Anais do 14O Encontro de Iniciação Científica e Pós-Graduação do ITA – XIV ENCITA / 2008
Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, SP, Brasil, Outubro, 20 a 23, 2008.
ASPECTOS DA CULTURA BRASILEIRA NA PERCEPÇÃO DE
PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO E FUNDAMENTAL
David Evandro Amorim Martins
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)
Rua H8A, Apartamento 129,
12228-460 – São José dos Campos - SP
Bolsista PIBIC-CNPq
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Claudete Moreno Ghiraldelo
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)
Divisão de Ciências Fundamentais – Departamento de Humanidades
Praça Marechal Eduardo Gomes, 50
12228-900 – São José dos Campos - SP
[email protected]
Resumo. Este trabalho apresenta um levantamento das características do brasileiro, enunciadas por professores do
Ensino Fundamental e Médio de áreas distintas. Ele se encontrou dividido em duas fases: uma de Estudo da
Bibliografia e outra de Coleta de Dados através de entrevistas orais e escritas.
Palavras-chave: percepções da cultura brasileira; cultura brasileira; subjetividades; identidades professores do
Ensino Fundamental e Médio.
1. Introdução
A Cultura Brasileira é uma densa área de estudo dentro das Ciências Humanas. Os estudiosos dessa grande área se
propõem a analisar a constituição do povo brasileiro, embasando-se em outras diversas áreas de conhecimento, tais
como a História, a Sociologia, a Antropologia, a Psicanálise, dentre outras. Para isso, lança mão de diversos campos das
Humanas, visando, justamente, a uma compreensão plena do que distingue o brasileiro dos outros povos.
Desse modo, o entendimento de Cultura é deveras significativo para um indivíduo na nossa sociedade atual, uma
vez que permite a ele perceber certas atitudes que toma somente porque é brasileiro, tornando possível que ele venha a
se entender um pouco melhor. Entretanto, esse conhecimento traz ainda a possibilidade de que ele possa entender
melhor os outros, fazendo com que, de algum modo, possa melhorar seus relacionamentos e ser mais complacente com
seus compatriotas.
A pesquisa foi realizada em duas etapas: uma primeira, em que foi feito um levantamento e estudo da literatura
sobre o assunto e uma segunda, em que foram feitas dezesseis entrevistas com professores do Ensino Fundamental e
Médio de diferentes áreas de atuação. Em especial, foram estudados quatro livros considerados clássicos da Cultura
Brasileira, sendo os autores de áreas distintas das Ciências Humanas.
2. Estudo da Bibliografia
O estudo realizado foi fundamentado na leitura e análise de obras de quatro grandes autores da área: Sérgio
Buarque de Holanda (1984), Caio Prado Junior (1945), Roberto DaMatta(1997) e Contardo Calligaris(1996). Os livros
dos dois primeiros autores, pertencentes a “Geração de 30”, são considerados clássicos para o entendimento da Cultura
Brasileira. Calligaris foi lido por ser um autor atual, que, de certa maneira, reinterpreta à luz da psicanálise lacaniana
alguns estudos já feitos sobre o Brasil. DaMatta, por sua vez, mereceu também bastante atenção, uma vez que estudou
os sentidos da expressão “jeitinho brasileiro”, que tanto descreve o comportamento do povo brasileiro. As referências
das obras se encontram na seção Referências.
Esse estudo foi bastante denso, uma vez que cada autor pertence a uma diferente área das Ciências Humanas
(Holanda é historiador, Prado Jr. é economista, DaMatta é antropólogo e Calligaris é psicanalista), requerendo que,
além das obras lidas, fossem buscadas fontes específicas de cada área para que, assim, pudesse, de fato, compreender as
obras em profundidade. Como essas referências foram difusas e consistiam de muitos recortes, elas não se encontram
totalmente relatadas na seção Referências.
Comecemos pela análise de Contardo Calligaris, que trata do tema Cultura Brasileira à luz da psicanálise. Alguns
conceitos específicos da área foram necessários e eles seguem apresentados no decurso do artigo. A seguir uma síntese
das idéias mais importantes do livro.
Toda a análise feita por Calligaris baseia-se em duas figuras retóricas, por ele criadas, que habitariam o
inconsciente do brasileiro: o colonizador e o colono. O colonizador faz o papel de um explorador frustrado, uma vez
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que ele busca um gozo pleno longe da interdição paterna e não o alcança, por mais que se esforce, pois a plenitude do
gozo somente é conseguida no corpo materno, que, simbolicamente, representa a “patria mãe”, Portugal. O colono, por
sua vez, pode ser simplificado como o imigrante esperançoso, que abdica de sua filiação simbólica, sua patria de
origem, original em busca de uma nova pátria. Deve-se entender gozo como uma fruição psíquica do sujeito, podendo
ser resultado também de uma atividade física. Além disso, deve-se entender pai como aquele que, simbolicamente,
sustenta um interdito ao corpo da mãe, tomada como patria de origem, pelo filho, gerando uma filiação simbólica,
representada pela cidadnia em um país. Por outro lado, a mãe é o objeto de desejo do filho (no sentido simbólico
também), no qual ele deseja ter um gozo pleno.
Esse autor já começa questionando a ausência do UM do brasileiro, de um significante nacional. Ele sintetiza essa
idéia utilizando-se de um neologismo “umtegração” e chama a essa situação de problema de umtegração.
Outro conceito bastante importante apresentado por Calligaris é o do fantasma do corpo escravo. Entenda fantasma
como um vício psicológico. Simplificadamente pode ser tomado como uma obsessão no sentido de que se repete e é o
tempo todo presente para o sujeito. O corpo escravo seria o modo de agir do colonizador, explorando sem limites,
buscando o gozo pleno, e esse valor seria vicioso, corrompendo os ideais dos colonos, inclusive.1
Pensando a respeito de uma adaptação de uma frase de Marcel Mauss feita por Charles Melman (“Quando os laços
são reais, os atos devem ser simbólicos, quando os laços são simbólicos, os atos podem ser reais”), Calligaris analisa a
marginalidade no Brasil. Os laços citados podem ser entendidos como laços sociais, ou seja, quando o sujeito é
respeitado como cidadão no país onde vive, há filiação simbólica e há para ele o significante nacional. Esse sujeito não
irá desrespeitar a lei simbólica, que compreende também a jurídica, de funcionamento da sociedade, porque nela está
inscrito simbolicamente; a ela está assujeitado. Quando, ao contrário, não é respeitado como cidadão, a ordem
simbólica da sociedade à qual o sujeito pertence não o assujeitou e é daí que ele passa a transgredir a lei, pois nela não
está inscrito. Já foi visto que o colonizador no Brasil, na figura das autoridades e elite industrial e agrária brasileiras da
época, recebeu o colono com a escravatura, a qual não garantia a ele laços de filiação consistentes, o que quer dizer que
para o colono a escravidão não constituía cidadania, pelo menos não a cidadania esperada antes de emigrar, sendo,
portanto, que para muitos sujeitos ocorreu o estabelecimento de laços reais. Em contrapartida, muitos imigrantes, na
figura retórica do colono, recusaram essa violência. Como decorrência, o colono age simbolicamente e daí surge uma
característica importantíssima do brasileiro, referenciada por muitos outros autores: o jeitinho brasileiro ou a
malandragem.
Finda a questão da marginalidade, o autor aborda a do consumo. Calligaris nota que a possessão de bens para o
brasileiro não é o que está em jogo, o que mais vale é o próprio consumo, ou seja, o gozo consiste privilegiadamente no
exercício do gasto2. Desse modo, a dignidade se afirma na queima dos recursos do sujeito e comprar passa a demonstrar
ao mundo a própria capacidade de gastar. Ele encerra dizendo que como o consumo está figurado é necessário que o
sujeito se gaste para valer, um trocadilho interessante.
Prosseguindo o raciocínio, o autor explica o queixume brasileiro com relação ao próprio país. Foi visto ainda que a
emigração pressupõe o abandono e a repressão de um desejo (materno) que a filiação primeira (simbólica) permitia,
bem como a procura de um novo pai. Contudo o pai encontrado somente se sustenta exibindo seu gozo e mais que isso,
a filiação que ele propõe é uma tácita participação em seu gozo. Por isso, o novo pai é real e em troca do gozo,
obviamente, pedirá um tributo, ou seja, o acesso a uma filiação paterna, a uma pátria, procurado pelo imigrante é
frustrado. Assim, a desistência de um desejo possível, leva a uma reivindicação eterna do mesmo, que nada mais é que
o queixume citado, como se houvesse a frustração de um gozo ao qual teria direito3.
Holanda (1984) faz um levantamento histórico de diversos aspectos da Cultura Brasileira, analisando-os sob a ótica
da História. O autor aponta que, no Brasil, as formas de convívio, as instituições e as idéias parecem ter sido
importadas, ou seja, os brasileiros são desterrados em sua própria terra. Pensando sobre isso, ele conclui que todo esse
modo de ser do brasileiro foi herdado dos colonizadores portugueses4 que aqui aportaram. Portugal está situado nas
fronteiras da Europa e, portanto, é menos carregado de europeísmos. Inclusive uma das características dos portugueses
que ele apresenta e que depois foi incorporada ao Brasil é a cultura da personalidade, ou seja, o valor de um homem
infere-se da extensão em que ele não precise depender dos demais, em que se baste. Assim sendo, cada qual passa a ser
filho de si mesmo, de seu esforço próprio e de suas virtudes.
Refletindo sobre as implicações da autarquia do indivíduo e da exaltação extrema da personalidade, Holanda
analisa a repulsa aos trabalhos manuais e mecânicos dos povos ibéricos. Ele explica que esse tipo de trabalho visa a um
fim exterior ao homem e pretende conseguir a perfeição de uma obra distinta do próprio indivíduo. Desse modo, esses
1
Essa situação de querer gozar como razão de ser é bem sintetizada pela máxima “Realize-se segundo os acidentes que definem sua
vida” escrita por Calligaris em uma crônica intitulada “O Homem-aranha e o American Way” (Calligaris, 2004).
2
Uma frase que sintetiza bem o espírito dessa característica é a seguinte paródia de uma célebre frase de René Descartes: “Compro,
logo existo”.
3
Tudo de acordo com uma máxima freudiana citada pelo autor que diz que o que o sujeito reprime, ele acaba pedindo como se disso
o outro o frustrasse.
4
No fim do primeiro capítulo, Sérgio Buarque de Holanda diz que Portugal e Brasil estão extremamente associados por uma tradição
longa e viva.
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trabalhos apresentam-se como inimigos da personalidade e, portanto, não são valorizados pelos portugueses e,
conseqüentemente, pelos brasileiros.
Tal como Calligaris, Holanda lança mão de duas figuras retórica: o aventureiro e o trabalhador. O aventureiro seria
um indivíduo para o qual o objeto final, mira de todo o esforço, assume tanta relevância que ele chega a dispensar os
processos intermediários. São características comumente associadas a ele: audácia, imprevidência, irresponsabilidade,
instabilidade e vagabundagem. Já o trabalhador seria aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer e não o triunfo
a alcançar, satisfazendo-se com o esforço lento, pouco compensador e resistente. Além disso, ele atribui valor moral
positivo às ações que sente ânimo em praticar e tem por imorais e detestáveis as características do aventureiro5. Com
base nisso, o autor repara que a colonização pedia aventureiros e os povos ibéricos supriram essa necessidade. Isso fez
com que os herdeiros deixados nas novas terras conquistadas teriam em si o espírito do aventureiro. Por isso, os
brasileiros têm pouca disposição para o trabalho, pelo menos o trabalho que não vislumbra compensação próxima, e
uma ânsia de prosperidade sem custo, de títulos honoríficos, de posições e riquezas fáceis. O autor nota que a ordem
aceita pelos portugueses não é a que os homens compõem com o trabalho, mesmo porque eles eram preguiçosos, mas a
que fazem com desleixo e certa liberdade, ou seja, eles repugnam a ordem do ladrilhador e valorizam a ordem do
semeador, a qual é vista como a ordem natural.
Holanda ainda denuncia a troca de favores em funções públicas, que é uma forma de corrupção, oriunda da, já
citada, incapacidade de fazer prevalecer uma ordenação impessoal e mecânica sobre as relações de caráter orgânico e
comunal. Essas deficiências a nível de Estado se dão devido à má formação do mesmo, que se alicerçou sob as bases da
família patriarcal. Em todas as sociedades, a suplantação da lei particular pela lei geral levou a uma série de conflitos
sociais. No Brasil, devido à influência da família patriarcal no desenvolvimento da urbanização, criou-se um Estado
burocrático, em que prevalecem a especialização de funções e o esforço para que se assegurem garantias jurídicas aos
cidadãos6.
O autor ficou muito conhecido por seu conceito de cordialidade do brasileiro, sobre o qual se falará a seguir. Para
os estrangeiros, o brasileiro aparece como o povo cordial. Contudo, essa cordialidade antes de tudo é epidérmica, sendo
apenas uma mímica da real polidez. É mais uma defesa ante a sociedade, servindo como um disfarce para preservar a
sensibilidade e as emoções individuais.
O autor conclui seu livro indicando que reformas sociais verdadeiramente efetivas não podem ignorar o mundo das
essências íntimas do Brasil, pois fazer isso significa renunciar ao próprio ritmo espontâneo do país em detrimento de
uma falsa harmonia.
Um outro autor contemporâneo de Holanda é Caio Prado Jr, que, em uma de suas obras, faz um levantamento da
História Econômica do Brasil, visando a um entendimento da situação econômica do país na primeira metade do século
XIX, descrevendo minuciosamente todos os ciclos econômicos de todas as regiões do país. Como apresentar a História
Econômica requer uma continuidade, não podendo ser feita a apresentação somente dos aspectos principais, o que não
caberia aos propósitos nem à extensão deste artigo, vale sintetizar o pensamento que conduz toda a obra. Segundo
Prado Jr., a economia brasileiro sempre esteve voltada ao estrangeiro, ao mercado exterior. Segundo o autor, são
freqüentes as políticas do Estado para que isso ocorresse.
Valendo-se da grafia do país com iniciais ora minúscula, ora maiúscula, o que aparece no próprio título do livro O
que faz o brasil, Brasil?, DaMatta vê o país de forma dual, apresentando o brasil (grafado com inicial minúscula) como
um produto de exploração e o Brasil como um povo, uma nação, um conjunto de valores de um povo. Desse modo, ver
o Brasil como brasil seria um erro, já que o brasil é um objeto sem vida, um pedaço de coisa que morre e não consegue
se reproduzir como sistema. Essa concepção errônea poderia nos levar a encarar o Brasil como um conjunto doentio de
uma mistura exuberante e de um clima tropical, acreditando que o brasileiro estaria fadado à degeneração e à morte
biológica, psicológica e social. Essa linha de raciocínio, de certo modo, vai de encontro ao que escreveu Holanda, uma
vez que a concepção dele de Brasil é a que DaMatta critica.
DaMatta aponta o Brasil como um país de cultura, local geográfico, fronteira e território reconhecido
internacionalmente, sendo, pois, bem mais complexo do que aparentemente possa parecer. Ele enxerga a sociedade
brasileira como singular, uma vez que tem padrões e valores próprios, mas não sendo algo inerte, sendo uma entidade
viva. O Brasil, enquanto traços culturais, está presente em cada um de seus habitantes e estes são deveras apegados aos
aspectos da sociedade brasileira, sendo difícil se desvencilharem desses valores. DaMatta se propõe com esse livro a
fazer uma análise não tão comportada da história social do país e a refletir sobre como o brasil e o Brasil se relacionam.
Continuando sua análise, ele afirma que o brasileiro consegue relativizar todos os valores e conjugar valores
antitéticos. Daí ele afirma que a existência de uma identidade social é importante e que o Brasil a tem, explicitando que
o brasileiro tem um jeito ímpar de ser. Essa identidade social é construída a partir de afirmações e negações a certas
questões, como as preferências gastronômicas, os hábitos perante a lei e o modelo dos relacionamentos entre as pessoas
5
Lançando mão da teoria dos quatro desejos fundamentais de W. I. Thomas, Holanda consegue sintetizar os espíritos de suas figuras
retóricas da seguinte maneira: ao aventureiro, ele associa os desejos de novas sensações e de consideração pública; ao trabalhador,
ele associa os desejos de segurança e de correspondência.
6
A priori, garantias jurídicas aos cidadãos seria um aspecto positivo. Entretanto, a justiça a que se faz referência se apóia sobre leis
individuais e não sobre leis gerais, sendo, portanto nociva à sociedade.
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de modo geral. Ela funciona como uma ideologia, uma cultura da sociedade e a própria sociedade nos dá a fórmula pela
qual são traçados esses perfis.
Além disso, DaMatta afirma que existem dois modos de se construir essa identidade nacional: através de critérios
objetivos, como dados estatísticos, e através de dados sensíveis e qualitativos. Contudo, ele explicita que para uma
compreensão desse “UM nacional”, como analisou Calligaris, é preciso haver uma conciliação desses dois lados da
“moeda Brasil”, digamos assim. Ele justifica que a conciliação é a melhor abordagem, porque a singularidade brasileira
é justamente a de possuir uma capacidade conciliadora e uma convivência harmônica com valores antagônicos.
Finda a justificativa do título do livro e a enumeração de bastantes características relativas à identidade nacional e a
singularidade do Brasil, DaMatta distingue a concepção brasileira sobre o mundo de casa e do mundo da rua. Ele
associa o espaço da casa com calma, tranqüilidade, lar e morada, enquanto que o da rua é associado com trabalho,
movimento, surpresa e tentação. Em casa, tipicamente somos membros de uma família e de um grupo fechado com
fronteiras bem definidas e valores que se apresentam como uma tradição familiar, que os incute honra e vergonha. Por
causa disso, a família se torna uma pessoa moral. No ambiente doméstico, somos únicos e insubstituíveis, temos um
lugar singular e aprendemos as primeiras dimensões sociais, como honra, vergonha e respeito. Na verdade essa
unicidade das casas é que as tornam lares, espaços inclusivos e exclusivos7. Isso faz com que tudo em nossa casa seja
bom, belo e decente. A rua, entretanto, personifica as características contrárias ao lar. Nela, somos membros
indiferenciados e ela se constitui como um lugar marginal onde se faz o que não se faz em casa. A rua é marcada pela
luta, pela competição e pelo anonimato de individualismos e individualidades. Além disso, é na rua que conhecemos a
crueldade e é lá que nossas vontades são contrariadas, pois nela ocorre o fluxo da vida, carregado de contradições,
durezas e surpresas. Até na maneira como são chamados os indivíduos é distinta nos dois ambientes: em casa, têm-se
pessoas e gente, na rua tem-se povo e massa8. Na rua, não há amor, respeito, consideração nem amizade, se constituindo
como um local perigoso, onde ninguém nos respeita como gente.
Pensando a respeito disso, vê-se mais uma vez um dualismo, pois a rua e a casa, ao mesmo tempo em que são
espaços opostos; o que é negado em casa tem-se na rua, como trabalho e sexo9 . Para demonstrar a força dessa
concepção de rua no imaginário do brasileiro, DaMatta apresenta diversas expressões com o complemento “da rua”,
dentre elas, “menino de rua” e “mulher da rua”, que têm sentido plenamente pejorativo. Toda essa perda da
individualidade na rua se dá pelo único fato de que lá o comando não é dado pelos valores morais do grupo familiar que
o tornam único, mas pela lei do governo, perante a qual todos são, teoricamente, iguais. O que ele conclui é que casa e
rua são mais que locais físicos, são espaços básicos por onde circulamos nossa sociabilidade.
Ainda sobre esse assunto, o autor mostra como o brasileiro tem uma abordagem negativa para trabalho. A própria
origem da palavra (que significa torturar com o tripaliu10) e gírias que o nomeiam, como “batente”, por exemplo,
atestam isso. Ele contrapõe o origem da palavra “trabalho”, em português, com a origem da palavra trabalho na língua
inglesa, “work”, que significa agir e fazer. Outro ponto interessante é a maneira como trata os heróis brasileiros, vistos
como figuras não dadas ao trabalho: o malandro (aquele que vive na rua sem trabalhar e ganha o máximo com o
mínimo esforço) , o santo (aquele que abandona o trabalho neste e deste mundo e vai trabalhar para o outro) e o caxias
(aquele que cumpre leis que devem obrigar os outros a trabalhar) . Isso é uma conseqüência direta do escravismo e da
relação patrão-empregado, que, até o final do século XIX e início do século XX, era econômica e moral11. Hoje ainda
misturamos relações econômicas com laços pessoais, como o já citado exemplo das empregadas domésticas.
Quanto à questão racial, DaMatta parte de uma citação de Antonil12 e analisa a questão racial no Brasil.
Primeiramente, ele expõe que as teorias racistas européias e norte-americanas eram contra, prioritariamente, à
miscigenação e não os negros e amarelos. De fato, essas duas raças eram subjugadas, mas menos que os miscigenados.
Acreditava-se que cada raça pura tinha suas características específicas e quando elas eram misturadas estragavam-se.
Várias teorias tentaram hierarquizar as raças, entre elas a do Conde Gobineau, que dividia a raça segundo três critérios
fundamentais: intelecto, propensões animais e manifestações morais. Ele foi o pai do valor mais caro do preconceito
racial: ser contra o contato íntimo inter-racial. Gobineau não estava sozinho, muitos teóricos se posicionaram contra o
mulatismo e o contato íntimo entre raças, chegando a prever o fim do Brasil por isso. Contudo, o que eles não viram é
que o mulato e o mestiço eram a síntese perfeita do melhor de cada raça. Antonil foi visionário, trata da questão
utilizando de um triângulo e contrapõe-se à famigerada dualidade que já apareceu várias vezes nas obras dos autores
estudados. Ele percebeu que era difícil aplicar esse caráter dual a nossa sociedade, pois associamos um valor positivo ao
intermediário.
7
Espaço inclusivo por causa de tudo que enumeramos anteriormente. Espaço exclusivo, porque não é fechado à família, permite a
presença de agregados.
8
O termo massa remete à exploração e a uma concepção negativa de trabalho e cidadania.
9 DaMatta concebe sexo como algo selvagem, não civilizado, enquadrando nele apenas a atividade sexual com mulheres da vida,
uma vez, que, como ele discorre adiante, a mulher da vida é a comida (que dá prazer de fato) e a esposa é o alimento (que supre as
necessidades básicas).
10 Canga usada para supliciar escravos.
11 Moral, porque o patrão, além da “relação trabalhista”, era responsável moral pelo escravo, sendo seu dono.
12 Segundo Antonil, “O Brasil é um inferno para os negros, um purgatório para os brancos e um paraíso para os mulatos”.
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Por isso, em nossa sociedade, o mulato se legitima por instituir o intermediário e ver a síntese de opostos como algo
positivo, ficando evidente o porquê de Antonil relacioná-lo ao paraíso . Assim, a mistura é positiva e isso impede que o
Brasil tenha uma classificação dialética de raças, como os EUA. De acordo com Oracy Nogueira, a própria maneira
como se dá o preconceito racial nos dois países é distinta: nos EUA, ele está ligado às ascendências da pessoa, enquanto
que no Brasil, ele está relacionado à cor da pele. Isso explica a dificuldade em combater o preconceito brasileiro. Desse
modo, o dualismo americano permite definir bem quem é branco e quem é negro. Aqui, contudo, isso não é possível e
há uma exclusão das categorias intermediárias que são absorvidas às duas categorias principais, mostrando que, ao
contrário do que apresenta Antonil, o mulato brasileiro está no inferno.
Comparando Estados Unidos e Brasil, DaMatta apresenta o histórico da sociedade americana e mostra como que,
numa sociedade igualitária, o preconceito aparece de maneira clara. Todavia, o Brasil não tem essa igualdade entre as
pessoas, o que leva ao preconceito velado, que discrimina pessoas não brancas. Daí, ele propõe como mito a formação
do país por três raças, afirmando que o Brasil foi feito por portugueses brancos e aristocráticos, formados sob um
quadro rígido de valores discriminatórios. Com isso, a mistura de raças seria uma maneira de esconder a profunda
injustiça social contra negros, índios e mulatos. Nossa sociedade é, por isso, bem hierarquizada, admitindo, entretanto,
indivíduos entre brancos e negros, que são classificados sob diversos critérios, como a cor da pele ou a quantidade de
dinheiro que possuem. Assim, o mito esconde uma sociedade que não se sabe hierarquizada e dividida entre múltiplas
possibilidades de classificação. Esse racismo à brasileira torna a injustiça algo tolerável e a diferença uma questão de
tempo e amor. Segundo DaMatta, esse é o segredo da fábula das três raças.
Outro ponto analisado por DaMatta é o código da comida no imaginário brasileiro. Ele usa uma paráfrase de
Claude Lévi-Strauss que exibe o cru e o cozido como modalidades pelas quais se pode falar de transformações sociais.
O cru estaria relacionado a um estado de selvageria e o cozido ao universo socialmente elaborado. Relacionando isso
com o modo de pensar do brasileiro, ele reflete sobre o dito popular “O apressado come cru” e mostra como esse ideal
dual de cru e cozido está incutido na mentalidade brasileira. Nesse caso, o dito relaciona a selvageria, representada pela
pressa, com o lado ruim das coisas da vida e a calma como um elemento de civilização (o calmo sempre come cozido).
Desse modo, a civilização se funda em saber esperar. Essas associações com o universo da comida permitem pensar o
mundo integrando o intelectual e o sensível e, a partir disso, o “encher a barriga” seria tudo que for capaz de satisfazer
plenamente uma pessoa. Indo além nas reflexões, o cru representaria tudo aquilo que está fora de casa e estaria
relacionado à competição, não harmonia, crueldade e dureza. O cozido, por sua vez, é mais do que um modo de
preparar uma comida, ele é um prato da culinária nacional. Por definição ele é social. A comida, na sociedade brasileira,
está relacionada a ocasiões e isso é tão intenso que o autor propõe um questionamento, a priori, sem resposta: a comida
celebra relações sociais ou as relações é que estiveram a serviço da mesa? Mais uma vez a questão do intermediário
pesa, pois o cru traz a idéia de coisas estanques e separadas, enquanto que o cozido permite a relação de mistura. A
comida, no Brasil, ajuda a estabelecer identidade e define grupos, classes ou pessoas. Nossa comida básica, o feijãocom-arroz é cozinhado e comido como um cozido (misturado), é semelhante, simbolicamente, ao mulato
(intermediário) e comendo isso, o brasileiro permite a mistura do preto com o branco.
A comida representa, portanto, um modo de se alimentar e o Brasil é povoado de metáforas com comida. Perceba,
porém, a diferença complexa entre comida e alimento, pois a sociedade brasileira se funda nisso, segundo DaMatta. O
alimento é algo isento de significado mais complexo, enquanto que a comida vale para indicar uma operação universal
(alimentar-se) e para definir e marcar identidades pessoais e grupais, estilos nacionais e regionais de ser, fazer, estar e
viver. Além disso, a comida define as pessoas e as relações que elas mantém entre si, permitindo para o brasileiro a
seguinte paródia “dize-me o que comes e dir-te-ei quem és.”
Expandindo as análises, DaMatta assemelha o ato sexual ao ato de ingerir alimentos e associa mulher à comida. A
mulher, da qual a família dispõe seus serviços domésticos, seus favores sexuais e sua capacidade reprodutiva, é uma
fonte de virtude, uma virgem, esposa e mãe. A priori, ela não é comida, sendo, antes disso, noiva e esposa. A mulher da
rua, por outro lado, é comida de todos, causa perturbação moral aos homens e, de acordo com a moral brasileira, devese fugir delas. Ele contrapõe a mulher da vida (da rua) com a mulher da morte (esposa), sendo a mulher da vida aquele
tipo de comida fácil e indigesta, mas que seriam deliciosas na ingestão escondida e apaixonada, enquanto a mulher da
morte seria aquela comida caseira, um alimento. A associação da mulher com a comida é tão forte no comportamento
da sociedade, que tipicamente o homem é associado ao mundo da rua e do trabalho e a mulher ao mundo da casa e da
cozinha. Nosso panteão mitológico é povoado de mulheres exímias cozinheiras, como Dona Flor, Gabriela e Xica da
Silva, que fazem os homens trocar a cabeça pelo estômago e pelo sexo. Assim, a mulher tem papel importante em dois
processos fundamentalmente coletivos: a sexualidade e o ato de comer.
Outra questão abordada por ele é a vida oscilante do brasileiro: entre trabalho e festa. Ele apresenta que nossa
biografia é composta por uma alternância de situações esquecidas com situações que guardamos como tesouros ou
cicatrizes. É uma junção do tempo vivido, que se vai e morre, e do tempo lembrado, formado de memórias e saudades.
A nossa memória social, por sua vez, também tem dois componentes: o rotineiro e habitual e as crises, acidentes, festas
e milagres. Ele afirma que o homem se constrói pela lembrança e pela saudade e se desconstrói pelo esquecimento e
pelo modo ativo como consegue deixar de lembrar. No Brasil, é óbvia a associação do rotineiro ao trabalho e do
extraordinário a eventos inventados por meio de artifícios e mecanismos, sendo que cada um permite esquecer o outro.
Assim, tanto a festa quanto a rotina são modos da sociedade exprimir-se.
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Na festa, o brasileiro come, ri e vive o mito da ausência de hierarquia, de poder, de dinheiro e de esforço físico. Ela
é constituída por um ambiente de harmonia, pavimentado com conversas amenas. É, de fato, um sinônimo de alegria. O
trabalho, por sua vez, é repetitivo e enfadonho, sendo um eufemismo para castigo, dureza e suor. Ele tem consigo a
idéia de construção do homem pelo homem. As rotinas produtivas que o permeiam são regidas pela racionalidade e pela
previsão, havendo um mínimo de interferência de fatores internos (controle das emoções dos trabalhadores) e externos
(tempo e espaço mapeados com precisão). No trabalho, deve-se haver um controle total, não pode haver surpresas,
acidentes nem coisa alguma extraordinária, exceto aumento de produção. Esses acidentes, quando ocorrem, são
medidos dentro da ideologia da segurança e do controle e são indicadores de que algo está indo mal. Os eventos
extraordinários, em contrapartida, servem como verdadeiras roupagens pelas quais a sociedade cria e recria sua
identidade social e suas tradições.
O maior de todos esses eventos é o Carnaval e merece uma análise específica. O Carnaval já começa excluindo
todos os elementos que nenhuma festa pode dispensar e que são importantes para seu desenrolar: elementos de ordem,
economia e política. De fato no Carnaval não se pode considerar isso, ele não pode ser sério, pois ele é o momento em
que a vida diária deixa de ser operativa. Certas ocasiões requerem determinados sentimentos para que possam ocorrer
como tais, assim no Carnaval não pode haver tristeza, como no funeral não pode haver alegria. Além disso, o Carnaval
é sinônimo de liberdade, porque representa uma possibilidade de viver a ausência fantasiosa e utópica de miséria,
trabalho, obrigação, pecado e deveres. Ele é o momento em que se deixa de viver a vida como fardo ou castigo e é uma
oportunidade de fazer tudo ao contrário, de viver o mundo como excesso de prazer, de riqueza, de alegria, de riso e de
prazer sensual. Mais que isso, ele é um universo social em que a regra é praticar todos os excessos, uma inversão do
mundo em todos os sentidos (por exemplo, troca-se o dia pela noite e o trabalho pelo uso do corpo como instrumento de
beleza e prazer).
Uma das análises mais importante de DaMatta nessa obra é o estudo do “jeitinho brasileiro”. Primeiramente, ele
distingue indivíduo e pessoa, sendo este o sujeito a leis universais que modernizam a sociedade e aquele o sujeito das
relações sociais, que conduz ao pólo tradicional do sistema. Intermediando os dois, existe a malandragem e o jeitinho
brasileiro. Ele cita que nos Estados Unidos, por exemplo, ou as regras são cumpridas ou não existem. Aqui, entretanto,
essa lei universal encontra-se pactuada com uma lei particular, que garante privilégios e faz com que não haja a
igualdade constitucional de todos perante a lei (universal). A lei universal, como também já tratada por Calligaris, surge
como uma violência e as restrições por ela impostas tiram os prazeres e desmancham todos os projetos e iniciativas. O
jeitinho é um intermediário entre o “pode” e o “não pode”, sendo um modo e um estilo de realizar. Ele cria uma relação
aceitável entre os indivíduos e a lei universal. Desse modo, a malandragem seria uma forma de navegação social
nacional e o malandro o profissional do jeitinho e da arte de sobreviver em situações difíceis.
Dado esse levantamento bibliográfico vasto, apenas uma parcela dele foi utilizada na análise das entrevistas, uma
vez que se priorizou as características mais abordadas pelos entrevistados. Basicamente, lançou-se mão de Holanda
(1984), DaMatta (1997) e Calligaris (1996), pois as três são obras cujo foco é mais prático e mais amplo, no sentido de
abordar vários aspectos da Cultura Brasileira, do que Prado Jr. (1945). As questões levantadas durante o corpus da
pesquisa foram, principalmente: a afeição do brasileiro ao trabalho, o uso do tempo livre no Brasil, a índole do
brasileiro, o jeitinho brasileiro, o Brasil como um estado burocrático, a grande desigualdade econômica brasileira, o
valor da criança e a questão da educação no Brasil, a eterna queixa do brasileiro com relação ao país.
3. Corpus da pesquisa: entrevistas
Foram coletadas dezesseis entrevistas junto a professores de Ensino Fundamental e Médio. Os professores eram das
áreas de Ciências Humanas e Sociais e Ciências Exatas e Naturais do Colégio Militar de Fortaleza e CASD
Vestibulares em São José dos Campos. Nove entrevistas foram coletadas oralmente, gravadas em áudio, e sete foram
coletadas por escrito. As entrevistas seguiram um roteiro com as perguntas, sendo que outras perguntas puderam ser
acrescidas conforme o andamento de cada entrevista, no caso das entrevistas orais. Elas foram bem ricas, uma vez que
tiveram diversos pontos de concordância com a pesquisa, sendo, portanto, bastante razoável crer nas características
apontadas pelos teóricos da área de Cultura Brasileira.
De um modo geral, o brasileiro é encarado pelos estudiosos como não sendo afeito ao trabalho, de acordo com as
obras. Holanda (1984) e DaMatta (1997) falam isso explicitamente, enquanto que Prado Jr. (1945). apenas insinua, já
que apresenta diversas crises financeiras do país causadas pela supervalorização da especulação financeira em
detrimento do trabalho. Contrariamente, contudo, as entrevistas indicaram que a concepção vigente é a de que o
brasileiro é um povo trabalhador, que vai a extremos e supera limites, visando a alcançar uma mínima condição de vida.
De certo modo, essa visão do trabalho como um sacrifício endossa o que diz DaMatta (1997), quando define o trabalho
como um eufemismo para castigo.
Analisando a questão do lazer, ou do uso do tempo livre, no Brasil, vimos em várias obras referências a isso, entre
elas: o querer gozar como razão de estar, apresentado por Calligaris (1996), a figura do aventureiro, apresentada por
Holanda (1984) e os eventos extraordinários planejados (as festas), apresentados por DaMatta (1997). Conclui-se, pelos
autores, em especial por DaMatta(1997), que o brasileiro é um povo que sabe se divertir,ou seja, que usufrui
plenamente das oportunidades de diversão, fazendo com que o ambiente da festa e o do trabalho sejam mutuamente
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exclusivos, ou seja, quando se está na festa, em nenhuma hipótese, se lembra do trabalho. Essa diversão ganha
proporções épicas no Carnaval, quando, como diz DaMatta (1997), a única regra é praticar todos os excessos. Com
relação a essa questão, os dizeres dos entrevistados foram bem concordantes. Houve um consenso de que o brasileiro é
um povo feliz e essa felicidade se manifesta de maneira ativa nas festas, que são eventos bastante constantes na vida do
brasileiro.
Passando agora à índole do brasileiro, foi visto que o brasileiro tipicamente tem uma boa índole, sendo considerado
por Holanda (1984) como um povo cordial. Entretanto vale lembrar também que essa cordialidade é considerada
epidérmica pelo autor, sendo apenas uma mímica da real polidez. Os entrevistados apresentaram a figura do brasileiro
como um indivíduo bom, hospitaleiro e solidário, não entrando no mérito de julgar a sinceridade dessas características.
Nesse ponto também, as entrevistas corroboram as análises desses autores
E o jeitinho brasileiro? Tanto DaMatta (1997), que trata explicitamente disso dessa questão, quanto Calligaris
(1996), que trata indiretemente, chamando de “malandragem”. O jeitinho é considerado a característica mais marcante
do brasileiro. A lei do governo (ou lei da rua, como diria DaMatta) torna todos os indivíduos, teoricamente, iguais
perante ela, o que torna os indivíduos membros indiferenciados. Além disso, a lei se mostra como uma violência contra
o sujeito, como mostra Calligaris, o que faz com que haja certa apatia ou não comoção quando a lei assim se mostra.
Buscando novamente ser um membro único, como em casa, e agir simbolicamente, por não ter encontrado laços reais, o
brasileiro “inventou” o jeitinho brasileiro, como uma lei pessoal que visa exclusivamente a dar vantagens a cada
indivíduo em separado. O discurso sobre o jeitinho brasileiro apareceu nas entrevistas e foi caracterizado como
negativo, sendo associado a ele a preguiça, a falta de ética e a falta de compromisso.
Holanda (1984) se refere ao Brasil como um estado burocrático, onde prevalece a especialização de funções,
visando a assegurar garantias jurídicas aos cidadãos. A justiça aqui referida é fundamentada em leis pessoais, sendo,
portanto, nociva à sociedade. Essa burocratização apareceu nas entrevistas como uma postura de delegar a outros o
poder de resolver os nossos problemas. A pior conseqüência disso, que também foi evidenciada nas entrevistas, é a
ausência de uma postura política ativa por parte dos brasileiros, pois os entrevistados acreditam que os políticos eleitos
é que devem se preocupar com a gestão da nação e a solução de seus problemas.
A questão da grande desigualdade econômico-social brasileira é abordada sob diversas óticas e como causa e
conseqüência de outras características. Nas entrevistas, o enfoque dado nas respostas foi o de que ela é causada
prioritariamente pela falta de ação política da população e pela cultura individualista, que permite aos governantes se
isentarem de satisfazer os interesses coletivos em detrimento da satisfação de interesses próprios. Além disso, é
apontada como conseqüência direta da desigualdade social a violência. Vive-se num sistema capitalista voraz no qual o
indivíduo vale pelo que tem (no caso do Brasil, conforme apresentado por Calligaris (1996), o brasileiro se vale por
consumir, contudo isso exige que se tenha dinheiro ou crédito) e no qual a elite econômica, que consiste numa minoria
de indivíduos, não tem compromisso com projetos de amplitude coletiva. Ora, aqueles que não têm condições também
querem consumir e daí vêem como um dos meios para isso a violência. Como Calligaris (1996) trata largamente dessa
questão, pode-se considerar os resultados das entrevistas concordantes com o que é apontado pelos autores estudados.
Refletindo sobre o valor da criança e o papel da educação na sociedade brasileira, Calligaris afirma que há uma
esperança na instância pedagógica, lembrando que o fantasma do colono é adquirir um nome, fica claro que ela é a
esperança do colono de que o ensino se constitua o nome que ele não encontrou no novo país. Nas entrevistas, foi
unânime a opinião de que a solução para o problema do país é melhoria nas condições da educação. Apesar de o
ambiente em que foram feitas as entrevistas parecer, de certa forma, “viciado”, pois foram realizadas em escolas,
consideramos que mesmo nesse quesito as respostas foram representativas e serviram para endossar o que foi analisado
por Calligaris (1996).
O consumismo também foi uma questão que veio à tona nas entrevistas. Calligaris trata com bastante propriedade
dessa questão e conclui aquilo que já foi dito há pouco: o brasileiro se vale por consumir. Alguns entrevistados
apontaram esse consumismo desmedido como uma conseqüência da falta de educação de qualidade, chegando a apontar
como exemplo, embora em apenas algumas entrevistas, famílias muito pobres que nem sequer têm água potável para
ingerir, porém possuem um televisor.
Por último, uma máxima que esteve implícita nas entrevistas foi o queixume do brasileiro com relação a seu
próprio país. Todos os entrevistados em algum momento se puseram a condenar aspectos do país, como a política e
hábitos da própria sociedade, e muitas vezes a questão não estava bem formulada em suas mentes. Foi possível
perceber, contudo, que como as entrevistas foram gravadas, as respostas vieram em fluxo de consciência, não
permitindo profundas ponderações a respeito do que diziam, o que provavelmente garantiu um máximo de sinceridade.
4. Conclusão
As entrevistas concordaram em grande parte com as reflexões dos autores e as características por eles apontadas.
Algumas apareceram naturalmente na fala dos professores, os quais se disseram leigos no assunto Cultura Brasileira.
Isso somente atesta como os aspectos culturais de uma sociedade constituem as subjetividades de seus membros,
conforme garantem Calligaris e DaMatta, por exemplo.
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Das características apontadas pelos entrevistados, as identificadas e analisadas por Calligaris e DaMatta foram as
que mais se fizeram presentes, seguidas pelas apontadas por Holanda. Das quatro obras estudadas, a de Prado Jr foi a
mais “técnica”, digamos assim. Curiosamente, nas entrevistas, foram poucas as características identificadas e analisadas
por Prado Jr.
As quatro obras estudadas, em conjunto, se complementam, no sentido de dar uma visão mais completa da
constituição psíquica dos brasileiros e das maneiras como nos relacionamos socialmente, bem como da formação
histórico-econômica do país, o que permite um melhor entendimento da organização sócio-político-econômica do
Brasil de ontem e de hoje.
5. Agradecimentos
Ao CNPq, pela concessão de bolsa de Iniciação Científica pelo programa PIBIC.
À professora Claudete Moreno Ghiraldelo, pela orientação, pela preocupação com a realização do projeto e com o
orientado.
Ao ITA pela oportunidade de iniciação.
6. Referências Bibliográficas
CALLIGARIS, Contardo. Hello Brasil! Notas de um psicanalista europeu viajando ao Brasil. São Paulo: Escuta, 1996.
__________. Terra de Ninguém. São Paulo: Publifolha, 2004.
DaMATTA, Roberto. O que faz do brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.
PRADO Jr., Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1945
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aspectos da cultura brasileira na percepção de professores do