A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS À
LUZ DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA A FISCALIZAÇÃO DO
TRABALHO.
Palavras-chave: Terceirização. Fiscalização das normas trabalhistas. Competência
material exclusiva da União. Responsabilidade por omissão. Direito do Trabalho.
INTRODUÇÃO.
O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a responsabilidade
subsidiária da Administração Pública prevista na Súmula nº 331 do Tribunal Superior
do Trabalho, na medida em que questiona os alicerces jurídicos que impõe aos entes
federados, sem distinção, a fiscalização das obrigações trabalhistas.
Observa-se que o arcabouço de normas constitucionais não permite aos
Estados, Distrito Federal e Municípios o exercício da fiscalização das obrigações
trabalhistas, em face da atribuição exclusiva da União para a fiscalização das relações
do trabalho.
A contradição existente entre o suposto poder de fiscalização dos
Estados, Municípios e Distrito Federal e o leque restrito de documentos que podem ser
exigidos com fulcro na Lei 8.666/93, demonstra que atualmente, observando o atual
ordenamento jurídico,
obrigações trabalhistas.
não é possível uma fiscalização plena do cumprimento das
A ausência de permissivo expresso impede a Administração Pública
Estadual, Municipal e Estadual de exercer a almejada fiscalização prevista na Súmula
nº331 do Tribunal Superior do Trabalho, redundando na inevitável condenação destes
entes federados.
Ainda que se admita o poder de fiscalização dos Estados e Municípios, é
necessária a definição da extensão e dos limites da fiscalização, para saber onde inicia e
termina a culpa do ente público.
A Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho merece revisão,
também, no que tange a amplitude da condenação subsidiária, ante a constatação de que
as verbas compõe a condenação judicial tem natureza e origem diversas e não são todas
que originam da culpa in vigilando.
1. A SÚMULA 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO APÓS O
PROVIMENTO DA ADC Nº 16 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Em 31 de maio de 2011, por meio da Resolução nº 174/2011, o Tribunal
Superior do Trabalho promoveu a alteração da sua Súmula 331, que passou a ter o
seguinte teor:
SUM-331
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI
à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
(...)
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do
empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos
serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da
relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta
respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso
evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das
obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na
fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais
da prestadora de serviço como empregadora. A aludida
responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações
trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços
abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao
período da prestação laboral. (Grifo Nosso).
2
A alteração da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho se deu após
o provimento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, 1 em que o Supremo
Tribunal Federal houve por bem dar provimento para reconhecer a constitucionalidade
do art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93 e proibir a transferência automática dos
encargos trabalhistas, resultantes da execução do contrato, à administração.
Antes do provimento da ADC nº 16, a justiça laboral vinha condenando
subsidiariamente, de forma reiterada, todos os entes públicos, pelo tão só fato de ser
tomador de serviços e a empresa contratada ser inadimplente em relação a verbas
trabalhistas dos seus empregados; presumia-se, portanto, a culpa in vigilando da
Administração e transferia-se a obrigação pelo pagamento de todas as verbas
trabalhistas, inclusive multas, caso a empresa prestadora – responsável principal – não
tivesse meios para arcar com os valores devidos.
Com a Resolução nº 174/2011, o Tribunal Superior do Trabalho altera o
verbete da Súmula 331 para fins de adequá-la ao teor da decisão proferida na ADC nº
16.
Diante desse novo panorama, o Tribunal Superior do Trabalho continua
atribuindo à Administração Pública a responsabilidade subsidiária em caso de
inadimplemento das verbas trabalhistas, “desde que evidenciada a conduta culposa no
cumprimento das obrigações da Lei n° 8.666/93, especialmente na fiscalização do
cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como
empregadora”.
Todavia, não nos parece que os Municípios e Estados possam ser
responsabilizados subsidiariamente pelo inadimplemento das verbas trabalhistas, ante a
constatação de que não existe fundamento constitucional e legal para tanto.
2. A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E A NECESSIDADE DE PREVISÃO
LEGAL ESPECÍFICA.
1
Ao analisar o inteiro teor da decisão proferida pela Suprema Corte no julgamento da ADC nº 16 é
possível verificar que a situação das condenações subsidiárias da Fazenda Pública continua em aberto. O
voto do relator - cuja maioria dos ministros acompanhou - se limitou a declarar a constitucionalidade do
artigo 71, §1º da Lei 8.666/93, não restando apreciados os fundamentos que deram origem à Súmula 331
do TST, a despeito das tentativas da Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Marco Aurélio.
3
Em sede de responsabilidade civil, o ordinário é que cada um responda
pelo dano que provocou, ou seja, a responsabilidade é individual e direta. Aquele que
causou prejuízo a outrem será o responsável pela indenização.
No entanto, em determinadas situações, a lei excepcionalmente pode
atribuir a pessoa diversa da que provocou o dano a responsabilidade pela reparação. São
as hipóteses de responsabilidade por fato de outrem.
Responsabilidade por fato de outrem ocorre quando a lei cria um dever
de cuidado, proteção em relação ao bem jurídico tutelado e que, por isso, eventual
omissão2 nesse dever ensejará a condenação do responsável.
Nesses casos, ao responsável será atribuída a responsabilidade – solidária
ou subsidiária - pelo dano causado.
Em nosso ordenamento jurídico, muitos são os eventos que podem
ensejar a responsabilidade por fato de outrem.
No Código Civil as hipóteses de responsabilidade por fato de outrem
estão previstas nos artigos 932 e 933 do Código Civil. Os pais, os tutores, curadores,
empregadores e donos de hotéis foram juridicamente obrigados a responder pelos atos
praticados, respectivamente, pelos filhos, tutelados, curatelados, empregados e
hóspedes. Nessas situações, o Código Civil atribui ao responsável a solidariedade pelo
cumprimento da obrigação, consoante dispõe o parágrafo único do artigo 942 do Código
Civil.
O Código Tributário Nacional também contemplou as hipóteses de
responsabilidade por fato de terceiros no artigo 134, elencando diversas pessoas que, em
virtude do dever de vigilância que ostentam, são responsáveis pelo pagamento de
tributos. Cite-se, como exemplo, a situação do tabelião que é solidariamente
responsável pelos tributos devidos pelos atos perante ele praticados.
A Consolidação das Leis Trabalhistas, por sua vez, no artigo 455, 3
recepcionou a responsabilidade por fato de terceiro, nos casos de subempreitada, onde o
2
O Código Civil contemplou a responsabilidade pelo fato de outrem na modalidade objetiva, que
prescinde da demonstração de culpa (artigo 933 do CC).
3
Art. 455 - Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do
contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o
empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.
4
empreiteiro principal fica subsidiariamente responsável pelas obrigações devidas pelo
subempreiteiro.
Em relação à responsabilidade por fato de outrem, Sérgio Cavalieri Filho
ensina que:
“Na realidade, a chamada responsabilidade por fato de outrem – expressão
originária da doutrina francesa – é responsabilidade por fato omissivo próprio,
porquanto as pessoas que respondem a esse título terão sempre concorrido para
o dano por falta de cuidado ou vigilância. Assim, não é muito próprio falar em
fato de outrem. O ato do autor material do dano é apenas a causa imediata,
sendo a omissão daquele que tem o dever de guarda ou vigilância a causa
mediata, que nem por isso deixa de ser causa eficiente”.4
A responsabilidade por fato de outrem ou de terceiros, dessarte, nada
mais é do que uma responsabilidade por omissão. Omissão no dever de vigilância que
tem como consequência gerar o dever de responder solidariamente ou subsidiariamente
pelo evento danoso.
Ainda trilhando nos ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho:
“Em suma, só pode ser responsabilizado por omissão quem tiver o dever
jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o obrigue a
impedir a ocorrência do resultado. Se assim não fosse, toda e qualquer omissão
seria relevante e, conseqüentemente, todos teriam contas à prestar à Justiça”5.
Tanto a previsão do dever de cuidado 6 quanto a consequência jurídica
devem estar previstas em lei, sem as quais não será possível atribuir responsabilidade a
terceiro que não o causador imediato do dano.
Quanto à consequência que deriva da ausência do dever de vigilância, o
artigo 265 do Código Civil foi expresso ao afirmar que “solidariedade não se presume;
resulta da lei ou da vontade das partes 7 ”, regramento aplicável à responsabilidade
subsidiária, pois, conforme aduzem Pablo Stolze Gabliano e Rodolfo Pamplona Filho, a
Parágrafo único - Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra
o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas
neste artigo.
4
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.
172.
5
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit., p. 25.
6
O Artigo 13, §2º do Código Penal, foi expresso quando ao dever de agir do garante para evitar o
resultado.
7
A vontade das partes não pode ser fonte de responsabilização subsidiária, pois, em ultima análise,
configura transação em direitos patrimoniais de caráter público, vedada pelo artigo 841 do Código Civil;
em face do Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público somente por autorização legal específica é
admissível transação.
5
responsabilidade subsidiária “nada mais é do que uma forma especial de solidariedade,
com benefício ou preferência de excussão de bens de um dos obrigados (...)”. 8Ambas
constituem reforço do cumprimento da obrigação, com a diferença de que na
responsabilidade solidária o credor pode exigir indistintamente o cumprimento de
qualquer dos devedores, enquanto na responsabilidade subsidiária o credor deve buscar
inicialmente a satisfação pelo responsável principal, para, tão somente, depois de
constatada a ausência de patrimônio solvente, direcionar a execução em face do devedor
subsidiário.
Assim, a responsabilidade subsidiária, como espécie de responsabilidade
solidária, também requer previsão legal. Aliás, esse foi o entendimento encampado pelo
Tribunal Superior do Trabalho ao editar a Orientação Jurisprudencial nº 191 da
Subseção 1 Especializada em Dissídios Coletivos (SDI-1), in verbis:
CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA DE
CONSTRUÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE
Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de
empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro
não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações
trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra
uma empresa construtora ou incorporadora. (Grifo Nosso).
Feitas essas considerações iniciais, é necessário, então, perquirir se existe
uma previsão legal, com amparo constitucional, que crie a obrigação de fiscalização
pelos entes públicos e consequentemente autorize uma responsabilização subsidiária da
Fazenda Pública, tal qual previsto na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
3. A COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO PARA ORGANIZAR,
MANTER E EXECUTAR A INSPEÇÃO DO TRABALHO. ARTIGO 21, INCISO
XXIV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Além de possuir competência privativa para legislar sobre direito do
trabalho, à União, nos termos do art. 21, inciso XXIV, da Constituição Federal, foi
atribuída competência material exclusiva9 para organizar, manter e executar a inspeção
do trabalho10.
8
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, vol. II, 12ª Ed.
São Paulo: Saraiva,2011, p. 116.
9
“Uma parte da doutrina distingue competência privativa de competência exclusiva – a diferença entre
ambas residindo no fato de esta última não poder ser delegada. Assim, as competências delimitadas no
6
No escólio de Ives Gandra Martins e Celso Ribeiro Bastos: “cabe-lhe,
além da manutenção, a execução de tais serviços de inspeção, com o que empalma a
União todos os aspectos referentes ao controle e fiscalização do trabalho, para que se
impeça a exploração do homem ou, no dizer de Cesarino Junior, do hipossuficiente”11.
No exercício de sua competência privativa para legislar e exclusiva para
fiscalizar, a União editou a Lei nº 10.593, de 06 de dezembro de 2002, dispondo sobre a
organização da Carreira de Auditoria-Fiscal do Trabalho. Em seu art. 11 este diploma
legislativo enumerou as competências administrativas desses servidores federais, in verbis:
Art. 11. Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por
atribuições assegurar, em todo o território nacional:
I - o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as
relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das
relações de trabalho e de emprego;
II - a verificação dos registros em Carteira de Trabalho e Previdência
Social - CTPS, visando à redução dos índices de informalidade;
III - a verificação do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço - FGTS, objetivando maximizar os índices de arrecadação;
IV - o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de
trabalho celebrados entre empregados e empregadores;
V - o respeito aos acordos, tratados e convenções internacionais dos
quais o Brasil seja signatário;
VI - a lavratura de auto de apreensão e guarda de documentos,
materiais, livros e assemelhados, para verificação da existência de
fraude e irregularidades, bem como o exame da contabilidade das
empresas, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 17 e 18 do Código
Comercial.
Parágrafo único. O Poder Executivo regulamentará as atribuições
privativas previstas neste artigo, podendo cometer aos ocupantes do
cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho outras atribuições, desde que
compatíveis com atividades de auditoria e fiscalização. (Grifo Nosso).
Nos ditames do artigo supracitado, os Auditores-Fiscais do Trabalho,
servidores de carreira da União, gozam de atribuições privativas para fiscalizar o
art. 21 seriam exclusivas da União, enquanto as previstas no artigo 22 lhe seriam privativas” (MENDES,
Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 2ª Ed. São Paulo: Saraiva: 2008, p. 822).
10
Art. 21. Compete à União:
(...)
XXIV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;
11
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada
em 5 de outubro de 1988, São Paulo: Saraiva, 1988, v.3, tomo 1, p. 235.
7
cumprimento das disposições legais e regulamentares no âmbito das relações de
trabalho, em todo o território nacional.
Vê-se, portanto, que os Estados e Municípios foram alijados da tarefa
constitucional de fiscalização do trabalho. Sérgio Pinto Martins, ao tratar do tema, aduz
que: “a inspeção do trabalho é privativa dos agentes federais, e é vedada a agentes do
poder municipal e estadual”. 12
É importante esclarecer que inspeção do trabalho significa exame,
vistoria, sindicância, fiscalização. Mencionada expressão foi tradicionalmente utilizada
pela Organização Internacional do Trabalho, todavia, provavelmente pela conotação
negativa de cunho repressora,13 foi paulatinamente abandonada pelas leis brasileiras. O
atual cargo de Auditor- Fiscal do Trabalho foi originalmente designado pelo artigo 1º do
Decreto-Lei nº 6.479, de 9 de Maio de 1944, como Inspetor do Trabalho, depois passou
a ser chamado de Fiscal do Trabalho pelo artigo 1º da Lei nº 6.986, de 13 de abril de 1982,
para, tão somente por meio da
Lei nº 10.593, de 06 de dezembro de 2002, adquirir a
denominação atual.
Portanto, a inspeção do trabalho – que é sinônima de fiscalização do trabalho não pode ser atribuída a órgãos estaduais e municipais, sob pena de violação do sistema de
competências estabelecido na Constituição de 1988. O Supremo Tribunal Federal, por
ocasião do julgamento da ADI nº 953, já assentou que em matéria de fiscalização do
trabalho somente a União pode legislar e implementá-la, in verbis, segue a ementa:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI
Nº 417, DE 02.03.93, DO DISTRITO FEDERAL. ARTS. 21, XXIV E
22, I DA CF. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA
LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO. COMPETÊNCIA
DA
UNIÃO
PARA
IMPLEMENTAR
AÇÕES
FISCALIZATÓRIAS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE
TRABALHO. É pacífico o entendimento deste Supremo Tribunal
quanto à inconstitucionalidade de normas locais que tenham como
objeto matérias de competência legislativa privativa da União. A
norma sob exame, ao criar regras e prever sanções administrativas
para se coibir atos discriminatórios contra a mulher nas relações de
trabalho, dispôs sobre matéria de competência legislativa outorgada à
União. Viola, ainda, o diploma impugnado, o art. 21, XXIV, da
CF, por atribuir poder de fiscalização, no âmbito do trabalho, a
ente da Federação que não a União. Ação direta que se julga
procedente, para se declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 417/93,
do Distrito Federal.(ADI 953, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE,
12 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho.19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 660.
13
BIGNAMI, RENATO. A inspeção do trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2007, p. 30
8
Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2003, DJ 02-05-2003 PP-00025
EMENT VOL-02108-01 PP-00036)14 (Grifo Nosso)
Dessa forma, o inciso V da Súmula 331, do Tribunal Superior do
Trabalho assim como a jurisprudência amplamente majoritária da Justiça do Trabalho
incorrem em erro quando atribuem aos Estados e Municípios o ônus pela fiscalização do
cumprimento das obrigações trabalhistas das empresas contratadas.
A Constituição Federal não autorizou os Estados e Municípios a
fiscalizar as relações trabalhistas; somente pode ser responsabilizado por fiscalização
deficiente ou ausência de fiscalização quem tem o ônus de fiscalizar.
4. A LEI 8.666/93 E A FISCALIZAÇÃO DAS VERBAS TRABALHISTAS PELA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
O tema das licitações e contratos travados pelo Poder Público foi tratado
basicamente em dois dispositivos constitucionais.
No artigo 22, inciso XXVII 15 , a Constituição Federal estabeleceu a
competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitações e
contratos. Enquanto no artigo 37, inciso XXI 16 , prescreveu-se a obrigatoriedade de
licitação para todos os entes públicos, bem como reservou-se à lei que as exigências nas
licitações sejam restritas à qualificação técnica e econômica e desde que indispensáveis
ao cumprimento das obrigações.
Dessarte, o poder constituinte originário reservou à União a competência
privativa para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos, ao passo em que se
14
No mesmo sentido: ADI 1893, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em
12/05/2004, DJ 04-06-2004 PP-00028.
15 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações
públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o
disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art.
173, § 1°, III;
16
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Grifo Nosso).
9
preocupou em limitar o campo da regulamentação legal
17
, tolhendo quaisquer
exigências que não sejam de ordem técnica e econômica.
Para fins do artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal, foi editada em
21 de junho de 1993 a Lei 8.666, estabelecendo as normas gerais de licitações e
contratos.
Na Lei de Licitações os artigos 27 18 , 28, 29 19 , 30 e 31 especificaram
exaustivamente todos os documentos que podem ser exigidos por ocasião da licitação e
durante a execução do contrato administrativo. 20A documentação mencionada nesses
dispositivos legais é taxativa, sem possibilidade de alargamento. Imprescindível, neste
ponto, transcrever os apontamentos de Jessé Torres Pereira Jr.:
“Ainda no que toca às generalidades dos documentos exigíveis na
fase se habilitação, sublinhe-se que o ato convocatório padecerá de
vício de ilegalidade se exigir qualquer documento, por mais plausível
que pareça, imprevisto nos arts. 27 a 31. [...] A lei nova introduz
alteração importante ao enunciar os documentos que os atos
convocatórios de licitação podem exigir, na fase de habilitação
preliminar. Na legislação anterior, os documentos compunham
relações meramente exemplificativas. A redação adotada pelo novo
estatuto estabelece relações numerus clausus, vedando que a
Administração demande a apresentação de qualquer prova diversa
daquelas inscritas no texto da lei. Suprimiu, no pertinente àquelas
qualificações, o espaço discricionário e criou vinculação estrita.
17
A propósito Gilmar Ferreira Mendes leciona que “tem-se uma reserva legal ou restrição legal
qualificada (qualifizierter Gesetzesvorbehalt) quando a Constituição não se limita a exigir que eventual
restrição ao âmbito de proteção de determinado direito seja prevista em lei, estabelecendo também as
condições especiais, os fins a serem perseguidos e ou os meios a serem utilizados (MENDES, Gilmar
Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo. Hermenêutica Constitucional e
Direitos Fundamentais. 1.ed. , Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 236.
18
Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação
relativa a:
I - habilitação jurídica;
II - qualificação técnica;
III - qualificação econômico-financeira;
IV - regularidade fiscal
V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.
19
Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em:
(...)
IV - prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei.
20
Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com
as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.
10
Poderá a Administração deixar de exigir todos os documentos
previstos, atendendo à simplicidade do objeto a ser licitado, porém
não poderá exigir documento diverso do previsto na lei, sob pena de
exceder-se no exercício do dever geral de licitar e sujeitar-se à
invalidação da exigência indevida, mantidas apenas aquelas que se
compatibilizarem com a provisão legal ”21
Dentre os documentos que podem ser exigidos na fase de habilitação – e,
por força do artigo 55, inciso XIII da Lei, durante a fase contratual - que têm alguma
correlação com as obrigações trabalhistas verifica-se a existência apenas daqueles
concernentes: a) à comprovação da regularidade em face da Previdência Social e ao
Fundo de Garantida por Tempo de Serviço (art.29, inciso IV) e b) à prova pelo licitante
de que não faz uso de mão-de-obra de menor de 18 anos em atividades noturnas,
perigosas ou insalubres, ou de qualquer trabalho de menor de 16 anos, salvo na
condição de aprendiz a partir de 14 anos (art. 27, inciso V).22
Reconhecendo o Legislador que a Administração Estadual e Municipal
não têm meios para fiscalizar as empresas contratadas, em 7 de julho de 2011 foi
promulgada a Lei nº 12440. Esse diploma legislativo promoveu alterações nos artigos
27 e 2923 da Lei de Licitações, além de acrescentar o artigo 642-A ao corpo da CLT.
A Lei é de constitucionalidade duvidosa, porque promove uma implícita
transferência de competência material de fiscalização do trabalho que foi outorgada com
exclusividade à União (art. 21, inciso XXIV, da Constituição Federal); e também
porque excede as exigências de qualificação técnica e econômica, previstas no artigo 37,
inciso XXI. A partir da sua vigência, uma única condenação trabalhista transitada em
julgado, por mais irrisória que seja, desde que inadimplida, poderá impedir a
participação de uma empresa nos processos de licitação, violando também o princípio
da proporcionalidade.
Não obstante, tendo em vista a presunção de constitucionalidade que
deriva das leis, a partir da vigência da Lei nº 12440 – que ocorrerá em 04 de janeiro de
21
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração
pública, 7ª Ed, Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 370-371.
22
MEIRELLES, Hely Lopes, Licitação e Contrato Administrativo, 13ª Ed, Malheiros: São Paulo. P. 140.
23
“Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:
(...)
V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação
de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo
Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943”.
11
2012- os licitantes deverão comprovar a regularidade trabalhista para concorrência nas
licitações públicas.
A novel legislação, no entanto, não deixou ao sabor do interprete dizer
como deve ser comprovada a regularidade trabalhista. O artigo 642-A da CLT
prescreveu que sua prova se dá mediante a apresentação de Certidão Negativa de
Débitos Trabalhistas ou com Certidão Positiva com Efeitos de Negativa.
Pelos termos da lei, a certidão negativa pressupõe a existência de decisão
transitada em julgado. Assim, se o licitante estiver sendo demandado na Justiça
Trabalhista e não houver decisão definitiva, não será possível negar-lhe o direito de
participar das licitações públicas.
Adotou-se, nesse ponto, o mesmo tratamento que já vinha sendo dado
com relação à comprovação de regularidade de FGTS e INSS prevista no artigo 29,
inciso IV da Lei.
Jessé Torres Pereira Júnior24, bem como Celso Antônio Bandeira de Melo25,
citando entendimentos no mesmo sentido de Sidney Martins, Marçal Justen Filho, Lúcia do
Valle Figueiredo, já afirmavam que regularidade não significa quitação. A regularidade
admite a existência de débitos com exigibilidade suspensa, como, p. ex, parcelamentos e
liminares em ações anulatórias de débitos fiscais e todas as outras situações descritas no
artigo 151 do Código Tributário Nacional26. Em função disso, o licitante ou a empresa
contratada podia ter débitos de FGTS parcelados e, nem por isso, poderia a
Administração impedir sua participação no certame ou aplicar qualquer penalidade à
empresa prestadora de serviços.
Agora esse entendimento também será dado em relação à regularidade
trabalhista. Para a comprovação do seu cumprimento, será suficiente a apresentação de
certidão negativa, ou negativa com efeitos de positiva, que a Justiça do Trabalho terá
que expedir sempre que os débitos trabalhistas estiverem garantidos por penhora, com
24
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração
pública, 7ª Ed, Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 376.
25
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 26ª Ed., Malheiros: São Paulo.
p. 581-582.
26
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração
pública, 7ª Ed, Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 376. .
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exigibilidade suspensa ou em todos os casos em não houver trânsito em julgado da
sentença condenatória.
Exigida pela Administração a CNDT e a comprovação de regularidade de
FGTS, no que concerne à Lei de Licitações não existirá nenhuma outra obrigação com
relação às verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa terceirizada, sendo inviável a
imputação de uma obrigação por suposta culpa in vigilando ou in eligendo.
A Lei nº 12440/11 só vem para corroborar o que aqui se defende. Nunca
houve supedâneo legal para os Estados e Municípios fiscalizarem as empresas
terceirizadas.
A obrigação de exigir a regularidade de FGTS e, a partir de 04 de janeiro
de 2012, a obrigação de exigir a regularidade trabalhista jamais poderiam significar
fiscalização. Nos termos do artigo 11 da Lei nº 10.593, de 06 de dezembro de 2002, bem
como do artigo 21, inciso XXIV da Constituição Federal, é atribuição exclusiva dos AuditoresFiscais do Trabalho a fiscalização do trabalho.
Posto isso, a fiscalização tratada na Lei 8.666/93, em especial no artigo
67, não é quanto ao cumprimento da legislação trabalhista: seu objetivo é garantir que a
Administração não receba obra, serviço ou bens com vícios ou defeitos de qualidade;
que o Erário não tenha prejuízo durante a execução do contrato recebendo menos do que
o que foi contratado. Reforçam esse entendimento as lições do ilustre administrativista
Hely Lopes Meirelles ao discorrer sobre o alcance da fiscalização, in verbis:
“A fiscalização da execução do contrato abrange a verificação da
matéria e do trabalho, admitindo testes, provas de carga, exame de
qualidade, experiências de funcionamento e de produção, e tudo mais que
se relacionar com a perfeição da obra, do serviço ou do fornecimento. A
sua finalidade é assegurar a perfeita execução do contrato, ou seja, a
exata correspondência dos trabalhos com o projeto ou com as exigências
previamente estabelecidas pela Administração, tanto nos seus aspectos
técnicos quanto nos prazos de realização, e, por isso mesmo, há de
pautar-se pelas cláusulas contratuais, pelas normas regulamentares do
serviço e pelas disposições do caderno de obrigações, se existente.” 27
A Lei de Licitações e Contratos teve por escopo a garantia da isonomia
entre os licitantes, garantia da concorrência, transparência na aplicação do dinheiro
público, garantia de qualidade e quantidade do objeto contratado, todavia não tratou em
27
MEIRELLES, Hely Lopes , Op.cit, p. 219.
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sua redação original de normas protetivas aos direitos dos trabalhadores, tampouco
sobre fiscalização do trabalho; e não porque foi omissa, mas porque foge do seu campo
de regulamentação28.
A Constituição e a Lei 8.666/93 não autorizam que as Fazendas
Públicas Estaduais e Municipais façam auditorias trabalhistas nas empresas contratadas
exigindo documentos diversos daqueles previstos nos arts. 27 a 31 da Lei 8.666/93.
Somente os auditores do trabalho, servidores integrantes do Ministério do Trabalho e
Emprego, podem exercer a fiscalização do trabalho.
Administração Pública Estadual e Municipal estão impedidas de exigir
das empresas contratadas registros de ponto dos empregados, comprovantes de
pagamentos de salários, horas-extras, férias, décimo terceiro salário, comprovantes de
pagamento de FGTS e contribuições previdenciárias, pois certamente implicará
usurpação da competência exclusiva da União.
Ressaltando que a Administração Pública está jungida ao princípio da
legalidade, que no âmbito administrativo tem conotação diferenciada, “ao contrário dos
particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode
fazer o que a lei antecipadamente autorize” 29 . Nesse passo, é inconcebível que
Administração Pública Estadual e Municipal, sobretudo no âmbito do poder de polícia,
possam restringir o acesso à licitação e punir aquelas empresas já contratadas sem
amparo legal, tornando-se inválido o ato perpetrado por agente que não tem
competência para regular a matéria e tampouco fiscalizá-la30.
De outro lado, não seria lógico que a Lei de Licitações, no artigo 71,
§1º, retirasse do tomador de serviços a responsabilidade pelos encargos trabalhistas e,
mesmo assim, mantivesse obrigações de fiscalização destas mesmas verbas. Por isso, é
no mínimo estranha a previsão contida no inciso V da Súmula 331 do Tribunal Superior
28
A fiscalização do trabalho foi tratada na Consolidação das Leis Trabalhistas a partir do Art. 626,
dispositivo que incumbiu às autoridades do Ministério do Trabalho a fiscalização do fiel cumprimento das
normas de proteção ao trabalho.
29
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 26ª Ed., Malheiros: São Paulo.
p. 105.
30
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 17ª Ed., Lumen Juris:Rio de
Janeiro. 2007, p.70.
14
do Trabalho de uma suposta obrigação de fiscalização do cumprimento de obrigações
trabalhistas pautada na Lei nº 8.666/93.
As obrigações do tomador impostas pela Lei de Licitações, no que
tange às verbas trabalhistas, restringem-se à exigência de regularidade de FGTS e à
apresentação de CNDT, essa última somente será exigível nas licitações posteriores a 04
de janeiro de 2012, data em que entra em vigência a Lei 12.440/11.
5. A EXTENSÃO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
O Tribunal Superior do Trabalho, por meio do inciso VI da Súmula
331, delimitou a extensão da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços ao
aduzir que ela abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período
da prestação laboral.
A ausência de discriminação das verbas trabalhistas para fins de
transferência de responsabilidade por fato omissivo não parece ser o melhor critério a
ser adotado. Certamente é o mais cômodo, todavia não é o mais técnico.
A responsabilidade que decorre do inadimplemento das verbas
trabalhistas pela empresa prestadora de serviços só pode ser de ordem extracontratual,
eis que o § 1º do artigo 71 expressamente exclui qualquer responsabilidade de natureza
contratual. Portanto, em se tratando de responsabilidade aquiliana, pressupõe ação ou
omissão, dano e nexo de causalidade.
Todavia, em relação a quase totalidade das verbas trabalhistas, não é
possível vislumbrar o nexo entre a omissão estatal e o dano no que tange aos Estados e
Municípios.
Conforme já exposto, as limitações impostas pela Lei 8.666/93 e pela
Lei nº 10.593 impedem que os Estados e Municípios exijam das empresas contratadas
documentação diversa da relativa à exigência de regularidade de FGTS e à apresentação
de CNDT.
Atualmente, eventual nexo de causalidade só pode ser vislumbrado, no
máximo, em relação ao FGTS, única obrigação trabalhista que a Fazenda Pública pode
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exigir com fulcro na Lei 8.666/93. Como já dito alhures, a obrigação de comprovar na
licitações e contratos a regularidade trabalhista só virá com a vigência da Lei 12.440/11.
A União, todavia, possui poderes amplos de fiscalização e pode exigir o
cumprimento de todas as obrigações trabalhistas, podendo adentrar em qualquer
estabelecimento comercial, apreender documentos e aplicar penalidades, verificando,
p.ex., a duração máxima da jornada de trabalho, o recolhimento de FGTS e
contribuições previdenciárias, o pagamento das horas-extras e adicionais, a concessão
de férias vencidas, o pagamento de adicionais de insalubridade e periculosidade.
No que tange à multa prevista no artigo 467 da CLT, a situação ainda é
pior, porque não existe nexo de causalidade em relação à União, aos Estados e
Municípios. Incide a multa do artigo 467 da CLT quando o empregador não realiza o
pagamento das verbas rescisórias incontroversas na primeira audiência trabalhista.
Impõe-se uma penalidade em virtude da atitude protelatória do
empregador em pagar ao empregado as verbas que não estão sendo impugnadas. Aquele
que age com deslealdade processual e protela o pagamento pagará as verbas
incontroversas acrescidas de cinquenta por cento.
Referida multa tem natureza processual, semelhante às multas por
violação dos deveres processuais de boa-fé previstas nos artigos 18 e 538, parágrafo
único, do Código de Processo Civil e só pode ser imposta àquele que tinha a obrigação
de efetuar o pagamento em audiência.
Os entes públicos só procedem aos pagamentos de condenações
mediante requisição de pequeno valor ou precatório, sendo impossível o adimplemento
de verbas incontroversas em primeira audiência, por isso, a multa é restrita a quem
violou o dever processual, ou seja, à empresa prestadora de serviços. Certamente,
portanto, sua imposição aos entes públicos conflita com o artigo 100 da Constituição
Federal.
O certo é que as verbas trabalhistas que compõe a condenação têm
natureza e origem diversas e não podem ser tratadas de forma igualitária, sendo
imprescindível uma análise dos pressupostos da responsabilidade civil quanto a cada
uma das parcelas que compõe a condenação.
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CONCLUSÕES
1. Estados, Distrito Federal e Municípios, tanto sob o enfoque constitucional, quanto
sob o enfoque infraconstitucional, não têm dever jurídico de fiscalizar o cumprimento
das normas trabalhistas;
2. A Constituição, no art. 21, inciso XXIV, outorgou com exclusividade à União a tarefa
de fiscalizar o cumprimento das normas trabalhistas, dessarte, somente a ela podendo
ser imputada a culpa in vigilando;
3. Os Estados e Municípios terão cumprido todas as obrigações relativas à eleição e
fiscalização contratual se comprovada a exigência da documentação prevista nos arts.
27, 28, 29, 30 e 31 da Lei 8.666/93, sendo descabida qualquer outra exigência por parte
da Justiça Laboral;
4. Até o presente momento, a única exigência de cunho supostamente trabalhista que a
Lei 8.666/93 autoriza é a prova de regularidade perante o FGTS;
5. A partir da vigência da Lei nº 12440/11 deverá a Fazenda Pública contratante exigir a
Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, tendo aí esgotada a atuação dos Estados e
Municípios contratantes;
6. A União é a detentora exclusiva do poder de polícia relativo ao cumprimento de
obrigações trabalhistas e a Súmula 331 do TST somente incide em sua integralidade
quando ela for a tomadora de serviços;
7. Em face do artigo 265 do Código Civil, a atribuição de responsabilidade subsidiária
requer previsão legal específica, não admitindo presunção, nem analogia;
8. Os Estados e Municípios quando condenados com fulcro na culpa in vigilando,
poderão se valer de ação regressiva (actio de in rem verso) em face da União, para obter
a totalidade daquilo que foi indevidamente pago.
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