1 ENADE e SARESP: dois lados de uma mesma moeda Joelma dos Santos Mestrado em Educação – PPGE/UFSCar [email protected] Profª. Drª. Andréia C. Malheiros Santana Pós-doutoranda em Educação – PPGE/UFSCar [email protected] Prof. Dr. José Carlos Rothen Professor do Departamento de Educação da UFSCar [email protected] Eixo 3: Avaliação na expansão da educação superior. Este trabalho tem como principal objetivo estabelecer relações entre o ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) e o SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar no Estado de São Paulo), pois ambos apresentam algumas semelhanças, como um papel regulador e centralizador, marcado pela competição e pelo ranqueamento das instituições de ensino. Para contextualizar este cenário, efetuou-se um recorte na produção científica gerada por pesquisadores concernente ao assunto políticas públicas de avaliação da educação básica e superior. E com base nesse recorte se fez um levantamento documental e bibliográfico buscando compreender as semelhanças entre as avaliações em larga escala realizadas na educação básica e no ensino superior. Deste modo, foi possível concluir que a avaliação utilizada nos dois níveis de ensino é reflexo de uma mesma política educacional marcada pela ideologia neoliberal e pela reestruturação do Estado, agora denominado Estado Avaliativo. Palavras chaves: Estado Avaliador, ranqueamento e competição. I- Introdução Nos dias atuais, a avaliação se tornou comum no meio educacional, por isso é impossível refletir sobre os sistemas de ensino (fundamental, médio e superior) sem pensar no impacto que esta apresenta. A avaliação está presente, tanto na sua forma externa como interna, e é utilizada por docentes, coordenadores, diretores, inspetores, secretários da educação, enfim, por diferentes profissionais, em diferentes níveis hierárquicos, e com objetivos diversos em cada um deles. 2 A avaliação que trataremos neste trabalho é aquela que se apresenta como uma política pública, segundo Werle (2010), Avaliação externa pode designar avaliação de uma instituição, realizada por um profissional ou firma especializada neste tipo de consultoria, abrangendo todo o escopo ou apenas parte das ações institucionais. Avaliação de larga escala é um procedimento amplo e extensivo, envolvendo diferentes modalidades de avaliação, realizado por agências reconhecidas pela especialização técnica em testes e medidas, abrangendo um sistema de ensino, ou seja, todas as escolas de um determinado nível ou série deste sistema, mesmo que utilizando procedimentos amostrais, na maior parte das vezes voltada predominantemente para o foco da aprendizagem dos alunos e com a finalidade de obter resultados generalizáveis ao sistema. (WERLE, 2010, p.22) A avaliação externa, realizada pelo Estado Avaliador1, tem sua base no controle e na comparação, ela é composta por testes construídos por agências especializadas e, que, muitas vezes, norteiam decisões políticas, interferindo no que é ensinado e na maneira como este ensino é feito, como exemplo desta política de controle selecionamos duas avaliações externas muito conhecidas: o Exame Nacional de Desempenho Acadêmico (ENADE), que avalia o ensino superior, e o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar de São Paulo (SARESP), responsável por avaliar o ensino fundamental e médio do Estado de São Paulo. A partir destes exemplos procuraremos estabelecer e analisar as relações entre estas duas avaliações em larga escala enquanto políticas públicas capazes de nortear os sistemas de ensino que representam. Na busca de estabelecer a relação entre estas duas avaliações, este artigo se inicia com um recorte na literatura científica sobre a temática que envolve a avaliação educacional, a fim de mapear o contexto histórico que marcou e fundamentou as políticas públicas para implantação da avaliação nos sistemas de ensino e a constituição do Estado Avaliador. Em seguida, foi feita uma análise do surgimento do SARESP e do ENADE, enfatizando como estas avaliações em larga escala assumiram um papel regulador e centralizador justificado pelo discurso da qualidade de ensino. II- O surgimento das Avaliações em Larga Escala: algumas reflexões sobre o contexto histórico 1 O termo “Estado Avaliador” foi cunhado por Guy Neave (1988) e bastante difundido por autores como Freitas (2007), Sousa e Oliveira (2010) e Afonso (2009, 2007), que podem ser consultados para maiores informações. 3 Nenhuma política pública de Estado é desconexa do contexto social, econômico e político, ela está arraigada a todos estes cenários, sem pretender esgotar este tema, faremos uma breve reflexão sobre a situação presente no Brasil na década de 80, que favoreceu o surgimento do Estado Avaliador e toda a legislação que permitiu o surgimento dos sistemas de avaliação. Há ações políticas que influenciam e impactam a partir do momento que são constituídas, já outras, manifestam-se após anos. Isto caracteriza o Estado, que ao longo do tempo, adquiriu a forma de Estado Avaliador. Para Peroni (2009), o sistema capitalista viveu um período de crise e para superá-la optou pela redefinição do papel do Estado que passou a diminuir os investimentos nas áreas sociais, incentivou as parcerias e passou a desempenhar o papel do “Estado Avaliador” (SOUSA e OLIVEIRA, 2003). Dentro deste contexto, a avaliação externa passou a ter um papel fundamental, pois assumiu o dever de controlar a qualidade do serviço prestado. O “Estado Avaliador” assumiu o papel de coordenação e controle dos resultados tendo como parâmetro o mercado, por isso os conteúdos das avaliações são decididos externamente e apresentam como eixo norteador as competências e habilidades exigidas pela reestruturação produtiva e pelo mercado de trabalho(PERONI, 2009). A partir da década de 1980, o Estado direcionou ações para a avaliação, isto ocorreu principalmente nos governos neoliberais2. O neoliberalismo precisava de um novo estado, não mais intitulado do Bem–Estar, mas um Estado Avaliador, o “estado deixou de ser o provedor de benefícios e serviços que a sociedade utiliza para superar seus problemas e passou a exercer severo controle e forte fiscalização”. (DIAS SOBRINHO, 2002, p.28). A avaliação e tornou uma forma de controle dos serviços educacionais, no qual o produto educacional é mais valorizado do que o processo, esta situação gerou a competição entre as instituições escolares e impactou a gestão, dinamizando o mercado educacional, por isso, as políticas educacionais atuais devem ser entendidas tendo como pano de fundo a reestruturação do Estado. Zandavalli (2009) acrescenta que o sistema educacional brasileiro recebeu investimento de organismos internacionais, e, estes influenciaram ideologicamente as políticas públicas educacionais. Um exemplo disto foi o Relatório Atcon que apresentava no final da década de 1960 alguns princípios básicos, a saber: a universidade deveria gerar lucro a custo baixo, além do desenvolvimento 2 Para maiores informações sobre o modelo de administração neoliberal, ver Azevedo (2004). 4 socioeconômico, maior desempenho dos professores, independência financeira e privatização da gestão universitária entre outras recomendações. Na ocasião o relatório do plano Atcon (década de 1960) o Estado ainda não se configurava como um Estado Avaliador, por não individualizar a avaliação das Instituições. No entanto, apresentava inúmeros relatórios direcionados para a melhoria do ensino, mas que, em sua essência previa o fim da gratuidade do ensino superior; o fim da universidade; a gestão empresarial; a prática educacional para atender ao sistema capitalista e o ensino médio voltado para o mercado, se tornando responsável pela formação técnica da mão de obra. Assim, se propunha a lógica mercadológica no sistema de ensino brasileiro que deveria gerar lucro, eficiência e eficácia gerencial. No ano de 1983, é instituído pelo Ministério da Educação o Programa de Avaliação de Reforma Universitária (PARU) que surgiu a partir da iniciativa da Associação Nacional de Docentes (ANDIES). No ano seguinte, terminou o governo militar e com isto, a sociedade civil ficou ansiosa para a redemocratização do país. As discussões presentes no PARU eram a respeito da gestão universitária; da produção e disseminação do conhecimento e suas estratégias de aperfeiçoamento (BARREYRO; ROTHEN, 2008). Nevo (1984) acrescenta que neste mesmo período histórico nos Estados Unidos e em Israel era comum a utilização da avaliação escolar com a finalidade de acompanhar o desenvolvimento da aprendizagem e o rendimento dos alunos, tendência que logo foi seguida no Brasil. A partir desta década a avaliação passa a fazer parte dos programas de governo, e, assim se tornou uma política de Estado, de um Estado Avaliador. A fim de viabilizar o processo de avaliação do ensino superior, Em 1985, o presidente José Sarney criou a Comissão dos Notáveis com a finalidade de fornecer informações para a reformulação do ensino superior. Em continuidade do trabalho da comissão anterior instituiu-se o Grupo Executivo para a Reformulação do Ensino Superior (GERES) com o desígnio de analisar o relatório emitido pela Comissão dos Notáveis e propor uma legislação, a proposta da comissão foi rejeitada pela comunidade acadêmica e pelo clima político da época não foi levada a diante a proposta legislativa do Geres. Em 1993, foi criado o Programa de Avaliação das Universidades Brasileiras (PAIUB) por meio das reivindicações de entidades ligadas às universidades. A finalidade desta avaliação institucional era desempenhar um papel de articulação, de 5 viabilização e de financiamento do processo avaliativo. Desta forma, a avaliação assumiria uma perspectiva formativa e não regulatória e mercadológica, como viam apontando os relatórios anteriores. Com a posse de Fernando Henrique Cardoso (FHC) na presidência e a implantação da Reforma conduziram ao afastamento do grupo de gestores do PAIUB, além de diminuir os investimentos do MEC. Em contra posição, governo FHC implantou o Exame Nacional de Curso (ENC), popularmente conhecido como Provão, para avaliar a qualidade dos cursos de graduação. Zandavalli (2009) afirma que tais medidas do governo geraram um “sentimento de perda e a vontade de recuperar as práticas democráticas desenvolvidas pelo PAIUB são manifestados em inúmeros estudos comparativos entre o Provão e o PAIUB”(ZANDAVALLI, p.425). Ocorriam, concomitantemente, os dois processos avaliativos, no entanto, aos poucos, o PAIUB era depreciado por meio das articulações políticas; os recursos destinados foram aos poucos sendo minimizados e transferidos ao ENC, além da mídia enaltecer a aplicação do ENC e os resultados dos cursos. Assim relata Zandavalli (2009, p.428): O Provão recebeu inúmeras críticas de vários setores da sociedade, especialmente das IES públicas e das associações de classe vinculadas à educação. O uso sensacionalista dos resultados, publicados na mídia, piorou ainda mais a imagem do Provão. Além da crítica realizada pela comunidade acadêmica, muitos estudantes, a maioria de instituições públicas, boicotaram o Provão, compareciam, mas apenas assinavam a lista de presença e não faziam a prova. Diante de todo o contexto de crítica do movimento estudantil e de adesão da sociedade a respeito das políticas avaliativas, o congresso aprovou em 1996 a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD), que assumia princípios neoliberais. Nesta LDB, está exposto que é incumbência do Estado assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior. Esta Lei provocou ações de governantes para se adequar com a nova diretriz da educação nacional, destaque para o governador Mário Covas que criou em 1996, pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, o SARESP com o objetivo de produzir informações periódicas e comparáveis sobre as escolas da rede pública paulista, para 6 que a partir dos resultados encontrados novas ações fossem desenvolvidas para melhorar a educação pública. O Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar de São Paulo (SARESP) é uma avaliação externa em larga escala que acontece anualmente e atinge o ensino fundamental e médio. Atualmente, o SARESP apresenta a mesma metodologia do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), sendo possível afirmar que há uma métrica semelhante nas duas avaliações, uma vez que ambas passaram a utilizar a teoria de resposta ao item e a mesma escala de proficiência. No que refere ao ensino superior, desde a década de 1980 havia reivindicações da comunidade acadêmica na instituição de um processo avaliativo que possibilitasse a autonomia e a emancipação da Instituição de Ensino Superior (IES). Foram inúmeros embates e impasses políticos, até que em 2003 já no governo de Luiz Inácio Lula da Silva editou-se a Medida Provisória nº147, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação e Progresso do Ensino Superior, com a finalidade de avaliar a capacidade institucional do ensino e da produção do conhecimento nas IES públicas e privadas. No ano seguinte, promulgou-se a Lei nº10. 861, do SINAES, com o objetivo de assegurar o processo nacional de avaliação das IES, avaliação de curso e ENADE de acordo com a LDB de 1996. III- O SARESP A avaliação externa realizada na educação básica do Estado de São Paulo, feita pelo SARESP, está diretamente relacionada às habilidades e competências do currículo oficial cuja implantação ocorreu em 2007, por isso é possível afirmar que esta prova avalia, sobretudo, se o currículo estadual foi seguido, “cabe à Secretaria tornar mais clara a vinculação do SARESP ao currículo” (SÃO PAULO, 2009, p.03), por isso é possível afirmar que o SARESP exerce uma espécie de controle sobre o que é ensinado, pois “cobra” aquilo que foi previamente estipulado pelo currículo. Além, das disciplinas bases (português e matemática), há a escolha por uma ou duas disciplinas a serem avaliadas no SARESP, estas disciplinas complementares não são avaliadas regularmente, por isso as notas obtidas nestas avaliações não são comparáveis anualmente. A metodologia do SARESP, desde 1997, consiste na aplicação da teoria da 7 resposta ao item3 “para fins de calibração (determinação dos parâmetros do item), “equating” (equalização de formas diversas dos instrumentos)” (VIANNA, 2002, p.70), através desta metodologia é possível fazer uma comparação entre os resultados obtidos anualmente e a construção de escalas. Ele, também, faz uso de outras metodologias, como a do modelo hierárquico linear, com a intenção de investigar as habilidades e as variáveis do aluno, da escola e da Diretoria de Ensino levantadas nos questionários. Além do SARESP permitir a participação de escolas municipais e particulares, ele é uma avaliação censitária, a sua aplicação é anual e contempla as mesmas séries/anos do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), acrescentando o 2º. e o 7º. ano do ensino fundamental, entretanto o rendimento de tais séries não são utilizados para compor o IDESP (Índice do Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo). A partir de 2007, o SARESP sofreu algumas alterações com o intuito de aproximá-lo da metodologia do SAEB para que assim pudesse haver uma métrica semelhante nas duas avaliações, uma vez que ambas passaram a utilizar a mesma escala de proficiência. Com estas mudanças acredita-se que o SARESP tenha respondido a pergunta “o que avaliar?”, pois será avaliado aquilo que o aluno deveria ter aprendido, que é o que está estipulado no currículo do Estado, desta forma fica evidente a ligação entre currículo e avaliação. A justificativa para um currículo único foi atrelada à crescente preocupação com a avaliação. Uma clara definição das expectativas de aprendizagem a serem obtidas é fundamental para a operacionalização do currículo e da avaliação. De um lado, ela orienta a organização dos projetos pedagógicos em cada escola e dá clareza à sociedade sobre o compromisso para com o desenvolvimento das crianças e dos jovens. De outro, permite que os professores compreendam a vinculação entre as expectativas de aprendizagem do currículo e as habilidades expressas na matriz de referência da avaliação. (SÃO PAULO, 2009, p.08). O currículo das séries iniciais do ensino fundamental foi estruturado a partir do projeto “Ler e Escrever”, cujo objetivo é alfabetizar as crianças deste ciclo. Atualmente, paralelamente a este projeto há outro intitulado EMAI (Educação Matemática nos Anos 3 Não é o objetivo deste artigo discorrer sobre a teoria de resposta ao item (TRI), mas para saber mais sobre o assunto é possível consultar: ANDRADE,D.F., TAVARES,H.R., VALE,R.C.. Teoria de Resposta ao Item: Conceitos e Aplicações. Disponível em: http://www.avaliaeducacional.com.br/referencias/arquivos/livrotri%20-%20dalton.pdf . Acesso em: 01/02/2013 8 Iniciais), cuja preocupação está em desenvolver o raciocínio matemático das crianças deste nível de escolaridade. O currículo do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio foi reestruturado a partir de 2007, tendo como eixo norteador cinco princípios básicos: currículo é cultura, currículo e competências, privilégio para a competência leitora e escritora; o currículo como forma de articular as diferentes competências e currículo contextualizado no mundo do trabalho. A partir destas orientações, foi elaborada a proposta curricular para cada disciplina, que em 2009, se transformou em currículo. As matrizes de referência para a construção do SARESP foram construídas a partir da proposta curricular do estado, atualmente designada de “currículo”, e contou com a “participação” de diversos setores da educação. A primeira versão dessas Matrizes foi apresentada aos autores da Proposta Curricular para a realização da primeira leitura crítica. A seguir, especialistas da CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da SEE/SP realizaram nova leitura crítica e fizeram sugestões que impuseram inúmeros ajustes, após o que as Matrizes foram discutidas em reuniões técnicas, em formato de oficinas, com professores coordenadores das Oficinas Pedagógicas das áreas envolvidas na avaliação, representando todas as Diretorias Regionais, convocados oficialmente. (SÃO PAULO, 2009, p.10). Em todo documento oficial que explica a constituição das matrizes de referência para o SARESP fica claro a sua articulação com o currículo do Estado, por isso é possível afirmar que a avaliação é uma forma de controle sobre o que está sendo ensinado. Um passo importante na construção deste “novo SARESP” atrelado ao currículo foi a construção das matrizes de referência, pois é a partir delas que as questões são formuladas e a aprendizagem é verificada. Por um lado, numa avaliação em larga escala como é o Saresp, em que se avalia a evolução da qualidade do sistema público de ensino de São Paulo, com a indicação das competências e habilidades básicas a serem desenvolvidas pelos alunos, em cada etapa da escolarização, a todos os atores internos do sistema de ensino e a toda a comunidade externa, reafirma-se o compromisso da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo de monitorar o desenvolvimento do plano de metas vinculado à melhoria da qualidade da educação de maneira clara e objetiva, de tal forma a promover os ajustes necessários para que os alunos tenham acesso à construção dos conhecimentos a que têm direito. (SÃO PAULO, 2009, p.11). Conforme declarado o objetivo da avaliação em larga escala intitulada “SARESP” é monitorar o que está sendo ensinado na rede pública de ensino e desta 9 maneira avaliar a qualidade da educação, para que essa qualidade seja alcançada esperase que o currículo seja trabalhado em todas as escolas e efetivamente aprendido pelos estudantes. A partir de 2008, a avaliação na área de matemática começou a contar com algumas questões cujas respostas devem ser elaboradas pelos alunos, para que se possa perceber a construção do seu raciocínio lógico matemático, o que não poderia ser percebido através de testes de múltipla escolha. Além da avaliação propriamente dita, os estudantes, os pais e os demais profissionais da escola respondem a um questionário sobre a situação de ensino de cada unidade escolar, embora estes resultados não sejam divulgados, eles são utilizados para guiar mudanças nas políticas educacionais do estado. Desta forma, o SARESP tem a pretensão de avaliar a qualidade do ensino e depois guiar ações a fim de alcançá-la, neste sentido é importante pensar o quanto o currículo direciona esta prova, pois a sua matriz está baseada nas competências e habilidades oriundas da proposta curricular. Segundo as informações oficiais, o SARESP tem como finalidade produzir informações consistentes, periódicas e comparáveis sobre a situação das escolas públicas, com o objetivo de orientar os gestores do ensino básico no monitoramento das políticas voltadas para a melhoria da qualidade educacional. Os resultados são utilizados para guiar as políticas públicas na área da educação e o plano de metas das escolas. Para Sousa e Oliveira (2010), o SARESP apresenta diversos problemas, como a utilização dos seus resultados para justificar salários, bônus e recursos utilizados, a demora em se divulgar os resultados, o ranqueamento das escolas e a utilização dos resultados para fins eleitorais. Stecher (2002) afirma que outro efeito nefasto das avaliações em larga escala, como o SARESP, é o estreitamento do currículo, que ocasiona a exclusão de alguns conteúdos que não são cobrados nos testes, ou a diminuição da carga horária de uma determinada disciplina, pois ficou evidente que o SARESP está atrelado ao currículo do Estado, o que não for contemplado neste currículo, não será cobrado na avaliação externa, portanto não precisa ser trabalhado. Those effects will be negative when they focus on specific features of test content or format that are not broadly reflective of the domain. For example, reallocation of classroom time to emphasize topics covered by the test can be beneficial if the coverage that was reduced or eliminated is on topics that are 10 clearly less important than those given added emphasis. 4(STECHER, 2002, p.89). Para Stecher (2002), os testes fazem com que os professores foquem mais uma área do que a outra, o que ocasiona a exclusão ou redução de matérias que não fazem parte do programa das avaliações externas, acontece o mesmo com as disciplinas que integram o SARESP bienalmente, pois elas não compõem a nota da escola, portanto não interferem no bônus do professor, e por isso, muitas vezes são secundarizadas. Stecher (2002) ainda ressalta outras técnicas comumente utilizadas para aumentar a pontuação nas avaliações externas e que não refletem um aumento na qualidade de ensino, como o treinamento para responder aos testes, enfocando o seu formato, e a exclusão dos alunos com maiores dificuldades, incentivando a sua falta no dia das avaliações, por isso a ideia de usar uma avaliação externa como indicativo de qualidade é falha, pois é possível que a nota seja aumentada, sem que a aprendizagem tenha ocorrido. O SARESP, ou qualquer outra avaliação externa, só adquire sentido quando serve de base para intervenções e transformações que visem o aumento da qualidade da aprendizagem dos estudantes. Partimos do pressuposto, que não basta apenas constatar um mal resultado, é preciso discuti-lo, entendê-lo e fomentar ações para modificá-lo, por isso é preciso criar momentos para se discutir estes resultados na escola e aumentar os investimentos na área da educação. IV-O ENADE O ENADE é um dos eixos avaliativos que compõe o SINAES e tem a finalidade de aferir o desempenho do estudante do curso de graduação de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). Sua aplicação ocorre no primeiro e no último ano do curso, por sorteio de uma quantidade amostral, para os alunos dos primeiros anos que tenham concluído de 7% a 22% da carga horária mínima do curso e, para os concluintes, a carga horária mínima é de 80%. A prova é a mesma para os ingressantes e 4 Tradução Livre: Esses efeitosserão negativosquando eles focam emaspectosespecíficos do conteúdodo teste ou do seu formato que nãosão amplamentereflexo dodomínio.Por exemplo, a realocação do tempo de aulapara enfatizartemas doteste podeser benéfico seo assunto quefoireduzido ou eliminadoésobre temas que sãoclaramente menosimportantes do que aquelesque ganharam ênfase. 11 concluintes, sendo que o resultado é expresso numa escala de cinco níveis que integram as dimensões avaliativas do SINAES. É de responsabilidade do coordenador de curso a inscrição do aluno habilitado para o exame. O ENADE torna-se componente curricular obrigatório para aqueles que foram sorteados, de modo que constará no histórico a situação de regular ou de irregular. Mas, caso haja algum aluno interessado em realizar o exame, mesmo que não tenha sido convocado, ele pode se inscrever junto à coordenação de curso, desde que atenda aos requisitos necessários para a realização da prova. A prova é composta pelo questionário socioeconômico, que compõe o perfil do estudante, e pelo questionário dos coordenadores de curso, para configurar o perfil do curso ofertado. O conteúdo da prova é concernente às DCNs do curso, que visa ao desenvolvimento de competência e de habilidade necessárias à formação geral e profissional. A Lei do SINAES informa que aqueles que obtiverem melhor desempenho no exame poderão receber bolsa de estudos ou auxílio específico para continuarem os estudos em nível de graduação ou pós-graduação. A proposta inicial do ENADE era de acompanhar o rendimento aluno de curso de graduação, deste modo, romperia com o ranqueamento e a perspectiva da avaliação classificatória utilizada pelo ENC. Buscava-se, a princípio, conhecer como estava sendo ofertado o ensino de graduação nas IES públicas e privadas, assim, o Estado Avaliador poderia intervir regulando e controlando a qualidade do ensino ofertado. No entanto, em 2008, esta perspectiva foi modificada, pois foi implantado o Índice Geral de Curso (IGC) pela Portaria nº 12, de 05 de setembro. O IGC apresenta a informação do censo, do cadastro, e da avaliação. De modo que para a formulação do resultado do IGC é coletado a média ponderada do Conceito Preliminar de Curso (CPC) e as notas dos programas de pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES). O CPC é a forma que o Estado Avaliador utiliza para a renovação do reconhecimento dos cursos do ensino superior, de acordo com o ciclo avaliativo do SINAES. Desde 2008, graças à Portaria nº 04, de 05 de agosto de 2008, os cursos que tiveram conceito satisfatório foram dispensados da avaliação in loco e tiveram sua renovação. Já os cursos com conceito insatisfatório, nota menor que três, começaram a receber a avaliação in loco para averiguar as condições de ensino, e verificar se é possível a renovação. Pode-se observar que os resultados do IGC geram ranqueamento entre as IES, assim Barreyro (2008, p.863) esclarece: 12 Isso porque o IGC não surge somente como um índice destinado a resolver os problemas operacionais de avaliar os 22.000 cursos de graduação do país; se assim fosse, não teria tido a ampla repercussão na mídia que teve. Ele veio também, ou principalmente, para possibilitar rankings de Instituições de Educação Superior (IES), apesar de baseado em alguns dados de alguns cursos avaliados de algumas IES... É interessante a explanação da autora supracitada, pois, de fato, o IGC faz uso dos dados de algumas IES e não de forma global, como foi proposto inicialmente, na Lei do SINAES. Barreyro (2008) ainda acrescenta que os resultados dos índices não são desinteressados, pelo contrário, há um porquê e para quê da divulgação do resultado nos meios de comunicação em massa. Em decorrência, Barreyro analisa as políticas públicas desde o PARU; GERES; PAIUB e ENC, sendo que este último tem semelhança ao que está ocorrendo em dias atuais com a publicação na mídia de resultado IGC. E como isto, conduz ao ranqueamento mercadológico da educação, pois as IES que tiveram os melhores conceitos serão destaque. A utilização da mídia para estimular a competição entre as diferentes instituições ocorre tanto no ensino superior como na educação básica, é como se a lógica do estado Avaliativo se apoiasse na competição. V- Considerações finais Pôde-se perceber como fruto das políticas públicas para educação brasileira no período da Ditadura Militar, especificamente com a implantação do Plano Atcon, a incorporação das ideias de mercado na educação brasileira. A partir da década de 1980, a avaliação, aos poucos, foi instituída com a finalidade de controlar e regular a educação para alcançar a qualidade do ensino, que está arraigada na perspectiva mercadológica. As avaliações em larga escala do SARESP e do ENADE proporcionam o ranqueamento e a competição entre as instituições escolares, pois, àquelas que obtiverem os melhores resultados terão mais investimento público, mesmo que em forma de bônus, além do reconhecimento externo. Ambas as avaliações são frutos da adaptação LDB de 1996 que instituiu a obrigatoriedade da avaliação nos sistemas de ensino. No discurso do Estado Avaliador, as avaliações em larga escala apresentam a finalidade de promover e desenvolver a qualidade do ensino ofertado. No entanto, as 13 instituições escolares seguem o currículo mínimo pré-determinado, este currículo serve de referência para a realização destas provas, o que significa que o seu domínio implica numa melhor nota da instituição, o que reforça o grau centralizador da avaliação enquanto política pública. As habilidades e as competências do currículo são uma forma de treinar o aluno para que ele possa atender aos requisitos mínimos, entendendo por requisitos mínimos o que o mercado de trabalho exige. Desta forma, a avaliação serve ao Estado Avaliador como uma forma de controle do que está sendo trabalhado na educação básica e superior, cujo objetivo seria principalmente atender aos requisitos da mão de obra do mercado capitalista, integrando assim o cidadão ao mercado de trabalho e de consumo próprio desta sociedade. Valores como individualismo, competição, exclusão foram incorporados gradativamente e se tornaram comuns neste contexto. Independente do nível de ensino, a moeda é a mesma, pois a lógica neoliberal comanda a avaliação na educação básica e no ensino superior, gerando as mesmas consequências em graus diferentes. VI -Referências bibliográficas AFONSO, A. J. Estado, Políticas Educacionais e Obsessão Avaliativa. Contrapontos. Itajaí, v. 7, n. 1, p. 11-22, Itajaí, jan. abr. 2007. AFONSO, A. J. Reforma do Estado e Políticas Educacionais: Entre a Crise do EstadoNação e a Emergência da Regulação Supranacional. Educação & Sociedade. Campinas, ano XXII, n. 75, ago. 2001. AZEVEDO, J. M.L. A educação como política pública. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. 75 p. BARREYRO, G. B. De exames, rankings e mídia. Avaliação da Educação Superior, Campinas, v. 13, n. 3, p. 863-868, nov. 2008. BARREYRO, G. B.; ROTHEN, J. C. Para uma história da avaliação educação superior brasileira: análise dos documentos dos PARU, CNRES, GERES e PAIUB. 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