das punições custodiais, a implantação da pena de morte, a redução da idade limite da responsabilidade penal, como se, mediante tais alterações legislativas, fosse possível reprimir a criminalidade. 28 LEAL, César Barros. A violência Multifacetada. Estudos sobre Violência e a Segurança Pública. Coordenadores César Barros Leal e Heitor Piedade Junior. Ed. Del Rey.2003. p.32/33 39 Entende-se, de modo geral, que a violência leva a reivindicação para formulação de ordenamentos sociais mais justos, e por outro lado denúncia a impotência do Estado que não consegue unificar nem equilibrar a sociedade. A criminalidade, segundo a autor acima citado, retrata o grau de justiça de uma sociedade. Uma sociedade totalmente justa não poderia avaliar de maneira normativa ou judicativa o que se chama de criminalidade. A sociedade está diante do instinto eterno de destruição que é inútil negar; portanto, é melhor admiti-lo e analisar como ele participa da estrutura social de forma conflituosa e paradoxal, tal como se apresenta na civilização contemporânea. A violência desagrega todo um sistema de valores, tornando-se um problema na sociedade contemporânea. Por meio da análise das condições objetivas dessa sociedade pode-se pensar na criação de um espaço onde a dignidade humana aparecesse como condição da recuperação das injustiças. O fenômeno da violência no cotidiano da sociedade brasileira alcançou níveis elevados a ponto de atingir o tecido social, provocando o seu esgaçamento. Vive-se numa sociedade caótica com o vazio do Estado, com o aumento da miséria, da corrupção em que a violência e a morte restaram banalizadas no cotidiano. O Estado não mais consegue manter o controle social, porque não consegue disciplinar a pequena e grande infração, perdendo-se, assim o controle do indivíduo, esquecendo-se dos direitos e da cidadania. Quando se deixa de reconhecer no outro o direito de cidadão, nós quebra-se a estrutura básica da sociedade. 40 Na visão de Velho e Alvita29, ao tratar da questão da violência, os autores entendem que ela não se limita apenas ao uso agressivo da força, mas trata-se também de um instrumento de poder imposto por um autor sobre o outro na dinâmica das relações sociais. Senão vejamos: A vida social, em todas as suas formas que conhecemos na espécie humana, não está imune ao que se denomina, no senso comum, de violência, isto é, o uso agressivo da força física de indivíduos ou grupos contra outros. Violência não se limita ao uso de força física, mas a possibilidade ou ameaça de usá-la constitui dimensão fundamental de sua natureza. Vê-se que, de início associa-se a uma idéia de poder, quando se enfatiza a impossibilidade da imposição da vontade, desejo ou projeto de um ator sobre o outro. Os autores referidos entendem que é no outro que se encontra a dinâmica das relações sociais, onde a diferença ao mesmo tempo é a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito. Tanto na reprodução social, como na ruptura, a violência física é uma possibilidade presente como forma de dominação e legitimação. A violência aumenta na sociedade brasileira em face da falta de uma política pública efetiva, pelo desinteresse das elites e pela falência do poder público. A diminuição da violência deveria ter origem num projeto de cidadania efetiva para os indivíduos com a participação da sociedade civil, mas principalmente do Estado que deveria ter condições materiais de coordenar esse movimento buscando o fim da impunidade e o controle da violência, mediante políticas públicas e sociais que garantam condições mínimas de sobrevivência aos seus cidadãos como o acesso a educação, saúde, segurança e emprego. 29 VELHO, Gilberto. Violência, reciprocidade e desigualdade: uma perspectiva antropológica. In Cidadania e Violência. Org. Gilberto Velho e Marcos Alvita. Ed. UFRJ. 2000, p.11 41 Na visão de Porto e Sobral30, o fenômeno da violência foi transformado em produto, com amplo poder de venda no mercado de informação e em objeto de consumo. A violência é um produto que passa a fazer parte do dia-a-dia da sociedade, mesmo daqueles que nunca vivenciaram a violência, tamanha a sua importância dentro da sociedade moderna. A violência deve ser considerada um fenômeno complexo e abrangente que acompanha a humanidade ao longo de sua história. Trata-se de um fenômeno que está em nosso cotidiano, em toda parte, em todos os espaços, seja público, seja privado, cujas causas são múltiplas e suas definições e interpretações são as mais variadas possíveis e decorrem normalmente de uma relação de poder. A violência é um fenômeno complexo e multifacetado; estudá-la é uma tarefa desafiadora, porque se torna necessário compreender suas características, causas, conseqüências e suas diferentes variáveis, uma vez que pode ser classificada pelos indivíduos que sofrem a violência (mulher, criança, idoso, homossexuais), motivo (político, racial, emocional), através dos relacionamentos entre vítima e agressor (estranho, amigo, marido, parente). A violência pode ocorrer entre pessoas relacionadas (violência doméstica) e pessoas não-relacionadas (violência social). A violência doméstica ocorre dentro de casa, enquanto a violência social ocorre em lugares públicos, razão pela qual é mais visível. 30 SOBRAL, Fernando A da F. e PORTO, Maria E. G. (Org). A Contemporaneidade Brasileira: Dilemas para a Imaginação Sociológica.. A violência entre a inclusão e a exclusão social. Edunisc. 2001. pg.99 42 2.1.3 A classificação da violência A violência social pode ser classificada por local geográfico (violência urbana x violência rural), pela motivação (motivo político x motivo apolítico), pelo código legal existente (violência não criminal x violência criminal). Outra forma de classificação da violência, importante de ser feita quando se visa tomar ações preventivas ou punitivas, é a violência emocional e a violência instrumental. Entende-se por violência instrumental aquela usada como meio para alcançar uma meta diferente. Exemplos de violência instrumental é o tráfico de drogas e a violência política, quando a violência é utilizada para garantir a obediência. No caso da violência emocional, a reação violenta é um fim em si mesma. São exemplos de violência emocional a violência doméstica e a social, v.g., brigas ou homicídios provocados no trânsito. O criminoso instrumental calcula os benefícios e os custos do crime, enquanto o criminoso emocional não calcula o risco do seu comportamento criminoso, antes de praticá-lo. A repressão é a forma mais usual de combater o crime instrumental, por meio de medidas-padrão de punição do crime; através de maior presença de policiais; da melhoria das técnicas de investigação, maior eficiência judicial, aumento de penas para crimes violentos, enquanto na violência emocional, quando o objetivo é reduzir a violência doméstica e social, na qual as variáveis psicossociais e culturais tendem a prevalecer sobre as racionais, a prevenção teria prioridade sobre a punição. 43 2.2 A violência doméstica Ao tratar da violência doméstica, inicialmente faz-se necessário conceituar o que seja família, eis que a violência doméstica ocorre dentro do núcleo familiar. 2.2.1 Conceito de família Família em sentido estrito é um agrupamento social cujos membros estão vinculados por laços de parentesco, determinados por normas culturais. A família ao mesmo tempo é um grupo biológico e uma instituição social. Constitui-se por pessoas do mesmo sangue ou admitidas por adoção que se formam pela coabitação. A família é um grupo natural de indivíduos unidos por relações biológicas. É o espaço para a garantia da sobrevivência, do desenvolvimento e da proteção integral dos filhos e demais membros. É a família que propicia as partes afetivas e materiais necessárias ao desenvolvimento e bem-estar social dos seus componentes. A família desempenha um papel decisivo na educação formal e informal, e no seu interior são ensinados os valores éticos e humanitários, aprofundando-se os laços de solidariedade. Hoje existem famílias formadas por união estável, famílias monoparentais e aquelas formadas pelo casamento como se infere no Art. 226, § 3º e 4º da Constituição Federal. 44 Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Venosa31 refere que se pode considerar família, num conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, compreendendo os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes por afinidade ou afins. Num conceito restrito, família compreende somente o núcleo familiar formado por pais e filhos que vivem sob o poder familiar. A corrente doutrinária dominante quanto à natureza jurídica da família, a entende como instituição. Nesse sentido, Venosa32 expõe: “família é uma união associativa de pessoas, sendo uma instituição da qual se vale a sociedade para regular a procriação e educação dos filhos.” Diniz33 define família, num sentido técnico, como sendo um grupo fechado de pessoas, composto de pais e filhos e de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma direção. A função da família é importantíssima porque exerce duas funções fundamentais que são a socialização primária das crianças, favorecendo a sua inserção 31 como membros positivos na sociedade, e a estabilização VENOSA, Silvio de S. Direito Civil – Família. Ed Saraiva. 2003, p. 16 Ibidem, p. 22 33 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. Direito de Família Brasileiro. SP. Ed Saraiva. 2002 32 das 45 personalidades adultas da população. A primeira função garante a transmissão de normas, papéis e valores aos filhos. A segunda permite aos adultos encontrar na família a união com o outro, o equilíbrio emocional. Oliveira34 citando Carlos Alberto Bittar define família como, “comunidade plena de interesses e de responsabilidades, fundada na afetividade recíproca de seus componentes, tendo como fatores característicos, ser personalizada, paritária e nuclear”. O autor faz uma colocação bem interessante que a seguir é reproduzida, por se entender ser aquela que mais faz sentido ao definir o que seja família no contexto do direito brasileiro, O que os membros da sociedade familiar devem sempre ter em mente é que, no embate entre os seus interesses pessoais e os do grupo familiar, devem sempre prevalecer estes últimos, para se evitar o enfraquecimento dos laços de afetividade que unem os componentes, provenham eles do matrimônio, da união estável ou da comunidade formada por quaisquer dos pais e seus descendentes. Definido o sentido e a importância da família verifica-se que a violência doméstica seria a exceção ou a deturpação dos objetivos da família, quando se espera que nela ocorra a socialização primária dos filhos e a estabilização das personalidades adultas, onde os pais e filhos possam encontrar o equilíbrio emocional. É óbvio que, num lar violento, iremos formar, via de regra, crianças com personalidades violentas e desajustadas, e encontrar adultos socialmente desajustados. A violência passa a ser encarada como um meio natural de vida, 34 OLIVEIRA, José S. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. SP. Ed. Saraiva. 2002, p. 265 46 comportamento que irá ser reproduzido no meio social, onde a violência passa a ser um modo normal de resolução de conflitos. Costa35 ao abordar a questão da inobservância do Art. 227 da Constituição Federal, no trato e na educação das crianças, entende que a família, nos casos de violência doméstica acaba sendo a primeira violadora dos direitos da criança e do adolescente. Senão vejamos: Diante da inobservância da Lei Maior, a família acaba constituindo-se numa violadora dos direitos da criança e do adolescente, juntamente com a sociedade e com o Estado. Essa situação foi criada, vez que a legislação não está voltada a possibilitar os meios para que os pais possam proporcionar aos filhos uma existência digna. A legislação dirige-se para a conseqüência do abuso ou da violação no exercício do poder familiar. A família é afetada por problemas sociais de natureza diversa tais como exploração e abuso, fatores econômicos, sociais, culturais ao desenvolvimento dos seus membros. A família, contudo, é reconhecida como uma fonte básica de amor e proteção, o que seria normal, mas nem sempre é assim. Há famílias onde impera o desrespeito, a dor, a violência, onde impera a lei do mais forte. Nesses lares os direitos daqueles considerados mais frágeis, a mulher e a criança, são violados diariamente, sem que o direito aja de forma eficaz para restabelecer o equilíbrio e a paz no âmbito familiar. As vítimas da violência doméstica ou intrafamiliar, via de regra, são a mulher e a criança, por serem os indivíduos mais frágeis do núcleo familiar. O homem ocasionalmente pode ser vítima de violência doméstica, mas a regra é que as vítimas mais comuns sejam as mulheres e as crianças. 35 Obra citada, p. 62 47 Saffiotti e Munoz36 entendem a violência contra a mulher no Brasil, como constitutiva de gênero. Nesse sentido: A violência masculina contra a mulher é constitutiva da organização social do gênero no Brasil. Trata-se de numerosas formas de violência, desde as mais sutis, como a ironia, até o homicídio, passando pelo espancamento, reprodução forçada, estupro, etc. Via de regra, a violação sexual só é considerada um ato violento quando praticado por estranhos ao contrato matrimonial, sendo aceita como normal quando ocorre no seio do casamento. A autora coloca que o problema da violência não decorre do nível do indivíduo, mas de uma categoria de gênero em que a mulher aparece consentindo com a sua subordinação, enquanto categoria social, a outra categoria social constituída pelos homens, como se a mulher fosse uma cidadã de segunda categoria. A violência está de tal modo arraigada em cada um dos passos e gestos do homem moderno que não se pode deixar de indagar se ela não é um fenômeno típico dos dias atuais. A violência hoje se tornou um modo de ser e agir do homem, passando a mulher a ser encarada como uma adversária do homem, especialmente no mercado de trabalho, eis que, cada vez mais, a mulher passa a ocupar maior espaço no meio social. 2.2.2 A violência doméstica contra a mulher A violência de gênero passou a ser estudada com o surgimento do movimento feminista da década de 70 nos Estados Unidos. O movimento feminista esperava que o uso do termo gênero transformasse os paradigmas da história e do 36 SAFFIOTI, Heleieth I. B. e MUNOZ, Mônica – Vargas (Org.) Mulher Brasileira é Assim, Ed. Rosa dos Tempos, 1994, p. 151 48 conhecimento humano, uma vez que mulher e gênero seriam sinônimos para estudos acadêmicos. A estratificação de gênero numa sociedade refere-se à extensão na qual as mulheres estão em desvantagem em comparação aos homens de sua própria sociedade. É muito fácil reunir conceitos de violência e gênero para formar um terceiro conceito, a violência de gênero, que pressupõe uma relação de poder, nas quais, historicamente existe a prevalência do sexo masculino sobre o sexo feminino. A violência de gênero ocorre em vários espaços e situações, como no político, nas leis, no mercado de trabalho, na família, nas relações domésticas e nos meios de comunicação. A violência do gênero masculino sobre o gênero feminino até bem pouco tempo não era objeto de pesquisas acadêmicas. A violência doméstica de homens contra mulheres ocorre há milhares de anos, e tem sido admitida por algumas leis, jurisprudências e crenças religiosas. Estima-se que a cada quatro minutos uma mulher é agredida no Brasil (Safffioti e Almeida, 1996) e em 70% dos casos o agressor é o marido ou companheiro da vítima. Estima-se que 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica e que 41% dos homens que espancam as esposas são violentos com os filhos. Estima-se, também, que um terço dessas crianças que sofrem a violência vão reproduzir no futuro o mesmo tipo de comportamento. Outro dado interessante é que na maioria dos casos, a vítima da violência não deseja o fim da relação, mas deseja alguma forma de intervenção para ajudar o marido ou companheiro a romper com o ciclo da violência, na sendo vista a criminalidade, ou a mera punição do agressor, como a melhor alternativa para a solução do problema. 49 A sociologia, a antropologia, a vitimologia e outras ciências humanas lançaram mão da categoria gênero para demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens. Essas desigualdades repercutem tanto na esfera pública, como na esfera privada, onde homens e mulheres exercem papéis sociais diferenciados que foram construídos historicamente. Tais construções históricas criaram pólos de dominação (poder masculino) e submissão (dos direitos femininos), subordinando a mulher às necessidades pessoais e políticas dos homens. Reconhecida essa relação de dominação, desenvolveram-se por toda parte lutas pela igualdade de direitos, pelo reconhecimento da situação das mulheres e pela propositura de ações afirmativas que garantam oportunidades e condições iguais mediante tratados, declarações internacionais entre os países signatários. O termo gênero deve ser entendido como instrumento que viria facilitar a percepção das desigualdades sociais e econômicas entre homens e mulheres. O termo gênero não pode, nem deve, ser confundido com sexo que é uma diferença biológica entre homens e mulheres. O termo gênero aborda diferenças sócioculturais existentes entre os sexos que configuram desigualdades econômicas e políticas que levam as mulheres à posição inferior em relação aos homens. 50 A violência de gênero segundo Strey e Werba37 é paralela a outras formas de abuso que estão clara e consistentemente incluídas no discurso dos direitos humanos. Os golpes e ataques sexuais no lar são semelhantes às formas reconhecidas de tortura. A subjugação das mulheres, inclusive pela violência (física ou psicológica), é comum em nossa sociedade e está profundamente enraizada nas tradições culturais e religiosas a ponto de não ser aceita como uma questão de direitos humanos. Há uma resistência da sociedade e do próprio governo em aceitar e tratar da violência contra as mulheres como abuso de direitos humanos. Existe a certeza de que se a violência doméstica fosse tratada como questão de abuso de direitos humanos, esse seria o primeiro passo para a erradicação da violência doméstica contra a mulher. Fugir e se proteger de um marido violento é muito difícil quando a própria sociedade reluta em aceitar que a violência de gênero também é um problema social. A violência doméstica é quase invisível, porque quase não é divulgada e, quando divulgada, não produz comoção social, exceto quando em casos extremos resultou em morte. Necessário se faz abordar a discussão da violência doméstica ou de gênero dentro do conceito de cidadania e dignidade humana e não apenas relegá-la à luta entre homens e mulheres. Strey e Werba38 afirmam que os exemplos mais contundentes da invisibilidade da mulher estão justamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A violência doméstica é invisível porque praticada no âmbito privado, sendo 37 STREY, Marlene N. e WERBA, Graziela C. In Violência de Gênero. Coisas que a Gente não Gostaria de Saber. Edipuc, POA-RS, 2001, p 5960 38 Obra citada, p. 75 51 considerada uma questão privada. A violência, não sendo cometida pelo Estado, não era tratada como violação dos direitos humanos. As autoras relatam que somente a partir de 1993, 45 anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a violência contra a mulher passou a ser considerada uma violação dos direitos humanos. As autoras entendem que existe uma estratégia de dissimulação de fatos socialmente não aceitáveis como o abuso infantil e a violência contra a mulher, miséria causada por diferenças sociais que são obscurecidas mediante pactos sociais informalmente estabelecidos. Por meio desses pactos informais grupos humanos, comunidades inteiras dissimulam situações insustentáveis e intoleráveis transformando-as em invisíveis, retirando delas seu caráter conflitante e transformador, permitindo dessa forma que tudo permaneça a mesma coisa. A invisibilidade das mulheres e dos direitos humanos são processos culturais e históricos possíveis de reversão por meio da rede pública de saúde, segurança pública, educação e através de políticas de prevenção à violência doméstica. A violência de gênero pode ser entendida como violência contra a mulher, em que o homem desempenha o papel do agressor. A violência doméstica é, pois, aquela que ocorre dentro de casa na relação entre as pessoas da família, entre pais, mães e filhos. A violência doméstica também é denominada como violência intrafamiliar e como tal pode ocorrer fora do espaço doméstico. 52 Há quem faça críticas a esta terminologia porque mais uma vez ela estaria escondendo a violência contra a mulher. É certo afirmar que os conceitos de violência doméstica e intrafamiliar se entrelaçam porque a violência doméstica ocorre no lar e a violência intrafamiliar se dá com freqüência no âmbito doméstico. Outros autores utilizam a expressão violência conjugal para designar a violência havida nas relações entre marido e mulher, ou naquelas decorrentes de união estável, que se manifesta tanto no espaço doméstico como fora dele. A respeito da violência de sexo ou gênero Tavares e de Melo39 também entendem que são crimes que atingem a cidadania da mulher, razão pela qual também constitui violação dos direitos humanos. Senão vejamos: A violência é uma das mais graves formas de discriminação em razão do sexo/gênero. Constitui violação dos direitos humanos e das liberdades essenciais, atingindo a cidadania das mulheres, impedindo-as de tomar decisões de maneira autônoma e livre, de ir e vir, de expressar opiniões e desejos, de viver em paz em suas comunidades; direitos inalienáveis do ser humano. É uma forma de tortura que, embora não seja praticada diretamente por agentes do Estado, é reconhecida como violação dos direitos Humanos realizada em Viena (Áustria) em 1993, isso por que cabe ao Estado garantir a segurança pública, inclusive da população feminina. É um fenômeno que atinge mulheres de diferentes classes sociais, grupos étnicos, posições econômicas e profissionais. No mesmo sentido, a Convenção de Belém do Pará define violência contra a mulher como qualquer ação ou conduta baseada no gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público, como no particular. 39 Obra citada, p. 23 53 As autoras Almeida e de Melo entendem que a definição da Convenção de Belém do Pará é suficientemente ampla para compreender os dois conceitos (violência doméstica e intrafamiliar), pois caracteriza a violência doméstica como sendo a violência física, sexual, psicológica que tenha ocorrido dentro da família ou da unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal na qual o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher. A violência doméstica não se explica somente pelas relações de gênero. A violência doméstica abrange outras variáveis como status econômico, aceitação da violência, estresse, segundo as quais todos os membros da família podem ser vítimas da violência. Alguns estudiosos como Gilles e Strauss40, entendem que a violência intrafamiliar endêmica resulta de diversos fatores, como: a) O estresse a que estão submetidos os familiares no atual contexto econômico e social; b) A própria estrutura da vida em família (tempo de convivência, múltiplas atividades e interesses comuns, intensidade do envolvimento, intervenção nas atitudes, comportamento ou decisões dos outros membros, diferenças de sexo e idade, atribuição e assunção de papéis, privacidade e isolamento, intimidade); 40 SOARES, Bárbara Musumeci. Mulheres Invisíveis, Ed. Civilizações, 1999, p.159 54 c) Empréstimo dos padrões sociais que generalizam e endossam a violência como forma de solução de conflitos; d) A socialização da criança, segundo o padrão amplamente aceito de punição pela forma física em que a violência é gerada pela própria família e transmitida de geração a geração. A violência doméstica se baseia na idéia de conflito e descreve a violência contra a mulher como um aspecto de um padrão mais geral de violência familiar. A violência doméstica ou intrafamiliar pode ocorrer na forma de abuso físico, emocional, psicológico e sexual, quer na relação entre casais ou na relação entre pais e filhos. O abuso físico consistiria no ato de bater, esbofetear, empurrar, chutar, socar, queimar, sufocar, impedir de sair de casa, uso de instrumentos contundentes (armas de fogo, facas). O abuso psicológico consistiria no ato de ameaçar, dizer o que se pode ou não se pode fazer, xingar, ofender com palavras. O abuso sexual consiste em estuprar, praticar o atentado violento ao pudor, contatos físicos indesejáveis ou forçar um adulto ou criança à prática de atos sexuais contra a sua vontade. Alguns exemplos de definição da violência são óbvios para caracterizar o ato de violência, como esfaquear a esposa; violentar a mulher ou a criança. São atos facilmente incrimináveis. Mas há outros atos menos óbvios como a negligência, a 55 omissão, os xingamentos e palavras que ferem e caracterizam a violência psicológica. Nesse aspecto sugerem alguns problemas de difícil solução. Nos casos de violência psicológica, quando devemos intervir, quando devemos chamar a polícia? O crime contra a mulher que apresenta o segundo maior volume de denúncias é o de lesão corporal, definido no Art. 129 do Código Penal. A lesão corporal pode ser leve ou grave. A lesão corporal grave, prevista no Art. 129, § 1º e seus incisos, recebe um tratamento jurídico bem diferenciado em decorrência da pena que varia de um a cinco anos. Em nosso ordenamento jurídico, um espancamento com sérias conseqüências , capaz de afastar a mulher de suas ocupações habituais por vinte ou vinte e nove dias é considerado lesão leve, enquadrando-se nos crimes de menor potencial ofensivo, o que de fato torna-se absurdo. O crime de ameaça, previsto no Art. 147 do Código Penal, que consiste em “ameaçar alguém”, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave, em termos de estatística ocupa o primeiro lugar nas denúncias feitas contra as mulheres nos órgãos policiais. É a forma mais corriqueira de intimidação das mulheres por seus maridos e companheiros, seguido pelo crime de lesões corporais. O crime de ameaça é uma forma de violência psicológica que pode destruir a vontade, o desejo e a autonomia de outra pessoa. Contudo, é também considerado crime de menor potencial ofensivo. 56 Via de regra os crimes de lesão corporal e ameaças precedem ao crime de assassinato de mulheres como resultado da violência de gênero ou violência doméstica. O estupro significa o ato de constranger a mulher a ter relações sexuais sem o seu consentimento mediante o uso da violência física, psicológica ou grave ameaça, podendo ocorrer tanto na esfera privada como em espaços públicos. O atentado violento ao pudor significa o ato de constranger a mulher à prática de ato sexual diferente da conjunção carnal, mediante o uso da violência física, psicológica ou da grave ameaça. No estupro como no atentado violento ao pudor, o agressor utiliza a força e o ódio. O agressor usa da sexualidade para manifestar sentimentos de poder e vingança. Trata-se de uma conduta sexual baseada na violência e no pleno domínio da vítima. A sociedade possui uma visão ambígua a respeito do estupro e do atentado violento ao pudor. Ao mesmo tempo repudia, como legitima o estupro dentro do contexto social. Explico. A sociedade reconhece com mais facilidade o estupro e o atentado violento ao pudor quando o mesmo é praticado por estranhos, mas não age da mesma forma quando o crime é praticado pelo próprio marido da vítima. A nossa legislação não prevê o direito da mulher de se recusar a ter relações sexuais com o marido, fato previsto, por exemplo, na legislação portoriquenha (Lei nº 54, de 15 de agosto de 1989, para prevenção e intervenção da Violência Doméstica). 57 As autoras Teles e de Melo41 afirmam que o código penal de 1940 reflete o pensamento patriarcal e sexista reinante naquela época, principalmente no que diz respeito à violência sexual que pelo código é visto como crime contra os costumes, enquanto deveria ser previsto no capítulo dos crimes contra a pessoa. Segundo as autoras, o projeto de reforma do código penal de certa forma contempla a reivindicação das mulheres ao chamar os crimes de violência sexual de “crimes contra a dignidade sexual”. Nos crimes contra a vida praticados contra as esposas e companheiras, um dado característico a esse tipo de crime é que via de regra ele é praticado quando ocorre a tentativa ou o rompimento da relação conjugal por parte da esposa ou companheira vítima da violência doméstica. Maridos ou ex-maridos, casados ou não, até mesmo namorados ou ex-namorados sentem-se no direito de matar a mulher que não quer continuar com o relacionamento, alegando como causa da conduta criminosa a vingança. O sentimento de posse, a coisificação da mulher “ela é minha ou não é de mais ninguém” ou “se ela não for minha não será de mais ninguém” leva o marido, o homem ou o companheiro à prática do homicídio. É certo que a união conjugal tráz consigo a trajetória do indivíduo, suas fantasias, desejos, expectativas que farão parte da relação conjugal. Os casais que tiverem um relacionamento propenso a conflitos, que tendem a culminar no crime de homicídio formam vínculos patológicos que alimentam uma progressiva onda de violência com predomínio do ódio e do rancor que, face à perda do objeto amado, pode levar o indivíduo ao homicídio contra o companheiro (a) ou cônjuge. 41 Obra citada, p. 81 58 Pesquisas sobre a violência doméstica, conforme mencionado por Soares42, levaram à conclusão da existência de uma ordem natural dos fatos no trato da violência doméstica contra a mulher: à agressão verbal, seguem-se os objetos quebrados, as paredes esmurradas, o primeiro tapa, o medo, as ameaças, o terror, as agressões severas, o desespero e a morte de um ou de ambos os parceiros. Existe uma demanda de projetos preventivos para os casos de violência doméstica praticados contra a mulher, de forma que se consiga de alguma forma evitar que os relacionamentos cheguem ao final trágico do homicídio. Finalmente, no paradigma da violência doméstica, ainda que os casos sejam de menor expressão, destacam-se alguns grupos de homens que afirmam serem vítimas da violência feminina no âmbito doméstico e reivindicam um tratamento equivalente ao conferido às mulheres, já que se consideram vitimados por um sistema policial e jurídico excessivamente contaminado pelo viés feminista. 2.2.3 A violência doméstica contra a criança e o adolescente A violência doméstica ou intrafamiliar não se restringe à violência praticada contra a mulher. A violência doméstica é mais ampla porque também atinge a criança, além da violência de gênero. A violência doméstica não deve, pois, ser vista como um drama particular, como um problema exclusivamente privado. O silêncio e a resistência das vítimas 42 Obra citada, p. 173. 59 que não denunciam as agressões sofridas geram o que os estudiosos sobre a matéria chamam de cifras negras e aumentam os índices de violência intrafamiliar. Leal e Piedade43, ao abordar a temática da violência doméstica contra a criança, afirmam que: A violência doméstica contra a criança, implícita e explicita, aí está, desafiando nossa capacidade de perseguir novos caminhos, de tomar iniciativas no sentido de enfrentá-la, de coibi-la, de preveni-la. Sabemos que são milhares os casos de maus-tratos, de espancamentos, de abusos sexuais, e temos consciência de que grande parte destes atos espúrios não são revelados, não são denunciados. Para mudar a dita realidade, entendemos que seja preciso criar um novo paradigma, uma conscientização pública de que gestos desta natureza devem ser repelidos a todo custo e, sempre que se julgar necessário, punidos na forma da lei. Ao ser abordada a questão da violência doméstica praticada contra a criança, há necessidade de se definir o termo criança. De acordo com a Veronese44, ao tratar de humanismo e infância, o termo criança seria uma terminologia moderna que nem sempre foi utilizada em nossa sociedade. Antes do século XVII o infante representava uma parte insignificante do contexto familiar. Não era valorizado. A criança simplesmente tornava-se adulta. A mudança radical ocorre após o século XVII com o início da vida escolar. No século XVII as escolas eram verdadeiras prisões onde vigia a política de enclausuramento. A criança era mantida afastada dos pais. Os professores eram adestradores. Não havia preocupação em educar, em ensinar, mas em conter de forma repressiva condutas infantis por parte das crianças, devendo o comportamento se aproximar do comportamento do adulto. As crianças eram consideradas adultos em miniatura. 43 LEAL, César B. e PIEDADE, Junior H. (Org) In Violência e Vitimização. A Face Sombria do Cotidiano. Ed. Del Rey, 2001, p. 49/50 44 ORIDES, Mezzaroba (Org) Humanismo Latino e Estado no Brasil. Fundação Boiteux. Florianópolis. 2003. P.423 60 O sentimento de desconsideração para com a criança perdurou por toda a idade média, melhorando com a formação do processo escolar existente no século XVIII. Contudo, não havia respeito à sua condição de ser em desenvolvimento. A partir da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovado pela Assembléia das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, acentua-se o fato de que as crianças, face à sua vulnerabilidade, necessitam de cuidados e proteção especial, enfatizando a importância da família para que a criança desenvolva a sua personalidade num ambiente de felicidade, amor e compreensão. A Convenção faz entender que a criança deve estar preparada para interagir no meio social, devendo ser educada com dignidade, tolerância, liberdade, igualdade, solidariedade e espírito de paz. A Convenção tem natureza coercitiva e exige dos Estados – membros que a subscreveram e ratificaram que devem adotar medidas positivas para promover o bem-estar das crianças. A referida Convenção (Internacional dos Direitos da Criança) possui mecanismos de controle no que diz respeito ao cumprimento de suas disposições e obrigações sobre cada Estado que a subscreveu. A Convenção compromete os Estados partes com padrões sociais, econômicos e legislativos mais altos, obrigando-os a se reportarem à comunidade internacional sobre o bem estar de suas crianças, com a finalidade de resguardar os direitos dos infantes com base nos princípios norteadores da doutrina da Proteção Integral. A criança e o adolescente 61 por intermédio da Convenção internacional sobre os Direitos da Criança, passam a ser consideradas sujeitos de direitos. No Brasil, o Código de Menores de 1927, segundo Veronese e da Costa45, consolidou toda a legislação sobre a infância consagrando um sistema duplo no atendimento à criança, atuando especificamente sobre os efeitos da ausência que atribuiu ao Estado a tutela sobre os órfãos, os abandonados, e com os pais ausentes, o que tornava o direito ao pátrio poder disponível. O código de 1927, segundo as autoras, surgiu como resposta à criminalidade infantil existente na década de 20, quando o termo “menor” passa a ser difundido como sinônimo de criança oriunda de famílias pobres. O Código de Menores de 1979 foi elaborado com base na doutrina da Situação Irregular. Essa doutrina considerava irregular as crianças que eram privadas das condições essenciais de sobrevivência, vítimas de maus-tratos e de castigos imoderados. Aquelas que viviam em ambientes contrários aos bons costumes, vítimas da exploração de terceiros, as privadas de representação legal pela ausência dos pais, e aquelas que apresentassem desvio de conduta e praticassem atos infracionais. Segundo Veronese e Costa46, o Código de Menores reuniu as terminologias existentes na época para designar criança como “exposto, abandonado, delinqüente, transviado, infrator, vadio, libertino sob a mesma condição: situação irregular. O 45 46 VERONESE, Josiane R. P., COSTA, Marli M. M. Violência Doméstica. Ed. OAB-SC,2005 Obra citada, p.47 62 Código de Menores introduziu a prisão cautelar para os menores suspeitos de prática de crime. A partir de 1979, ainda segundo Veronese e Costa47, após a indicação do Ano Internacional da Criança, associações e entidades iniciaram um movimento para abrandar a situação das crianças e adolescentes no sentido de substituir a Doutrina da Situação Irregular pela Doutrina da Proteção Integral. Senão vejamos: O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe as diretrizes gerais para a política de proteção integral da criança e do adolescente, reconhecendo-os como cidadãos. Estabeleceu a articulação entre o Estado e a sociedade com a criação dos Conselhos de Direitos, dos Conselhos Tutelares e dos fundos geridos por esses conselhos em nível estadual e municipal; garantiu à criança a mais absoluta prioridade no acesso às políticas sociais; estabeleceu medidas de prevenção e uma política especial de atendimento e acesso digno à justiça. A criação do Estatuto revela a preocupação do legislador e da sociedade na proteção integral da criança e do adolescente de forma a permitir o pleno desenvolvimento de suas capacidades físicas e intelectuais dentro do meio social. Veronese e Costa (2005), ao abordarem a questão, salientam a importância do direito ao respeito do infante por se encontrar em fase de desenvolvimento. Nesse sentido devem ser preservadas a integridade física, moral e psicológica da criança e 47 Ibidem, p.54 63 do adolescente, evitando-se torná-la marginalizada ou portadora de carências, mediante o direito constitucional à dignidade da pessoa humana. As autoras Veronese e Costa (2005) entendem que o “direito do Menor” que somente se preocupa com os menores de 18 anos em situação irregular passa a preocupar-se com todas as crianças e adolescentes criando uma blindagem contra aqueles que violam os seus direitos. Veronese e Costa48 afirmam que “A doutrina evoluiu para a situação irregular da família, da sociedade e do Estado, definindo medidas para os responsáveis ativos da situação irregular.” Existe uma preocupação do Estatuto da Criança e do Adolescente em tratar da situação daqueles que violam os direitos das crianças e dos jovens. A sociedade está mobilizada na defesa dos infantes que são reconhecidos como sujeitos de direitos cuja dignidade deve ser respeitada e preservada. De tudo que já se disse e já se leu, entende-se que a família é uma das maiores responsáveis pelas violações dos direitos da criança e do adolescente, porque nela iremos encontrar a cultura da violência. Aceitar a idéia de educar os filhos com castigos físicos e punições é perpetuar a cultura da violência praticando o abuso do exercício do poder familiar, o que é socialmente aceito pela maioria das pessoas. Obra citada, p.58. 64 A família que deveria ser o lócus da proteção, o lugar responsável pela proteção da criança e do adolescente, muitas vezes torna-se o lugar da violência, obrigando os filhos a buscar na rua a proteção que deveriam ter em casa. Veronese e Costa49 afirmam que “a família é o lugar onde se formarão todas as bases da criança e o que ela vivenciar durante esta fase ficará indelevelmente inscrito em seu interior, moldando-a, por assim dizer, para a vida”. Razões subsistem as autoras no sentido de que “famílias doentes”, aquelas responsáveis por infligir toda e qualquer forma de violência a criança e adolescente, perpetuam a violência como um modo normal de vida reproduzindo no futuro, com a sua própria família, ou na rua por meio do crime, o comportamento violento apreendido na família. A violência intrafamiliar atinge a criança e o adolescente. A violência doméstica contra a criança e adolescente consiste também: a) Numa transgressão do poder disciplinador do adulto, convertendo a diferença de idade adulto-criança/adolescente numa desigualdade de poder intergeracional; b) Numa negação do valor de liberdade que exige que a criança e o adolescente sejam cúmplices do adulto num pacto de silêncio; 49 Obra citada, p.98. 65 c) Num processo de vitimização, enquanto forma de aprisionar a vontade e o desejo da criança ou do adolescente, de submetê-los ao poder do adulto a fim de coagi-los a satisfazer os interesses, as expectativas deste50. GUERRA51, apud Adorno, ao abordar a violência doméstica contra a criança e adolescente nos ensina: (...) a violência é uma forma de relação social, esta inexoravelmente atada ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem suas condições sociais de existência. Sob esta óptica, a violência expressa padrões de sociabilidade, modos de vida, modelos atualizados de comportamentos vigentes em uma sociedade em um momento determinado de seu processo histórico. A compreensão de sua fenomenologia não pode prescindir, por conseguinte, da referência às estruturas sociais, igualmente não pode prescindir da referência aos sujeitos que a fomentam enquanto experiência social. Guerra52 bem coloca que a violência se expressa também nas relações interpessoais, entre homens e mulheres, crianças e adultos, cujo resultado mais visível é a conversão de sujeitos em objetos, sua coisificação. Guerra53 explica ainda que a violência doméstica é um tipo de violência que permeia todas as classes sociais como violência de natureza interpessoal. Essa violência decorre da produção de sociedades desiguais e da violência estrutural. 50 GARCIA Mende,E. Silva, M.C. Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) Comentado. 4ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2000 51 GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo, Violência de Pais contra Filhos: a tragédia revisada, 3ª Ed. Ed. Cortez, 2000, p. 31 52 GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo, Violência de Pais contra Filhos: a tragédia revisada, 3ª Ed. Cortez, 2000 53 ibidem 66 A violência doméstica segundo Viviane é uma forma de violação dos direitos essenciais da criança e do adolescente como pessoas e, portanto, seria a negação de valores humanos fundamentais como a vida, a liberdade e a segurança. Para Viviane a violência intrafamiliar contra os filhos é semelhante à violência contra a mulher. O agressor da mulher via de regra também é o agressor dos filhos. A violência contra os filhos se manifesta pela violência física, por maus-tratos, pela violência psíquica, pela negligência, em muitos casos resultando na morte das vítimas. O normal é as vítimas não conseguirem romper com o medo e, por isso, não denunciarem o agressor. As lesões, quando diagnosticadas em hospitais ou centros de saúde ou no colégio, não são notificadas pelos profissionais de saúde ou pelos professores, por falta de uma consciência social ou pelo individualismo que permeia a sociedade moderna. Já violência psicológica, tão grave quanto a física, é mais difícil de detectar. Atinge níveis de gravidade quando evolui para a chamada “tortura psicológica”, infringindo sofrimento mental na criança e no adolescente, podendo inclusive caracterizar o crime de tortura ou maus-tratos. A violência psicológica se apresenta pelo rejeitar, isolar, aterrorizar, ignorar. O abuso psicológico atinge a auto-estima de suas vítimas. Caracteriza-se por ameaças, promessas de morte, calúnias, coação, humilhação, privação emocional, privação do convívio social, menosprezo. “A violência psicológica é mais destrutiva, 67 não quebra ossos, quebra mentes. O abuso psicológico não resulta na morte do corpo, resulta na morte da alma”54. No tocante ao abuso sexual, o mesmo ocorre via de regra dentro da esfera familiar o que dificulta a sua descoberta, pois a vítima geralmente não encontra condições de fazer a denúncia contra o abusador, quer por medo, quer por vergonha. Nesse sentido, as autoras Veronese e Costa55, ao tratar da matéria, afirmam: A problemática do abuso sexual dentro da esfera familiar reside no fato de que sua descoberta depende de que as vítimas saiam do estado de dominação e passividade em que se encontram, o que, por sua vez, depende de que elas tenham condições de faze-lo. Assim, por exemplo, quando uma criança é muito nova, ela não tem meios para tanto. Neste caso é preciso que outro parente próximo ou distante, ou mesmo outra pessoa das relações da vítima, descubra o fato e faça a denúncia, o que, como se sabe, pode levar muito tempo para ocorrer, devido a vários fatores, que vão desde o medo da reação do maltratante, até o desconhecimento e a ocultação do fato.” Existe, pois, uma dificuldade muito grande de a própria vitima fazer a denúncia, uma vez que a pessoa que recebe a denúncia pode não dar a devida atenção alegando que a vítima estaria inventando ou fantasiando a respeito do fato. Isso pode induzir a vítima a esquecer o assunto, ou pior, responsabilizar a vítima pelo fato, o que é bem mais comum do que parece. As autoras ressaltam a importância em motivar e informar a população, por intermédio dos meios de comunicação ou de programas comunitários, da 54 VACHS apud Backes, DA LUZ, Daniel. Indicadores de Maus tratos em crianças e adolescentes para uso na prática de enfermagem. Disponível em : “http//w.w.w. perícias-forense. Com.Br./maus-tratos. 55 Obra citada, p. 112. 68 necessidade e da urgência da denúncia nos crimes de abuso sexual para coibir a prática de tais crimes no âmbito doméstico. Mais importante que punir o autor é afastá-lo do lar e tratar as seqüelas físicas e psicológicas da vítima, uma vez que a literatura especializada informa que esse tipo de violência é apreendida e o padrão de violência se reproduz, transformando abusados em futuros abusadores. A negligência, como já vimos, é uma outra forma de violência praticada contra a criança e os adolescentes e caracteriza-se principalmente pela indiferença e pela omissão dos pais em relação aos seus filhos. Veronese e Costa56 nos ensinam que: Educar, informar, estabelecer limites, esclarecer quanto aos perigos e as possibilidades é dever que não pode ser negligenciado pelos pais, nem mesmo daqueles que não possuem um nível cultural razoável, pois estes últimos podem, através de suas experiências cotidianas, desempenhar satisfatoriamente essa tarefa. A situação da criança e do adolescente tem sido amenizada desde a promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, em face à doutrina da proteção integral. No contexto legal, a criança e o adolescente ainda estão melhores protegidos do que a mulher. A ela somente se aplicam algumas normas do ordenamento jurídico penal, mas, infelizmente, salvo os crimes sexuais, todos os delitos são considerados de menor potencial ofensivo pela redação da Lei 9.099/95 e da Lei 10.259/01 que criaram os juizados especiais da Justiça Comum e Federal. 56 Obra citada, p. 120 69 O crescente problema da violência familiar vem sensibilizando a sociedade e o próprio legislador. Deve-se, contudo, enfrentar dois aspectos da violência doméstica. O primeiro é a punição dos agressores; o segundo, são programas voltados ao tratamento psicológico para as vítimas e uma rede de apoio e assistência para que a mãe possa novamente com os filhos inserir-se num contexto de trabalho, reintegrando-se socialmente, por meio de políticas públicas e sociais. Tem sido constatado que os serviços de atendimento às vítimas da violência doméstica, quando existem, pouco fazem para reacomodar o núcleo familiar vitimizado pela violência, por falta de recursos humanos e financeiros. O Estado, em nível federal, estadual e municipal possuem poucas verbas destinadas a investimento na readaptação do núcleo familiar que necessita de auxílio imediato, quando ocorre a denúncia do agressor para as autoridades. As Prefeituras Municipais quando muito, possuem serviços assistenciais que se resumem a atendimento por assistente social ou psicóloga, que além de analisar e aconselhar, pouco podem fazer de concreto para as vítimas da violência doméstica. 2.3 Conseqüências da violência doméstica A violência doméstica gerada pela agressão entre familiares produz um custo social ao Estado com reflexos no sistema de saúde, às vítimas mulheres, ás crianças e aos adolescentes e ao sistema produtivo do país. 70 Nem toda violência doméstica chega ao conhecimento do Sistema Penal por questões de cunho psicológico, com o medo das vítimas em sofrerem novas violências, ou uma forma de violência mais gravosa do que aquela cometida por seu agressor. Essa violência oculta o que aparentemente seja de pouca danosidade social, mas seja uma determinante nos índices de violência urbana, porque, segundo estudiosos, o comportamento agressivo e violento é um comportamento apreendido. Profissionais da área de saúde consideram a adolescência um dos períodos mais importantes, pois é quando os adolescentes formam convicções a respeito da sua personalidade. Nesse período, o adolescente é especialmente influenciável. Assim, a agressividade juvenil pode constituir-se numa resposta à desagregação familiar causada pela violência. Os jovens ou adolescentes em contato com a violência doméstica podem facilmente apresentar distúrbios afetivos e de conduta, depressão, uso de substâncias entorpecentes, alcoolismo, além de outros fatores de violência como a delinqüência juvenil. Ao ser abordada a questão dos princípios orientadores e preventivos da delinqüência juvenil arrolados pelas Nações Unidas57, é necessário que se leve em consideração que: 1. A delinqüência juvenil é uma parte essencial da prevenção ao crime na sociedade. Ao enveredarem por atividades lícitas e socialmente úteis e ao adotarem 57 Documento das Nações Unidas nº A/ Conf. 157/24 ( Part I), l990 – Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil – ( Princípios Orientadores do RIAD). 71 uma orientação humanista em relação à sociedade e à vida, os jovens podem desenvolver atitudes não criminógenas; 2. Uma prevenção bem sucedida da delinqüência juvenil requer esforços por parte de toda a sociedade para assegurar o desenvolvimento harmonioso dos adolescentes, com respeito e promoção de sua personalidade, desde a mais tenra idade. Não há como não analisar a violência social sem que se reconheça o papel decisivo da violência doméstica como fator de desenvolvimento da violência urbana. Um lar violento irá gerar indivíduos com problemas de conduta, com dificuldades de relacionamento no meio social. Estes indivíduos com problemas de relacionamento tornar-se-ão pessoas violentas, marginalizadas, que sejam segregadas da sociedade, até comporem outra massa: a massa carcerária. É um caminho na maioria das vezes, com raras exceções, sem volta, do qual retornarão mais miseráveis, mais violentos, doentes, e socialmente desajustados, com um custo social muito grande para o governo. Quanto custa manter um preso dentro do presídio? A violência do meio familiar extrapola o privado, invadindo o público, convertendo-se em violência social. Uma pesquisa realizada pela UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura58, intitulada Mapa da Violência revela que, embora a taxa de mortalidade do número de jovens no Brasil tenha caído de 633 em 100.000 habitantes em 1980 para 560 em 1996, a taxa de mortalidade de jovens subiu de 58 Relatório Azul 98/99 – Comissão de Cidadania e Direitos Humanos – Garantias e Violações dos Direitos Humanos – Criança e Adolescente,: construindo direitos . p.42/43 72 128 para 140 no mesmo período considerando que a população jovem ( 15 a 24 anos) decresceu percentualmente de 21,1% para 19,8%. A pesquisa relata também que a violência tem sido responsável pela morte dos jovens 13 vezes mais que a doença da Aids. A violência doméstica contra a criança e o adolescente, enquanto seres em formação, causa danos físicos e psicológicos irreparáveis com graves repercussões sociais, especialmente quando a vítima vai buscar a proteção que deveria ter na família, na rua, tornando-se, assim, um dos chamados meninos de rua, agravando o quadro de violência social. Grossi e Werba59, em seu artigo Violência e Gênero, citam dados da violência baseados na pesquisa realizada por Saffiotti e Almeida que relatam que, em 70% dos casos de violência praticados contra a mulher, o agressor é o marido ou o companheiro da vítima e que a agressão ocorre em casa. Citam que 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência e que 41% dos homens que espancam suas mulheres são violentos também com seus filhos. Um terço das crianças que sofrem a violência dos pais poderão reproduzir no futuro, elas mesmas o ciclo de violência intrafamiliar. Considerando que a violência doméstica se reproduz em ciclos, por meio do comportamento apreendido e convivido no âmbito doméstico, necessária se faz a desconstrução da violência, notadamente, mediante políticas públicas e sociais. 59 GROSSI, Patrícia K. e WERBA, Graziela C. (Org.) – Violências e Gênero. Coisas que a gente não gostaria de Saber. Edipucs-RS, POA, 2001, p.95 73 Na abordagem da violência doméstica, praticada contra as mulheres, diferentes autores apontam como conseqüências sintomas psicológicos e físicos. Os sintomas físicos mais comuns apontados em pesquisas são a fadiga, dores na coluna, na cabeça e insônia. No nível psicológico as mulheres sentem depressão, ansiedade, baixa auto-estima, medo e sintomas de estresse pós-traumático. A baixa estima da mulher vítima da violência pode levá-la a crer que o fato de ela ser vítima já é prova da sua desvalorização enquanto mulher. A baixa estima da mulher é provocada por agressões sexuais, psicológicas ou físicas, situação agravada quando a vítima é isolada do convívio com outras pessoas. Cardoso60, em seu artigo Mulheres em Risco de Situação de Violência Conjugal, relata que o medo em face das ameaças de violência leva à depressão e ao estresse pós-traumático. Senão, vejamos: O medo em frente a ameaça constante do uso da violência, igualmente, passa a ser um dos fatores de controle da vida da maior parte das mulheres. Elas desenvolvem o auto controle de todas as suas ações, tentando, desta forma, impedir a agressão. Além disso, as ameaças se estendem para outros membros da família, principalmente, para outras mulheres. A convivência que tem com o marido as faz, realmente, crer que ele cumprirá as ameaças ( Walker,1979). Frente ao medo, as mulheres desenvolvem estratégias para manejar as constantes ameaças, aprendem que a mentira e o silêncio funcionam como formas de prevenir a ocorrência da violência, além disso privam-se da satisfação de suas necessidades com medo de enfrentar o companheiro. Para compreender as conseqüências da violência, Duttan-Douglas (1989) consideram que o diagnóstico mais apropriado para mulheres agredidas seria o de estresse pós – traumático. A autora aponta como sintomas do estresse o alto estado de ativação caracterizado por hipervigilância, transtornos de sono, problemas de memória, dificuldades de concentração. Em casos extremos, provocam transtornos maníaco, 60 Barboi. Santa Cruz do Sul, nº 4/5, jan/dez. 96 ,p.77 74 reações psicóticas, apresentando também um perfil semelhante à esquizofrenia, até mesmo levando a vítima mulher a ter transtornos de personalidade. Do exposto acima, depreendem-se que a violência traz conseqüências que podem ser dramáticas à saúde psicofísica das vítimas. Estudos médicos61 demonstram que nas mulheres vítimas de violência foram detectados sintomas de depressão, ansiosidade, insônia, transtornos alimentares como anorexia, bulimia, compulsão para comer, fobias, dificuldades sexuais, hipertensão. Há também maior abuso de calmantes. E os gastos com a saúde física e mental das vítimas são enormes. As ocorrências de violência doméstica acabam refletindo-se no Sistema de Saúde Pública e na economia dos países onde se estima que um em cada cinco dias de absenteísmo no trabalho feminino decorrem da violência doméstica. No Chile, a violência contra a mulher consome 2% do PIB (Produto Interno Bruto). No Brasil os gastos não são menores62. O livro A Família Ameaçada. Violência Doméstica nas Américas63, traduzido por Soares, aponta que na América Latina não existem estimativas sobre o custo da violência doméstica. Existe uma estimativa disponível de gastos para o Canadá. 61 CABRAL, Mara Aparecida Alves. Prevenção a violência conjugal contra a mulher. Ciência e Saúde Coletiva. Ed. Abrasco. Vol. 4, p. 186, 1999. 62 Revista Veja – 1988. A face do Silêncio: a violência doméstica atinge não apenas a mulher, mas toda a sociedade. 1º de julho, p. 80-87 63 MORRINSON, Andrew R., BIEHL, Maria Loreto. A Família Ameaçada. Violência Doméstica nas Américas. Tradução Gilson B. Soares. Fundação Getúlio Vargas. 2000. 75 O Canadá em 1995 estimou um custo anual de 684 milhões de dólar canadense, empregado no sistema de justiça penal; um gasto de 187 milhões destinados à polícia; e um custo de aproximadamente 294 milhões por ano no aconselhamento e treinamento para combater a violência contra a mulher. Os custos diretos envolvem o valor gasto com o sistema médico, polícia, sistema de justiça criminal, alojamento e serviços sociais. O referido estudo aponta, também, o impacto e os efeitos econômicos da violência como: decréscimo da participação da mulher no mercado de trabalho, redução de produtividade no emprego, remuneração mais baixa, absenteísmo maior, decréscimo de investimentos e poupança, repetência e aproveitamento educacional mais baixo das crianças. No que se refere aos efeitos sociais da violência doméstica, o estudo aponta para a transmissão inter geracional da violência, qualidade de vida reduzida, erosão do capital social e participação menor no processo democrático. O referido estudo afirma que existem provas de diferenças salariais entre mulheres que sofreram e as que não sofreram violência física grave, o que representa um impacto macroeconômico importante na economia. As crianças que testemunharam a violência doméstica dentro de casa são propensas à apresentação de problemas disciplinares na escola e à repetência. A repetência e o mau rendimento escolar têm impactos diretos sobre o capital humano das crianças e na capacidade futura de obter emprego adequado com salário digno. 76 Entre os efeitos multiplicadores da violência de pais para filhos, verifica-se a existência de pior qualidade de vida e menor participação nos processos democráticos. Segundo Costa64 existe, uma ligação direta entre a violência sofrida ou testemunhada por homens na infância e seu posterior comportamento violento contra a esposa e os filhos. A violência vivenciada pelo homem na infância leva na vida adulta a ter pontos de vista inadequados sobre a aceitabilidade e utilidade da violência como meio de resolver conflitos tanto no âmbito familiar, como em seu meio social que também pode levá-lo à marginalização e ao crime. Veronese e Costa65 consideram a violência doméstica como um problema configurado na família, causando danos físicos, sexuais, psicológico à vitima, o que implica a transgressão da proteção do adulto, a coisificação da infância e a coisificação da mulher vítima da violência doméstica. Veronese e Costa66 estimam conseqüências graves de violência doméstica na futura estruturação da personalidade da criança como sujeito em desenvolvimento, senão vejamos: Crianças e adolescentes, cujo desenvolvimento se deu em um ambiente pobre, não somente em termos materiais, mas sobretudo de valores e de 64 COSTA, Marli M. Família, infância e adolescência: buscando a ruptura da violência. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, nº 15, p. 65-86, jan/jun.2001. 65 Obra citada, p. 176 66 Ibidem 77 afeto, pois há lares ricos de bens e vazios de carinho, ternura, com pais severos e distantes; esses aspectos podem contribuir para que estruturem uma personalidade evitativa e conflituosa, com significativa constrição afetiva, o que contribuirá para um possível comportamento anti-social dos mesmos. Não conseguira desenvolver (ou o farão com grande esforço) o que se chama de confiança básica, pois o mundo foi e é interpretado de forma ameaçadora. A razão está com as autoras ao afirmarem que “a lei, ainda que seja um instrumento importantíssimo não consegue por si só mudar a ordem social”. Somente uma grande mobilidade da sociedade como um todo poderá desconstruir a violência doméstica, viabilizando a paz, o que se entende que somente será possível com políticas públicas efetivas, com o compromisso ético do resgate da dignidade humana, e com uma educação voltada para a paz e para o respeito ao próximo, o respeito às diferenças de cada sujeito, seja no âmbito doméstico, seja no meio social. 78 3 OS MECANISMOS LEGAIS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO A VIOLENCIA DOMÉSTICA 3.1 A violência doméstica e o princípio constitucional à segurança e a dignidade humana. No primeiro capítulo da presente dissertação tratou-se dos direitos humanos e do princípio da dignidade humana, normatizado no Artigo 1º, inciso III da Constituição Federal. Trata-se de valor supremo da ordem jurídica que visa impedir que as pessoas sejam submetidas a situações desumanas, bem como garantir o acesso às condições mínimas de vida. Trata-se de uma qualidade inerente à pessoa humana que a torna destinatária do respeito e da proteção do Estado e da sociedade. O princípio da dignidade da pessoa humana serve de parâmetro para a aplicação, interpretação e integração de todo ordenamento jurídico, inclusive a legislação penal vigente e o sistema de justiça criminal. 79 Ao princípio da dignidade humana, normatizado na Constituição Federal, somam-se outros direitos sociais como o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer e à segurança. Assim dispõe a Constituição Federal em seu artigo 6º: CF – Artigo 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. A Constituição Federal prevê em dois momentos distintos o direito à segurança. A primeira previsão diz respeito à inviolabilidade do direito individual à segurança previsto no caput do Artigo 5°. “Todos são iguais p erante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros, e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes termos”. Após anunciar os direitos fundamentais como invioláveis, a Constituição instrumentaliza sua tutela nos princípios dos incisos subseqüentes. A primeira dimensão entende o direito à segurança como essencialmente individual e vinculado aos princípios da legalidade e ao princípio do devido processo legal. A segurança aparece como um direito, regra primeira da qual emanam outras garantias (regras secundárias). A segunda dimensão do direito constitucional é relativa á esfera prevista no Artigo 6°. O referido artigo não cria os instrument os de efetivação, mas abre sua conformação à regulamentação da segurança, adjetivado como público no artigo 144 com a redação “a segurança pública, dever do Estado, direito e 80 responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A Constituição Federal foi omissa na regulamentação do proclamado “ direito social à segurança”. Carvalho67 afirma que: Na atualidade, os políticos democráticos de combate da violência são geridos, dentre outros, a partir da Teoria da Nova Prevenção, modelo que estruturou formas de políticas integradas de segurança urbana. O diferencial deste modelo, que encontra no projeto italiano de Cittá Cicura, seu maior referencial, é a descentralização dos órgãos de controle, sobretudo o policial. Desta forma a intervenção da polícia é apenas um dos mecanismos de controle dos desvios urbanos. Associam-se aos aparatos repressivos uma série de ações públicas não punitivas, mas sociais, que diminuem o impacto da violência estatal na tentativa de contenção das violências privadas. Quebrado o ciclo vicioso da violência, abre-se espaço de atuação da face social-intervencionista do Estado. O sujeito passivo dos direitos sociais é o Estado e daí advém o dever do Estado de propiciar segurança e dignidade às pessoas, especialmente à família, quando a mesma é vítima da violência doméstica. O direito social a segurança é uma obrigação ou prestação positiva do Estado que tem por escopo proteger os hipossuficientes, agindo para proteger a integridade física, a vida humana, e a dignidade da pessoa humana. O direito social à segurança funciona, pois, para garantir situações incorporadas ao patrimônio humano, como a qualidade de vida, integridade física, a vida e o patrimônio, quando vítimas da violência e do crime. 67 WUNDERLICH, Alexandre H e CARVALHO, Salo de (Org.). Novos Diálogos sobre os Juizados Especiais Criminais.Rio de Janeiro: Ed. Limen Júris. 2005 p.96/97 81 O Direito Social a Segurança é um direito ou crédito passível de exigir do Estado prestações positivas de proteção à pessoa, à vida e à dignidade da pessoa humana, especialmente nos casos de violência doméstica. Ao direito social, à segurança, ao princípio da dignidade da pessoa humana somam-se o artigo 226 e seu parágrafo 8º da Constituição Federal. Artigo 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. O caput do artigo 226 da Constituição Federal considera a família a base da sociedade, sendo obrigação do Estado protegê-la. O parágrafo oitavo estipula o dever do Estado de prestar assistência à família, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito das suas relações. Até a presente data não é vista a efetivação de qualquer mecanismo eficaz na proteção da violência doméstica por parte do Estado. Entende-se como mecanismos, para coibir a violência doméstica, uma legislação apropriada e a efetivação de políticas públicas de assistência à família vitimizada pela violência doméstica. A efetividade e a tutela judicial dos direitos sociais, na qual se inclui o direito à segurança e á dignidade da pessoa humana, tornaram–se pontos polêmicos da matéria, porquanto a sua efetividade enfrenta problemas de toda ordem. Diante desse quadro, na crise do Estado, refém do neoliberalismo, em desempenhar e efetivar todas as obrigações que lhe foram impostas pela 82 Constituição, pergunta-se: O que fazer para que o direito social à segurança e a proteção á família, face à violência doméstica, saiam do papel? O constituinte de 1988 instituiu mecanismos que teoricamente poderiam servir à proteção judicial do direito à segurança e à repressão da violência, mas tais mecanismos não se mostraram eficazes. São eles a ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção. A ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção na prática não contribuíram para compelir os poderes públicos a efetivar a norma constitucional, contudo, seriam os instrumentos constitucionais para obrigar o Estado a criar uma legislação, e políticas públicas efetivas de proteção à família vítima de violência, porque, ao que parece, o Estado ao instituir os serviços públicos, com a intenção de tornar operativas as disposições definidoras de direitos sociais, oferece apenas uma garantia de índole institucional. Há necessidade de uma profunda mudança de mentalidade para obtenção dos direitos sociais, especialmente da segurança e da proteção à família vítima da violência doméstica. A inconstitucionalidade por omissão não consiste apenas em contradizer uma norma cogente, auto-executável da Constituição, mas em deixar de tomar providências necessárias para a efetividade das normas programáticas. A inconstitucionalidade por omissão decorre, pois, da idéia de não se dar cumprimento a uma promessa da Constituição. 83 O mandado de injunção, previsto no artigo 5º, inciso LXXI da Constituição Federal, poderá ser interposto sempre que a falta de norma regulamentadora venha tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais, bem como impedir prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Apesar da deficiência de legislação à repressão da violência doméstica, tornase necessário que o nosso legislador saia da fase da pragramaticidade e ingresse na fase da efetividade dos comandos constitucionais positivados. Nesse sentido, Bulos68, tratando da efetividade e tutela dos direitos sociais, ao comentar a Constituição, estabelece: Nada adiantam promessas, programas de ação futura, normas de eficácia contida ou limitada, se os Poderes Públicos não as cumprirem plenamente, criando, para tanto, as condições necessárias. Resta, pois, que todos os segmentos da sociedade, sem distinções, cobram a execução concreta de preceitos constitucionais, principalmente num país de significativa inflação legislativa e de reformas inoportunas e despropositadas, onde tudo é nivelado por baixo e o respeito ao homem é quase inexistente. A doutrina como um todo afirma que os direitos fundamentais têm preferência sobre as demais disposições normativas existentes na Constituição e sobre as demais normas infraconstitucionais, e tal entendimento se justifica porque a Carta de 1988 fez uma opção material pelo princípio da dignidade humana. Nesse sentido, Sarlet69 afirma que: 68 69 BULOS, Uodi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, Ed. Saraiva, SP, 2003, p.411 SARLET, Ingo W., 2001, obra citada, p. 75 84 A idéia de que os direitos fundamentais integram um sistema no âmbito da Constituição foi objeto de recente referencia na doutrina pátria, com base no argumento de que os direitos fundamentais são, em verdade, concretização do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, consagrado expressamente em nossa Lei Fundamental. É certo que o Estado é quem tem o poder de punir a conduta contrária ao ordenamento jurídico penal, poder que decorre da existência do direito fundamental à segurança. Deve o Estado agir inclusive preventivamente. O Estado possui o monopólio do poder de punir, agindo por intermédio do sistema de justiça criminal que envolve polícia, judiciário e o Ministério Público que atuam dentro das normas penais e processuais. Recentemente, por pressão de movimentos feministas, algumas leis foram editadas no âmbito penal para minimizar a criminalidade praticada contra as mulheres e a violência doméstica. Nesse sentido, houve importantes modificações penais como a Lei nº 11.106/2005 que modificou e criou tipos relacionados à violência sexual. Já a Lei 10.886/2004 estabelece a violência doméstica como modalidade especial de crime de lesão corporal, com modificações do projeto inicial que cominaram com penas de detenção pelo prazo de seis meses a um ano. Assim, os delitos de violência doméstica são também abrangidos pelos procedimentos previstos na Lei 9.099/95, cuja eficácia na proteção jurídica é muito discutível e duvidosa por adotar o critério da pena e não do bem jurídico protegido. 85 A vítima mulher sofre uma sobrevitimização ao recorrer ao sistema jurídico penal, quando busca proteção pela violência sofrida no âmbito doméstico. Entende-se que a Lei 9.099/95 não é eficaz na prática em proteger as vítimas da violência doméstica por não proteger a dignidade da pessoa humana, no caso, as mulheres e crianças, vítimas de agressões por parte do marido, companheiro ou do pai no âmbito das relações domésticas. É necessário reconhecer que, nos casos de violência intrafamiliar, quase sempre é o homem que figura no pólo ativo da agressão, enquanto estatisticamente as mulheres e crianças figuram como vítimas. Hermann70, ao tratar da violência doméstica, busca incorporar a idéia de conflito de Wolkmer inerente aos diversos níveis de relacionamento existentes na sociedade e no âmbito familiar. Hermann (2002, p.145) afirma que “quando se fala em violência doméstica está em foco, portanto, uma espécie de conflito onde a interação agente-vítima e a influência dos comportamentos apreendidos de cada uma das partes tornam essencial o estudo mais aprofundado da vítima e de seu papel neste contexto. Trazido o conflito à esfera penal, importa essencialmente reconhecer que a sua expropriação pelo Estado excluiu a vítima do processo (e da gestão desse mesmo conflito, em conseqüência). Esse mesmo Estado está ensaiando alternativas para 70 Entende que os “conflitos nascem de ações sociais conscientes expressadas pelas limitação, colisão e disputa entre interesses opostos e divergentes, envolvendo indivíduos, grupos, organizações e coletividades.” Hermann, Leda. Apud Wolkmer, Antônio Carlos. Violência Doméstica. Os Juizados Especiais Criminais. A dor que a Lei Esqueceu. Campinas: Ed. Servanda. 2002. p.145. 86 reinseri-lo, mas ainda sem o compromisso de uma solução efetiva em termos de pacificação”. A autora defende a necessidade de se criar mecanismos capazes de apaziguar ou pacificar os conflitos domésticos, colocando-se sobre controle as diferenças que deflagraram a violência doméstica, porque o sistema penal criou a idéia sedutora de que pode dar às vítimas da violência doméstica a proteção que elas necessitam. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará)71, por meio do seu artigo 7º, define que os Estados Partes devem adotar políticas públicas para punir, prevenir e erradicar a violência mediante procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeita à violência, inclusive medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso aos processos. O referido diploma estabelece que a vítima tenha acesso a mecanismos justos e eficazes. A IV Conferência Mundial da Mulher realizada, em Beijing, em 1994, também pregava a necessidade de medidas punitivas, ações voltadas para a prevenção e medidas de apoio à família, como assistência social, psicológica e jurídica necessária à recomposição da violência sofrida, bem como políticas que possibilitem a reabilitação dos agressores. 71 HERMANN, Leda, obra citada. p. 146 87 A Lei nº 9.099/95, e o seu subsistema de Justiça Criminal, criado pelos Juizados Especiais Criminais, não possui capacidade para cumprir função preventiva ou reparatória nos casos de violência doméstica. Os delitos de lesão corporal leve, maus-tratos (sem lesão grave ou morte), ameaças, vias de fato, constrangimento ilegal, violação de domicílio, desobediência e violência doméstica, que compõem 99% dos crimes de natureza intrafamiliar são abrangidos pela Lei nº 9.099/95, cujas penas são no máximo restritivas de direito ou multa, quando não ocorrer a renúncia ou a transação penal ou a suspensão do processo. Na prática verifica-se a resistência dos magistrados em aplicar medidas restritivas à liberdade contra os agressores nos crimes de violência doméstica, quando muitas vezes estão presentes os pressupostos da prisão preventiva pela prática reiterada de ameaças, lesões contra a esposa e maus-tratos contra os filhos, com base na garantia da ordem pública, no direito à dignidade humana e no direito social à segurança. O magistrado se depara com o paradoxo de prender o autor preventivamente que ao final do processo penal dificilmente permanecerá preso. Parece incongruente o sistema permitir que a vítima mulher da violência doméstica, fragilizada pela violência, decida sobre o direito de representação. A vítima naquele momento não tem nenhum amparo e naquele momento é parte hipossuficiente para decidir sobre o 88 prosseguimento da ação penal, o que Andrade72 chama de “incapacidade preventiva e resolutória do sistema penal”. É certo que o sistema penal sozinho não irá resolver os problemas da violência doméstica. Pesquisas jurisprudenciais foram realizadas, neste estudo, junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde se verificou que as medidas de afastamento do agressor do lar conjugais não têm ocorrido na esfera penal, com base na Lei 10.455/02, mas na esfera civil. SEPARAÇÃO DE CORPOS. ALIMENTOS À MULHER. VIOLENCIA DOMÉSTICA. Havendo sido o varão afastado compulsoriamente do lar, impositiva a fixação de alimentos em favor da mulher que necessita atender aos encargos decorrentes da manutenção da casa. Indispensável que a Justiça dê segurança de sobrevivência às vítimas da violência doméstica, como forma de incentivar a denúncia de maus-tratos. Agravo provido em parte. ( Agravo de Instrumento nº 70007754021. Sétima Câmara Cível. TJ/RS. Rel. Desª. Maria Berenice Dias. Julgado em 18.02.04). No mesmo sentido, outra decisão da lavra da Desª. Maria Berenice Dias, SEPARAÇÃO DE CORPOS. A ausência de denúncia de agressões sofridas por longo tempo não desautoriza o pedido de separação de corpos, uma vez que sérias são as queixas da mulher sobre a postura do varão por muitos anos. Quando a causa da separação é a violência doméstica, mister que se garanta à Justiça um meio de sobrevivência à vítima, sob pena de se estar desencorajando a denúncia de tais práticas, de conseqüências tão danosas a mulher e a prole. Agravo desprovido. (Segredo de Justiça. – fls. 4). (Agravo de instrumento nº 70004201513, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS. Relator: Desª. Maria Berenice Dias, Julgado em 26.06.2002). 72 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Apud Leda Hermann. Obra citada p. 175 89 A jurisprudência civil da 7ª Câmara Cível do nosso Tribunal de Justiça acima mencionado demonstra que somente na seara cível que a vítima da violência doméstica vai encontrar alguma medida de proteção jurídica e condições de sobrevivência, o que invariavelmente não irá encontrar na esfera criminal. Na esfera criminal encontram-se alguns acórdãos das Turmas Recursais Criminais sobre a matéria da violência criminal, que merecem ser conhecidos: REPRESENTAÇÃO. RETRATAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Não tendo sido recebida, ainda a denúncia, é viável retratar-se a vítima, na audiência de instrução e julgamento, da representação feita na polícia e confirmada na audiência preliminar. Os princípios da Lei nº 9.099/95 viabilizam seja excepcionada a irretratabilidade da representação, após o oferecimento da denúncia, prevista no procedimento comum, embora a pouca clareza do art. 79 daquela lei. Questiona-se, todavia, a proteção à vítima, em casos de violência doméstica, como o dos autos. A exigência de representação, em caso de representação, em crimes de lesão praticada pelo companheiro contra a mulher, gera aparentemente impunidade, pois aquele, membro, via de regra, das camadas populares, destituído de maior cultura e independência econômica, fica receosa de representar, deixando de exercer direitos elementares como aqueles relativos a integridade física e a própria dignidade humana. Precedente da Turma. À unanimidade proveram o apelo. (Recurso nº 711000121541, Turma Recursal, Rel. Dr. Umberto Guaspari Sudbrck, Santo Ângelo, 30/08/2000. Unânime.) A referida jurisprudência da Turma Recursal do Tribunal de Justiça firma que é inviável o instituto da retratação e da representação nos crimes de violência doméstica por gerar impunidade, bem como inviabilizar a proteção jurídica de direitos elementares como integridade física e dignidade humana. Entende-se, no entanto que nos crimes de violência doméstica a ação penal deveria ser pública incondicionada, face á fragilidade e hipossuficiência da vítima mulher e das crianças que compõem o núcleo familiar. Em pesquisas jurisprudenciais realizadas nesta pesquisa, foram encontradas algumas decisões no sentido de fazer o réu (agressor) cumprir pena de prisão 90 simples, em regime fechado para evitar novos casos de violência por parte do agressor. ART.21 DA LCP. VIOLENCIA DOMÉSTICA. POLITICA CRIMINAL. Há a materialidade e autoria se o réu confessa a prática da contravenção e a vítima confirma o fato. A melhor política criminal no caso, não é absolver, mas condenar o réu, como forma de proteção da vítima, companheiro do apelante, evitando-se a impunidade que geraria, por certo, reiteração de violência, na esfera doméstica e descaso com a mulher. O exame das circunstancias judiciais contra-indica qualquer benefício que evite o cumprimento da prisão simples, ou seja, da pena carcerária em regime aberto. À unanimidade, negaram o provimento. (Recurso nº 71000130690. Turma Recursal. Santa Maria. Rel Dr. Umberto Guaspari Sudbrack, 14/09/2000, unânime). A câmara recursal, no referido acórdão, reconhece que a violência e a grave ameaça não são condutas insignificantes por serem a liberdade e a dignidade direitos fundamentais constituintes do Estado Democrático de Direito, previstos na Constituição Federal, mas não devidamente protegidos. 3.2 A violência doméstica e a legislação penal Diante da Visão Pontesiana de que direito é um fenômeno de paz, em que a coação somente é aplicada àqueles que vêm a ofender a paz social, por meio de uma conduta social, entende-se que o direito penal seria a última ratio a ser aplicada na violação da paz social. O normal é que o direito seja cumprido espontaneamente pelas pessoas. A crise do direito decorre do Estado, em face do deliberado processo de fragilização em que se encontra. O direito é posto pelo Estado, eis que os textos são escritos pelo legislativo, cujas normas são produzidas e aplicadas pelo Judiciário. 91 Esse enfraquecimento do Estado é patrocinado pelos governos neoliberais e pela globalização do poder econômico que prega o modelo do Estado mínimo. A crise do Estado é a crise do Direito. O atual modelo de Estado é estabelecido pela Constituição de 1988, forjado a partir do Estado Democrático de Direito, mas confrontado pelo modelo globalizado de Estado mínimo. Ao que parece, o que existe é um Estado mínimo, com uma estrutura mínima para um Judiciário mínimo com normas coativas mínimas de proteção à violência doméstica. Como já citado, historicamente a mulher foi maltratada pelo dogmático jurídico. Nesse sentido, Streck73 se posiciona: Por isso temos que ter em mente que esse problema da relação entre o direito, a mulher e a sociedade deve ser examinado no contexto da crise do Direito e do Estado, no meio, a dogmática jurídica. Não é só problema da mulher, mas o problema dos (demais) setores oprimidos da sociedade. A questão da mulher ( e seu mau trato pelo direito, e pela dogmática jurídica) enquadra-se nesta perspectiva. Há pouco tempo, escrevi um artigo sobre isso –Direito Penal e paradigmas dogmático: um (re) pensar crítico – e, ao fazer algumas investigações, descobri coisas – pelo menos para mim – fantásticas. Em comentários ao Art. 213 Código Penal, que trata do estupro, consta o seguinte comentário de Damásio de Jesus: “ não fica a mulher, com o casamento , sujeita aos caprichos do marido em matéria sexual, obrigada a manter relações como e onde este quiser. Não perde o direito de dispor de seu corpo, ou seja, o direito de se negar ao ato, desde que tal negativa não se revista de caráter mesquinho. Assim, sempre que a mulher não consentir na conjunção carnal, e o marido a obrigar ao ato, com violência ou grave ameaça em princípio caracterizar-se-á o crime de estupro, desde que ela tenha justa causa para a negativa. “ Assim, ao contrário sensu, pode-se entender que , na opinião de Damásio, se não existir a justa causa ou se a negativa da esposa em manter relação sexual for de caráter mesquinho, o marido pode forçá-lo a tal, o que significa estuprá-la ( tecnicamente falando)...ou isto, ou entendi mal o citado comentário..., sem dúvida , este é um dos exemplos de como a dogmática jurídica (mal) trata a mulher . Não há, pois, nesse âmbito, nesse imaginário, qualquer possibilidade de a mulher ser tratada como gênero, como igual. 73 STRECK, Lênio Luiz. O Senso Comum Teórico e a Violência contra a Mulher: Descrevendo a Razão Cínica do Direito em Terra Brasilis. Ver. Brás. Direito de Família-nº16-2003-Assunto Especial p.142/143 92 No Brasil, segundo Streck74, se construiu uma sociedade onde cada um tem o lugar demarcado, mentalidade que engendra a verdadeira violência. Ao discutir a problemática da mulher, torna-se necessário observar que no contexto social, as elites face à violência, se indignam no varejo, e se omitem no atacado. Quando a violência atinge os pobres, a elite não toma conhecimento, desconsidera, mas, ao atingir alguém do andar de cima, volta à carga o movimento da “lei da ordem”. 3.2.1 A ineficácia do sistema de justiça criminal nos crimes de violência doméstica Muito se fala em proteção à mulher, à criança, à família, com referência ao Direito Penal. Mas qual é o papel do Direito Penal para impor limites de condutas ao agressor da família. Os delitos cometidos contra a família em quase sua totalidade são crimes considerados de menor potencial ofensivo. A lei penal não protege a vítima da violência familiar, exceto se o crime for de natureza sexual (estupro e abuso), considerados crimes hediondos, conforme a Lei 8072/90 e a Lei 8.930/94. 74 STRECK, Lênio Luiz. O Senso Comum Teórico e a Violência contra a Mulher: Descrevendo a Razão Cínica do Direito em Terra Brasilis. Ver. Brás. Direito de Família-nº16-2003-Assunto Especial p.142/143 93 O legislador falhou ao considerar o critério da pena para considerar o crime de menor potencial ofensivo. Ao adotar a pena como critério da Lei 9.099/95, tornou igual bens jurídicos de natureza diversa. Nesse sentido, Streck75, ao fazer uma crítica hermenêutica constitucional das Leis 9.099/95 e 10.259/01 que criaram os Juizados Especiais Criminais, no âmbito estadual e federal respectivamente, estabelece: Poderia o legislador ter estabelecido já na Lei 9.099, como critério para aferição do que seja delito de menor potencial ofensivo, a pena máxima não superior a um ano? Do mesmo modo, a recente Lei 10.259 poderia ter ampliado o mesmo critério utilizado na Lei 9099,que são considerados infrações penais de menor potencial ofensivo” Os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa? Indagando de outra maneira: é constitucional estabelecer como critério de aferição do que seja menor ou maior potencial ofensiva, o montante da pena ( mínima de um ano na Lei 9.099, e no máximo de dois anos, na Lei 10.259? Será isso tão simples assim? A crítica de Streck (2003) aponta que as Leis 9.099 (art.61) e 10.259 (Art 2º; § único) aniquilaram com a Teoria do Bem Jurídico ao estabelecer que todos os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos são passíveis de transação. O legislador adotou o critério da pena e não do bem jurídico protegido. Tratou isonomicamente bens jurídicos absolutamente diferentes entre si. O agressor do lar conjugal que agir com violência contra a esposa e os filhos não será preso, nem autuado em flagrante, salvo recusar-se a assinar o termo de compromisso de comparecer numa audiência aprazada. Via de regra o agressor (pai, marido, padastro, companheiro) se sujeitará ao pagamento de um rancho ou 75 STRECK, Lênio Luiz. Os Juizados Especiais Criminais à Luz da Jurisdição Constitucional: a filtragem hermenêutica a partir da aplicação da técnica da nulidade parcial sem redução de texto. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Desafios Contemporâneos. Tomo 2. Org. Rogério Gesta Leal e Luiz Ernani Bonesso de Araújo. Edunisc. 2003. p. 460 94 cesta básica. Talvez transacione alguma medida de prestação de serviço à comunidade ou de restrição de freqüência a determinados lugares. A autoridade Policial registrará, então, no órgão policial uma ocorrência, colherá o termo de representação, com assinatura do autor que comparecerá à audiência judicial aprazada. O agressor volta para casa. A mulher e os filhos vão dormir na rua ou de favor na casa de amigos ou de familiares, com a roupa do corpo. Esse é o limite que o direito penal impõe àquele que dorme e mora com as vítimas, que, salvo melhor juízo, estaria a merecer melhor proteção jurídica ao Estado. Afastada a possibilidade do flagrante, há quem diga que poderá a Autoridade Policial ou o Ministério Público representar ao Juiz pelo afastamento do agressor do lar conjugal visando à proteção da família com base na Lei nº 10.455/02. Ledo engano. O judiciário está também sujeito à lei do menor potencial ofensivo. O agressor descumpre a ordem judicial, retorna para a casa e, quando muito, pagará uma nova cesta básica. Como? O crime de desobediência à ordem judicial em face a Lei nº 10.259/01 tornou o crime de desobediência um crime de menor potencial ofensivo, não cabendo no caso novamente nenhuma pena restritiva de liberdade. Trocaram-se seis por meia dúzia. Também a lei dos Juizados Criminais Especiais impede a coação do Estado contra o agressor, tornando o direito penal mais uma vez ineficaz para combater a violência familiar. A ressalva que se faz são os crimes sexuais contra a criança / adolescente e contra a pessoa. Entende-se que nos crimes de violência doméstica o bem jurídico protegido penalmente são aqueles que encontram resposta na Constituição no plano de proteção da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, 95 a razão está com Streck, ao tratar dos bens jurídicos a serem protegidos penalmente. Senão vejamos: Bens Jurídicos a serem protegidos penalmente são aqueles que encontram resposta na Constituição . Neste sentido, há que se ter claro que, no paradigma estabelecido pela constituição de 1988, os delitos que devem receber especial atenção são aqueles que colocam um xeque os objetivos da República ( com os olhos focados na realização do Estado Social previsto no art. 3º), e aquelas que violam os direitos humanosfundamentais, incluída aí a questão da proteção da dignidade da pessoa 76 (onde, a toda evidência estão enquadrados os delitos sexuais )” O Estado sai cada vez mais das relações sociais. O Estado institucionalizou a “surra doméstica” ao transformar as lesões corporais leves em ação pública, condicionada à representação pela vítima que na maioria dos casos, calam por medo ou simplesmente por não ter para onde ir. Ruim com o marido, ruim com o agressor, pior sem ele. A Lei do Juizado Especial transformou a violência doméstica em multas convertidas em cestas básicas possibilitando a impunidade. 3.2.2 O crime de violência doméstica Ansiosamente era aguardado que a Lei que criou o tipo especial denominado violência doméstica viesse proceder ao aumento da pena, de forma que a violência doméstica deixasse de ser considerada crime de menor potencial ofensivo, o que lamentavelmente não ocorreu com o advento da Lei nº10.886/04. Violência Doméstica: § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva o tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. 76 STRECK, Lenio Luiz. Obra citada, 2003, p. 471 96 Criou-se a figura jurídica penal do crime de violência doméstica, punindo-se o agente de lesão praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, criando-se, assim, o § 9º, o crime de lesão corporal com pena de detenção de seis meses a um ano. O projeto de Lei 10.886/04, de autoria da Deputada Iara Bernard (PT-SP), previu inicialmente a punição da violência doméstica, como modalidade do crime de lesão corporal a pena de reclusão de 1 até 5 anos, cuja pena seria aumentada de mais de 1/3 se resultasse na morte da vítima. O texto chegou a ser aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. No plenário, com as modificações legislativas a lei sancionada distanciou-se do projeto inicial. Entende-se que o legislador perdeu a oportunidade de retirar o julgamento de crime da violência doméstica dos Juizados Especiais Criminais (JECRIM), possibilitando prender em flagrante do autor da violência doméstica como medida preventiva na proteção da família. O legislador transformou novamente a violência doméstica em crime de menor potencial ofensivo, amarrando as mãos do operador do direito em prender o autor do crime, quando ele estivesse em flagrante delito. A família vítima da violência permanece morando na rua e o Estado se omite na falta da repressão criminal e nos meios de assistência familiar. 97 Cumpre novamente citar Streck77, quando o mesmo afirma: Dito de outro modo, não há dúvida, pois, de que as baterias do Direito Penal do Estado Democrático de Direito devem estar direcionadas, preferencialmente, para o combate dos crimes que impedem a realização dos objetivos constitucionais do Estado, pra aqueles que protegem os direitos fundamentais (honra, por exemplo, que é cláusula constitucional pétrea) e para os delitos que protegem bens jurídicos inerentes ao exercício da autoridade do Estado (desobediência, desacato) além da proteção da dignidade da pessoa, como os crimes de abuso de autoridade, sem falar nos bens jurídicos de índole transindividual como os delitos praticados contra o meio ambiente, as relações de consumo, etc. Perdeu-se uma grande oportunidade de se pôr limites e freios na violência doméstica. Permanece a instituição da “surra doméstica” e nesse particular, o Estado de tão mínimo, sequer existe para restabelecer a paz social e a dignidade das pessoas vítimas dessa violência. Ampliando o leque citado por Streck (2003), poderiam ser incluídos aos crimes de violência doméstica, os maus-tratos, as graves ameaças, quando têm o condão de ferir a dignidade das vítimas, impondo-lhes o terror. A maioria dos lares é constituída de pessoas que conseguem coabitar e viver em harmonia, sendo a família considerada uma fonte de amor e proteção. Nesses casos a vida e o direito seguem os seu curso normal com a possibilidade de os filhos virem a ser pessoas melhores que os seus pais. Nesses lares não existe o fantasma da violência doméstica, não sendo necessário à intervenção do Estado para colocar limites ao violador do direito, para repor a paz social. 77 STRECK, Lênio Luiz. Obra citada, 2003, p.468 98 Acreditando que o direito é processo de adaptação da sociedade, a família deve ser reconhecida como o lugar essencial para o desenvolvimento da pessoa humana; o primeiro agente socializador da criança; o lugar de encontro dos filhos e da mãe como processo de criação de cidadãos melhores para a sociedade. O direito à proteção da família, de proteção da mulher e dos filhos, o direito à segurança, a uma vida digna é o direito que se cumpre espontaneamente sem a necessidade de coação do Estado. O direito é criado para o equilíbrio, a coação é a exceção que se aplica a quem venha a comprometer a paz social com sua conduta anti-social. O direito que precisa de coação é o direito para o equilíbrio, para eliminar a diferença entre agressor e vítima no âmbito familiar. A pergunta que não quer calar é cadê o instrumento jurídico para restabelecer a paz social. Do que adianta criar no direito penal que vem a se constituir na última racio, figuras penais, se os tipos penais são considerados de menor potencial ofensivo. Onde vamos encontrar os mecanismos de proteção legal da família se a coação, imposta é insuficiente e não garante o equilíbrio e a paz social. No direito, como processo de adaptação social, o legislador deveria ver que existe um hiato enorme entre a legislação e a realidade social. De um lado está a lei ineficaz que adota a quantidade da pena como indicador do bem jurídico a ser protegido como de menor potencial ofensivo, de outro a violência doméstica crescendo sem a devida contraprestação do Estado, que simplesmente “fugiu” das relações sociais. 99 3.2.3 A Lei 9099/95 face ao texto constitucional O direito como processo de adaptação social deveria estar atento à necessidade imperiosa da criação de mecanismos de proteção à família, aliás, ao que ocorre para proteção da ordem constitucional prevista no Art. 226, § 8º, da Constituição Federal: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Questiona-se na presente dissertação a eficácia e até mesmo a constitucionalidade da lei penal na efetiva proteção da família, face à violência intrafamiliar que deixa desamparados, a própria sorte, as vítimas da violência. Entende-se que há uma inconstitucionalidade omissiva relativa ao princípio da dignidade humana e do direito à vida e à segurança que são direitos fundamentais de primeira geração. Deveria o legislador elaborar a lei penal com um olho na Constituição e outra na realidade social, criando limites para a violência intrafamiliar e mecanismos de proteção a vida, a segurança da família brasileira. No texto escrito por Streck (2003, p. 488), ao defender a exclusão de certos delitos considerados como de menor potencial ofensivo por violarem princípios e preceitos constitucionais,incluiria naquele rol os delitos de violência doméstica, declarando a inconstitucionalidade sem redução de texto, considerando que medidas de proteção devem ser garantidas às mulheres e às crianças vítimas de 100 violência doméstica. Trata-se de controle difuso de constitucionalidade a ser feito pelo Poder Judiciário. Da mesma forma, caberia a exclusão do crime de desobediência, especialmente aquele em que o autor descumpre a medida cautelar de afastamento do lar, do rol de crimes de menor potencial ofensivo. Advoga-se a tese de penas mais severas, com aplicação de prisão em flagrante àqueles que cometem crimes de violência doméstica, a exemplo do que ocorre no direito inglês. Campos78, pesquisadora visitante do Oxford Brookes University, ao escrever um artigo tratando da violência contra a mulher, no Jornal Zero Hora, relata que na Inglaterra, onde os dados estatísticos se assemelham ao Brasil, o enfoque legal dáse no âmbito do Direito Civil com medidas protetivas e acauteladoras (Lei do Matrimônio), como no âmbito criminal , com a aplicação da prisão em flagrante e de penas severas aos que cometem dita violência. Relata a pesquisadora que o governo inglês, preocupado com o problema, por intermédio do documento “Safety and Justice: The Government’s Proposals on Domestic Violence”, propôs mudanças na legislação tornando ainda mais severas as penas, punindo, por exemplo, com prisão de até cinco anos, uma quebra da ordem de proteção. A pesquisadora sustenta a necessidade da retirada dos crimes de violência doméstica da alçada dos Juizados Especiais Criminais, eis que essa violência não é 78 Zero Hora, quinta – 29.07.2004, p.19, Violência contra a Mulher. 101 um delito de menor potencial ofensivo e que políticas públicas preventivas devem ser garantidas às mulheres. Vive-se uma crise de legitimidade no sistema penal79 cujas promessas não foram cumpridas. Entre elas a promessa de proteção dos bens jurídicos como a proteção à pessoa, ao patrimônio, à saúde; a promessa do combate à criminalidade por meio da prevenção e retribuição (intimidação do crime pela aplicação de penas abstratamente aplicáveis) e da promessa de ressocialização dos apenados na execução penal. Essa crise de legitimidade gerou uma contradição em matéria de política criminal, com convenções ambíguas como movimento minimalista do sistema penal e uma demanda criminalizadora operacionalizada pelos chamados movimentos da Lei e da Ordem que pregam penas mais severas, prisão perpétua e pena de morte. Sobre essa questão, Andrade80 afirma que: Nessa contradição convive um movimento dito minimalista do sistema penal (Direito Penal Mínimo), de abertura do controle penal para a sociedade e de democratização desse controle. E esse movimento dito minimalista se externa através de processos de descriminalização, despenalização, descarcerização e informalização da Justiça Penal. Convivendo com este movimento de redução do sistema, nós temos um movimento de fortalecimento e expansão do sistema que inclui várias demandas. Uma demanda criminalizadora contra a criminalidade de colarinho branco (até agora só punimos os pobres, agora vamos punir os ricos), uma demanda de novos movimentos sociais (aqui eu vou inserir o feminismo) e, por fim, uma demanda radicalmente criminalizadora, operacionalizada pelas chamados movimentos de “Lei e Ordem” que encontram na mídia o seu maior instrumento de difusão. 79 Sistema penal entende-se o conjunto de agências que exercem o controle da criminalidade ou o controle penal (Lei – Polícia – Ministério Público – Justiça – Sistema Penitenciário). 80 ANDRADE, Vera Regina P. de. Criminologia e Feminismo: da mulher como vítima à mulher como sujeito da construção da cidadania. Revista Seqüência, Porto Alegre, n° 35, p. 43-44, dez. 1997. 102 Por intermédio do movimento minimalista do Direito Penal ocorreu a reforma penal e penitenciária de 1984 que culminou com a criação dos Juizados Especiais Criminais da Lei 9099/95. A atual reforma do Código Penal, segundo Andrade81, “condensa os dois movimentos, porque ela deverá recolher contribuições do movimento descriminalizador, quanto contribuições do movimento criminalizador”. Afirma a autora que o movimento feminista se insere nessa ambigüidade, porque ao mesmo tempo em que demanda pela descriminalização do aborto, adultério e sedução também demanda condutas até então não criminalizadas como violência doméstica e assédio sexual. Demanda pelo agravamento de penas no caso de assassinato de mulheres, propõe redefinição do crime de estupro propondo o deslocamento do bem jurídico protegido “crime contra os costumes” para “crime contra a pessoa”. Ninguém duvida que foi o movimento feminista que trouxe para o debate novos temas penais sobre a discussão do aborto, violência doméstica, violência sexual, temas que foram adotados por partidos políticos. Foi por intermédio do movimento feminista que ocorreu a partir de 1984, a criação de Delegacias de Mulheres para tratar de forma especializada a violência de gênero. A violência praticada contra crianças também foi denunciada pelo movimento das mulheres brasileiras convertendo problemas considerados privados em problemas públicos e penais. 81 Obra citada. p. 44 103 Segundo Andrade82,existe um déficit que nos faz indagar sobre o sentido da proteção que as mulheres buscam no sistema penal. O que elas esperam do sistema penal. A resposta é o castigo, a punição, porque a musa da discussão deste tema é a impunidade. Segundo a autora vivemos uma situação paradoxal na demanda do sistema penal reunindo o movimento das mulheres (movimento mais progressista do país) com o movimento da Lei e Ordem (movimento mais conservador) que acabam unidos pela demanda de mais punição, mais repressão, aumentando a panacéia em matéria de política criminal. A referida autora entende que o atual sistema penal é ineficaz para proteger as mulheres contra a violência doméstica porque não previne novas violências, não escuta os distintos interesses das vítimas e não contribui para a gestão do conflito nas relações de gênero. Entende-se que a criança e o adolescente estão melhores protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente nos crimes de violência praticados no âmbito familiar, mas existem sérias dificuldades de se fazer cumprir a doutrina da proteção integral. 82 A autora em seu artigo entende que há um déficit da produção criminológica crítica e feminista pela ausência de diálogo entre a militância feminina e a academia nas diferentes teorias críticos do decreto nele produzido ou discutido. Obra citada. p. 45. 104 Veronese e da Costa83 entendem que “a violência familiar e o desrespeito à dignidade da criança são fatores que, sem dúvida alguma, comprometem decisivamente a relação parental. Onde não existe afeto e respeito, não deve também existir relação de poder dos pais sobre os filhos (...). O Estatuto prevê que, quando possível, os pais sejam apenas suspensos do exercício do poder familiar, visando à manutenção da criança em sua família natural, sempre que isso militar em favor do seu melhor desenvolvimento biopsicossocial”. A conclusão das autoras é que “apesar do avanço na legislação, a criança e o adolescente têm enfrentado sérias dificuldades no sentido de ver garantida a aplicação da doutrina de proteção integral, visto que o Estado não oferece políticas sociais que permitam o normal desenvolvimento da sociedade. A omissão do Estado em garantir de forma eficaz as políticas públicas de atendimento aos direitos sociais determina o desemprego e a falta de estrutura básica para uma vida digna”. Penas mais severas, aplicação de prisão em flagrante associada a medidas protetivas e acauteladoras do Direito Civil e políticas públicas de proteção familiar teriam condições de garantir, à vítima de violência doméstica, o princípio da dignidade humana estabelecido no Artigo 1°, Inciso III, da CF; o direito fundamental à vida e à segurança consubstanciada no Artigo 5° d a Magna Carta; o direito constitucional do Estado a proteção à família da criança e do adolescente vítima de violência doméstica nos termos do Art. 226, § 8º e Artigo 227 da Constituição Federal de 1988. 83 Obra citada p. 136. Obra citada p. 137 105 3.3 Políticas públicas de prevenção e repressão no sistema de justiça criminal A Lei 9099/95 inaugurou um subsistema de justiça criminal novo, atendendo a anseios da reforma penal que busca segurança jurídica às vítimas de violência doméstica, anseios e promessas que a Lei dos Juizados Especiais não conseguiu cumprir. A Lei 9099/95 faz um discurso de valorização da vítima no processo penal, mas esse discurso se constitui numa falsa promessa aos crimes de violência cometidos no âmbito doméstico. Os princípios norteadores da Lei 9099/95, como oralidade, simplicidade, celeridade, economia processual e informalidade, acrescidos do paradigma descriminalizante com a não-aplicação de penas privativas ligadas ao Direito Penal Mínimo não soam bem, face à existência de um sistema policial e carcerário à beira da falência e do sistema judicial despreparado para tratar da violência doméstica. A Lei 9099/95 oportuniza à vítima o controle da ação policial e judicial na solução dos conflitos considerados de menor potencial ofensivo, por meio da representação para intervir nas questões de violência doméstica. A representação, quer na fase policial como na judicial, impede que essas instâncias possam atuar de forma efetiva para processar e punir o seu agressor, perpetuando, assim, uma situação de violência. 106 Uma medida necessária na ação do sistema criminal é no sentido de se tornarem os crimes de violência doméstica ou contra a mulher e criança, crimes de ação pública incondicionada. Entende-se que a vítima, assim, poderá ver seu agressor processado sem que um ato volutivo seu deva ser expresso, permitindo que a Polícia, Ministério Público e Judiciário possam agir. Na prática, a Polícia toma conhecimento de crimes de violência doméstica por denúncias anônimos de vizinhos e parentes, mas fica impedida de agir pela ausência de representação da vítima. Nos casos de flagrante nos crimes de menor potencial ofensivo, os agentes e autoridades policiais arriscam-se a incorrer em abuso de autoridade ou delito de invasão de domicílio, caso a vítima, ao ser socorrida e encaminhada a Órgão Policial, não oferecer a representação. Passados mais de 10 anos da vigência da Lei 9099/95, não existe estrutura da polícia, do Ministério Público e do Judiciário para dar cumprimento ao Artigo 69 do referido diploma legal. Na prática, a Polícia Civil ou Militar atende aos casos de agressão ou violência doméstica compromissando as partes de comparecerem no Fórum para realização de audiência preliminar no prazo de 30 dias ou mais, conforme a pauta de audiência dos juizados especiais criminais. A vítima, via de regra, faz o registro e logo em seguida retorna para a convivência com o agressor, aumentando as tensões do conflito, gerando novas violências. Na maioria dos casos, a distância temporal entre o registro e a audiência de conciliação faz a vítima reconsiderar a sua decisão. A vítima é submetida a pressões por parte do agressor e de sua família e, por questões de ordem 107 econômica e dependência financeira, acaba comparecendo nos órgãos policiais ou no JECRIM para retirar a queixa ou oferecer desistência da ação. Não conseguindo o seu intento, não comparece à audiência, extinguindo a punibilidade por falta de representação. Entende-se que uma medida repressiva à violência doméstica seria proporcionar uma estrutura adequada aos JECRIM, de forma que nos casos de apresentação dos envolvidos (autor e vítima) na situação de conflito, especialmente nos casos de flagrantes, eles sejam imediatamente apresentados ao Juizado Especial Criminal para que a audiência preliminar se realize logo após a ocorrência do fato, inclusive, em regime de plantão, aos finais de semana. A apresentação das partes ao JECRIM pela polícia possibilita a solução consensual mais rápida entre as partes. Possibilitaria a aplicação da medida cautelar proibindo o retorno do agressor ao lar conjugal ou aplicação de medida restritiva de direito mediante transação penal. O instituto da transação penal apresenta problemas de aplicação prática que compromete a sua eficácia, porque a grande maioria das penas antecipadas são penas pecuniárias, as chamadas cestas básicas. Face as condições aquisitivas dos agressores as penas ao mesmo tempo em que são baixas, comprometem o sustento da família. No final, a vítima está incluída, revitimizando a própria vítima junto com o agressor. A pena de multa também não mobiliza a ressocialização do agressor, pois não interfere nem obriga a refletir sobre a sua conduta violenta. 108 Finalmente, inexiste também uma previsão legal acerca do descumprimento das penas alternativas. Via de regra o agressor possui preocupação com a possibilidade da medida de prisão, hipótese que, quando afastada faz com que o agressor não se interesse pelo cumprimento da pena alternativa. Acredita-se que a prestação de serviços a comunidade demonstra melhores resultados que a pena de aplicação de multa. Entende-se que o Estado, aqui incluído o executivo, o Ministério Público e o Judiciário, deveriam investir recursos no sentido de que cada cidade possuísse policial e servidores, autoridades, Juízes e Promotores treinados para atuar nos casos de violência doméstica tentando resolver os conflitos que causam a violência doméstica, gerando tensões dentro do âmbito familiar. Necessário nesse caso seria primeiro constatar e pesquisar os índices de violência doméstica e estabelecer por meio de estatísticas, um índice básico em que a violência doméstica seja tratada de forma diferenciada. Toda Delegacia de Polícia possui em seus mapas estatísticos os índices de crimes praticados contra a mulher e a criança. Esses índices deveriam ser pesquisados pela Secretaria da Justiça e da Segurança para delimitar como deveriam funcionar os órgãos policiais. Nos pequenos municípios, com índices de violência doméstica menores, deveria haver policiais treinados para tratar com a questão da violência doméstica. Nas Delegacias de municípios com índices maiores de violência, deveriam ser criados Posto da Mulher e a Delegacia Especializada para tratar a violência doméstica. Hoje, o município de Santa Cruz do Sul, dispõe da 109 Delegacia de Polícia do Idoso, da Delegacia do Adolescente e da Criança e da Delegacia da Mulher. Entende-se que a mulher, a criança e o idoso, vítimas da violência doméstica deveriam ser atendidos numa Delegacia especializada em crimes de violência doméstica. Nesse sentido, entende-se também que seria necessário estudo a respeito da criação de Juizados Especiais Criminais, voltados à questão da violência doméstica, o que também constitui um pleito do movimento feminista. O Juizado deveria ter atuação permanente com autoridades e instalações judiciais adequadas, profissionais de saúde mentais, assistentes sociais, ou seja, uma equipe multidisciplinar preparada para encaminhar e encontrar soluções para o litígio doméstico, evitando-se assim, novas situações de violência. A esse respeito muito importante algumas considerações feitas por Teles e de Mello na obra “O que é violência contra a Mulher”. A atenção às pessoas em situação de violência tem sido feita de modo fragmentado, pontual ou setorial. Não existe um serviço capaz de atender de maneira integral, que acolha e oriente sobre os procedimentos necessários nos diferentes âmbitos: saúde, justiça, segurança, educação social entre outros. As autoras84 apontam que “setores como educação, saúde e assistência social passam ao largo da violência contra as mulheres, da compreensão das relações designadas de gênero, raça, etnia e suas implicações na execução satisfatória das ações políticas (...). Os setores policiais e judiciários reclamam que as mulheres 84 TELES, Maria A. de Almeida e MELO, Mônica de. O que é violência contra a Mulher. Ed. Brasilense, SP, 2002, p.111. Ibidem p. 111 110 voltam atrás em suas queixas para continuar ou reatar a convivência com os seus agressores”. Como se vê há necessidade de a Polícia, o Judiciário e o Ministério Público, governo estadual e municipal, com o auxílio de verbas federais, comporem equipes multidisciplinares para atuarem em rede na solução de conflitos domésticos. Necessária também é a participação da sociedade civil, por intermédio através de ONG’s, grupos comunitários, igreja, universidade para pesquisa, ação e desenvolvimento de políticas públicas para atuarem nos casos de violência doméstica. Junto aos órgãos policiais, ao Ministério Público ou ONG’s existentes na comunidade com o apoio de empresas e do poder público municipal, poderiam ser estabelecidas linhas diretas para denunciar os casos de violência doméstica, como é o exemplo do SOS – Mulher e Centros de Defesa. Também constata -se a necessidade de serem feitos treinamentos e campanhas de informação junto à rede pública e particular de saúde, preparando os agentes de saúde a diagnosticar os casos de violência doméstica e formalizar a denúncia contra o agressor, especialmente nos casos mais graves como abuso sexual, espancamentos e maus tratos de crianças e mulheres. Cumpre salientar que foi por meio do movimento feminista que o Estado passou a reconhecer a violência de gênero e a violência doméstica, criando Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher. 111 Por intermédio destas Delegacias, a violência doméstica obteve visibilidade a ponto de o Estado criar o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (Lei 7353/85), com o objetivo de promover políticas públicas, em âmbito nacional, para eliminar a discriminação contra a mulher e construir condições de igualdade de direito e pleno exercício da cidadania. Entende-se que agora compete também ao Judiciário e ao Ministério Público se se estruturar para atuar melhor na questão da violência doméstica. O Poder Judiciário no XV Encontro do Fórum Permanente dos Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil, realizado em maio de 2004, em Florianópolis/SC, preocupado com a violência doméstica emitiu alguns enunciados orientando os magistrados no melhor trato da matéria nos Juizados Especiais Criminais, citados a seguir: Enunciado 29 - Nos casos de violência doméstica, a transação penal e a suspensão do processo deverão conter, preferencialmente, medidas sócioeducativas, entre elas acompanhamento psicossocial e palestras, visando a reeducação do infrator, evitando-se a aplicação de pena de multa e prestação pecuniária. Enunciado 38 – Substitui o enunciado n° 4 - A renún cia ou retratação colhida em sede policial será encaminhada ao Juizado Especial Criminal e, nos casos de violência doméstica, deve ser designada audiência para sua ratificação. 112 Enunciado 39 – Nos casos de retratação ou renuncia do direito de representação que envolva violência doméstica, o Juiz, ou o conciliador deverá ouvir os envolvidos separadamente. Enunciado 40 – Nos casos de violência doméstica, recomenda-se que as partes sejam encaminhadas a atendimento por grupo de trabalho habilitado, inclusive como medida preparatória preliminar, visando à solução do conflito subjacente à questão penal e à eficácia da solução pactuada. Comprova-se por meio dos Enunciados que mediante medidas simples, mas importantes, pode-se trabalhar no sentido de a vítima adquirir a coragem necessária para denunciar o agressor, o que se percebe pelos Enunciados de n° 38, 39 e 40, referindo-se o último às medidas preparatórias preliminares. Os Enunciados 29 e 40 recomendam atendimento das partes por equipes de trabalho habilitadas a trabalhar com a violência doméstica, além de medidas sócioeducativas, visando solucionar o conflito doméstico e evitar novas práticas de violência intrafamiliar. 3.3.1 O sistema de justiça criminal na América Latina No presente tópico, buscou-se trazer algumas medidas e procedimentos adotados pelos países da América Latina para que se tenha uma visão comparativa com a realidade brasileira e a legislação estrangeira, com base na Conferência sobre Violência Doméstica, realizada em 1997. 113 Na Argentina, a jurisdição à proteção contra a violência familiar é feita pela Vara de Família. São aplicadas medidas cautelares ilimitadas, como ordem de expulsão do domicílio conjugal; proibição de assédio, perseguição, molestamento ou intervenção na custódia de menores. Proibição de entrada no lugar em que o requerente e menores sob sua custódia se encontrem. Ordem para pagar pensão alimentícia, sustar venda de bens comuns ou da vítima ou para anular transações já efetuadas. Medidas provisórias sobre uso da residência ou propriedades comuns das partes. O procedimento é sumário e urgente. Os crimes têm penalidade de restrição de liberdade. A violação das ordens preventivas constitui um crime e autoriza a polícia a efetivar a prisão. No Uruguai, a jurisdição da violência doméstica é da Vara Criminal. Procedimento: ocorre pelos trâmites normais. Sanções: a pena imposta é de 06 meses a 24 meses de prisão; sendo a vítima mulher, menor, deficiente físico ou mental, parente ou convivente com o agressor a pena é aumentada de um terço até a metade. No Chile, a jurisdição é do Juiz Cível, a menos que as ações constituam crimes que, nesse caso, autorizam o tribunal criminal a determinar medidas cautelares. O procedimento é de qualquer pessoa que tenha conhecimento de ato violento e poderá apresentar as acusações aos carabineiros, à polícia investigativa ou diretamente ao Tribunal. 114 Nesses casos, não é necessária a presença do advogado ou procurador. A pedido das partes, o Juiz pode determinar medidas cautelares. O Juiz indica as bases para a conciliação em audiência de conciliação e apresentação de provas. Havendo conciliação o processo termina. As partes fazem um acordo sobre os meios de garantir a existência do conjunto apropriado da família nuclear e a integridade física e psicológica da vítima. Não havendo acordo, o Juiz chama as partes para ouvir a sentença no prazo de três dias úteis. Sanções: participação obrigatória em programas de aconselhamento ou orientação familiar por não mais que seis meses. Multa em benefício da comunidade equivalente a um e dez dias de renda diária. Prisão em qualquer nível, inclusive a desobediência a medidas cautelares que foram ordenadas. Na Bolívia, a jurisdição é exercida por várias autoridades que podem investigar as acusações de maus tratos e determinar medidas preventivas, dentre as quais a Polícia Nacional, o Ministério Público, autoridades comunitárias, autoridades nacionais de povos nativos, autoridade judiciária e brigada de assistência à família. Medidas cautelares são ilimitadas, como proibição ou limitação da presença do agressor na residência; autorização para a vítima deixar a residência comum. Disposição para entrega imediata dos pertences pessoais. Proibição da presença do acusado no local de trabalho ou estudo da vítima, todas medidas temporárias com duração máxima de 60 dias. 115 Procedimento: a queixa à autoridade judiciária pode ser verbal ou escrita. É marcada audiência no prazo de 24 horas. As partes comparecem com todas as provas. Na audiência, o Juiz pode aplicar medidas cautelares e da sentença, cabe apelação. Sanções: indenização à vítima, serviços comunitários e prisão por até 04 dias. Na Colômbia, a jurisdição é exercida pela Vara de Família. Medidas cautelares são ilimitadas. Os juízes podem ordenar medidas cautelares imediatamente e em caráter permanente. Consistem em afastamento do agressor, proibição de visitas, proteção e apoio temporário às vítimas; tratamento educacional e terapêutico, proteção especial à vítima. Procedimento: qualquer pessoa pode solicitar uma medida cautelar ou preventiva, no prazo de 08 dias de ocorrência de violência familiar. O Juiz pode ordenar dentro de quatro horas as medidas preventivas, advertindo o agressor para suspender a violência. Procede à audiência e propõe uma fórmula para resolver o conflito. Ao final da audiência, o Juiz prolata a sentença. Sanções: as que são indicadas como medidas preventivas permanentes. O não-cumprimento é punido com multas e até prisão, em casos de reincidência. Privação da liberdade, se a violência constituir crime. No Equador, a jurisdição é realizada pelas Varas de Família. Comissárias (Delegacias de Polícia) para mulheres e polícia de família, autoridades provinciais, polícia nacional, autoridades municipais e varas criminais. As medidas cautelares 116 são limitadas, contando com ação e apoio da família. Afastamento do agressor da residência; proibição de acesso ao local de trabalho ou estudo da vítima. Retorno da vítima à residência, proteção das crianças; tratamento para a família e ordens de assistência para a vítima. Procedimento: qualquer pessoa pode apresentar acusações. O Juiz marca audiência até 08 dias para resposta e conciliação. Não havendo conciliação, a parte acusada tem 06 dias para apresentar provas. Recebidas as alegações, o juiz prolata sentença. Sanções: Indenização para a vítima. Compensação por propriedade destruída pelo agressor com serviços comunitários, se o agressor não dispuser de recursos. Verifica-se no direito latino-americano várias medidas cautelares. No direito pátrio, entende-se que caberia como medida cautelar à proibição do agressor ao acesso ao local de trabalho ou estudo da vítima e da sua residência, sob pena de prisão em caso de descumprimento da ordem judicial, o que não ocorre nas hipóteses de crimes de desobediência face à Lei 9099/95. Outra proposta interessante seria a previsão legal e a exigência obrigatória de que o autor submeta-se a tratamento educacional terapêutico pelo período de no mínimo 06 meses. 117 3.3.2 Políticas públicas baseadas em grupos de apoio Entende-se que deveria, a nível municipal, com apoio da comunidade, serem criados grupos de apoio voluntários de auto-ajuda aos homens considerados violentos, a exemplo dos alcoólatras anônimos ou narcóticos anônimos. Nos referidos grupos, com ajuda especializada, buscar conscientizar o homem sobre fatores que o tornam violento, auxiliando no desenvolvimento de estratégias que o ajudem a reprimir o comportamento violento. Nesses grupos poderiam ser discutidas questões culturais acerca do machismo, da crença da superioridade masculina nas relações entre homens e mulheres. Trata-se de um programa complexo de auto-exame orientado, onde o agressor deve tentar admitir para terceiros seu comportamento violento em relação à esposa e aos filhos; partilhar pensamentos e emoções acerca das tensões domésticas, controlar a violência por meio de técnicas a serem desenvolvidas com a participação de técnicos especializados. Para isso propõe-se a criação de grupos de apoio, tomando por base o CORIAC (Coletivo Masculino por Relacionamentos Igualitários), criado em 1991, na cidade de São Francisco, Califórnia, cujo programa inclui três níveis de reeducação ou trabalho individual. Cada nível tem 16 sessões, com uma sessão de duas horas por semana. 118 No primeiro nível, cada participante descobre como absorveu valores e práticas da cultura patriarcal e identifica como esses valores o levaram ao autoritarismo, à dominação, à coerção e à violência nos relacionamentos. O participante analisa em grupos de reflexão os mitos estereotipados de violência. Num segundo nível, os participantes procuram a identificação mais profunda das suas emoções. Os homens são encorajados a assumir a responsabilidade por aquilo que sentem e fazem. Aprendem a expressar suas emoções e necessidades, assumindo atitudes que fortalecem meios não violentos de comunicação e resolução de conflitos, com o ajuste de mediadores e profissionais capacitados. No terceiro nível, os participantes aprendem a partilhar decisões com um parceiro, negociando uma base de satisfação mútua, desenvolvendo maior autoconsciência emocional e consolidando estratégias de maior igualdade com a esposa e os filhos. No final dos anos 70 e início dos anos 80 paralelamente à disseminação dos abrigos para vítimas, surgiram vários programas dirigidos aos homens violentos. Soares85 faz menção aos referidos programas: “Os programas de controle da violência masculina podem variar na abordagem e na duração. Alguns deles seguem estritamente critérios pedagógicos (anti-sexista), no estilo de conscientização, ou de discussão de temas com dinâmicas de grupos de apoio (support group aprouch). Outros se definem pela natureza terapêutica e podem obedecer ao estilo da terapia 85 SOARES, Barbara M. Mulheres Invisíveis. Violência Conjugal e novas políticas de segurança. RJ. Ed. Civilização Brasileira,1999. 119 familiar, de casal, ou individual, assim como podem seguir inclinações behavioristas ou cognitivo/behaviorista (voltados, por exemplo, para a localização e superação de traumas passados). Há os que combinam as duas abordagens e os que adotam o modelo dos grupos de auto-ajuda. A autora refere que, os acusados quando passaram a receber ordens judiciais para tratamento da dependência química, ou para acompanhamento de grupos de auto-ajuda, um novo campo de terapeutas da violência rapidamente se consolidou nos Estados Unidos. A autora faz uma crítica, entendendo que o agressor passa a ser visto como recuperável na medida em que o mesmo é vítima de estresse, abuso prévio (violência hereditária). Entende que o tratamento para recuperar o agressor, mesmo tendo o objetivo de proteção às vítimas e prevenção de futuras ameaças e de novas violências, criou uma ambigüidade nos papéis de vítima e agressor. Pensa-se que os grupos de apoio funcionariam com verbas e apoio do município e comunidade, podendo ser procurados e utilizados espontaneamente pelos autores da agressão doméstica ou com problemas de relacionamento intrafamiliar. Os grupos de apoio a homens violentos serviriam de instrumento ao Poder Judiciário que poderia condenar os autores de violência doméstica a participar obrigatoriamente de referidos grupos como terapia à sua conduta delituosa, além de outras medidas restritivas de direito. 120 Nos casos de violência ou conflitos domésticos, causados por drogaditização e alcoolismo, é necessária a internação em clínicas, grupos de apoio aos alcoólicos e narcóticos anônimos e, num segundo momento, o encaminhamento do agressor ao grupo de ajuda a homens violentos, visando eliminar os conflitos domésticos. 3.3.3 Outras políticas públicas preventivas à violência doméstica À medida que aumenta o impacto da violência doméstica, aumenta também a variedade de programas e métodos para prevenir a violência, o que provocou promulgação de novas legislações, considerando a violência doméstica, uma agressão aos direitos humanos individuais de membros da família. No direito penal, a violência doméstica na maioria dos países latinos era classificada no direito penal como ofensa física, e as ameaças como contravenções. No direito civil os maus-tratos físicos e verbais serviriam de motivo a separações ou divórcio. Por vários motivos esse tratamento não é satisfatório, porque permite que as mulheres se tornem vítimas da polícia e dos tribunais que não são capazes de protegê-las e devolve a solução do problema à família com o aumento do risco da violência para as vítimas. Necessária se faz a criação de mecanismos de proteção às vítimas que a tratem de maneira rápida, eficaz e ampla, porque nos casos de violência doméstica o agressor tem livre acesso à vítima. 121 Também se torna necessário determinar como punir o agressor, porque muitas vezes, senão na grande maioria das vezes, a vítima deseja acabar com a violência, não com o casamento ou com o relacionamento familiar. As vítimas geralmente entram em contato com a polícia antes de chegar ao judiciário, razão Especializadas pela em qual seriam Violência necessárias Doméstica, com a criação seções de de Delegacias investigação, aconselhamento e proteção. As Delegacias poderiam trabalhar junto com ONG’s que fossem criadas no município com apoio da universidade, prefeituras e sociedade civil através de grupos comunitários. As ONG’s deveriam ser preparadas para tratar com casos de violência doméstica em condições de proporcionar assessoria jurídica, além de serviços sociais e psicológicos. O município poderia fomentar a criação de ONG’s, ou criar centros de atendimento que oferecessem serviços como emergência e abrigos. Os centros deveriam formar uma rede de atendimento que possibilitassem o encaminhamento a outros setores como saúde, polícia, justiça, além de auxiliar a resolver problemas de capacitação para o trabalho, habitação, emprego e creche. O sistema de saúde ocupa posição estratégica na identificação de vítimas da violência doméstica, prestando-lhe assistência médica, psicológica, bem como encaminhando e orientando às vítimas para as ONG’s ou centros de atendimento às vítimas da violência doméstica. 122 As pessoas ou profissionais que irão intervir nos casos de violência doméstica deverão receber treinamento específico para atuar nessa área crítica. A falta de treinamento muitas vezes pode provocar novas agressões, o que muitas vezes acontece por aconselhamento impróprio e terapias arriscadas. Na área de prevenção para reduzir os fatores de risco, que produzem a violência doméstica poderiam ser utilizadas campanhas na mídia, iniciativas educacionais por meio de palestras e de seminários abertos ao público. 3.3.4 Políticas públicas na área de educação É importante vislumbrar, na educação em direitos humanos, uma perspectiva na linha de ação para promover a igualdade entre os sexos e a solução pacífica de conflitos. A educação é tida como a mais eficaz política pública de inclusão social, assim sendo deve promover os direitos humanos como condição necessária para alcançar o respeito e a vigência dos direitos fundamentais. No mundo conturbado, onde impera a violência é necessário preparar os jovens para a ideologia da tolerância, da não-violência, com uma educação fundada em novas formas de resolver conflitos, no sentido de construir uma paz baseada em justiça e solidariedade. Há uma necessidade de se discutir os temas que envolvem a violência, a desigualdade social, a discriminação e as causas dos conflitos domésticos dentro do currículo escolar como exigência do nosso tempo para que se obtenha um juízo crítico a respeito da matéria. 123 Visa a educação desenvolver no jovem um espírito crítico no sentido de examinar os obstáculos que impedem o progresso da paz. Educar para a paz é um exercício diário de imaginar formas mais justas e solidárias de sociedades, visando enfrentar a violência urbana e a violência doméstica. Por meio da educação, pode-se discutir e criar alternativas que conduzam a um planeta mais justo e menos violento. A democracia se aprende dentro da própria democracia. Neste sentido Rayo86 se posiciona: A educação para a cidadania mundial baseada nos direitos humanos e nos valores da democracia só se constrói com uma ética cívica e universal, onde as palavras chaves se alicercem em torno da solidariedade e da justiça social. Uma educação voltada para a paz implica a busca da conscientização dos estudantes de como eles poderão transformar estruturas injustas; como tornar as pessoas mais humanas sem apelar para meios violentos. O professor, no trato dos discentes, deve planejar e conscientizá-los da necessidade de uma educação voltada para a paz. A educação dos jovens não deve cair somente sobre o setor educativo. Deve ser uma responsabilidade compartilhada pelos demais agentes da socialização (família, ONG’s, meios de comunicação). A política de prevenção à violência doméstica deve ocorrer tanto no nível fundamental como no ensino médio, tanto nas escolas públicas como privadas por meio de módulos curriculares inovadores para ensinar a não-violência. 86 RAYO, José Tuvilla. Educação em Direitos Humanos. Porto Alegre. Artmed.2004 124 É fundamental depositar a esperança num futuro sem violência no sistema educacional, mediante o desenvolvimento de programas curriculares ou de projetos com a família, visando à prevenção à violência. Deve-se também dar treinamento aos professores para que eles possam lidar com alunos que vivenciaram em casa a violência doméstica. É necessário também capacitar Conselhos de Pais e Mestres e Conselhos de Educação para fazer a abordagem de programas de prevenção à violência com as famílias na escola, incentivando o debate por meio de seminários e vídeos, abordando maus-tratos, violência em namoro, machismo, racismo, abusos sexuais e meios para promover a paz no lar e na escola. As escolas públicas e ou particulares poderiam criar o dia ou a semana da “conscientização da violência” para sensibilizar e conscientizar sobre a violência e a necessidade de resolver conflitos pela mediação sem o uso da violência. As dificuldades se vencem com pesquisa e conhecimento sobre a violência doméstica, voltada para a promoção da cidadania e direitos humanos, tentando romper com a lógica da violência. Deve-se buscar o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para os direitos humanos e fundamentais, para a justiça e para a solidariedade social. 125 3.3.5. Projetos de lei e legislação existente que criam mecanismos para coibir a violência doméstica Visando atender ao disposto no Art. 226, § 8º, da Constituição Federal, foi elaborado o projeto de lei nº 4559/2004 de iniciativa do poder executivo que cria mecanismos para inibir a violência doméstica e familiar e institui juizados específicos para julgamento de ações relacionadas à violência intrafamiliar. No artigo 5º e seus incisos, o referido projeto define o que seja violência doméstica ou de gênero. Já no artigo 7º e incisos o projeto define as formas de violência doméstica (violência física, psicológica, sexual, patrimonial e violência moral). No título III, capítulo I, trata das medidas integradas de prevenção firmada no caput do art. 8º, sobre políticas públicas que visam coibir a violência doméstica contra a mulher, mediante um conjunto de ações governamentais e nãogovernamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, fixando as diretrizes do projeto, entre as quais a implementação de centros de atendimento multidisciplinar para pessoas envolvidas em situação de violência doméstica, visando garantir o atendimento integral à mulher. O projeto prevê também a integração operacional e o treinamento especializado aos órgãos do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria, da Segurança Pública, da Assistência Social, Saúde, Educação, Trabalho e Habitação. 126 Implementação de atendimento policial especializado às mulheres; realização de campanhas educativas e promoção de programas educacionais formais e nãoformais que disseminem valores éticos e o respeito à dignidade humana e dos direitos da mulher, inclusive, fazem parte do currículo escolar, de acordo com o supracitado projeto. O texto do projeto prevê ainda medidas que o juiz poderá adotar para beneficiar a mulher vítima de violência e seus dependentes, encaminhando-a para programas oficiais ou comunitários de proteção, recondução da vítima para o seu domicílio após o afastamento do acusado. Proibir a aproximação do agressor e suspender visita aos dependentes menores caso a situação de violência persista é outra medida prevista no projeto. O projeto de Lei 4.559/2004,foi elaborado por um grupo de trabalho interministerial coordenado pela Secretaria Especial de Política para as Mulheres, da Presidência da República. Em 13 de dezembro de 2005, a Constituição de Comissão e Justiça e de Cidadania aprovou o projeto por unanimidade. Atualmente aguarda encaminhamento para votação no plenário. Já no âmbito estadual foi promulgada a Lei Estadual 11.314, de 20 de janeiro de 1999, que dispõe sobre a proteção, auxílio e assistência às vítimas de violência e dá outras providências. 127 O artigo 2º dessa Lei define as pessoas que são consideradas vítimas de violência como aquelas que tenham sofrido lesões físicas, danos psicológicos motivados por ação ou omissão tipificados na legislação penal vigente, sejam familiares ou relação imediata com a vítima, ou sejam testemunhas que sofreram ameaças por deterem informações sobre atos criminosos. O artigo 3º estipula a proteção, o auxílio e a assistência psicológica às vítimas de crimes violentos e a seus familiares, especialmente nos casos de estupro, abuso sexual, e crimes conexos. Os recursos necessários à execução da lei devem ser geridos por fundo próprio. O artigo 6º prevê que a Defensoria Pública prestará assistência jurídica à preservação dos direitos humanos para as vítimas que não disponham de recursos econômicos. Os defensores públicos contarão também com o apoio do Ministério Público, peritos, psicólogos, sociólogos, assistentes sociais, cujo trabalho seja imprescindível à defesa dos direitos e garantias da vítima. A referida lei que não trata especialmente da violência doméstica, mas da vítima da violência em geral, ainda não foi implementada totalmente por falta de recursos do Governo do Estado. 128 3.4 Políticas públicas de prevenção e repressão à violência doméstica Verifica-se, nos capítulos anteriores, que o sistema de justiça criminal, representado especialmente pelos Juizados Especiais Criminais, não possui capacidade para cumprir qualquer função preventiva ou de proteção às vítimas de violência doméstica. Sobre essa questão Hermann87 conclui que: Para a vítima acionar o sistema penal , ela irá vivenciar todo um rosário de humilhações e decepções que oferecem como resposta a ruptura das relações familiares e sociais para a qual ela não se encontra preparada, remetendo-a, depois, sem qualquer resposta, de volta ao círculo vicioso do qual buscou escapar. De outra banda, cumpre salientar que tão somente o aumento da pena nos crimes domésticos não irá resolver a questão da trivialização da vítima, enquanto parte hipossuficiente (conceito emprestado do direito do consumidor) e vitimizada, se a mesma não contar com uma rede de apoio público ou comunitário para inseri-la num novo contexto social. A escalada progressiva da violência doméstica com lesividade concreta menos grave (lesão corporal e ameaça) para outros mais graves (lesão grave, crimes sexuais, maus-tratos e homicídio) não pode ser desconsiderado, porque a violência privada é uma violência aprendida com reflexos na violência pública ou social. Quando em formação, muitas crianças ou adolescentes vivem num meio violento, a violência passa a ser um modo natural de vida. Não me surpreende o 87 HERMANN, Leda, Violência Doméstica e os Juizados Especiais Criminais, Campinas-SP:Editora Servanda 2002, p. 176/177. 129 cometimento de crimes bárbaros, com requintes de crueldade, com filhos participando ativamente da morte dos pais, pois eles nada têm a perder. Aqueles que lhe deviam o direito de amor e proteção foram os que primeiro violentaram a dignidade humana enquanto sujeitos de direito. A violência doméstica, com reflexos na violência pública ou social, vem sensibilizando a sociedade, o governo e o legislador. Necessário é sairmos da fase da pragmaticidade para ingressar na fase da efetividade de proteção e prevenção da violência doméstica. Existe uma necessidade preeminente de implementar políticas públicas no sistema de justiça criminal, programas que ofereçam tratamento psicológico, jurídico e de apoio às vítimas de violência doméstica também no campo da assistência social. Visíveis situações de exclusão social e violência agravada pela crise econômica, pelo desemprego de uma boa parte das camadas sociais consideradas mais pobres que não possuem acesso à moradia, saúde, educação, emprego e nenhuma forma de assistência social. Veronese e Costa88 afirmam que “as desigualdades sociais e econômicas tornam difícil para a grande maioria da população o entendimento das palavras 88 Obra Citada, p. 17 130 “cidadania” e “sujeitos de direitos”. Dessa forma, agrava-se a exclusão social e ganha forças de violência”. As autoras, ao tratarem da questão da violência advogam a necessidade da desconstrução da violência, mediante de políticas públicas a serem implementadas com a participação da sociedade e com a fixação de previsões orçamentárias concretas. Veronese e Costa89 destacam ainda que se o país tivesse optado por políticas públicas sociais (saúde, educação, habitação, emprego) que não fossem interrompidas, estas teriam contribuído para minimizar ou erradicar a miséria e toda a forma de violência que permeia a sociedade brasileira. Ano após ano, governos fingem estarem comprometidos com o social, no entanto, não criam estruturas e programas sociais de longa duração. Concluem as autoras que “o Estado precisa cumprir plenamente suas responsabilidades como poder público, intervindo como agente interessado na defesa, na garantia e na ampliação de direitos”. A implementação dessa política implica a participação da sociedade e a fixação de previsões orçamentárias concretas. 89 Obra Citada, p. 17 131 4 ANÁLISE DE DADOS LEVANTADOS NO MUNICÍPIO DE LAJEADO Esta pesquisa de campo teve por intuito verificar a eficiência do sistema de justiça criminal da Lei 9099/95 (JECRIM) nos crimes de violência doméstica, realizando análise dos registros de ocorrências policiais, do encaminhamento dos Termos Circunstanciados e do estudo da solução dos processos nesta área. A referida pesquisa tomou por base os registros de ocorrência efetuados no Posto da Mulher de Lajeado nos meses de janeiro a dezembro de 2003 e do período de janeiro a dezembro de 2004. Também pesquisamos junto ao Fórum da Comarca de Lajeado, a solução judicial dada aos referidos procedimentos remetidos ao Juizado Especial Criminal no mesmo período de dezembro a janeiro de 2003 e de janeiro a dezembro de 2004. A pesquisa baseou-se nos registros de ocorrência efetuados com representação e sem representação na fase policial, versando sobre os crimes de lesão corporal, ameaça, vias de fato, estupro, tentativa de estupro, atentado violento ao pudor e homicídios e também sobre o motivo da violência. 132 O objetivo da pesquisa foi coletar dados acerca de registros de violência doméstica no Posto de Atendimento da Mulher, bem como verificar a solução da atividade jurisdicional prestada no sistema da justiça criminal do JECRIM e da Vara Criminal nos crimes sexuais (estupro) e homicídios praticados contra a mulher. Cumpre salientar que a presente pesquisa de campo baseou-se nos casos de violência doméstica registrados na repartição policial, desprezando a chamada cifra negra dos delitos de violência doméstica que não são registrados pelas vítimas por medo de represália, vergonha ou descrédito do sistema de justiça criminal. A presente pesquisa apurou junto ao IBGE que, pelo último senso realizado em 2000, o município de Lajeado possui uma população de 64.133 habitantes sendo 32.675 (50,95%) mulheres e 31.458 (49,05%) , homens conforme Figura 01. 49,05% 50,95% Homens Mulheres Figura 1 – Percentual da população feminina e masculina do município de Lajeado. 133 Dessas mulheres, 389 foram vítimas de violência em 2003, conforme registros policiais no Posto da Mulher, o que corresponde a 1,19% da população feminina, conforme Figura 02. 1,19% 49,05% 49,76% Homens Mulheres Mulheres Vítimas Figura 2 – Mulheres vítimas de violência em 2003, na cidade de Lajeado. No ano de 2004, 377 mulheres foram vítimas de violência doméstica, o que corresponde a 1,15% da população feminina, conforme registros policiais. 1,15% 49,05% 49,80% Homens Mulheres Mulheres Vítimas Figura 3 – Mulheres vítimas de violência em 2004, na cidade de Lajeado. 134 Comparando-se as variáveis entre os dois gráficos, verifica-se uma pequena diminuição dos índices criminais. A significativa redução pode indicar que efetivamente diminuíram os índices de crimes domésticos ou que as mulheres deixaram de efetuar o registro de ocorrência por descrédito do sistema de Justiça Criminal do JECRIM em Lajeado. Das ocorrências pesquisadas em 2003, num total de 389, verifica-se que não houve representação em 226 crimes de violência. As vítimas representaram em somente 163 casos de violência doméstica. 163 226 Não representaram Representaram Figura 4 – Ocorrências policiais com representação e sem representação em 2003. 135 Das ocorrências pesquisadas em 2004, num total de 377 ocorrências efetuadas, verifica-se que as mulheres não representaram em 213 ocorrências, deixando de oferecer representação em 164 ocorrências. 164 213 Não Representam Representam Figura 5 – Ocorrências policiais com representação e sem representação em 2004. Nos 56,49% das ocorrências registradas, as vítimas não representaram no Posto da Mulher contra o agressor pela violência doméstica sofrida. Foram remetidos 164 Termos Circunstanciados ao Poder Judiciário, no ano de 2004. No total de ocorrências efetuadas, em 389 casos, as vítimas não representaram em 58,09% dos casos contra seus agressores. Foram remetidos ao Poder Judiciário 163 Termos Circunstanciados em 2003. No ano base de 200, das 389 ocorrências de violência doméstica, verifica-se que 147 foram por Lesões Corporais (Art. 129 do CP); 225 foram por crimes de Ameaça (Art. 147 do CP); 15 foram por Vias de Fato (Art. 21 da LCP); 01 por crime de Estupro (Art. 213 do CP) e 01 por Tentativa de Estupro ( Arts. 213 c/c Art. 14 Inc. 136 II do CP). Em 2003 não houve crimes de Atentado Violento ao Pudor e não ocorreram homicídios contra mulheres. 225 147 1 Lesão Corporal Estupro 1 15 Ameaças Vias de Fato Tentativa de Estupro Figura 6 – Tipos de violência doméstica em 2003. Visualiza-se na Figura 7 que, no ano base 2004, das 377 ocorrências envolvendo violência doméstica, 142 foram por Lesão Corporal (Art. 129 do CP); 211 foram por Ameaça (Art. 147 do CPB); 21 por Vias de Fato (Art. 213 do CP); 01 por Tentativa de Estupro (Art. 213 c/c Art. 214, Inc. II do CP); 01 por Atentado Violento ao Pudor (Art. 214 do CP). Não foram praticados homicídios contra a mulher no ano de 2004. 21 1 1 1 142 211 Lesão Corporal Vias de Fato Tentativa de Estupro Ameaças Estupro Atestado Violento ao Pudor Figura 7 - Tipos de violência doméstica em 2004. 137 Nesta pesquisa de campo foram testadas outras variáveis buscando verificar o estado civil das mulheres vítimas de violência. Conforme se verifica na Figura 8, das 389 mulheres que registraram ocorrência no ano de 2003, 259 eram casadas e 130 separadas. Assim 66,58% das vítimas mulheres eram casadas, enquanto 33,42% das vítimas mulheres eram separadas em 2003. 33,42% 66,58% Casadas Separadas Figura 8 – Estado civil das mulheres vítimas de violência em 2003. Também verifica -se na figura 9, que das 377 vítimas mulheres no ano de 2004, 255 eram casadas e 122 eram separadas. Verifica-se que 67,63% das vítimas mulheres eram casadas, enquanto 32,37% eram separadas. 32,37% 67,63% Casadas Separadas Figura 9 – Estado civil das mulheres vítimas de violência em 2004. 138 Tomando por base os anos de 2003 e 2004, foi analisada outra variável a respeito do número de mulheres casadas e separadas que procederam ou não representação criminal contra os seus agressores por crimes domésticos. Em 2003 por meio de análise de dados das ocorrências, observou-se que das 389 ocorrências de crimes 105 mulheres casadas representaram enquanto 155 mulheres casadas não representaram contra seus agressores (maridos ou companheiros). Das mulheres separadas 58 apresentaram representação, tendo 77 deixado de representar contra seus agressores (ex-cônjuge ou ex-companheiro). 2003 Separadas Casadas 40,38% 44,96% 44,96% 59,62% 55,04% Representam 55,04% Não Representam Figura 10 – Índice de representação e não representação de acordo com o estado civil em 2003. Percebe-se que há um aumento de índices percentuais revelando que a mulher separada representa mais que a mulher casada. A diferença pode ser decorrente do fato de a mulher casada ainda hesitar em prejudicar o núcleo familiar que pode vir a ser desfeito pela denúncia ou representação. 139 Em 2004 verifica-se, pela análise de dados, que das 377 ocorrências efetuadas de crimes, 116 mulheres casadas representaram, enquanto 158 mulheres casadas deixaram de oferecer representação. Das mulheres casadas 67 ofereceram representação, enquanto 72 deixaram de representar contra seus agressores. 2004 Separadas Casadas 42,33% 51,80% 57,67% Representam 48,20% 48,20% 51,80% Não Representam Figura 11 - Índice de representação e não representação de acordo com o estado civil em 2004. Nas Figuras 10 e 11, percebe-se que há um aumento dos índices percentuais que revelam que a mulher separada representa mais pelo procedimento (Termo Circunstanciado) do que a mulher casada. A diferença apontada pode ser em decorrência de a mulher casada ainda hesitar em prejudicar o núcleo familiar que pode vir a ser desfeito pelo procedimento do Termo Circunstanciado. Outra variável pesquisada nas ocorrências de crimes domésticos, no ano de 2003 e 2004 registradas no Posto da Mulher, foram os motivos do crime. Estabeleceu-se motivos que levariam o agressor a agir com violência ou a realizar ameaça, tais como ciúme, álcool, álcool e drogas, banais (outros motivos diferentes daqueles já mencionados). 140 Das 766 ocorrências de violência examinadas nos anos de 2003 e 2004 constatou-se que 166 ocorrências foram motivadas por uso de álcool, 47 por ciúme, 11 por uso de álcool associado a drogas, 07 por uso de drogas e 535 por outros motivos considerados banais. 6,13% 1,43% 0,93% 21,67% 69,84% Motivos Banais Álcool Ciúmes Álcool e Drogas Drogas Figura 12 – Motivação das violências domésticas em 2003/2004. 4.1 Base de dados do JECRIM e da vara criminal de Lajeado Foram examinados junto ao Juizado Especial Criminal os 163 Termos Circunstanciados que foram remetidos pelo Posto da Mulher no ano de 2003. Verificou-se que de 125 dos casos foi extinta a punibilidade, porque nesses casos não houve comparecimento em juízo para apresentar representações; em 01 dos casos houve denúncia do Ministério Público; em 06 não foram localizados os procedimentos; em 16 casos as partes desistiram expressamente do direito de representar; 01 autor foi absolvido; em 11 casos ocorreram a transação e 02 foram condenados à prestação de serviço comunitário e 01 foi orientado a procurar a Vara de Família. 141 As partes que transacionaram assumiram compromisso de respeitar a vítima ou de indeniza-la. 09 se comprometeram com pagamentos de multas em favor do CONSEPRO – Conselho Segurança Pública ou de entidades carentes. 0,61% 3,68% 1,87% 0,61% 6,74% 9,81% 76,68% Extinta Punibilidade Transação Vara Família Prestação de Serviços à Comunidade Desistência Expressa Absolvição Procedimentos não Localizados Figura 13 – Solução do JECRIM em 2003. Foram examinados, junto ao JECRIM de Lajeado, os 164 Termos Circunstanciados que foram remetidos pelo Posto da Mulher no ano de 2004. Verificou-se que em 119 casos foi extinta a punibilidade porque as vítimas não compareceram em juízo para oferecer representação; 07 casos foram de transação; 18 de desistências expressas das vítimas; 01 de morte do autor; 08 procedimentos não foram localizados; 02 denúncias oferecidas pelo Ministério Público; 04 Termos Circunstanciados tramitando aguardando diligências; 01 arquivado por falta de provas; 01 absolvido; 01 condenado com suspensão de pena; 01 em recurso e 01 remetido ao Juizado da Infância e Juventude. 142 As partes que transacionaram pagaram indenização em favor da vítima, do CONSEPRO e de entidades carentes, e 01 pensão alimentícia. 0,61% 1,22% 4,88% 0,61%0,61% 0,61% 0,61% 2,44% 0,61% 10,98% 72,55% Extinta Punibilidade - Falta Representação Feitos não Localizados Morte do Autor Arquivado - Falta de Provas Suspensão da pena Remessa Juizado da Infância e Juventude Desistência Expressa Feitos Denunciados Feitos Tramitando Absolvido Fase de Recurso Figura 14 – Solução do JECRIM em 2004. Mediante dos levantamentos de dados a respeito dos julgamentos dos procedimentos que tramitam no JECRIM, constatou-se, tanto em 2003 como em 2004, que mais de 70% dos feitos foram arquivados por falta de representação da vítima pelo não -comparecimento à audiência aprazada. Verifica-se, assim, a necessidade de o Poder Judiciário buscar uma solução conforme o Enunciado n° 38, do XV Encontro do Fórum Permanente de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil, que prevê em caso de renúncia ou retratação, audiência para tal finalidade. O objetivo é permitir ao Juiz e ao Ministério Público conhecer a real intenção da vítima em não prosseguir no processo. Deve ser aplicado também o Enunciado 39 no sentido de as partes envolvidas serem ouvidas separadamente,sendo, inclusive, possível preparar as partes preliminarmente, usando a solução do conflito conforme o enunciado 40 do referido encontro. 143 Com esta pesquisa de campo verificou-se que a estrutura policial dos crimes de violência doméstica está longe de ser ideal. O município de Lajeado não possui uma Delegacia da Mulher, Mas apenas um Posto de Atendimento à Mulher que funciona junto à Delegacia de Trânsito. O Posto da Mulher é atendido por uma Delegada de Polícia Substituta. Possui uma servidora policial para atender aos crimes de violência doméstica e crimes praticados contra a mulher. Conta com o serviço de uma assistente social cedida ao posto que atende às partes uma vez por semana. O referido atende em rede com a Casa de Passagem de Cruzeiro do Sul, por meio de convênio firmado com a Prefeitura Municipal de Lajeado. A casa de Passagem conta com 04 advogados voluntários e uma psicóloga para prestar assessoria jurídica e acompanhamento psicológico às vítimas de violência doméstica nos casos considerados mais graves. Em 2003/2004, 64 mulheres da cidade de Lajeado foram abrigadas na Casa de Passagem. Em Lajeado funciona o SIM, Serviço de Informação a Mulher, por intermédio das Promotoras Legais Populares que atuam voluntariamente nos bairros, são treinadas pela ONG THEMIS. No município não há possui políticas públicas específicas, estabelecendo mecanismos de proteção à violência praticada contra a família. 144 Pela Lei Municipal n° 7.340, de 23 de março de 2005 foi criado o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. O referido Conselho possui funções meramente consultivas. O Conselho está organizando o I Fórum Regional do Vale do Taquari pela Integridade da Mulher que abordará o tema Violência doméstica contra a mulher, a criança e o adolescente. Compreender para Erradicar. A realização do Fórum está prevista o mês de março de 2006. 145 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os direitos humanos são fruto de lenta evolução histórica, política e filosófica do homem em sociedade, por meio de suas conquistas até a chegada do direito constitucional positivado. Esse trabalho de pesquisa proporcionou o conhecimento mais profundo de que os direitos humanos são direitos e garantias do ser humano que têm por finalidade o respeito à dignidade da pessoa humana, quer por proteção contra o Estado, quer pelo estabelecimento de condições mínimas de vida e do desenvolvimento da personalidade humana. Pelo presente estudo, constatou-se que na atualidade o problema da conquista dos direitos humanos fundamentais deixou de existir, tornando-se questão praticamente superada no mundo. O problema maior hoje diz respeito à implementação dos direitos fundamentais por um modelo de Estado que se tornou refém da globalização econômica e da política neoliberal. 146 O Estado democrático de direito, como fruto das conquistas sociais tem por fundamento o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana por meio de políticas públicas voltadas ao bem estar social que, por sua vez, nada tem a ver com o clientelismo que foi praticado no Brasil. Torna-se necessária a formação de uma consciência social fundamentada num ordenamento constitucional aberto para a concretização dos direitos humanos fundamentais. Pode-se dizer que os direitos humanos são conjunto de valores históricos, básicos e fundamentais, que dizem respeito à vida digna e afetiva dos seres e de seu habitat, que surgem como condição fundamente da vida, impondo aos agentes político jurídico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí-los em benefício próprio e comum ao mesmo tempo. Da mesma forma que os direitos humanos se dirigem a todos, o compromisso com a sua concretização caracteriza uma tarefa, um comprometimento de todos com a dignidade comum. A prática da não-violência é, pois, objetivo básico da educação na busca da paz construída com princípios de justiça e solidariedade, com políticas voltadas para o desenvolvimento dos direitos humanos. Deve-se levar em conta que a liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não é uma existência, mas um valor; não é um ser, mas um deve ser. 147 Por meio do ensino e da educação é que iremos conseguir promover os direitos humanos no país. O Governo no Brasil, por meio do Ministério da Educação deveria incluir nos currículos do ensino médio e nos cursos de graduação, disciplinas que tratem dos direitos humanos e fundamentais, para que o aluno pudesse tomar consciência das liberdades fundamentais, discutir o direito à paz, os princípios da não-violência, visando avançar na construção de uma cultura voltada para a paz, num mundo mais solidário e menos violento, com respeito às diferenças (sexo, religião, cor) visando à fraternidade e ao sentimento de solidariedade com as pessoas. O grande desafio do século é concretizar o último ideal dos Princípios da Revolução Francesa, estabelecendo-se no mundo inteiro os princípios da igualdade, da liberdade, sem esquecer de concretizar o princípio da fraternidade entre os povos. Para alguns esse ideal é utópico, mas se cada país criasse e desenvolvesse uma política cultural voltada para a valorização do ser humano, voltada para a paz, com menos preocupação com geração de riquezas econômicas; certamente haveria menos violência dentro dos lares brasileiros. Enfrentar os problemas gerados pela falta de solidariedade não é só um grande sonho, mas uma emergência a ser enfrentada por todos os homens de boa vontade. Por meio da cooperação entre as pessoas, entre os povos, mediante a aceitação das diferenças; pela educação é que será possível alcançar o respeito aos direitos humanos, como base incontestável e condição de vida digna para um mundo melhor para as gerações futuras. 148 Verificou-se, no presente trabalho, que a Lei 9099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais e a Lei 10455/02 que criou a medida cautelar de afastamento do agressor do lar conjugal, demonstram que não têm sido instrumentos jurídicos com eficácia social na proteção da dignidade da pessoa humana nos casos de violência doméstica, face ao lapso temporal entre o registro do fato e a audiência de avaliação nos JECRIM’s. Tal fato acaba aumentando a violência doméstica porque a vítima é obrigada a conviver novamente com o agressor. Já a Lei 9099/95 tomando por base o princípio da pena, desconsiderou o bem jurídico protegido de tal forma que Estado instituiu a surra doméstica, e o Estado cada vez mais se afasta das relações sociais. O direito como processo de adaptação social por intermédio do legislador, deveria buscar soluções de cunho legislativo especialmente para promulgação do Projeto de Lei 4559/04 que visa criar mecanismos de proteção à violência doméstica nos termos do Artigo 226, § 8°, da Constituição Fed eral. Esse projeto de Lei embora de grande relevância social, aguarda encaminhamento para votação em plenário. Percebe-se, desse modo, um déficit legislativo acerca da programaticidade das políticas públicas e dos meios de proteção às vítimas de violência doméstica, ao mesmo tempo em que é urgente passar para a fase de efetividade das políticas públicas na prevenção e repressão aos crimes de violência doméstica. Torna-se necessário nas três esferas do governo (União, Estado e Municípios), a implementação de centros de atendimento às vítimas de violência onde elas possam encontrar uma efetiva rede de proteção à assistência, visando, inclusive, a reconstituição do núcleo familiar, fazendo a ressocialização do agressor. A 149 ressocialização do agressor deve ocorrer por meio da formação de grupos de autoajuda permanente com o apoio dos órgãos públicos, sociedade civil e comunidade, por intermédio de profissionais e de pessoas treinadas para lidar com a questão de violência doméstica. Finalmente, não sendo possível o agravamento da pena nos crimes de violência doméstica pelo processo legislativo, necessário se torna o aperfeiçoamento e o treinamento das autoridades e agentes do sistema de Justiça Criminal para buscar a solução do conflito doméstico. O Poder Judiciário e o Ministério Público, nas transações penais, nos casos de crime de violência doméstica, deveriam encaminhar o agressor para grupos de autoajuda ou acompanhamento psicológico que deveriam existir no âmbito municipal, visando resolver os conflitos domésticos pela aplicação de medidas sócioeducativas. Entende-se que as penas pecuniárias em favor das entidades carentes, as chamadas “cestas básicas”, não contribuem para melhorar a situação da família vitimizada pela violência doméstica, muito menos o arquivamento do feito por falta de representação da vítima que acaba desacreditando no sistema de justiça criminal. No município de Lajeado, afora a existência do Conselho Municipal da Mulher e o convênio com a Casa de Passagem de Cruzeiro do Sul, tudo está por fazer na implantação de políticas públicas de proteção a violência doméstica. 150 Existe, pois, a necessidade de uma legislação municipal estabelecendo políticas públicas de proteção à família nos moldes do Projeto Lei 4559/04, com a criação e instalação de Delegacias de Polícia da Mulher, com atendimento psicológico e assistencial às vítimas de violência; desenvolvimento de políticas públicas por meio da instalação de centros de assistência às vítimas de violência, de estímulo e apoio a formação de grupos de auto-ajuda aos agressores domésticos, voltados à recuperação e, especialmente, por meio da implementação de políticas públicas nas áreas de assistência jurídica, social, da saúde, da educação, do trabalho e da habitação. 151 7 REFERÊNCIAS ANDRADE, Vera Regina Pereira de, Criminologia e Feminismo: da mulher como à mulher como sujeito de construção da cidadania. 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Florianópolis-SC, 2004. 158 ANEXO A 159 Modelo da Ficha de Levantamento de Dados 1 – Dados do Procedimento Policial: Data:_______ N° ocorrência: ___________ N° Instauração: Tipos Penais: ( ) Lesão Corporal ( ) Ameaça ( ) Vias de Fato ( ) Estupro ( ) Tentativa de Estupro ( ) Atentado Violento ao Pudor ( ) Homicídios As vítimas representam: ( ) Sim ( ) Não Dados sobre as vítimas: ( ) Casada Idade: Dados sobre o agressor: Motivo: Idade: Procedimento Judicial: Resultado do Processo: ( ) Separada 160 ANEXO B 161 ANEXO C 162 ANEXO D 163 ANEXO E 164 ANEXO F 165 ANEXO G