Elementos de Cálculo Diferencial Na aula anterior vimos a noção de derivada de uma função. Suponha que uma variável y seja dada como uma função f de uma outra variável x, y = f ( x ). Por exemplo, a variável y pode ser o tamanho de uma população e a variável x pode ser o tempo; ou y pode ser a concentração de uma enzima e x é novamente o tempo. Nem sempre a variável independente x é o tempo. Por exemplo, ela pode ser a temperatura de um dado ambiente ou a distância medida a partir de um ponto de referência. Sem nos importarmos com o que y e x representam biologicamente ou fisicamente, podemos pensar nelas e na função f como entidades matemáticas. Se representarmos a função y = f(x) em um gráfico, podemos definir a taxa de variação de y quando x varia de x1 para x2 como, ∆y y 2 − y1 f ( x 2 ) − f ( x1 ) = = . ∆x x2 − x1 x 2 − x1 Veja a figura a seguir, reproduzida da aula anterior, só que agora escrita em termos de y e x. Da figura, vemos que a taxa de variação ∆y ∆x é igual à inclinação da reta R que une os pontos (y2,x2) e (y1,x1), definida por tg θ. A idéia central do cálculo diferencial está em passar dessa taxa de variação – que requer o conhecimento do valor da função em dois pontos – para a taxa de variação instantânea, calculada em um dado ponto x da função. Veja o gráfico a seguir, também retirado da aula anterior, só que escrito em termos das variáveis x e y. Do desenho vemos que, à medida que ∆x → 0, a reta R tende para a reta tangente à curva y(x) no ponto x1. A inclinação da reta tangente à função y(x) no ponto x1 é chamada de derivada de y em relação a x no ponto x1, dy dx x1 ∆y = lim . x2 → x1 ∆x Quando o limite definido pela equação acima existe (existem casos em que ele não existe), dizemos que a função y = f(x) é diferenciável em x = x1. Existem diversas maneiras simbólicas diferentes de se denotar a derivada de uma função. Dependendo do livro que você venha a consultar você poderá ver uma ou outra, mas todas são equivalentes. As mais comuns são: y’(lê-se y linha), f’(x1), df/dx. Também é muito comum se representar a derivada de uma função que depende do tempo y(t) em relação a t por um • ponto acima da função: y (lê-se y ponto). Até aqui, o que vimos é o que já havia sido apresentado na aula anterior. A derivada de uma função y = f(x) em um dado ponto x1 é igual à inclinação da reta tangente à função f no ponto x1 (calculada como tg θ, onde θ é o ângulo feito pela reta tangente com a horizontal). Essa definição – que é a visão geométrica da derivada – é muito útil quando se tem condições de desenhar o gráfico da função f(x). Mas nem sempre isso é possível, ou desejável, como no caso do item (b) do exercício 5 da aula 10. Em tais casos, é desejável poder calcular o valor da derivada analiticamente ao invés de geometricamente. Para fazermos o cálculo analítico de uma derivada, temos que usar a definição, dy dx x1 ∆y = lim . x2 → x1 ∆x Portanto, temos que ser capazes de calcular o limite acima. Para entender como isso pode ser feito, é mais fácil reescrever a definição substituindo x1 por x e x2 por h. Neste caso, ∆x = h (veja a figura abaixo). Chamamos h de incremento em x. Ele pode ser positivo (isto é, estar à direita de x), ou negativo (isto é, estar à esquerda de x). O valor de y = f(x) no ponto x + h é igual a f(x + h), de maneira que ∆y = f(x + h) − f(x). Então, podemos escrever, ∆y f ( x + h ) − f ( x ) = , ∆x h e a derivada de y = f(x) no ponto x fica sendo dada por, dy f (x + h ) − f (x ) = f ' ( x) = lim . h → 0 dx h O número obtido a partir da equação acima é igual à inclinação da reta tangente à função y = f(x) no ponto x. Para se calcular o limite acima, deve-se manter a variável x constante, mas fazer h ir para zero. Porém, não se pode fazer isso diretamente na equação acima, pois fazendo h = 0 nela obtemos, f (x + 0) − f ( x) f ( x) − f ( x) 0 = , = 0 0 0 e isso não tem significado. Na realidade, nem sempre é fácil calcular o limite acima e um pouco de engenhosidade matemática é necessário. Vamos mostrar alguns exemplos de cálculos de derivadas para funções em que esse cálculo não é muito difícil. Depois, vamos apenas dar os resultados do cálculo da derivada para outras funções mais complicadas. Exemplo 1. Calcule a derivada da função y = f ( x) = ax + b , onde a e b são constantes, em um ponto x qualquer. Para calcular a derivada, precisamos primeiro calcular, f ( x + h) − f ( x ) [ a ( x + h) + b] − ( ax + b) ah = = = a. h h h Então, dy f ( x + h) − f ( x ) = f ' ( x ) = lim = lim a = a. h →0 h →0 dx h Portanto, a derivada de uma função linear cujo coeficiente angular é a é igual ao próprio coeficiente angular a. Note que isso faz sentido, de acordo com a interpretação geométrica da derivada, pois a reta tangente à função linear é a própria função e a sua inclinação é dada pelo seu coeficiente angular. Este exemplo nos permite deduzir um caso particular, que é o da derivada de uma função constante, y = f ( x) = b. Exemplo 1’. Calcule a derivada da função y = f ( x) = b , onde b é uma constante, em um ponto x qualquer. 0 f ( x + h) − f ( x ) dy = f ' ( x ) = lim = lim = 0. h →0 h →0 h h dx Uma função constante y = b é uma reta paralela ao eixo-x; portanto, o seu coeficiente angular (a sua inclinação) é nulo. É por isso que a sua derivada é zero. Exemplo 2. Calcule a derivada da função quadrática y = f ( x) = x 2 em um ponto x qualquer. Para calcular a derivada, precisamos primeiro calcular, f ( x + h) − f ( x) ( x + h) 2 − x 2 x 2 + 2hx + h 2 − x 2 2hx + h 2 = = = = 2 x + h. h h h h Então, dy = f ' ( x ) = lim(2 x + h ) = 2 x. h →0 dx Portanto, a derivada de uma função quadrática, y = x2, num dado ponto x é igual a 2 vezes esse valor de x. Este caso é interessante, porque mostra que a derivada de uma função f(x) pode ser, ela mesma, uma função de x. No caso, a derivada da função quadrática y = x2 é a função linear g = 2x. A partir da fórmula acima, podemos calcular a derivada da função y = x2 em alguns pontos, por exemplo: x = 0, x = ±1 e x = ±2. Em x = 0: y’(0) = 2.0 = 0. Em x = 1: y’(1) = 2.1 = 2. Em x = −1: y’(−1) = 2.(−1) = −2. Em x = 2: y’(2) = 2.2 = 4. Em x = −2: y’(−2) = 2.(−2) = −4. Essas derivadas podem ser vistas geometricamente no gráfico da função y = x2 dado a seguir. O gráfico mostra as retas tangentes à função nos pontos x = ±1 e x = ±2. A reta tangente à função y = x2 no ponto x = 0 é o próprio eixo-x. Note que quanto mais distante x fica da origem, mais inclinada fica a curva. Do lado direito da origem, temos inclinações positivas e, do lado esquerdo, temos inclinações negativas. O gráfico abaixo mostra a função derivada de y = x2, g(x) = 2x. Note que a derivada é positiva para x > 0 e é negativa para x < 0. Em x = 0, a derivada é nula. Exemplo 3. Calcule a derivada da função cúbica y = f ( x) = x 3 em um ponto x qualquer. Para calcular a derivada, precisamos primeiro calcular, f ( x + h) − f ( x) ( x + h) 3 − x 3 ( x + h )( x 2 + 2hx + h 2 ) − x 3 = = = h h h x 3 + 3hx 2 + 3h 2 x + h 3 − x 3 3hx 2 + 3h 2 x + h 3 = = = 3 x 2 + 3hx + h 2 . h h Então, ( ) dy = f ' ( x ) = lim 3 x 2 + 3hx + h 2 = 3 x 2 . h →0 dx Portanto, a derivada de uma função cúbica, y = x3, num dado ponto x é igual a 3 vezes esse valor de x ao quadrado. Exemplo 4. Calcule a derivada da função potência y = f ( x) = x n em um ponto x qualquer, para n sendo um número real qualquer, positivo ou negativo. Este é um exemplo de uma função cuja derivada não é tão fácil de ser calculada. No entanto, existem métodos que nos permitem obter o resultado. Eles não serão dados aqui, o que nos importa em biologia é saber o resultado. Se y = f(x) = xn, onde n é um número real qualquer, inteiro ou fracionário, positivo ou negativo, então a derivada de y em qualquer ponto x é, dy = f ' ( x) = nx n−1. dx Esta é uma fórmula tão importante que é melhor você memorizá-la. Para ajudar, vamos calcular as seguintes derivadas como exercício: y = x5. y’(x) = 5x4. y = x-7. y’(x) = −7x-8 = −7/x8. y = x-1. y’(x) = −x-2 = −1/x2. 1 y = x1/2. y’(x) = 2 x 1/3 ’ y = x . y (x) = −1 2 = 1 2 x . 1 −23 1 x = 2 .. 3 3x 3 Nem toda função possui derivada em todos os pontos x do seu domínio. Vejamos o seguinte caso. Exemplo 5. Calcule a derivada da função módulo y = f ( x) = x no ponto x = 0. Um fato que não foi mencionado anteriormente, porque não foi necessário, é que o limite de uma função quando o incremento ∆x = h → 0 pela direita de x pode ter um valor diferente do limite da função quando ∆x = h → 0 pela esquerda de x. No caso da função módulo, quando h → 0 pela direita de x = 0: lim h →0 h >0 h 0+h − 0 f ( 0 + h ) − f ( 0) h = lim = lim = lim = 1. h →0 h →0 h h →0 h h h h >0 h >0 h >0 Já quando h → 0 pela esquerda de x = 0: lim h →0 h <0 h 0+h − 0 f ( 0 + h ) − f ( 0) −h = lim = lim = lim = −1 . h →0 h →0 h h →0 h h h h<0 h<0 h <0 Para que a derivada da função y = x em x = 0 existisse, seria necessário que o limite fosse único, independentemente de como nos aproximamos de x = 0, pela direita ou pela esquerda. Porém, neste caso isso não acontece: quando nos aproximamos pela direita, o limite vale +1; quando nos aproximamos pela esquerda, o limite vale −1. Portanto, a função y = x não possui derivada em x = 0. O gráfico da função módulo está dado abaixo. Observe que, na origem, o gráfico de y= x forma um “bico”. Em um caso assim, não se pode determinar a tangente à curva no ponto do “bico” (x = 0). Portanto, a função não possui derivada nesse ponto. Note que a derivada da função módulo existe para qualquer outro ponto x ≠ 0. Nesses pontos, a função módulo é uma função linear (linha reta) e a sua derivada (veja o exercício 1) é uma constante igual ao coeficiente angular da reta, que nesse caso é +1 para x > 0 e x = −1 para x < 0. Portanto, a derivada de y= x é uma função descontínua na origem. Ela vale +1 à direita de x = 0 e vale −1 à esquerda de x = 0, pulando bruscamente de um valor para outro quando cruzamos o ponto x = 0. Veja o gráfico da derivada de y= x dado abaixo. Compare este gráfico com o gráfico da derivada da função y = x2, g(x) = 2x, dado algumas páginas acima. Note que a derivada de y = x2 também muda de sinal quando x passa pela origem, mas essa mudança não é abrupta. Ele é descrita por uma função contínua, g(x) = 2x. E a derivada de y = x2 existe em x = 0. Ela vale f ´(0) = 2.0 = 0. Quando a derivada de uma função y = f(x) existe em todos os pontos do seu domínio x, isto é, quando a derivada varia continuamente de um ponto x para outro, dizemos que a função y = f(x) é suave. Quando a derivada de uma função y = f(x) não existe em um dado ponto x, isto é, quando a função derivada é descontínua no ponto x, dizemos que a função y = f(x) não é suave em x. Em geral, isso pode ser detectado visualmente observando o gráfico de y = f(x). Se ele tiver um “bico” em algum ponto x, ele não terá derivada nesse ponto. Existe um outro caso em que uma função y = f(x) não possui derivada em um dado ponto x. É o caso em que a própria função y = f(x) é descontínua no ponto x. Veja a figura abaixo, que mostra uma função contínua em todos os pontos (gráfico da esquerda) e uma função descontínua em um ponto x = x2 (gráfico da direita). No ponto x = x2 a função mostrada à direita é descontínua e, portanto, não possui derivada. À esquerda de x = x2, a derivada da função tem um valor constante; à direita de x = x2, a derivada tem um outro valor constante, mas diferente do primeiro. E a transição de um valor para o outro não é contínua. O que vimos nestes últimos exemplos pode ser sintetizado na frase: Diferenciabilidade implica em continuidade, mas continuidade não implica em diferenciabilidade. Ou seja, se uma função y = f(x) é diferenciável num dado ponto x, ela necessariamente deve ser contínua nesse ponto. Um exemplo é a função do gráfico à esquerda na figura anterior. Por outro lado, o fato de uma função ser contínua num dado ponto x não é garantia de que a derivada da função exista em x. Um exemplo é a função módulo, y= x . Ela é contínua em x = 0, mas não possui derivada nesse ponto. Em geral, qualquer função que tenha um “bico” em um dado ponto é contínua no ponto, mas não tem derivada nele. Estamos falando sobre funções contínuas sem ter dado uma definição de continuidade. Não vamos dar uma definição matematicamente rigorosa aqui, mas apenas uma que – espera-se – vá ajudá-los a entender a idéia de continuidade: Uma função contínua é aquela cujo gráfico pode, em princípio, ser traçado à mão sem que seja preciso levantar a ponta da caneta ou lápis do papel. Vamos agora dar, sem demonstração, as fórmulas para as derivadas de algumas combinações de funções que serão encontradas muitas vezes ao longo deste curso e de outros que vocês fizerem. Vamos supor que as funções f(x) e g(x) tenham derivadas conhecidas e iguais, respectivamente, a f ’(x) e g’(x). a) Derivada de uma constante vezes uma função: d (c. f ( x) ) df ( x) =c . dx dx b) Derivada da soma de duas funções: d [ f ( x ) + g ( x )] df ( x) dg ( x ) = + . dx dx dx c) Derivada do produto de duas funções: d [ f ( x).g ( x)] df ( x) dg ( x) = .g ( x) + f ( x). . dx dx dx d) Derivada de uma função composta (função de função): Seja a função composta y = f ( g ( x)). Então, dy df dg = . . dx dg dx Esta fórmula é conhecida como regra da cadeia. e) Derivada do quociente de duas funções: ⎤ d ⎡ f ( x) g ( x)⎥⎦ [ f ' ( x).g ( x) − f ( x).g ' ( x)] ⎢⎣ . = dx ( g ( x ) )2 f) Derivadas de funções trigonométricas: d (sen x) = cos x. dx d (cos x) = −sen x. dx 1 d ( tg x) . = cos 2 x dx 1 d (cotg x) . =− sen 2 x dx g) Derivada das funções exponencial e logarítmica (na base e): ( ) d ex = ex. dx d (ln x ) 1 = . dx x