PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Makeliny Oliveira Gomes Nogueira A presença da dimensão sociopolítica no trabalho de formação do docente-formador MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2008 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Makeliny Oliveira Gomes Nogueira A presença da dimensão sociopolítica no trabalho de formação do docente-formador MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Profª. Drª. Ana Mercês Bahia Bock SÃO PAULO 2008 2 BANCA EXAMINADORA ________________ ________________ ________________ 3 FICHA CATALOGRÁFICA NOGUEIRA, Makeliny Oliveira Gomes. A presença da dimensão política no trabalho de formação do docente-formador. São Paulo: 2008. 133p. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008. Área de Concentração: Psicologia da Educação Orientadora: Profª. Drª. Ana Mercês Bahia Bock Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. 4 FOLHA DE APROVAÇÃO Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação defendida por Makeliny Oliveira Gomes Nogueira e aprovada pela Comissão Julgadora. Data: ____/ ____/ _______. __________________________________________________ Profª. Drª. Ana Mercês Bahia Bock (orientadora) __________________________________________________ Prof. Dr. Antonio Carlos Caruso Ronca (PUC-SP) __________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Joaquim Severino (Universidade de São Paulo - USP) 5 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho às minhas primeiras e eternas MESTRAS, minha mãe Neusa, minha avó Lucy, minhas tias, Cláudia Nara e Joana D’arck, minha irmã Makênia e minha prima Luciana. 6 AGRADECIMENTOS À Ana Bock, por conduzir-me na travessia entre o otimismo ingênuo e o otimismo crítico, com suas orientações atentas, provocações constantes e reflexões valiosas. Entre as contribuições que recebi para realizar esse trabalho, gostaria de destacar a dos “mestres” Dr. Antônio Joaquim Severino e Dr. Carlos Caruso Ronca, a quem devo um agradecimento especial, por contribuírem com o avanço desse estudo, por meio das orientações generosas e desafiantes. Às professoras e professores que colaboraram com essa pesquisa respondendo ao questionário e em especial aos que aceitaram ser entrevistados. Às professoras Marli André, Wanda Junqueira Aguiar, Laurinda Ramalho, Mitsuko Makino Antunes, Claudia Davis, Maria Celina Vieira, Melania Moroz e ao professor Sérgio Luna, interlocutores especiais e “mestres” dedicados que, com seus ensinamentos, participaram indiretamente da configuração desse trabalho. À Irene Medeiros, pelo carinho e atenção com todos os alunos do PED. Aos amigos do mestrado, Ana Cristina Guidi, Marcos de Moura Albertim, Jéssica Kobayashi, Viviane Moreiras, Vivian Rachman e Flávia Otuka, por dividirem comigo momentos tão especiais nessa jornada. Aos meus pais, Neusa e Soares, e aos meus irmãos, Makely, Makênia, Máken e Makeber pelo amor e pela torcida estimulante. Tenho ainda um agradecimento mais que especial a fazer, ao meu marido, Vinicius Corrêa Nogueira, pela força, paciência, parceria, incentivo constante, mas principalmente, por ter escolhido caminhar ao meu lado, sempre renovando as minhas esperanças e me fazendo acreditar que os sonhos são possíveis. Finalmente, mas não menos importante, agradeço a CAPES, pela ajuda financeira sem a qual nada disso seria possível. 7 RESUMO O presente estudo teve como objetivo pesquisar a presença da dimensão sociopolítica no trabalho de formação do docente-formador, trazendo para o debate a reflexão sobre a finalidade do trabalho educacional. Nessa pesquisa, baseados na perspectiva sócio-histórica e apoiados em autores que seguem essa linha teórica, partimos do princípio que o trabalho de todo professor apresenta uma dimensão sociopolítica, pois, em qualquer trabalho de educação há implícita ou explicitamente uma relação entre educação e sociedade, que se expressa na finalidade do trabalho desenvolvido. A questão que se coloca é identificar, por meio da “voz” do docente-formador, a clareza que ele tem da presença dessa dimensão no trabalho de formação que realiza em cursos de graduação em Pedagogia, e quais aspectos ele apresenta para caracterizar essa presença. Para realizar esse estudo, foram aplicados quinze questionários a docentes de Universidades públicas e privadas dos estados do Paraná e São Paulo, e feitas entrevistas de aprofundamento com quatro docentes-formadores de três Universidades do estado do Paraná. Os resultados apontam que o professor não desconhece a presença da dimensão sociopolítica em seu trabalho, mas ao caracterizar essa dimensão, na maioria das vezes, o faz de forma genérica e ingênua. Palavras-Chave: formação docente; sociopolítica; transformação social. trabalho docente; docente-formador; dimensão 8 ABSTRACT The present study had as objective researches the presence of the sociopolitical dimension in the work of formation of the educational-former, bringing for the debate the reflection about the purpose of the education work. In this research, based on the socio-historical perspective and according to authors that follow this theoretical line, we started from the idea that every teacher's work has a sociopolitical dimension, because in any education work there is implicit or explicit a relationship among education and society, that is expressed in the purpose of the developed work. The subject raised in this paper work is to identify, through the “voice” of the educational-former, how clear for them is the presence of that dimension in their formation work in pedagogy degree courses, and which aspects he demonstrates to characterize that presence. To accomplish that study, fifteen questionnaires were applied to educationalist of public and private universities of the states of Paraná and São Paulo, and deeply interviews with four educational-formers of three universities of the Paraná state. The results pointed out that the teacher doesn't ignore the presence of the sociopolitical dimension in his work, but when characterizing that dimension, he makes it in a generic and ingenuous way. Key-Word: educational formation; educational work; educational-former; sociopolitical dimension; social development. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO Contextualização e relevância do problema Delimitação do problema Estrutura da Dissertação CAPÍTULO I Educação (Escola) e sociedade Educação (Escola) e a tarefa sociopolítica: “a favor de que?” e “contra o que formamos?” A perspectiva sócio-hostórica da educação: conflitos, contradições e mudanças 12 13 15 17 18 26 29 CAPÍTULO II Formação e trabalho docente: algumas considerações O Processo de formação docente: uma perspectiva O sujeito como parte do processo: a dimensão subjetiva A dimensão técnica A dimensão estética A dimensão ética A dimensão sociopolítica 34 42 44 47 51 52 55 CAPÍTULO III O caminho metodológico Etapa I – O Questionário Etapa II – A Entrevista 62 65 67 CAPÍTULO IV Apresentação e sistematização dos dados As vozes dos sujeitos: a busca de uma síntese 70 105 CONCLUSÃO 115 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 120 ANEXO I 125 ANEXO II 127 ANEXO III 129 10 Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam. (Paulo Freire, 1996). 11 INTRODUÇÃO Nosso interesse pelo processo de formação de professores deu-se a partir do nosso próprio processo de formação. Como professora licenciada em filosofia e a partir da nossa experiência como docente, pensávamos em desenvolver nossa pesquisa de mestrado sobre a questão da formação de professores e, a princípio, nossas preocupações estavam centradas nas dificuldades e incertezas da profissão docente, no que concerne ao dia-a-dia da sala de aula. Questões como: as relações interpessoais dos docentes com os alunos; a questão das aulas tradicionais x aulas construtivistas; ou ainda, como ser uma professora interdisciplinar; como avaliar o aluno; o que tornaria as aulas mais interessantes para os alunos; por que alguns alunos têm dificuldade para aprender e assim por diante. Ainda que estas questões sejam, a nosso ver extremamente relevantes, nosso interesse começou a ser despertado para outro viés da questão: a relação da formação docente e as questões sociopolíticas que envolvem este processo de formação. Esse interesse veio a ser intensificado ao travar conhecimento com alguns autores em especial, entre eles, Charlot (1979); Severino (2003, 2001, 1998, 1986); Rios (2007, 2000); Cortella (2006); Saviani (2006, 2005, 2004, 1986); Nosella (2007, 1983); Freire (2007a, 2007b, 1996); Gadotti (2006, 2005, 2003); Fernandes (1987); Giroux (1997, 1988); Duarte (2000); Rossler (2004); Bock (2008, 2001, 2000, 1999); Placco (2007, 1994), entre outros que estimularam e influenciaram efetivamente os rumos dessa pesquisa. Muito se tem pesquisado sobre as dimensões do processo de formação de professores, mas pouco espaço tem sido dado aos professores para expressarem sua “voz”. Contudo, tal fato nos parece imprescindível para a compreensão das questões que envolvem a docência e a educação escolar, já que, analisar e compreender o trabalho de formação docente, por meio de suas experiências, pensamentos, reflexões e ações é um ponto decisivo na contribuição de uma educação (escola) de melhor qualidade. Dessa forma, ao nos referirmos à dimensão sociopolítica no trabalho de formação docente, estamos trazendo para o debate a reflexão sobre a finalidade do trabalho educacional e caracterizando sua presença nos cursos de formação de 12 Pedagogia, a partir da visão do docente-formador. Neste sentido, acreditamos que as questões vitais às quais é imprescindível refletir: “quem queremos formar”, “para quê queremos formar?”, “a favor de que nós formamos?” e “contra o que nós formamos?”, devem sempre nortear qualquer trabalho de formação docente. Por outro lado, tais questões têm passado despercebidas, pois a educação tem sido naturalizada enquanto processo e sua finalidade tem sido definida somente a partir de parâmetros da Psicologia que se referem ao desenvolvimento dos sujeitos. A relação do processo educacional com os interesses da sociedade, seus problemas e suas urgências têm ficado fora dos muros acadêmicos. Isto tem gerado processos educacionais ideológicos que ocultam a contribuição das instituições de ensino e dos professores para a manutenção ou transformação da sociedade. Neste sentido, a presente pesquisa deseja contribuir com o debate sobre o trabalho de formação inicial de professores, dando voz aos docentes-formadores de docentes, ou seja, aqueles que educam os educadores 1 , para que expressem seu pensamento sobre a finalidade de seu trabalho, os aspectos que compõem suas principais preocupações e diretrizes para a formação que desenvolvem e como vêem a relação da educação (aquela que realizam e aquela que ensinam) com as necessidades e urgências da sociedade. Nossa perspectiva é contribuir para a visibilidade e compreensão da dimensão sociopolítica do trabalho educacional, fortalecendo sua presença como aspecto integrante da formação docente. Contextualização e Relevância do Problema Com a Lei 5.540/68, conhecida como a Lei da Reforma Universitária, e a Lei 5.692/71 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a formação de professor ganha destaque na década de 70. Neste período, desenvolveram-se muitas pesquisas na área de trabalho e educação, multiplicando os estudos sobre o trabalho do professor, tendo como temas centrais, segundo Oliveira (apud Mancebo, 2007, p. 467), a natureza do trabalho docente, a teoria da mais-valia e sua aplicabilidade ou não nas escolas, o caráter improdutivo do trabalho escolar, e a suposta autonomia e/ ou alienação do 1 Aqui, fazemos alusão à pergunta feita por Karl Marx (1980), tempos atrás: Quem educa o educador? 13 docente. Destaque-se nessa fase uma predominância de orientação marxista, explicitando a preocupação com o sistema ideológico vigente. Esse movimento vai ao encontro do conceito de competência técnico-pedagógica trazido pela Escola Nova por volta de 1930 e atingindo seu auge como tendência educacional presente no cenário nacional na década de 1960, de acordo com Saviani (2006). No início da década de 1980, o debate entre a competência técnica e o compromisso político se acirra: (...) fervia entre os educadores o debate sobre o compromisso político e a competência técnica. Polemizava-se contra a dicotomia entre o educador-político e o educador-técnico. A conjuntura política foi a oportunidade para a explosão daquele debate: os governos militares, forçados a passar o poder aos civis, haviam enfatizado a dimensão tecnológica, as competências específicas e a prática do ensino como treinamento; ao contrário, a emergente democracia destacava o sentido e a necessidade do engajamento político da prática científico-pedagógica. (Nosella, 2007, p. 27). Ainda no início da década de 1980, Saviani publicou o texto2, Competência Política e Compromisso Técnico ou (o pomo da discórdia e o fruto proibido), dialogando sobre a polêmica entre a competência técnica e o compromisso político, suscitado pelo “debate” entre Nosella (1983) e Mello (1982). Saviani (2005) retomou a discussão afirmando que “(...) o compromisso político não exclui a competência técnica (...)” (p. 48), pois tais dimensões convergem para um mesmo ponto se constituindo como unidade dialética. Assim, ao mesmo tempo em que essas dimensões se opõem, reciprocamente, elas se constituem como unidade na ação pedagógica. Saviani advertia ainda, que essa competência técnica defendida por Mello (1982) não se justapõe à pedagogia tecnicista, mas, ao contrário, “(...) compreende o domínio teórico e prático dos princípios e conhecimentos que regem a instituição escolar.” (Saviani, 2005, p. 29). Na década de 1990, o trabalho docente passa a ser pesquisado e articulado às investigações sobre a formação docente e sua “profissionalização”. Ocorre uma 2 Texto publicado pela primeira vez na revista Educação e Sociedade. SAVIANI, D. (1983). Competência política e compromisso técnico ou (o pomo da discórdia e o fruto proibido). Educação &. Sociedade, nº. 15, v. 5, agosto, p. 111-43. 14 ressignificação da formação docente, de modo que o desenvolvimento das competências passa a ser a principal tarefa da formação e os "saberes da prática" e "conhecimentos tácitos" assumem lugar central na definição da própria ação pedagógica, em detrimento do conhecimento teórico/ científico. (Soares apud Mancebo, 2007, p. 467). Passados oito anos do século XXI, cabe perguntar-nos, em meio ao complexo quadro educacional, se existe ainda espaço para retomarmos o debate sobre o compromisso político no trabalho de formação docente. Sobre isso, Nosella (2007) provoca: (...) é necessário reformular a pergunta: de que compromisso político e de que competência pedagógica estamos falando? (...) o educador de hoje, concretamente, como poderá exercer seu engajamento político e sua competência técnica? (p. 31). Ele prossegue, “quais as características do ato pedagógico de um professor comprometido politicamente nesta sociedade do século XXI?” (Nosella, 2007, p. 40). Instigados assim, pela necessidade de retomarmos o debate, nos deparamos com essas questões, estampadas nas páginas de uma conhecida revista de circulação nacional (anexo III), acusando os professores de “excesso de ideologização”, por acreditar que a maioria dos professores brasileiros fazem das aulas um “lugar para a doutrinação ideológica..” 3 Apesar de discordarmos veementemente da opinião da revista, reconhecemos um ponto positivo: a possibilidade de reacendermos o debate público sobre o tema, registrando a tensão e o conflito gerados mais uma vez pela suposta dicotomia entre o ato pedagógico e o ato político. Esse fato demonstra a atualidade da discussão e registra a existência de movimentos que se contrapõem à opinião da revista. Delimitação do problema Nessa pesquisa partimos do princípio que o trabalho de todo professor, seja ele das séries iniciais, educação básica, ensino médio, ensino superior ou pós-graduação, apresenta uma dimensão sociopolítica, pois, em qualquer trabalho de educação há implícita ou explicitamente uma relação entre educação e sociedade, que se expressa na 3 Para ler a reportagem na íntegra, ver o Anexo III desse trabalho. 15 finalidade do trabalho desenvolvido. Neste sentido, acreditamos como Saviani (2005) na unidade dialética entre ato político e ato pedagógico da ação docente. Há mais de duas décadas Fernandes (1987, p. 20) denunciava que não havia nenhuma matéria no curso de formação de professores que capacitasse politicamente o educador para enfrentar e compreender o seu papel social. Rios (2007) afirma, vinte anos depois, que, por tal motivo, os próprios educadores não têm muito interesse ou clareza da dimensão política de seu trabalho. A partir disso, a questão que se coloca é identificar e compreender, por meio da “voz” do docente-formador, a clareza que ele tem da presença da dimensão sociopolítica no trabalho de formação que realiza na graduação em Pedagogia e como se caracteriza a sua posição política implícita nesse trabalho. O docente-formador compreende e relaciona o ato político ao ato pedagógico? Qual a finalidade do trabalho que realiza enquanto docente-formador em função da compreensão que tem sobre: “quem quer formar”, “para quê quer formar?”, “a favor de que quer formar?” e “contra o que quer formar?”, Dessa forma, sem negar as inúmeras questões que envolvem o processo da formação inicial de professores, este estudo tem o objetivo de refletir sobre a dimensão sociopolítica 4 no trabalho de formação docente, nos cursos de Pedagogia de Universidades públicas e privadas; fazendo um recorte a partir da “voz” do docente-formador, buscando compreender e dar visibilidade aos aspectos que compõem essa dimensão. 4 A palavra política pode ser compreendida por nós, hoje, como o resultado de um longo processo sócio-histórico que se inicia com a criação da polis (cidade-estado) grega. O termo “política” foi cunhado a partir da atividade social desenvolvida pelos gregos em sua polis, e “remete à cidade, ao coletivo, ao discurso, à cidadania, à soberania, à lei”. (Maar, 2006, p. p. 30). Podemos falar em outras variações do termo que foram surgindo ao longo dos séculos para o termo política, tais como: arte de bem governar, habilidade no trato das relações humanas, poder de persuasão, domínio da retórica, e outros sentidos não tão positivos que povoam o senso-comum hoje, como: abuso de poder, desvios de verbas, corrupção, entre tantos outros. No entanto, nos deteremos neste trabalho, a estudar a política como uma das dimensões necessárias na formação e no trabalho docente. Dessa forma, entendemos por “dimensão sociopolítica” a práxis consciente do ato educativo que abarca uma formação e uma visão sociocrática da realidade, pela qual os educadores compreendem não apenas as relações entre a Escola e a Sociedade, mas também, entre os conteúdos que são ensinados em sala de aula e os reflexos disso fora da instituição escolar. 16 Estrutura da Dissertação O primeiro capítulo foi dividido em duas partes. Na primeira parte, abordamos a questão da inter-relação educação (escola) e sociedade e na segunda, a questão da educação como tarefa sóciopolítica, numa perspectiva sócio-histórica. O segundo capítulo consiste em algumas considerações sobre formação e trabalho docente no Brasil, trazemos também, nesse capítulo, algumas dimensões que envolvem o processo de formação docente, consideradas, por nós, fundamentais na formação dos pedagogos; ressaltamos a compreensão da dimensão sóciopolítica nessa formação, como requisito crucial para uma práxis consciente e transformadora. No terceiro capítulo, apresentamos os procedimentos metodológicos da pesquisa. No quarto capítulo trazemos os dados das entrevistas realizadas com os docentes-formadores e a sistematização desses dados. Em seguida, buscamos produzir uma síntese, por meio da análise das vozes dos sujeitos. Finalmente, após o quarto capítulo, apresentamos a conclusão dessa pesquisa. Para iniciarmos a tarefa de compreender e refletir melhor sobre essas questões, fez-se necessário aprofundarmos nosso olhar sobre a relação entre a educação (escola) e a sociedade, no contexto da educação brasileira, sob a luz de alguns autores que se debruçaram sobre o tema. 17 CAPÍTULO I Educação (Escola) e Sociedade A educação é um evento social que se desdobra no tempo histórico. É também mediação da sociabilidade, sendo sua finalidade inserir as novas gerações no universo social (...). Severino (2001) Uma criança ao nascer, não traz consigo, geneticamente, uma programação de como se comportar socialmente, de como falar, ou usar as técnicas para a sua subsistência e proteção. É necessário ensinar-lhe a viver em/ na sociedade e a educação, serve justamente para realizar esse trabalho de formação e assimilação das novas gerações à sociedade, pois, como bem coloca Freire (2007a) “temos que saber o que fomos e o que somos, para saber o que seremos.” (p. 33). Sendo assim, não podemos conceber a educação como algo isolado, sem vínculos com a economia, a cultura e a sociedade, como se os processos educativos acontecessem de maneira isolada e desintegrada da realidade social. Por isso, a necessidade de pensar a educação (escola) 5 ao mesmo tempo em que se pensa a sociedade. Severino (2001) corrobora essa idéia quando coloca que “a educação é um evento social que se desdobra no tempo histórico. É também mediação da sociabilidade, sendo sua finalidade inserir as novas gerações no universo social, fora do qual não sobrevivem.” (p. 72). O universo social do qual nos fala Severino é muito amplo e complexo, são vários fios que se cruzam e entrecruzam formando o que podemos chamar de “teia social”. Uma sociedade se compõe de indivíduos que se encontram em relação, ainda que de maneira indireta. Contudo, nem toda relação entre indivíduos compõe uma sociedade, já que, viver em sociedade, supõe a convivência com usos, costumes, crenças e valores comuns desses indivíduos e uma permanência nesse convívio. 5 Nesse estudo, tomamos a escola como a principal instituição educativa da nossa sociedade. 18 Por outro lado, apesar do que tais indivíduos têm em comum, uma sociedade é composta de indivíduos que também diferem entre si, não somente pela personalidade, sexo, etnia, raça, mas também, porque esses indivíduos se agrupam segundo sua condição econômica, condição esta que determina as diferenças de classe. Neste ponto, surgem as relações de interesse, poder e domínio de alguns indivíduos sobre os outros, e nessa perspectiva, “(...) na sociedade capitalista, a escola enquanto instituição tem sido o espaço de inserção dos sujeitos nos valores e crenças da classe dominante.” (Rios, 2007, p. 35). Neste sentido, “a educação é (...) uma atividade humana partícipe da totalidade da organização social. Essa relação exige que se considere a educação como historicamente determinada por um modo de produção dominante, em nosso caso, o capitalismo.” (Cury, 1985, p. 13). Assim, a sociedade também procura perpetuar-se ao longo da História, transmitindo de geração a geração seus valores morais, culturais, sociais, usos, costumes, idéias, sentimentos comuns, mas, sobretudo, suas relações de poder. Essa transmissão se dá, na sociedade capitalista, na escola. Aqui podemos nos questionar obviamente: o papel da instituição escolar na nossa sociedade seria então o de mera transmissora dos valores dominantes? Seria essa a identidade da escola? Sobre essa questão, Severino (2001) coloca que: É íntima a relação entre educação e sociedade. As ciências humanas atestam historicamente que as práticas informais da educação trazem implícita uma concepção de sociedade e revelam em qual tipo se inserem. Quando a educação se formaliza, mantém esse vínculo com a sociedade e, ao mesmo tempo, elabora uma reflexão justificadora. Ela precisa dar-se conta de sua identidade, tomando distância em relação à sociedade. (p. 71). Nesse sentido, apesar da íntima relação entre ambas, escola e sociedade, é preciso deixar claro que elas não se sobrepõem de maneira alguma. Pois, embora a sociedade procure perpetuar-se historicamente, através da escola, isso não acontece de uma forma estática, ao contrário, está sempre em transformação e é repleta de contradições. Por tal motivo, a educação é essencial à humanidade como mediadora de aprendizados, já que é por meio dela que o ser humano tem acesso ao conhecimento, à 19 cultura, aprende a ser humano, apreende a humanidade e pode viver em sociedade; pode, ainda, perpetuar o que já existe nessa sociedade, mas, por outro lado, pode também transformá-la. A educação é, da mesma forma, mediada pelo contexto sócio-histórico, pelos instrumentos simbólicos, tanto na sua construção quanto na sua desconstrução. Nas palavras de Severino (2001): A educação é um investimento intergeracional com o objetivo de inserir os educandos nas forças construtivas do trabalho, da sociabilidade e da cultura. Entendida a educação como prática real, superam-se as concepções espiritualizadas do processo. A educação é uma atividade como qualquer outra, é trabalho e prática social e simbólica. (p. 67). (...) A educação é efetivamente uma prática cujo instrumental é formado por instrumentos simbólicos de trabalho e de ação. Dirige-se aos educandos interpelando sua subjetividade e investindo no desenvolvimento desta. Daí a importância do conhecimento teórico no trabalho educativo e por isso se fala do papel conscientizador da educação. (p. 70). Acreditamos, por isso, na extrema importância da finalidade do trabalho educativo pelo docente-formador em qualquer nível do ensino, pois ela poderá nortear questionamentos e trazer contribuições que apontarão caminhos possíveis para a transformação social. Se assim entendemos a educação (escola) como meio e não como fim em si mesma, o contexto de atuação docente se efetiva como um movimento dialético entre o ato político e o ato pedagógico. Essa unidade dialética de ação e reflexão sobre a finalidade da ação docente ultrapassa a alienação e instaura a consciência crítica na prática pedagógica, pois amplia as possibilidades de intervenção social, já que se traduzirá em atividade concreta do docente, permitindo-lhe a junção entre a teoria e a prática e impedindo o discurso vazio. Esse movimento dialético é que possibilita o compromisso político docente. Desse modo, a finalidade do trabalho educativo e os interesses que aí se propuserem, orientarão o pensamento e a ação docente, desvelando o conflito de interesses sempre presente na relação entre a educação (escola) e a sociedade. Nesse contexto, Rios (2007) alerta que a relação escola-sociedade deve ser analisada de modo crítico, para que se evidenciem os mecanismos determinantes da prática educativa. A análise 20 crítica nos levará a constatar a existência de posições diferentes no que diz respeito àquela relação. (p. 36-37). É por isso que a reflexão sobre o trabalho de formação-docente exige cada vez mais que nos questionemos sobre os interesses que orientam nossas práticas e concepções educativas, bem como os meios pelos quais procuramos atingi-los, deixando claras as finalidades que regem nossas ações no processo de formação docente. Desse modo, teremos que escolher entre uma orientação e uma definição de trabalho docente, por um lado, mais conservadora e mantenedora de uma determinada ideologia dominante ou, por outro lado, nos colocaremos contra tal ideologia, fazendo da educação (escola) um instrumento de transformação da sociedade. É essa escolha que retrata qual o compromisso político de cada docente-formador. Será através da definição dessa posição que o formador de docentes conduzirá o conteúdo e a forma de tratamento de suas contribuições. Sobre as possíveis posições, temos algumas definições concebidas segundo Cortella (2006), e as quais gostaríamos de esclarecer. Uma delas é (...) uma concepção da relação entre Escola e Sociedade que é muito presente, muito comum entre os educadores e que foi dominante no Brasil e, mesmo com algumas superações, ainda persiste no dia-a-dia pedagógico; é aquela apelidada por nós como o otimismo ingênuo6. (p. 131). Essa posição, de acordo com Cortella (2006), (...) atribuir à Escola uma missão salvífica, ou seja, ela teria um caráter messiânico; nessa concepção, o educador se assemelharia a um sacerdote, teria uma tarefa quase religiosa e, por isso, seria portador de uma vocação. (...) Na relação com a sociedade, a compreensão é de que a Educação seria a alavanca do desenvolvimento e do progresso; a frase que resume isso é “o Brasil é um país atrasado porque falta Educação; se dermos Escola a todos os brasileiros, o país sairá do subdesenvolvimento.” (p. 131). Rios (2007) explicita que esta tendência otimista e ingênua vê a instituição escolar “como algo fora da dinâmica social, como impulsionadora desta dinâmica e 6 “O ‘otimismo pedagógico’, característica da Escola Nova, ganhou destaque na educação brasileira particularmente a partir de 1930 e atingiu seu auge por volta de 1960.” (Saviani, 2006, p. 50). 21 acredita que, sendo espaço privilegiado de transmissão de cultura, a escola ‘dá o tom’ à sociedade.” (p. 37). Segundo Severino (2001), isso ocorre porque “nossa tradição tende a considerar a educação como um processo espiritual, comparável à pastoral religiosa.” (p. 67), porém para este autor: Essa aproximação é arraigada no imaginário popular, no caso da cultura ocidental. Isso decorreu da intervenção marcante do cristianismo desde os tempos medievais no trabalho educacional. Desde o fim do império Romano, a Igreja incorporou na evangelização a tarefa pedagógica de “civilizar” os povos que passavam a integrar a sociedade européia. (p. 67-8). Neste sentido, a escola seria a cura contra os males da sociedade. Seria a alavanca capaz de mover todo um sistema sociopolítico-econômico, teria o poder de transformar o mundo. Essa concepção é otimista porque valoriza a Escola, mas é ingênua, pois atribui a ela uma autonomia absoluta na sua inserção social e na capacidade de extinguir a pobreza e a miséria que não foram por ela originalmente criadas. (Cortella, 2006, p. 132). [grifo do autor] “Dêem-nos uma boa escola, e teremos a sociedade desejada”, seria o seu slogan, segundo Rios (2007). Essa concepção de educação como solução aos problemas da sociedade é “não apenas a concepção dominante em um momento particular da história da educação brasileira, mas permanece entre nós (...).” (p. 37). De outro lado, outra concepção contrapõe-se à vertente anterior, apoiando-se “na noção central de que a Educação tem, isso sim, a tarefa primordial de servir ao Poder e não a de atuar no âmbito global da Sociedade e, por isso, não é nada mais do que instrumento da dominação. A esta visão, daremos o apelido de pessimismo ingênuo.” (Cortella, 2006, p. 133). Nessa concepção, segundo Cortella (2006) o educador “é um agente da ideologia dominante, ou seja, um mero funcionário das elites.” (p. 134) Neste sentido, ele afirma: (...) a Escola não teria, de forma alguma, autonomia, sendo determinada, de maneira absoluta, pela classe dominante da Sociedade, que a manejaria livremente, por deter o poder político e econômico. O educador, veiculado 22 de injustiça social, ficaria com a missão de adequar as pessoas ao modelo institucionalmente colocado. (Cortella, 2006, p. 135). Rios (2007) concorda com essa definição, afirmando que: (...) Seus defensores procuram chamar a atenção apenas para a reprodução – indiscutível, por sinal – dos valores no âmbito escolar. ‘Não há o que fazer na escola enquanto a sociedade se apresenta com tantas limitações’, diriam eles. Um mérito pode ser apontado no interior desta tendência: percebe-se aí que a escola não se encontra fora da sociedade. Entretanto os defensores de tal concepção, tanto como os primeiros, são ingênuos, na medida em que vêem apenas uma das funções desempenhadas pela escola. (Rios, 2007, p. 38). Pois, segundo essa autora: A escola não está nem fora da sociedade, com uma autonomia absoluta diante dos fatores que estimulam as mudanças sociais, nem muito menos numa relação de subordinação absoluta, que a converte em mera reprodutora do que ocorre em nível mais amplo na sociedade. A escola é parte da sociedade e tem com o todo uma relação dialética – há uma interferência recíproca que atravessa todas as instituições que constituem o social. Além disso, podemos verificar que a escola tem uma função contraditória – ao mesmo tempo em que é fator de manutenção, ela transforma a cultura. (Rios, 2007, p. 38). As posturas: ingênuas povoam o senso-comum e não levam à consciência crítica7. Por outro lado, a análise critica do processo educativo, segundo Rios “permite que este seja reconhecido como um conjunto de práticas que, ao mesmo tempo, mantêm e transformam a estrutura social.” (Rios, 2007, p. 38). Com relação à postura ingênua, ou a “consciência ingênua” assim denominadas por Freire (2007a) é caracterizada como sendo “(...) frágil na discussão de problemas”, pois, segundo ele, “(...) o ingênuo parte do princípio que sabe tudo. Pretende ganhar a discussão com argumentos frágeis (...) sua discussão é feita mais de emocionalidades que de criticidades: não procura a verdade; trata de impô-la e procurar meios históricos para convencer com suas idéias (...).”. (p. 40). 7 A consciência crítica é aqui compreendida como fenômeno psíquico, como algo que se desenvolve de modo sócio-histórico e vai se transformando na medida em que o sujeito evolui intelectualmente, tornando-se capaz de apropriar-se da realidade, questioná-la e contribuir para sua transformação ou manutenção. 23 Por outro lado, uma postura oposta a essa “consciência ingênua”, é o que Freire (2007a) denomina de “consciência crítica”, caracterizada, entre outras coisas, pelo “anseio de profundidade na análise de problemas. Não se satisfaz com as aparências (...).” (Idem, p. 40), reconhecendo que a realidade é algo mutável, “substitui situações mágicas por princípios de causalidade.”, é indagadora, inquietante, autêntica, dialógica e por isso mesmo, “face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser novo, mas aceita-os na medida em que são válidos.” (Freire 2007a, p. 40). . Uma concepção que comporta esse princípio dialético é denominada por Cortella, como otimismo crítico. Essa postura surge, segundo ele, nos anos 80, buscando resgatar a positividade das concepções anteriores e “procurando superar tanto a fragilidade inocente contida no otimismo desenfreado quanto o imobilismo fatal presente no pessimismo militante.” (Cortella, 2006, p. 135). Essa concepção deseja apontar a natureza contraditória das instituições sociais e, aí, a possibilidade de mudanças; a Educação, dessa maneira, teria uma função conservadora e uma função inovadora ao mesmo tempo. A Escola pode, sim, servir para reproduzir as injustiças, mas, concomitantemente, é também capaz de funcionar como instrumento para mudanças; as elites controlam o sistema educacional, controlando salários, condições de trabalho, burocracia, etc., estruturando, com isso, a conservação; porém, mesmo que não queira, a Educação por elas permitida contêm espaços de inovação a partir das contradições sociais. Não é casual que as elites evitem ao máximo a universalização qualitativa da Escola em nosso país. (Idem, p. 136). Tais colocações de Freire, Severino, Rios e Cortella ajudam-nos a compreender claramente as categorias prévias com as quais trabalhamos; deixando também explícito que dentre essas três posturas Otimista Ingênua, Pessimista Ingênua e Otimista Crítica, apostamos nesta última como a mais acertada ao educador consciente do seu papel político-pedagógico na sociedade. Entendemos, portanto, que a construção de uma educação (escola) e de uma sociedade não depende simplesmente do docente selecionar temas e abordagens teóricas críticas a serem trabalhados com os futuros professores, mas depende muito da postura tomada pelo docente-formador diante das finalidades da educação que promove, do projeto político-pedagógico que defende para a instituição escolar e para a sociedade, e, acima de tudo, da clareza que tem do seu compromisso sociopolítico, pois, isso norteará 24 as respostas das questões vitais, já explicitadas: “quem queremos formar”, “para quê queremos formar?”, “a favor de que nós formamos?” e “contra o que nós formamos?”. 25 Educação (escola) e a tarefa sociopolítica: “a favor de que?” e “contra o que formamos?” A atividade do homem em sociedade tem sempre um caráter político, na medida em que a organização da vida material de uma maneira peculiar determina, ao mesmo tempo, uma maneira peculiar das idéias e das relações de poder. Não há vida social que não seja política – é em função de fins específicos, definidos por certos interesses, que os homens estabelecem suas relações com a natureza e uns com os outros, articulando em sua ação sua vontade com as condições concretas do contexto em que vive. Ser político é tomar partido (...). Rios (2007). A relação educação (escola) e sociedade, tratada no capítulo anteriormente, abre caminho para uma outra discussão, a saber, a relação entre educação (escola) e política. Tal relação tem sido abordada por diversos autores, tais como, Bourdieu e Passeron (1975); Charlot (1979); Gramsci (1982); Freire (2007a, 2007b, 1996); Althusser (1985); Severino (2003, 2001, 1998, 1986); Gadotti (2006, 2005, 2003); Saviani (2006, 2005, 2004, 1986); Rios (2007, 2000), entre outros. Charlot (1979) chega a afirmar que “educação é política” (p. 11), porém o mesmo autor adverte: (...) dizer da educação ou da escola, ou dos programas, ou do controle pedagógico, etc., que são políticos, não é ainda dizer grande coisa. Tudo é política, pois a política constitui certa forma de totalização do conjunto das experiências vividas numa sociedade determinada (...). (Charlot, 1979, p. 13). Em seguida, o próprio Charlot alerta que “(...) não basta, portanto, afirmar que a educação é política. O verdadeiro problema é saber em que ela é política.” (Idem, p. 13). Sobre essa questão, Saviani (2006) indaga: “Educação e política se equivalem, se identificam? São diferentes, em que consiste a diferença?.” (p. 82). O autor demonstra que educação e política, embora inseparáveis, não são idênticas. “Trata-se de práticas distintas, dotadas cada uma de especificidade própria.” (Idem, p. 82). 26 Saviani (2006) explicita que esse problema de se determinar a especificidade da educação e sua relação com a política, coincide com o problema do desvelar a natureza própria do fenômeno educativo. No entanto, para ele “tal tarefa implica (...) um projeto mais ambicioso, impossível de ser desenvolvido a curto prazo.” (Idem, p. 82). Ainda assim, Saviani (2006) aponta alguns elementos relativos à natureza da prática educativa por confronto com a especificidade da prática política, no que denomina de Onze teses sobre educação e política, cuja 11ª sintetiza as demais, uma conclusão das teses anteriores, que operam como suas premissas: A função política da educação cumpre-se na medida em que ela se realiza como prática especificamente pedagógica. (...) Esta tese afirma a autonomia relativa da educação em face da política como condição mesma da realização de sua contribuição política. (...) se a educação for dissolvida na política, já não cabe mais falar de prática pedagógica restando apenas a prática política. Desaparecendo a educação como falar de sua função política?.” (Saviani, 2006, p. 88-90). Ainda, à luz das teses de Saviani (2006), é interessante apresentar uma situação em que para esse autor, a afirmação “a educação é política” pode ser levada em conta. Neste caso, a afirmação procede se o adjetivo “político” não se identificar com a prática social global, como ocorre na afirmação Aristotélica: “o homem é um animal político”. Pois, Saviani nos adverte que neste caso corre-se o risco de tautologia e indiferenciação. Onde “tudo” é política e “tudo” é educação. Com relação a essa questão, ele afirma que na medida em que se pretende evidenciar a dimensão política da educação: (...) dizer que educação é sempre um ato político não significa outra coisa senão sublinhar que a educação possui sempre uma dimensão política, independentemente de se ter ou não consciência disso (...). E aqui vale lembrar que a recíproca também é verdadeira e que esse sentido não pode ser evidenciado senão quando se preserva a especificidade de cada uma dessas práticas (...). Com efeito, eu só posso afirmar que educação é um ato político (contém uma dimensão política) na medida em que eu capto determinada prática como sendo primordialmente educativa e secundariamente política. (Saviani, 2006, p. 91). Assim como explicitamos a impossibilidade de se justapor educação e sociedade, acreditamos, como Saviani, que educação e política são coisas distintas, porém em estreita relação, na medida em que, o que se faz ou se deixa de fazer numa sala de aula, por exemplo, lecionando seja em que nível for, é um ato 27 político-pedagógico. Se o professor não tem consciência disso, pode cair na armadilha da reprodução do senso comum, reiterando a dominação do sistema vigente, seja ele bom ou ruim, sem questioná-lo. Dessa forma, o ato pedagógico continua sendo ato político, porém, não se tem clareza da dimensão política desse ato. Assim, a intencionalidade, ou seja, o compromisso político do educador retrata, a nosso ver, as concepções que orientam seu trabalho, desvelado ou não, esse compromisso sempre está relacionado com as questões apontadas: “a favor de que?” e “contra o que formamos?” Neste sentido, a educação sempre terá uma direção: educamos para uma determinada sociedade. Toda prática pedagógica é sustentada por uma concepção de sociedade e de sujeito. Nenhuma prática é neutra; ou ela favorece a sociedade que temos, reproduzindo-a, ou ela se contrapõe apresentando um novo projeto social. Por isso, um posicionamento crítico frente às leis, regulamentos, pareceres, normas da educação ou a qualquer mediação educativa é facilitada quando procuramos situa-los no contexto do pensamento pedagógico brasileiro, nas tendências da educação no Brasil. Nessa linha de raciocínio, Rios (2007) acrescenta que: É preciso, portanto refletir sobre os objetivos específicos da educação, não só para a distinguirmos da prática política propriamente dita, mas para podermos ver claramente a presença da dimensão política na prática educativa. Pois é com relação à sua intencionalidade que se evidencia nas práticas sociais sua dimensão política. (p. 40). Isso posto, investigamos, no processo de formação de docentes-formadores como se apresenta a dimensão sociopolítica e quais os aspectos são apresentados pelos professores para explicitar e caracterizar esta dimensão. 28 A perspectiva sócio-histórica da educação: conflitos, contradições e mudanças O embasamento desse estudo está ancorado na perspectiva sócio-histórica, a qual considera a educação, especialmente a escolar, como um fenômeno social e político, conforme exposto anteriormente. No teor dessa abordagem, encontramos um núcleo de reflexão muito importante, já que, temos em vista que a formação de professores tem conseqüências que se vinculam às finalidades objetivas ou subjetivas que norteiam as ações desses docentes-formadores. Portanto, se o docente-formador não tem nítida consciência das conseqüências políticas do ato pedagógico que realiza, oculta em sua prática os conflitos, as contradições e a possibilidade de mudar a sociedade, assim como, a capacidade da instituição escolar de contribuir para esse fim. Para compreendermos melhor esse núcleo de reflexão, é preciso adentrar na perspectiva sócio-histórica da educação, como faremos a seguir. Na perspectiva sócio-histórica entende-se que o ser humano se constitui a partir de suas relações com os outros seres humanos, através de uma constituição histórica e social. Essa concepção fundamenta-se no materialismo histórico-dialético de Marx e concebe o homem como um ser ativo, social e histórico e a sociedade como produção histórica dos homens que através do trabalho, produzem sua vida material e suas idéias. Dessa forma, o homem é originariamente, para Marx, constituído por relações com a natureza e com os outros homens. Segundo Bock (1999): Na concepção sócio-histórica, crítica à visão positivista, o homem só pode ser compreendido em sua inserção num mundo social. As determinações humanas são sociais. Sua natureza ou sua condição biológica se insere e se desenvolve num meio social. O que a natureza dá ao homem não é suficiente para garantir sua vida em sociedade. O homem precisará adquirir formas de satisfazer suas necessidades e, para isso, deverá se apropriar das formas socialmente construídas de satisfação das necessidades. (Bock, 1999, p. 13). 29 A concepção sócio-histórica traz assim, em seu bojo, o entendimento que, todo homem se constitui como ser humano pelas relações que estabelece com os outros. Desde o nascimento somos socialmente dependentes dos outros e entramos em um processo histórico que nos oferece os dados e visões sobre mundo. (...) de muito pouco nos serve a identificação do homem com a natureza. De muito pouco nos serve a idéia de que o homem é um ser natural e, como tal, possuidor de uma natureza humana que o distingui e o identifica como ser humano (...) essa idéia tem servido para ocultar as determinações sociais do humano e, nesse sentido, cumpre um papel ideológico. Em nossa concepção, o homem é sempre social, fruto de relações sociais, e qualquer idéia que não contribua para desvendar essa determinação será considerada como ideológica. (Bock, 1999, p. 13). Neste sentido, as idéias que dissimulam e camuflam as múltiplas determinações socioculturais e ignoram a dialética das relações indivíduo/ sociedade, educação/ sociedade, educação/ política e a constituição dos conflitos de classes e ideologias provenientes desse conflito de interesses, mascaram a participação da educação na reprodução da ideologia da classe dominante. Sobre isso, Severino nos diz: Pode-se constatar pela história da formação do conceito de ideologia, não se vê estabelecer-se nenhuma relação explícita no decorrer dessa história entre o processo ideológico e o processo educacional. A questão da ideologia, qualquer que seja a concepção de seu significado, surge sempre em relação ao pensamento e à ação político-social. É como se a práxis educacional não estivesse intimamente vinculada ao processo político-social mais amplo. Isto se explica até certo ponto porque, sobretudo no que se refere à educação formal, à educação escolar, entendia se tratar de um processo neutro, puramente objetivo. Quando muito admitia-se que a educação informal era portadora de conteúdo ideológico, mas este era um processo que se diluía no processo sociocultural (...). (Severino, 1986, p. 39). Com essas definições compreendemos que a ideologia serve para ocultar e dicotomizar a realidade social, construindo uma visão teórica da situação e separando essa visão do que de fato ocorre no meio social. A palavra ideologia é trazida pelo dicionário Aurélio8 com os significados: 1. ciência da formação de idéias; 2. sistema de 8 HOLLANDA. A. B. de. (1988). Novo dicionário básico de Língua Portuguesa – Aurélio/ Folha. São Paulo: Nova Fronteira. 30 idéias. Porém, Gadotti (2005) caracteriza de maneira mais abrangente o termo, dizendo que: Existem numerosas opções de ideologia. Empregando o termo “ideologia” para designar um pensamento teórico estruturado, exprimindo uma falsa visão da história, cuja finalidade é ocultar um projeto social, político e econômico da classe dominante. A ocultação, dentro desta acepção operacional de ideologia, é, portanto um elemento fundamental de sua compreensão. Essa ocultação exprimi-se dentro de uma sociedade dada, através de distorções, de manifestações, de dominação e repressão. Esse pensamento não é um pensamento puramente “teórico”, mas profundamente ligado a uma prática social e política. (Gadotti, 2005, p. 31). A partir deste ponto retomamos a discussão proposta inicialmente, “saber em que a educação é política.”. Para Charlot (1979), “a educação é política na medida em que é encargo da escola, instituição social cuja organização e funcionamento dependem das relações de força sociais e políticas.” (p. 19). A escola desempenha um papel político na medida em que propaga uma educação que tem, ela própria, um sentido político. Assim os grupos sociais e as classes sociais procuram fazer da escola o instrumento de suas finalidades, de seus interesses e da difusão de suas idéias. A escola é o campo de lutas que traduzem as tensões e os conflitos que atravessam a sociedade, a começar pela luta de classes. A escola (...) serve, antes de tudo, aos interesses da classe dominante – apesar de não ser totalmente fechada aos modelos, aos ideais e às idéias das outras classes sociais. É, ao mesmo tempo, vítima e fonte de propagação da ideologia dominante (...). (Charlot, 1979, p. 20). Neste sentido, a presença dessa ideologia dominante na escola cria uma educação mais do que social, uma educação política, mas também partidária, ou seja, uma política de cartas marcadas, onde supostamente o indivíduo é livre para escolher o que estudar, onde trabalhar, o que “vai ser quando crescer”, mas esconde o outro lado da questão, já que dependendo da condição socioeconômica deste indivíduo, ele será submetido a uma competição feroz onde suas chances de realmente ser livre para escolher, são mínimas. Assim, nos colocamos diante da função reprodutivista da escola, resgatando a noção de escola como reprodutora da estrutura de classes e do pensamento burguês, de acordo com Bourdieu e Passeron (1975), ou Althusser (1985) e sua visão de escola como aparelho ideológico do Estado, na qual a educação presta-se a uma política 31 mistificadora que, veiculando idéias descoladas da realidade sociopolítica da qual provém, apresentando-se como algo verdadeiro, autônomo, mas que na verdade camufla a realidade. Neste viés, a escola se encontra a serviço da classe dominante, perpetuando seus interesses. Nesta perspectiva, Rios (2007) afirma que: (...) a escola da sociedade capitalista não tem cumprido a finalidade da educação que desejamos, de caráter democrático, socializando efetivamente o saber e os recursos para apreendê-lo e transformá-lo. Isso porque, como outras instituições sociais, ela tem estado a serviço da classe dominante, veiculando a ideologia dessa classe. (p. 43). Mas, se por um lado a instituição escolar veicula a ideologia das classes dominantes, por outro lado, é preciso resgatar o sentido da escola como espaço de conflitos, contradições e luta, tal qual nos coloca Gramsci (1982), e Freire (2007a) quando esse nos fala da escola como “lócus” de mudança. Em consonância com Gramsci e Freire, Gadotti (2005) observa que a educação não pode ser reduzida apenas às suas ligações com o sistema. Pois, apesar do ato educativo ser ato político, também é ato social, mas não se limita a isto. O encontro que caracteriza o ato educativo guarda algo de original que não pode ser destruído nem reduzido pela ideologia. A educação, sendo práxis, porque ela é práxis é que pode escapar à ideologia. A ideologia não consegue dominar inteiramente o ato educativo; sempre fica um espaço livre. E é justamente esse canteiro que deve ser cultivado, esse espaço livre que o educador deve alargar. Mesmo numa educação da dominação, guiada por uma pedagogia opressiva, o educador ainda tem a chance de plantar neste espaço a semente da libertação. (Gadotti, 2005, p. 35). Neste sentido, a escola como espaço de conflitos, contradições e mudanças, ainda que mergulhada na ambigüidade de suas funções reprodutora e transformadora, precisa ser alvo de discussões e debates como o que aqui nos propomos, para que possamos avançar cada vez mais no exercício da reflexão, da crítica e da transformação da sociedade. Por isso, torna-se fundamental a presença de professores que tenham uma formação e uma atuação político-pedagógica, para que possam ampliar o olhar crítico e escapar da alienação imposta por tal ideologia das classes dominantes. Já que, a “tarefa 32 de educador consiste justamente em tornar esse espaço livre, reduzido pela dominação, espaço dominante: fazer com que a liberdade triunfe sobre a dominação.” (Gadotti, 2005, p. 35). 33 CAPÍTULO II Formação e trabalho docente: algumas considerações9 As questões que envolvem a formação e o trabalho docente vêm tomando corpo e estão atualmente no foco das discussões educacionais, não só no Brasil, como também em toda a América Latina e em vários países do mundo, tais como: Portugal, França, Suíça, Canadá, Estados Unidos, entre outros. A crise mundial pela qual passamos com relação à profissão docente tem repercutido na definição, ou melhor, na indefinição da especificidade de ser professor, ou ainda, na indefinição do papel docente perante os desafios e tensões da pós-modernidade. Gadotti (2003) alerta que “(...) para entender a crise de identidade dessa profissão é preciso colocar em evidência as características atuais da profissão docente.” 10 (p. 11), já que, estamos, segundo ele, “diante de uma profissão massificada, o que realça o grande alcance dessa profissão e sua importância estratégica.”. (Idem, 2003, p. 11) O processo de profissionalização-desprofissionalização docente “alterna-se na história dos professores desde o século XIX” (Nóvoa apud Roldão, 2007, p. 4), permeado por conflitos de interesses: "A afirmação profissional dos professores é um percurso repleto de lutas e de conflitos, de hesitações e de recuos." (Idem, 2007, p. 04). Percebe-se neste contexto a fragilidade e a indefinição do trabalho docente. Isso acontece devido não só às políticas educacionais impostas às instituições escolares, mas também pelos próprios professores como atores principais da profissão docente, perdidos em meio à crescente massificação do magistério em todos os níveis. Por outro lado, segundo dados da Unesco (2007) há 60 milhões de professores no mundo. Fato que torna a classe de professores “a empresa” mais numerosa no 9 Parte desse capítulo foi apresentada na Conferência Internacional: Educação, Globalização e Cidadania, realizada em João Pessoa entre os dias 19 a 22 de fevereiro de 2008. NOGUEIRA, M. O. G.; GUIDI, A. C. (2008). Formação e trabalho docente: algumas considerações. In: Conferência Internacional Educação, Globalização e Cidadania: Novas Perspectivas da Sociologia da Educação, 1., 2008, João Pessoa. Anais ... João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2008. 1CD/ROM. 10 Grifos da autora. 34 ranking mundial, nos proporcionando assim, uma percepção sobre a dimensão e importância desta categoria. No Brasil, o resultado do censo escolar 2006 realizado pelo MEC/ INEP (Brasil, 2007)11 constatou um número total de 2.647.414 docentes somente da rede básica de ensino; onde praticamente 50% deles, 1.146.505, atuam no sistema municipal de ensino; e uma pequena parcela 14.825 no sistema federal. Em relação a 2003 observamos uma pequena diminuição de número de funções docentes, e em contrapartida uma ampliação na educação infantil e ensino médio, indicando uma expansão de oferta nesses níveis de ensino. Tabela 1 Número de funções docentes atuando por dependência administrativa, nível e modalidade de ensino - Brasil 2003-2006 BRASIL Ano Dependência Administrativa Federal Estadual Municipal Privado 2003 2.861.536 16.160 989.351 1.341.001 515.024 2006 2.647.414 14.825 958.593 1.146.505 527.491 Total Fonte: MEC/ INEP 2003/ 200612 Tabela 1: Número de funções docentes atuando por dependência administrativa, nível e modalidade de ensino - Brasil - 2003-2006. A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996 (Lei 9.394/96) volta a se constituir a formação dos professores, como pauta explícita das políticas públicas dos governos federal, estaduais e municipais. A LDBEN 9394/96 utiliza-se do termo “Profissionais da educação”, repetidas vezes ao longo do texto, indicando assim, uma possível orientação da própria lei para tratar mais profissionalmente os professores, educadores ou mestres que trabalham nos diferentes níveis do magistério. Além disso, essa Lei determina no art. 62 que a formação de docentes para atuar na educação básica seja realizada em nível superior, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação. 11 MEC/INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Para maiores detalhes sobre dependências administrativas/censo escolar; acessar:< http://www.inep. gov.br/basica/censo/escolar/sinopse/sinopse.asp>. 12 Idem. 35 Além da nova LDBEN, alguns fatores contribuíram para que houvesse um impulso em torno da discussão sobre a formação de professores no contexto brasileiro. Dentre eles, podemos destacar: a elaboração dos “Parâmetros Curriculares Nacionais” PCN, a elaboração das “Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores para a Educação Básica” e a elaboração de “Diretrizes Curriculares Nacionais” para os diversos cursos de graduação em modalidade de licenciatura plena. Podemos destacar também, alguns fatos mais recentes que vêm contribuindo com o cenário de formação e trabalho docente no Brasil e, portanto, com o avanço da educação brasileira de modo geral. Entre eles estão a criação do “Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação” – FUNDEB 13 , aprovado em dezembro de 2006, que veio substituir o “Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério” – FUNDEF, em vigor no governo anterior, que investia somente no ensino fundamental, ao passo que o FUNDEB contempla também o infantil e o médio, ou seja, a educação básica como um todo. A alteração introduzida pelo FUNDEB no financiamento da educação básica poderá ter significativo impacto sobre a oferta e a qualidade da educação brasileira Um plano importante de se destacar refere-se ao Plano Nacional da Educação – PNE, que retira o processo de escolarização do isolamento social e da responsabilidade individual, insistindo na dimensão coletiva do trabalho pedagógico e no caráter democrático de seus propósitos, de sua execução e avaliação. Expõe a redescoberta do valor da escola, do professor e da participação da sociedade. O PNE estabelece, para os professores, entre outras atribuições, a sua participação na elaboração da proposta pedagógica (art. 13, I) e garante-lhes tempo remunerado para preparação e avaliação do trabalho pedagógico (art. 67, V), no contexto de progressivos graus de autonomia da escola (art. 15). Fazendo-se uma análise dessa legislação, percebe-se que existe uma valorização do papel do professor e de sua responsabilidade no processo educacional, inclusive com a oferta de condições necessárias para o seu exercício profissional. Outro plano lançado pelo MEC, o “Plano de Desenvolvimento da Educação” – PDE, em abril do ano de 2007 anunciando a prioridade da educação como política do 13 Para maiores informações sobre o FUNDEB, o PNE e o PDE, acessar: http://portal.mec.gov.br 36 Estado, traz, em seu bojo, as bases e a concepção de valorização dos profissionais da Educação que regem os atuais programas de formação de professores do governo federal. Dessa forma, o PDE é um conjunto de programas que tem como objetivo buscar atingir as metas quantitativas estabelecidas pelo Plano Nacional da Educação – PNE. No entanto, além de ser um plano com ações específicas para essa finalidade, o mesmo possui uma concepção própria sobre a Educação, na medida em que concebe a Educação por meio de uma visão sistêmica em que o ciclo educacional é visto de maneira integral. Assim, os programas propostos pelo PDE têm seu foco na integração entre níveis e modalidades de ensino, dando ênfase a uma situação em que não ocorra a dicotomização entre educação básica e ensino superior. Pelo contrário, a concepção apresentada pelo PDE é a de que para que ocorra a melhoria da qualidade da educação básica, vai depender da formação dos seus professores, formação essa que, por lei (LDBEN - 9394/96) deve ser de nível superior. É preciso registrar ainda, dois marcos históricos que concretizaram um avanço extremamente significativo em relação às políticas públicas do setor educacional no Brasil. Pela primeira vez, sociedade civil, entidades de classe, profissionais e pais se reunirão em torno da discussão pela melhoria da qualidade do ensino a partir da construção de um sistema nacional articulado de educação. O primeiro deles, A Conferência Nacional da Educação Básica (Coneb) 14 que ocorreu entre os dias 14 e 18 de abril de 2008, em Brasília, tendo como foco de discussões, dezenas de temas que dizem respeito à educação básica pública e privada, reunindo 1.420 delegados (as) escolhidos (as) em todos os estados da federação e no Distrito Federal, pra discutirem o tema: Os desafios da construção de um Sistema Nacional Articulado de Educação. O segundo grande marco dessa conferência foi a fixação do piso salarial para o magistério público15, a instituição do piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da educação básica de R$950,00 está regulamentado pela Lei 14 Para ter acesso aos documentos e informações completas sobre A Conferência Nacional da Educação Básica, acesse o portal do MEC no endereço eletrônico: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=8986&Itemid=&sistemas=1>, acesso em 20 de jun. 2008. 15 Para ter acesso aos documentos e informações completas sobre o pisosalarial para o magistério público da educação básica, acesse o site: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=10875>, acesso em 10 set. 2008. 37 n.º1.738, de 16/7/2008 (DOU 17/7/2008), em face o art.60, alínea e, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (EC n.º 53, de 19/12/2006) e da Lei n.º 11.494/2007. A lei do piso salarial sancionada se constitui em um grande passo para a educação brasileira, por ser uma reivindicação histórica da categoria. É a primeira categoria a ter um piso salarial nacional definido na Constituição Federal. Os professores da educação básica pública dos estados, municípios, do Distrito Federal e da União serão beneficiados com a entrada em vigor do piso. Em 1994, o compromisso de estabelecimento do piso foi firmado no Palácio do Planalto, entre o Ministério da Educação, “Conselho Nacional de Secretários de Educação” (Consed), “União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação” (Undime), “Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação” (CNTE) e outros. Diante da demanda, a definição do piso salarial nacional encaminhada pelo governo federal à Câmara dos Deputados em março de 2007 significou o resgate do “Pacto Nacional pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação”. Podemos dizer que houve avanços extremamente significativos no que concerne à educação como um todo, assim como em relação à formação e ao trabalho docentes, no entanto, muito ainda precisa ser feito, principalmente no que diz respeito à Formação Inicial dos Professores. Já que, a despeito dos avanços nas discussões, os dados do último senso, divulgados pelo “Instituto Nacional Anísio Teixeira” - INEP, demonstram números significativos e preocupantes, pois, há ainda, muitos professores em atividade sem a titulação necessária; como observamos nas tabelas abaixo: Tabela 2 Descrição dos níveis de formação dos professores por nível de ensino, 2003-2006 Funções Docentes em creche Urbana e Rural Ano Total Fundamental Médio completo Incompleto Completo 2003 80.177 3.344 6.077 57.215 2006 94.038 1.204 3.714 57.133 Superior Completo 13.541 31.987 Fonte: MEC/ INEP 2003/ 2006 Tabela 2 - Descrição dos níveis de formação dos professores por nível de ensino, 2003-2006 - Funções Docentes em creche – Urbana e rural 38 Tabela 3 Descrição dos níveis de formação dos professores por nível de ensino, 2003-2006 Funções Docentes na Pré-Escola Urbana e Rural Ano Total Fundamental Médio completo Superior Completo Incompleto Completo 2003 317.022 2.837 9.350 215.953 88.882 2006 309.881 1.173 5.170 162.124 141.414 Fonte: MEC/ INEP 2003/ 2006 Tabela 3 - Descrição dos níveis de formação dos professores por nível de ensino, 2003-2006 - Funções docentes na pré-escola Tabela 4 Descrição dos níveis de formação dos professores por nível de ensino, 2003-2006 Funções Docentes no Ensino Fundamental 1ªa 4ª séries Urbana e Rural Ano Total Fundamental Médio completo Superior Completo Incompleto Completo 2003 1.022.133 5.972 18.648 678.201 319.312 2006 840.185 1.675 6.863 346.855 484.792 Fonte: MEC/ INEP 2003/ 2006 Tabela 4 - Descrição dos níveis de formação dos professores por nível de ensino, 2003-2006 – Funções docentes no Ensino Fundamental 1ª. A 4ª. séries. Tabela 5 Descrição dos níveis de formação dos professores por nível de ensino, 2003-2006 Funções Docentes no Ensino Fundamental 5ªa 8ª séries Urbana e Rural Ano Total Fundamental Médio completo Superior Completo Incompleto Completo 2003 918.822 288 1.893 238.361 678.280 2006 865.655 70 448 125.473 739.664 Fonte: MEC/ INEP 2003/ 2006 Tabela 5 - Descrição dos níveis de formação dos professores por nível de ensino, 2003-2006 – Funções docentes no Ensino Fundamental 5ª. e 8ª. séries 39 Tabela 6 Descrição dos níveis de formação dos professores por nível de ensino, 2003-2006 Funções Docentes no Ensino Médio Urbana e Rural Ano Total Fundamental Médio completo Superior Completo Incompleto Completo 2003 499.868 41 204 49.930 449.693 2006 519.935 2 20 23.704 496.209 Fonte: MEC/ INEP 2003/ 2006 Tabela 6 - Descrição dos níveis de formação dos professores por nível de ensino, 2003-2006 - Funções Docentes no Ensino Médio Fazendo uma breve análise dos dados observamos que, em 2006, houve uma melhoria do nível de formação dos professores. Ao mesmo tempo, tais dados refletem que a formação de professores no Brasil ainda está longe de ser satisfatória, já que, mais de 730 mil professores da educação básica ainda não possuem o nível superior de formação. Dessa forma, apesar da LDBEN (9394/96) trazer um capítulo especial intitulado Dos Profissionais da Educação, onde docente que pretende ensinar na educação básica deverá ter nível superior, através de curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e instituições superiores de educação, admitindo-se, porém, como formação mínima, a oferecida nas Escolas Normais de nível médio, é alarmante a precariedade da formação docente depois de mais de 10 anos da promulgação da LDBEN. Em relação ao ensino superior, verifica-se um aumento do nível de qualificação dos profissionais em relação ao censo de 2003 para o censo de 200516; todavia, constatamos a existência de docentes sem graduação atuando no ensino superior; bem como professores lecionando no ensino superior sem mestrado ou doutorado. Quantitativamente somos milhões, mas qualitativamente esses milhões sofrem uma baixa estarrecedora, conforme os dados INEP: 16 Último censo disponível no site do MEC/ INEP: < http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/outras/news03_37.htm>. fev.2008. até 19 nov. 2007.Acesso em: 20 40 Tabela 7 Funções docentes por titulação, segundo categoria administrativa das IES - Brasil 2003-2005 Ano Grau de Formação Sem graduação Graduação Especialização 2003 Mestrado Doutorado Total Sem graduação Graduação Especialização 2005 Mestrado Doutorado Total Total Nº. 23 35.641 74.714 89.288 54.487 254.153 47 37.156 86.893 105.114 63.294 292.504 % 0,03 14,02 29,39 35,13 21,43 100 0,04 12,7 29,7 35,93 21,63 100 Pública Nº. % 3 0,02 12.807 14,42 16.726 18,83 24.229 27,28 35.030 39,45 88.795 100 30 0,05 13.596 13,86 18.059 18,42 27.023 27,56 39.325 40,11 98.033 100 Privada Nº. 20 22.834 57.988 65.059 19.457 165.358 17 23.560 68.834 78.091 23.969 194.471 % 0,04 13,8 35,06 39,34 11,76 100 0,03 12,11 35,39 40,15 12,32 100 Fonte: MEC/INEP 2003/2005 Tabela 7 – Funções docentes por titulação, segundo categoria administrativa das IES-Brasil 2003-2005. Os dados do INEP demonstram a existência da necessidade de movimentos a favor da educação brasileira, como a já citada Conferência Nacional da Educação Básica, na tentativa de criar possibilidades de avanços significativos que nos levem a conquistar o acesso a uma educação de qualidade para todos no Brasil. Só assim, poderemos “construir um sentido social e ético para a escola e, quiçá, para a sociedade.” (Mancebo, 2007, p. 474). 41 O Processo de formação docente: uma perspectiva Como pudemos observar nas colocações anteriores, ainda temos muito a conquistar em relação à formação docente no Brasil, e talvez por isso, este é um assunto de grande importância no contexto educacional, despertando o interesse de vários pesquisadores não só no âmbito nacional, mas também, internacional. No Brasil, de acordo com as “Diretrizes Nacionais para a Educação”, no que concerne a “Formação Superior para a Docência na Educação Básica”, a partir da Resolução CNE/CP Nº. 1, de 15 de maio de 2006, que institui as “Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia”, licenciatura17; em seu Art. 3º: O estudante de Pedagogia trabalhará com um repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação será proporcionada no exercício da profissão, fundamentando-se em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética. Em seguida, seu Parágrafo único, acrescenta que “Para a formação do licenciado em Pedagogia é central: o conhecimento da escola como organização complexa que tem a função de promover a educação para e na cidadania.” Assim, a idéia de educação vincula-se de forma direta à idéia de cidadania, para “garantir a todos os indivíduos, sem discriminação, condições de serem produtores e fruidores dos bens naturais, sociais e simbólicos de sua sociedade (...).” (Severino, 2001, p. 90). Por esse motivo, ao se falar da formação docente, na perspectiva definida pelo Parecer CNE/CP nº. 01/2006, pressupõe-se uma formação complexa, fundamentada nos princípios sugeridos, os quais tentaremos abarcar a partir de suas dimensões. Acreditamos que essas dimensões podem contribuir de maneira decisiva para que o professor seja capaz de promover a educação para e na cidadania. 17 BRASIL. “Formação Superior para a Docência na Educação Básica”. Resolução CNE/CP Nº. 1, de 15 de maio de 2006 . Diretrizes Nacionais para a Educação: Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia. Art. 3º. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2008. 42 Embora a nossa perspectiva do processo de formação docente se fundamente em diferentes teóricos, utilizamos como referência básica, a perspectiva de valores educacionais apontadas por Severino (2001): formação técnica, política, ética e a sensibilidade estética; agregando a essas dimensões, uma outra, a subjetiva. Tais dimensões são apresentadas aqui, de modo separado, contudo, é mister ressaltar que a divisão desses conhecimentos não faz dessas dimensões algo estanque e des-sincronizado, ao contrário, essa divisão é apenas de caráter didático, pois, na verdade, elas não são isoladas entre si, pois se constituem dialeticamente; fazendo parte do processo de formação crítica dos educadores. Sobre isso, Placco (2007)18 explicita que: As dimensões são não-compartimentadas, não isoladas, nem meramente complementares. (...) Propô-las especificadamente não significa que sejam separadas, nem que tenham expressão em si mesmas. Elas só têm sentido se compreendidas em sua co-ocorrência ou simultaneidade, nas relações dialéticas que estabelecem umas com as outras (...). Quando identifico que todas as dimensões do formar são igualmente significativas, e que as questões teóricas, políticas, humanas e técnicas necessitam ser vivenciadas em equilíbrio dinâmico, eu tenho consciência dessa sincronicidade19 e, portanto, posso transformar minhas ações e meu trabalho docente e posso me transformar. (Placco, 2007). Nesta perspectiva, procuraremos dar enfoque a algumas dimensões da formação docente, às quais consideramos essenciais e que também participam dessa sincronicidade. Apesar disso, em consonância com André (1995), não desconhecemos nem ignoramos “a existência de outras dimensões eventualmente tão importantes quanto essas” e reconhecemos “a necessidade de considerá-las em sua complexidade e em suas inter-relações.” (p. 44). 18 Palestra proferida pela Prof. ª Drª. Vera Maria Nigro de Souza Placco durante o VII Congresso Nacional de Educação – EDUCERE. PUCPR, Curitiba, Paraná, 08 de novembro de 2007. 19 Segundo Placco (2007) A sincronicidade é a “Ocorrência crítica de componentes políticos, humano-interacionais e técnicos, e estes se traduzem em movimento que é ação de e entre professor-aluno-realidade. Essas relações possibilitam a construção de um espaço individual e coletivo de desenvolvimento de cada um – alunos e professores”. (p. 18) 43 O sujeito como parte do processo: a dimensão subjetiva Segundo Bock e Gonçalves (2005, p. 123), “a dimensão subjetiva é uma configuração dos sujeitos a partir de suas experiências no mundo social” e completam “é a dimensão dos registros simbólicos e emocionais que o sujeito vai construindo no decorrer de suas vivências; é o mundo psicológico propriamente dito”. Ainda em consonância com essas autoras: (...) a noção de subjetividade tem, de acordo com a concepção sócio-histórica, um conteúdo histórico que deve ser considerado. O conteúdo das experiências subjetivas expressa os lugares e posições contraditórias a partir das quais o sujeito vivencia a realidade e utiliza suas capacidades. A subjetividade, então, tem contornos compatíveis com a realidade histórica que a engendrou; por isso, devemos falar desde sempre em subjetividades para designar os aspectos psicológicos dos sujeitos, salientando o caráter processual e complexo desses aspectos. (Bock e Gonçalves, 2005, p. 115). Assim “os sujeitos vão construindo sentidos e significados para o mundo (construções simbólicas e emocionais).” (Bock, 2008). 20 Segundo esta autora, “a dimensão subjetiva não é uma coisa que vem enfeitar a realidade. Ela parte da realidade, ela é a realidade.”21 Dessa forma, com base na perspectiva sócio-histórica por nós defendida, temos como convicção a idéia de que ao sermos concebidos, não recebemos como “dom” a condição humana, mas ao contrário, somos seres históricos, interagindo com a cultura e com a sociedade, é que vamos nos constituindo humanos. Neste contexto, a dimensão subjetiva da formação docente é o que consideramos o alicerce desta construção de ser professor. Acreditamos que essa dimensão da formação pode também ser compreendida como a dimensão pessoal, quando nos referimos ao professor como sujeito do trabalho e do processo, mas precisamos destacar que a subjetividade não está localizada apenas no sujeito. Segundo González Rey (2005, p. 24), ela “está constituída tanto no sujeito individual, como nos diferentes espaços sociais em que este vive.” A subjetividade individual não pode ser compreendida de modo descolado da subjetividade social, embora uma não se sobreponha na outra. A 20 Palestra proferida pela prof. ª Drª. Ana Mercês Bahia Bock durante a participação na Mesa Temática: Escola, Convivência e Violência, durante a Conferência Internacional: Educação, Globalização e Cidadania. João Pessoa, Paraíba, 19 a 22 de março de 2008. (Anotações pessoais). 21 Ibidem. 44 subjetividade individual e a subjetividade social constituem uma configuração dialética e complexa, produzindo os processos psicológicos do sujeito. O sujeito individual está inserido, de forma constante, em espaços da subjetividade social, e sua condição de sujeito atualiza-se permanentemente na tensão produzida a partir das contradições entre suas configurações subjetivas individuais e os sentidos subjetivos produzidos em seu trânsito pelas atividades compartilhadas nos diferentes espaços sociais. (González Rey, 2005, p. 25). Assim, a dimensão subjetiva está presente em qualquer curso de graduação de qualquer faculdade, seja na área de humanas, exatas ou biológicas. Ela faz parte do processo de constituição histórico-social do sujeito em sua “versão moderna”, restando aos formadores compreenderem essa dimensão na formação dos futuros mestres, em suas respectivas singularidades. Por outro lado, essa “versão moderna” faz parte do contexto ideológico burguês, o qual pressupõe um modelo de homem, denominado por Bock (2000) de Barão de Munchhausen, referendando o conto infantil em que um cavaleiro segura seu cavalo com os próprios joelhos e puxa a si mesmo pelos próprios cabelos, escapando de um pântano. A idéia de autonomia individual, do homem deslocado das condições sociais e da possibilidade de autodeterminação de cada um de nós, movidos por uma força interior dada pela semente que está dentro de nós e que nos empurra (natureza humana), é algo muito forte em nossas concepções liberais e positivistas. (p. 18). Portanto, essa visão de homem, abstrato, autodeterminado, auto-suficiente, difunde o ideário neoliberal que dicotomiza indivíduo/ sociedade, atribuindo exclusivamente ao indivíduo toda a responsabilidade em satisfazer suas necessidades, única e exclusivamente a partir de sua vontade. Neste sentido, Bock e Gonçalves afirmam que: O sujeito é o homem que pode dominar a natureza, produzir e consumir, e pode fazê-lo por si só. O sujeito é a nova possibilidade de existência do homem moderno, senhor de si mesmo, por suas próprias possibilidades e capacidades. A gênese desse homem moderno está, então, no desenvolvimento de novas forças produtivas, as forças produtivas 45 capitalistas e no surgimento de novas relações sociais de produção, entre burguesia e proletariado. Esse contexto histórico produz também uma ideologia, o liberalismo, que delimita a compreensão do homem como sujeito nesses contornos: o sujeito é racional, individual, natural. (Bock e Gonçalves, 2005, p. 112). Contudo, surgem possibilidades históricas concretas e concepções correspondentes, de outra forma de realização do homem como sujeito, por ser a subjetividade um processo de experiências individuais dúbias, onde ao mesmo tempo em que são condições, são também conseqüências dessas experiências. “De acordo com a concepção sócio-histórica, a subjetividade é constituída em relação dialética com a objetividade e tem caráter histórico.” (Idem,2005, p. 113). Essa concepção permite romper com a ingenuidade do “sujeito burguês”, em sua alienação naturalizante. Assim, podemos avançar e ir além da visão abstrata da subjetividade neoliberal, para uma perspectiva contextualizada onde o sujeito é individual, social e histórico ao mesmo tempo. Dessa forma, o homem precisa ser compreendido em seu movimento contraditório, em sua relação ‘multideterminada’ com o mundo e consigo mesmo. No processo histórico de constituição do sujeito, as experiências contraditórias que lhe são possíveis implicam o aparecimento de concepções também contraditórias de sujeito. Ao sujeito do liberalismo, indivíduo contraditoriamente limitado pela realidade social, opõe-se o sujeito histórico, compreendido como determinado pelo processo social, mas, ao mesmo tempo, determinante dele, a partir de sua possibilidade de agir sobre a realidade e transformá-la. (Bock e Gonçalves, 2005, p. 114). Desenvolvendo nosso trabalho nessa perspectiva, podemos compreender então, pelo prisma da concepção materialista da história, que o processo de constituição do sujeito só pode ser entendido através da análise do contexto sócio-histórico da sociedade em que esse sujeito está inserido. Essa compreensão do sujeito é possível a partir de uma leitura dialética da história, reconhecendo-se que a contradição da realidade social implica em superação e transformação. Essa leitura dialética, aliada a uma abordagem materialista da história, permite reconhecer que as ações e relações humanas são resultado de um processo ativo, que pode ser conhecido e identificado em suas leis materiais e, consequentemente, alterado (Bock e Gonçalves, 2005, p. 114). 46 Estamos aqui apontando que a educação é um dos processos mais importantes de formação social do sujeito; é processo de singularização que permite a construção de subjetividade. O sujeito estará no processo, como ser ativo de sua própria formação e será, ao mesmo tempo, objetivo maior de todo trabalho educacional. Nesta perspectiva, há na educação um processo de formação de sujeitos e a dimensão subjetiva a que nos referimos aqui é, exatamente, o reconhecimento de que o sujeito é parte do processo educacional e deverá ser percebido e tomado pelo educador como tal. A Dimensão técnica O termo “técnica” é usado para indicar, segundo Cunha (apud Rios, 2000, p. 104) o “conjunto dos processos de uma arte” ou a “maneira ou habilidade especial de executar ou fazer algo”, reportando assim, a uma ação a certa forma de fazer algo, a um ofício. Essa dimensão é bem explorada no campo educacional, pois está diretamente ligada à idéia de produção, do domínio de algo, da especialização profissional, adquirindo destaque em qualquer área de trabalho no mundo moderno. Essa supervalorização da técnica como meio de produção, corre o risco de empobrecer o significado real dessa dimensão, pois acaba separando-a, isolando-a como apenas um fazer e a descola do “pensar para fazer”. Isso gera uma mecanização do ato em si, causando um processo de alienação 22 , formatando o fazer como mera repetição burocrática da ação, reprodução sem reflexão, desembocando no tecnicismo reprodutivista. Neste sentido, Freire (2007a), coloca que “(...) um profissional alienado é um ser inautêntico. Seu pensar não está comprometido consigo mesmo, não é responsável. O ser alienado não olha para a realidade com critério pessoal, mas com olhos alheios. Por isso vive uma realidade imaginária e não a sua própria realidade objetiva.” (p. 33), e 22 “Etimologicamente a palavra ‘alienação’ deriva do adjetivo latino alius, alia, aliud. Alius significa, simplesmente ‘outro’. Deste adjetivo deriva ‘alienar’, ‘alienação’, ‘alienado’. E são essas expressões que tanto podem significar ‘tornar outro’, ‘tornado outro’, isto é objetivar, ‘objetivação’, ’objetivado’, como ‘passar para outro’, ‘passado para outro’ ou ‘apropriado por outro’.” (Saviani, apud Duarte, 2004, p. 29). Nesta pesquisa utilizaremos o segundo sentido atribuído à alienação, a saber: “para referirmo-nos àqueles que perderam sua condição de sujeitos da história, aqueles que perderam sua condição de sujeitos de seus próprios atos, de suas próprias obras” (Idem). 47 esse profissional reproduz constantemente, imita, sem nenhuma autenticidade, tudo que lhe é imposto, sem qualquer análise crítica. Essa reprodução é bem conhecida nas nossas salas de aula, onde se utiliza livros didáticos “pré-fabricados” ano após ano, sem se importar em questionar “quem produziu o livro”, “por que usar determinado livro” ou a finalidade de se ensinar determinados conteúdos. Não se dá muita importância ao significado que isso tem para os estudantes ou ainda, se a aprendizagem destes livros é relevante ou mesmo pertinente. Nesse contexto, o professor acaba por representar o que de pior tem o ensino a oferecer, já que não há nenhuma interação entre esse e os estudantes; apenas transmite-se conteúdos para a “domesticação”, através do que Freire denomina de “educação bancária”. Assim, a educação (escola), ao invés de ajudar no desenvolvimento de alunos críticos e autônomos apenas automatiza o processo de ensino, fragmentando o processo educacional e desmotivando os estudantes, já que desconsidera seus interesses, sua maneira de aprender e pensar, como também, seu contexto social e histórico. Nas palavras de Freire (2007b) “(...) a educação para a domesticação é um ato de transferência de ‘conhecimento’.” (p. 105). Dessa forma, a dimensão técnica transforma-se em dimensão mecânica de uma prática que não utiliza engajamento intelectual e desconsidera a realidade em que o método é aplicado, apenas reproduzindo (faz-de-conta) uma ação continuamente como se uma única técnica fosse eficiente em qualquer meio social. Como repetidor de aulas o professor perde a dimensão de educador e nem se questiona o porquê de ensinar, o que ensina. Torna-se parte passiva no processo e faz o mesmo com seu aluno. Superar isto é compreender seu papel e do seu aluno, sabendo situar no plano social geral o conteúdo específico de cada curso. Isto é uma parte importante do processo pedagógico, da qual o professor raramente está consciente, porque ele esta hoje diante de um desafio para o qual não está preparado. É preciso prepará-lo. (Menezes, 1987, p. 121). Subjacente a essa racionalidade tecnicista e às decorrentes distorções a respeito da razão e da natureza, está, segundo Giroux (1988), o apelo para uma separação entre concepção e execução e para uma padronização do conhecimento, que facilite o seu gerenciamento e o seu controle, “desvalorizando o trabalho intelectual crítico, em benefício de considerações de ordem prática.” (p. 12-3). 48 Giroux (1988) acrescenta que O treinamento de professores é um campo no qual o domínio da racionalidade técnica tem se manifestado (...) os programas de educação de professores (...) têm sido dominados por uma orientação behaviorista, em que se persegue a especialização e o refinamento metodológico como bases para o desenvolvimento da competência do professor. (...) Dentro desse modelo behaviorista de educação, os professores são considerados mais como obedientes servidores civis, desempenhando ordens ditadas por outros, e menos como pessoas criativas e dotadas de imaginação, que podem transcender a ideologia dos métodos e meios a fim de avaliar criticamente o propósito do discurso e da prática em educação. (p. 13-14). Por outro lado, na contramão dessa orientação tecnicista, sabemos da necessidade de um domínio técnico e científico na área à qual o professor atua, pois, sem essa competência técnica fica impossível exercer seu papel profissional. Pois, “se o professor estiver engajado socialmente, mas não souber Matemática, Português, Filosofia, História, Biologia ou o que quer que lecione, será impossível para ele ser professor, inviabilizando seu papel social pela própria incompetência.” (Menezes, 1987, p. 119). Daí a necessidade de distinguir entre educação técnica e tecnicista. A primeira se refere ao processo de manipulação do mundo material, a outra enfatiza a predominância da mecanicidade dos mesmos, como se pudessem atuar independentemente de qualquer outra intencionalidade além da eficácia funcional. (Severino, 2001, p. 85). Neste sentido, a dimensão técnica não se restringe ao conceito técnico/ científico, apesar de haver a necessidade do domínio dessa competência, como bem coloca Mello (1982). Por outro lado, o compromisso político do qual nos fala Nosella (1983) deve estar sempre arraigado a essa competência. Só através dessa correlação se dá uma educação emancipadora, capaz de formar para e na cidadania. Uma educação que (...) deve incorporar a crítica às formas degradantes de produção e de consumo e clarear a significação do trabalho na existência humana. Daí o equívoco de políticas educacionais que se dedicam apenas a habilitar tecnicamente para o trabalho, submetendo o aprendiz à lógica opressiva do mercado. (Severino, 2001, p. 87). 49 Assim, é necessário estar atento, repensar e reestruturar o conceito de técnica no trabalho docente, considerando o perigo de se cair na armadilha do tecnicismo que desautoriza o professor enquanto sujeito crítico e autônomo e o rebaixa à categoria de reprodutor de uma ideologia neoliberal, adotando uma pedagogia padronizada, automática e, sobretudo alienada, formando assim, estudantes também alienados; e consequentemente uma sociedade alienada. Conforme afirma Severino (2001, p. 86), (...) embora fundamental, o exercício da profissão técnica é uma dentre as várias práticas mediadoras da existência histórica. A humanização pressupõe mediações que impõem à educação exigências para além da competência técnica e científica. Logo, a dimensão técnica (considerada como o aspecto pedagógico da docência), a nosso ver, impõe um grande desafio à formação docente, pois, requer uma formação acadêmica mais centrada no “saber fazer” na prática e na análise das práticas. Segundo Nóvoa (2006) “a formação do professor é, por vezes, excessivamente teórica, outras vezes excessivamente metodológica, mas há um déficit de práticas, de refletir sobre as práticas, de trabalhar sobre as práticas, de saber como fazer.” (p. 7). Para tanto, além da formação teórico-prática, é necessária a reflexão sobre essa prática, ou seja, a práxis23, para que se concretize, além da competência técnica, o compromisso político. Nesta perspectiva, o docente-formador e os docentes, de modo geral, precisam considerar que lecionar envolve o domínio de técnicas pedagógicas específicas, e que envolve, além disso, um compromisso político. Essa visão dialética da função docente deve ser ensinada e desenvolvida na formação inicial dos professores, por meio da relação teoria-prática. Isso envolve desde a reformulação curricular dos cursos de formação em Pedagogia, até uma nova postura frente ao ato político-pedagógico, por parte do docente-formador. 23 Entendemos a práxis como atividade prático-crítica, inspirada em Marx (1980), na primeira das Teses Contra Feuerbach. 50 A Dimensão Estética A palavra estética vem do grego aesthesis e indica uma percepção sensível da realidade. Nas palavras de Galeffi (s/d)24: De modo imediato, a palavra estética refere-se ao sensível, ao perceptível, ao sensual. Falar, então, de educação estética, ou melhor, de educação estética na formação docente, é o mesmo que falar em educação da sensibilidade humana aprendente. Nitidamente, isso não é qualquer coisa. Pelo contrário, é algo que toca o cerne da condição humana vivente e vivida. Portanto, algo da ordem dos acontecimentos implicados e não apenas daqueles hipotéticos e fantasiosos. (Idem). Nesse sentido, a educação estética ou a dimensão estética da formação e do trabalho docente trará luz à sensibilidade do educador, para que esse tenha um olhar mais humano e sensível às diferentes “belezas” de seus educandos. Referimo-nos à “belezas” como sinônimo das múltiplas formas de se ver e interpretar o mundo, assim como, as múltiplas formas de criar e recriar os sentidos da vida. Para desenvolver melhor tal idéia, recorremos novamente a Galeffi (s/d): Penso que se deva começar por reconhecer a multiplicidade da espécie humana, em todas as suas dimensões e sentidos. Assim, não há como dizer ou afirmar apenas uma ou algumas formas de beleza ou realização sensível dos seres humanos. São infinitas as formas de dizer e de sentir o mundo, e não há motivos para se acreditar em hegemonias axiológicas de nenhuma espécie. Aliás, qualquer que seja a hegemonia, ela só é indicativo de uma única coisa: dominação e prepotência de uns sobre outros. Nesta medida, uma educação estética haverá de fundar-se no primado da diferença do ente-espécie humanidade, e não em uma ou apenas algumas de suas formas de ser. Toda forma de ser, afinal, é modo de ser sensível, e não há razão suficiente que explique ou justifique a prepotência ideológica de alguns em querer impor seus modelos estéticos a todos, como se fossem os únicos autorizados pelos deuses para tal fim. (Idem) Por essa razão que é crucial a dimensão estética na formação e no trabalho docente. Não se trata de um aprofundamento no sentido de uma estética da arte, tal como brilhantemente refletiram os filósofos Platão, Kant, Schiller, Hegel, Benjamim, só para citar alguns. Mas sim, de uma estética do respeito às diferenças, do olhar 24 GALEFFI, D. A. (s/d). Estética e formação docente: uma compreensão implicada. Disponível em <http://www.faced.ufba.br/rascunho_digital/>. Acesso em 12 fev. 2008. 51 humanizador, trata-se de uma dimensão da existência humana, da criação humana em toda sua subjetividade e singularidade. É ter consciência de que na inter-relação educador-educando há de se valorizar a experiência do outro, seus conhecimentos prévios, seus saberes, afetos, meio sociocultural, história de vida... É sensibilizar e humanizar o trabalho docente e não se limitar à transmissão da cultura de uma ideologia dominante, que estabelece um modelo único, um padrão a ser seguido; excluindo tudo e todos que não se encaixam nesse perfil. De acordo com Rios (2000) “afirmar uma dimensão estética na prática docente é trazer a luz para a subjetividade do professor, subjetividade construída na vivência concreta do processo de formação e de prática profissional.” (p. 109). É também, a nosso ver, trazer a luz à subjetividade do estudante, num movimento dialético educando-educador, onde a educação, além de um ato racional e consciente se torna também um ato sensível e afetivo. Portanto, segundo Severino (2001, p. 96) “a emotividade e a subjetividade desejante são fatores dinâmicos indiscutíveis quando se trata das opções valorativas sobre o nosso agir.”. Dessa forma, somente articulando o sensível e o inteligível, poderemos ser mais do que profissionais da educação, para nos tornarmos profissionais do humano. Freire (1996) destaca que a “(...) promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética.” (p. 32). A Dimensão Ética O ser humano se diferencia do restante dos seres vivos por ter consciência de suas ações, apesar de nem sempre agir com bom senso ou, muitas vezes, agir mecanicamente; no entanto, sempre existe a possibilidade de pensar sobre tais ações antes ou depois de tê-las realizado. Porém, é evidente que o sujeito não pode controlar tudo que lhe acontece simplesmente pensando sobre tais coisas, já que muitos fatos lhe escapam completamente ao controle e acontecem independentemente de seu desejo ou da sua vontade. Ainda assim, o sujeito pode pensar sobre tais acontecimentos. Nisso consiste a liberdade humana, a liberdade de livre pensamento. Segundo Severino (2001): 52 Se todos os fatores dependessem deterministicamente de fatores alheios à vontade livre, as pessoas não se sentiriam responsáveis por elas. Contudo, apesar dos condicionamentos que as cercam, há margem para uma avaliação e tomada de decisão. Nós gozamos de um campo de liberdade, vontade livre e autonomia, não podendo alegar que houve total determinação de fatores externos. (p. 92). A vontade livre e autônoma da qual nos fala Severino é a possibilidade de discernir sobre as coisas, os fatos, ações e atitudes; valorando estes, ou seja, criando valores ao se relacionar com o mundo. Nisso consiste a ética, que vem do grego ethos, podendo ser traduzido como caráter. Sabe-se que em sua origem mais arcaica ethos significou “morada” ou “guarida” dos animais, e que só mais tarde, por extensão, se referirá ao âmbito humano, conservando, de algum modo, esse primeiro sentido de “lugar de resguardo”, de refúgio ou proteção; de espaço vital seguro, resguardado da “intempérie” e no qual se costuma “habitar”. O sentido de “habitar” ou morar” está certamente entranhado no ethos humano: remete à idéia de morada interior. O ethos é lugar humano de segurança existencial. (Gonzáles, apud Rios, 2000, p. 112). O ethos designa, assim, o espaço da cultura – do mundo transformado e valorado pelos seres humanos. Nesse sentido, é impossível não falar da moral, que em latim, designa ‘costume’, mores. De acordo com Rios (2000) “a significação originária comum dos termos ethos e mores tem levado a uma identificação entre os conceitos de ética e moral.” (p. 112). Porém, essa autora ressalta que o termo ética, .passa a designar, historicamente, não mais o costume, mas a reflexão sobre o costume, o questionamento do costume, a busca de seu fundamento, dos princípios que o sustentam.” (Idem, 2000, p. 112). Contudo, sabemos que a ética “só encontra referências na dimensão especificamente humana.” (Severino, 2001, p. 94). O que quer dizer que “o sujeito se encontra sob as injunções de sua realidade natural e histórico-social, que até certo ponto o conduzem e determinam seu comportamento.” (Idem, 2001, p. 94). Por outro lado: (...) a realidade também é constituída pelo sujeito, não mais entendido como entidade substancial e absolutamente livre, nem como sujeito empírico puramente natural. Ele existe concretamente nos dois registros, 53 na medida em que é histórico-social, cultural. O homem é uma entidade natural histórica, determinada pelas condições objetivas e que atua sobre elas por meio de sua práxis. (Severino, 2001, p. 94) Neste sentido, o educador deve refletir constantemente sobre sua prática e sobre os princípios que a sustentam, respeitando os educandos. Só assim, pode exercer de maneira sensível, consciente, criativa e crítica seu papel, habitando seu lugar como humanizador social. Nas palavras de Severino: O respeito e a sensibilidade com relação à dignidade da pessoa não tornam idealizada e alienada a nossa postura ética. Ao contrário, exigem o aguçamento de nossa sensibilidade às condições históricas e concretas da existência, afinal, suas únicas mediações reais. Esse aguçamento exige o pleno compromisso de aplicar na orientação de nossas vidas a única ferramenta: o conhecimento. Este deve tornar-se, então, competente, criativo e crítico. (Severino, 2001, p. 95). Porém, o próprio Severino adverte que: Esse compromisso ético, que se estende ao exercício profissional dos educadores, se acirra nas coordenadas sócio-históricas. Isto porque as forças de alienação se consolidaram nas estruturas sociais. As condições de trabalho são degradantes, as relações de poder opressivas e a vivência cultural precária. A distribuição dos bens naturais, políticos e simbólicos é muito desigual. As condições atuais de existência da humanidade, em suas mediações objetivas, são injustas e desumanizadoras. (Idem, p. 156). É preciso “tomar partido”, já que, “(...) há escolhas, há exigências de caráter social (...) e essas escolhas têm implicações ético-políticas.” (Rios, 2007, p. 56). Dessa forma, a prática educativa requer uma postura ética do educador, requer uma tomada de posição, uma intencionalidade que favoreça a construção de uma educação cidadã, capaz de emancipar o sujeito, destruindo as relações de classe que efetivam a alienação e dominação, privando o ser humano de seu pleno desenvolvimento. Neste sentido, mais que um compromisso ético, há de se ter um compromisso estético, técnico e sóciopolítico no exercício da docência. Neste sentido, Severino (2001) destaca que “a mais radical exigência ética contemporânea para os sujeitos envolvidos na educação é o compromisso de aplicar o conhecimento na construção da cidadania” (p. 95). 54 A Dimensão sociopolítica (...) a dimensão política revela-se pela relação ética do educador com a realidade social mais ampla; pela busca de um relacionamento entre o que faz e a realidade do aluno; pela percepção de seu papel social e do papel social do aluno; pela busca em conhecer e analisar criticamente a realidade; buscando contextualizar o conteúdo programático e as formas de trabalho que desenvolve, para garantir a pertinência social de seus objetivos educacionais e sua responsabilidade diante da formação. Placco (1994) A educação (escola) tem proporcionado uma visão parcial das coisas, ao longo de sua história, e quem vem determinando o que, quando, como, onde e porque educar é a classe dominante, por meio do poder e do controle dos aparelhos ideológicos, como por exemplo, a imprensa, as instituições penais, o sistema de partidos, o exército, a mídia, as religiões, a família, os aparelhos jurídicos e é claro, a instituição escolar. Neste sentido, faz-se urgente e necessária a discussão e compreensão dos fenômenos que causam essa condição. Gadotti (2005) explicita que apesar do problema central continuar sendo a relação da Educação com a Sociedade, é necessário colocar a questão política que, segundo ele, significa também afrontar as questões anteriormente explicitadas: “para que serve o que aprendemos? Para quem é e contra quem é? Para que serve a escola?” (p. 78). Segundo ele, “a formação do novo educador se dará a partir de uma sólida formação política e social.” (p. 79). Neste sentido, pensar a dimensão sociopolítica da formação docente é pensar num educador otimista-crítico, com consciência pessoal daquilo que se espera da educação e da contribuição que ele pode dar a partir de seu trabalho docente, para a realização da transformação social. Pensar a dimensão sóciopolítica da formação é pensar a relação que se pretende entre a educação e a sociedade; é escolher uma sociedade e um tipo de sujeito para incentivar como o trabalho educativo. Quando o trabalho de docentes-formadores é formar outros docentes – condição dos professores que participaram desse estudo -, deve ser considerada esta dupla tarefa: 55 ter clareza da dimensão sóciopolítica do trabalho que se realiza e, ao mesmo tempo, formar o docente capaz de realizar seu trabalho imbuído dessa mesma clareza. Deste modo, a formação do educador, deve prepará-lo para que ele possa, “mediante o exercício de sua função, estender essa consciência aos educandos, contribuindo para que vivenciem a dimensão coletiva e solidária de sua existência.” (Severino, 2003, p. 78). O autor afirma ainda que: A educação precisa garantir aos educandos clara percepção das relações de poder na realidade histórica da sociedade. Sem tal compreensão, os sujeitos não entenderão o significado de seu existir. Daí que o trabalho educativo deve subsidiar os estudantes para desvendar os vieses ideológicos do processo. Mediante a crítica aos sentidos falseados, a educação pode contribuir para a formação de nova consciência social nos educandos. Só assim a educação evitará a reprodução social e atuará como força de transformação, contribuindo para extirpar os focos de alienação. (Severino, 2001, p. 89). Neste viés, surge a necessidade do “educador ser um agente político que deve afirmar-se como sujeito na construção de sua cidadania e de seus educandos” (Idem, 2001, p. 89). Porém, em geral, na formação de professores, temos um currículo que abrange geralmente as dimensões teóricas e técnico-pedagógicas da formação docente, deixando de lado as outras dimensões necessárias à constituição de uma formação e de um trabalho docente realmente efetivo, já que todas as dimensões têm um papel extremamente importante na educação do educador. Acreditamos que a dimensão sociopolítica é a que diz respeito à relação da educação com um projeto de sociedade e de sujeito que se quer incentivar com ela; é aqui o âmbito da construção, pelo educador, de seu projeto de transformação social. Sem se dar conta da presença dessa dimensão, o educador assume um papel ingênuo de mero transmissor do conhecimento, sem contribuir com uma mudança qualitativa na sociedade, já que a mudança, segundo Fernandes (1987), em qualquer sociedade é um processo político. Fernandes coloca que “(...) para o educador pensar em mudança, tem que pensar politicamente, pois, os educadores, mais até que os políticos, são pessoas que convivem com os problemas essenciais da sociedade ao nível político.” (Idem, 1987, p. 27). 56 (...) daí a necessidade de o professor, no seu cotidiano, ter uma consciência política aguda e aguçada, firme e exemplar (...) ele precisa ter instrumentos intelectuais para ser crítico diante da realidade e para nessa realidade, desenvolver uma nova prática, que vá além da escola. (Idem, p. 30). Tais colocações demonstram, a priori, a necessidade de uma formação sociopolítica na formação docente, porém, segundo Giroux (1988): As instituições de treinamento de professores (...) têm, historicamente, se omitido em seu papel de educar os docentes como intelectuais. Em parte, isto se deve à absorção da crescente racionalidade tecnocrática que separa teoria e prática e contribui para o desenvolvimento de formas de pedagogia que ignoram a criatividade e o discernimento do professor. Aquela omissão também é resultado da predominância de teorias e formas de liderança e organização escolar que dão aos docentes pouco controle sobre a natureza de seu trabalho. (...) Na maior parte dos programas de formação para o magistério, a ênfase em se obter, dos futuros educadores, o domínio de técnicas pedagógicas, geralmente evita questões sobre os objetivos e anula o discurso da crítica e da possibilidade. (p. 23-24) Nesta perspectiva, consideramos que se torna fundamental, superar a consciência ingênua e fazer emergir a consciência crítica e política, vinculada à formação sociopolítica do educador. Para isso, o educador deverá estar comprometido com uma perspectiva de transformação da sociedade em que vive, o que quer dizer, se dedicar a oferecer condições para a formação de cidadãos conscientes, através da docência. Ainda de acordo com Fernandes: O professor precisa estar armado com uma consciência política exemplar. Ele é uma pessoa que está em tensão política permanente com a realidade e só pode atuar sobre essa realidade se for capaz de perceber isso politicamente (...) O professor precisa se colocar na situação de um cidadão de uma sociedade capitalista subdesenvolvida e com problemas especiais, nesse quadro, reconhecer que tem um amplo conjunto de potencialidades, que só poderão ser dinamizadas se ele agir politicamente se conjugar uma prática pedagógica eficiente a uma ação política da mesma qualidade. (Fernandes, 1987, p. 31). 57 Giroux (1997), analisando o trabalho e a formação de professores norte americanos, também aponta essa necessidade de termos o educador como intelectual25, crítico e transformador. De acordo com ele, o educador com tais características, reconhece-se como sujeito capaz de provocar mudanças, pois, além de manifestar-se contra as injustiças econômicas, políticas e sociais dentro e fora da escola, também trabalha para criar condições que dêem aos estudantes a oportunidade de tornarem-se cidadãos também críticos e transformadores. Esses intelectuais transformadores têm, para esse autor, “(...) a tarefa central (...) de tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico.” (Giroux, 1988. p. 32). Nesse contexto, o conceito de intelectual para Giroux: (...) fornece a base teórica para o questionamento das condições ideológicas e econômicas sob as quais os intelectuais, como um grupo social, precisam trabalhar a fim de funcionarem como seres críticos, reflexivos e criativos. Este último ponto reveste-se de uma dimensão normativa e política e parece especialmente relevante para professores, pois, se acreditamos que o papel da docência não pode ser reduzido ao mero treino em habilidades práticas, mas envolve a educação de uma classe de intelectuais vital para o desenvolvimento de uma sociedade democrática, então a categoria de intelectual, torna-se uma forma de integrar o objetivo da educação do professor, a escola e o treinamento em serviço àqueles mesmos princípios necessários para o desenvolvimento de uma sociedade e de uma ordem democráticas. (Idem, 1988, p. 23) Porém, ainda segundo esse autor: Muito freqüentemente, os programas de formação de professores perdem a visão da necessidade de educar os estudantes para se tornarem profissionais críticos, mas desenvolvem cursos que focalizam os problemas imediatos da escola e que substituem, pelo discurso do gerenciamento e da eficiência, a análise crítica das condições subjacentes à estrutura da vida escolar. (Giroux, 1988, p. 14). Repezza (1993) adverte que apesar de uma formação política permitir a crítica à sociedade, não significa que ela vá transformá-la, ou seja, a formação política, segundo 25 Intelectual é alguém que conhece seu campo e tem uma larga visão sobre outros aspectos do mundo; alguém que usa sua experiência para desenvolver teorias e questões e que volta a interrogar a teoria com base em maior experiência. Intelectual é também alguém que tem coragem para questionar a autoridade e que se recusa a agir contra sua própria vivência e julgamento (Kohl, apud Giroux, 1988, p. 27) 58 ela, não é suficiente para atingir os objetivos políticos da sociedade e mudá-la. Ela argumenta que o educador não será transformador da sociedade, pois, é necessário, no seu ponto de vista, muito mais do que proporcionar uma formação política, é necessária uma educação política26. (p. 44-5). No mesmo sentido, Ribeiro (1983) reafirma que a formação política dos educadores tem que ser explicitada e aprimorada constantemente na prática e pela prática, e denuncia que a formação política de uma significativa parcela dos professores só se concretiza dessa forma. Por outro lado, Saddi (1996, p. 5) discorda da idéia da formação política dos educadores restrita à prática, pois, para ele essa visão se mostra insuficiente, já que, a formação política ficaria solta e dicotomizada em relação a uma idéia de base teórica. Com relação a essa questão, concordamos com a solução de Silva (1992, p. 14), para esse impasse, quando este aponta que o educador deve ser um “intelectual dirigente”27, marcado pela consciência política, capaz de pensar criticamente a realidade e, em vista disso, ele precisa estar instrumentalizado, não apenas com os recursos pedagógicos, mas com o “exercício da prática política”. Acreditamos, portanto, que a dicotomização entre a concepção política da formação de educadores e a prática pedagógica em si impedem a viabilidade da práxis educativa. Por outro lado, se os professores têm uma visão sócio-crítica sobre a prática pedagógica e sobre o conhecimento que possuem, os “instrumentos simbólicos” 28 podem efetivamente tornarem-se instrumentos de emancipação e humanização, por meio de uma práxis transformadora, visando à construção de uma sociedade mais justa com um sujeito mais humanizado. Nessa perspectiva, um conteúdo crucial na formação de qualquer cidadão é a formação política, principalmente se estivermos tratando da formação de educadores, algo mais necessário ainda. Quando esses cidadãos contribuem para a formação de 26 Repezza (1993, p. 45) entende a “educação política” como o modo gerado pela prática do exercício político, que não se dá de forma imediata na instituição de ensino, mas sim nos exercícios da prática especificamente políticos. 27 Na visão de Silva (1992) o intelectual dirigente é aquele capaz de conjugar a formação técnica e a formação política, desempenhando uma função político-social plena. (p. 20-1). 28 Segundo Severino, 2001, p. 59) “(...) os homens desenvolvem práticas cujas ferramentas são fundamentalmente símbolos. Suas ações utilizam o equipamento de cultura simbólica. Dentre essas ações se destaca a educação.” 59 outros, como é o caso dos profissionais da educação, pois como bem adverte Fernandes (1987, p. 14) o caráter político do que o educador faz ou deixa de fazer influencia sensivelmente o meio social. Assim, o preparo político é uma das responsabilidades inevitáveis da universidade, devendo esta ser, além de formadora, gestora e crítica do pensamento político de seus docentes, alunos, ex-alunos e da sociedade em geral, dado o caráter universal dos conhecimentos que, por missão, deve construir. Concordamos com Giroux (1988), quando esse autor coloca que: Os professores devem responsabilizar-se ativamente por levantar questões sérias sobre o que ensinam, como devem desempenhar papel importante na definição dos propósitos e das condições da escolarização. Tal tarefa é impossível dentro da divisão de trabalho, onde os docentes têm pouca influência sobre as condições econômicas e ideológicas de sua atividade. Há também uma crescente tendência política e ideológica (...) para afastar os professores e os alunos de seu contexto e de suas experiências culturais, em nome de abordagens pedagógicas que tornarão o processo escolar mais instrumental (...). O conceito do professor como intelectual pode fundamentar uma postura teórica para a luta contra esse tipo de imposição ideológica e pedagógica. (Giroux, 1988, p. 22). Sob esta ótica, mais que um compromisso pessoal e profissional há de se ter um compromisso político-social na docência, já que, o despertar da dimensão política contribui significativamente com o papel profissional em seu exercício para a transformação social. Essa consciência política docente deve gerar uma ação-reflexão (práxis) que não se restringe à ‘sala de aula’, mas que deve fazer-se presente no seio da instituição escolar e do trabalho docente, permeando todas as suas atividades. Dessa forma, o educador “fazendo ‘prática social’, está exercendo seu papel específico na sociedade, que é vincular o ato educativo ao ato político, a teoria e a prática da transformação.” (Gadotti, 2005, p. 54). (grifos do autor) Acreditamos que neste sentido, ao politizar o conceito de formação e trabalho docente e ao desvelar a natureza ideológica por detrás do processo educativo, torna-se possível questionar qual a tarefa sociopolítica da educação enquanto categoria de transformação social, e ainda, qual a função social do próprio trabalho docente. Importante salientar que esta tarefa transformadora não é exclusividade da educação, pois existem condicionantes que incidem sobre ela. Mas, em seu papel, a 60 educação precisa encontrar sua função formadora, transformadora, histórica, capaz de levar o indivíduo longe do individualismo, com um ideal humano superior, coletivo, consciente e livre. 61 CAPÍTULO III O Caminho Metodológico Planejar investigações "progressistas", "engajadas" ou simplesmente "diferentes", não consiste apenas na escolha do assunto ou tema. A radicalidade, a relevância sociopolítica de uma pesquisa também é determinada pelas condições de obtenção dos dados e os procedimentos aos quais são submetidos - numa palavra, pelo dispositivo metodológico. Assim, contra a ilusão de neutralidade, é preciso salientar que os métodos e técnicas de pesquisa são, ao lado dos conceitos e teorias, instrumentos de produção do conhecimento concreto radical e crítico. Thiollent (1982). A construção do caminho metodológico foi, certamente, complexa. Quase todos os estudos pesquisados na revisão de literatura apontam uma investigação teórico-bibliográfica acerca das questões sociopolíticas na educação, entre eles, Rios (2007), Silva (1992), Ribeiro (1983), Saddi (1996). Apenas a pesquisa de Repezza (1993) apresenta como instrumento de investigação a entrevista, contudo seu foco de análise são diretores, especialistas e professores da pré-escola, ensino fundamental e médio de escolas públicas e particulares da cidade de Uberlândia. Dessa forma, o desafio de dar “voz” ao docente universitário neste estudo tornou-se tarefa árdua, porém necessária para que pudéssemos contribuir de maneira significativa com os estudos já realizados. Eis que desenvolvemos essa pesquisa de mestrado, com o propósito de nos possibilitar reflexões aprofundadas sobre a seguinte indagação: quais são os aspectos que o docente-formador apresenta em seu discurso para caracterizar a presença da dimensão sociopolítica no trabalho de formação que realiza? Neste sentido, muitas questões surgiram na tentativa de encontrar os melhores meios para dar vez e voz aos docentes-formadores, como parte imprescindível na construção dessa pesquisa e no avanço dos estudos anteriores. Para tanto, elaboramos e reelaboramos nosso instrumento, fazendo e refazendo nosso roteiro de questionário, até 62 percebermos que este não seria suficiente para dar conta do que procurávamos, como já explicitamos, “investigar a presença da dimensão sociopolítica no processo de formação de professores a partir da visão dos docentes-formadores de Pedagogia.”. O questionário, apesar de nos trazer uma série de aspectos, não possibilitava esclarecimentos e aprofundamento das respostas. Passamos então a utilizá-los como uma primeira etapa do trabalho, organizando as respostas e destacando a que se referia à relação entre educação e sociedade, classificando-os em ‘otimistas ingênuos’, ‘pessimistas ingênuos’ e ‘otimistas críticos’. A partir desta etapa e destas classificações, considerando ainda o tipo de instituição de vínculo do professor, partimos para uma segunda etapa do trabalho. Optamos por realizar entrevistas com quatro professores, para aprofundarmos o entendimento acerca da questão de pesquisa. Na primeira etapa algumas decisões de procedimentos são importantes de serem esclarecidas: Uma vez decidido o caminho metodológico, escolhemos seis Universidades brasileiras, situadas nos estados de São Paulo e do Paraná. Os critérios de seleção dessas Universidades escolhidas foram os seguintes: - A existência de curso de Pedagogia na Universidade. - Os resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade)29, que integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), do Ministério da Educação (MEC). As Universidades selecionadas para essa pesquisa obtiveram IDD superior ou igual a três, portanto os cursos superiores de Pedagogia dessas instituições atingiram os índices considerados bons ou excelentes pelo MEC. Esta decisão metodológica se justifica pelo argumento de que buscávamos boas escolas, onde houvesse bons professores que pudessem expressar as posições mais avançadas deste momento. 29 O ENADE tem como objetivo aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências. Faz parte desse exame a avaliação do Indicador de Diferença de Desempenho (IDD), que mede, analisa e avalia o conhecimento agregado pelos cursos, em função do crescimento intelectual e cultural do estudante. Nesse item, a avaliação é feita numa escala de um a cinco, os cursos que tenham conseguido apenas notas 1 ou 2 estão passiveis de ações administrativas que deverão ser reavaliados em aspectos importantes, como contratação de professores, bibliotecas atualizadas, currículos mais pertinentes à realidade de hoje no Brasil e no mundo. Foram utilizados nesse estudo os dados do ENADE 2005, onde foram avaliados cursos de graduação em todo o país, por ser o único que faz referência ao curso de Pedagogia. Maiores informações sobre o ENADE podem ser obtidas no site: <http://www.inep. gov.br/imprensa/noticias/edusuperior/enade/arquivo08.htm>. 63 - As Universidades indicadas foram escolhidas também, para que pudéssemos ter uma amostra de professores de Universidades públicas e privadas, dividindo-se as privadas em dois blocos: as que têm fins lucrativos e as que são comunitárias ou confessionais. - Além desses critérios, na escolha, buscou-se a facilidade de acesso às Universidades e aos professores como também, no caso das Universidades particulares, a diferença no tipo de alunos que cada uma possui, tendo em vista os diferentes conceitos obtidos por tais Universidades no ENADE. A escolha dos professores se deu pela diversidade tanto no tempo de experiência docente no ensino superior, quanto na disciplina que esses professores lecionavam. Os quinze professores participantes da primeira etapa desse estudo têm entre 03 e 34 anos de experiência no Ensino Superior e lecionam diferentes disciplinas. Dessa forma, acreditamos estar atingindo um campo bastante diversificado com relação à experiência docente, podendo assim, ter um olhar mais abrangente sobre a dimensão sociopolítica no trabalho desses docentes-formadores. Além disso, outro critério utilizado é a formação para docência no ensino superior, dessa forma, selecionamos apenas professores com Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado. A primeira etapa consistiu em responder a um questionário enviado via e-mail para os professores de Pedagogia das seis Universidades escolhidas, dos quais tivemos retorno efetivo de quinze, entregues, depois de respondidos, via e-mail ou pessoalmente. Nessa etapa também foi pedido o envio dos programas das respectivas disciplinas lecionadas por esses professores, porém como alguns não enviaram os programas junto com o questionário respondido, fomos obrigados a abandonar a idéia inicial de análise dos programas e retomá-la somente na Etapa II (os 04 professores entrevistados forneceram os programas). Com as respostas em mãos, pudemos escolher quatro professores para serem entrevistados em uma segunda etapa da pesquisa. Para maior compreensão do processo, passaremos agora a uma análise mais minuciosa sobre essas etapas. 64 Etapa I - O Questionário Para a produção dos dados da primeira etapa construiu-se um questionário (anexo I) com perguntas abertas e fechadas. Os aspectos do questionário dizem respeito à caracterização do docente; a sua formação para docência em ensino superior; sua posição sobre o “ser professor” e sobre o programa e os temas abordados nas disciplinas que leciona; o tipo de aluno (professor) que o docente-formador deseja formar a partir da docência e suas preocupações e as finalidades do seu trabalho, trazendo à tona sua compreensão sobre a relação entre a instituição escolar e a sociedade. Nessa etapa, foram enviados questionários a 135 docentes-formadores das seis Universidades eleitas, sendo que três delas encontram-se no estado de São Paulo e as outras três no estado do Paraná. Dessas, duas são públicas e estaduais (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e Universidade Estadual de Londrina - UEL); duas são particulares (Universidade Paulista - UNIP, Universidade Positivo – UP/PR) e duas confessionais/comunitárias (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR). Dos questionários enviados, como já explicitamos anteriormente, apenas 15 foram respondidos e devolvidos à pesquisadora. Como demonstra o quadro a seguir: Nº. de questionários enviados aos Professores 135 Nº. total de questionários respondidos 15 Porcentagem Nº. de questionários respondidos em % 11% O questionário foi aplicado com a intenção de permitir a escolha dos sujeitos a serem entrevistados. Nosso intuito foi selecionar sujeitos com posições diferentes sobre a relação educação-sociedade, de instituições dos dois seguimentos (público e privado), com formações também diferenciadas. Oferecemos no questionário (ver anexo I) três alternativas para o professor escolher uma que melhor representasse sua visão sobre a relação educação-sociedade. Utilizamos como recurso as categorias explicitadas no Capítulo 1 desse trabalho: Otimista Ingênuo, Otimista Crítico e Pessimista Ingênuo. Pudemos classificá-los em uma das três categorias. 65 A questão se apresentava da seguinte forma: “Considerando suas preocupações e as finalidades do seu trabalho, escolha dentre as alternativas abaixo a que melhor representa seu pensamento sobre a instituição escolar e a formação dos pedagogos.”. Após o enunciado da questão, seguiam as três alternativas possíveis para que professor pudesse escolher, a saber: a) a instituição escolar tem capacidade de mudar e melhorar a sociedade, na medida em que forma profissionais qualificados que com seu trabalho transformam a realidade social; b) a instituição escolar reproduz a desigualdade social, prepara a força de trabalho necessária para o capital e reforça a ideologia dominante em nossa sociedade; c) a instituição escolar contém contradições, contribuindo para melhorar a sociedade ao mesmo tempo em que reproduz o que está estabelecido. A partir dessa classificação prévia dos docentes-formadores, obtivemos um resultado onde 67% dos 15 sujeitos escolheram a alternativa a, que corresponde a categoria Otimista Crítico; 27% dos sujeitos escolheram a alternativa b, que corresponde a categoria Otimista Ingênuo e nenhum deles escolheu a alternativa c, que corresponde a categoria Pessimista Ingênuo. Esse resultado nos levou a entrevistar 03 docentes-formadores que escolheram a alternativa a e 01 docente-formador que escolheu a alternativa b, garantindo a proporcionalidade da presença das posições. Como a alternativa c não foi escolhida por nenhum deles, não foi possível entrevistar docentes classificados dentro da categoria Pessimista Ingênuo. Esses dados podem ser melhor visualizados na tabela a seguir: CATEGORIAS DE ANÁLISE 1 2 3 4 Otimista Crítico (alternativa a) Otimista Ingênuo (alternativa b) Pessimista Ingênuo (alternativa c) Não se posicionou Nº. de educadores por Categoria Porcentagem Amostragem 25% Nº. de educadores a serem entrevistados 10 67% 17% 03 04 27% 7% 01 0 0% 0% 00 01 6% 1% 00 Nº. de docentes-formadores a serem entrevistados 04 Delimitando isso, partimos para entrevistas com uma amostragem de 25%, ou seja, 04 educadores. Esses 25% foram selecionados de forma a representar a proporção 66 em que os educadores se apresentaram dentro das categorias pré-estabelecidas nesta pesquisa e enunciadas anteriormente. Em seguida, buscamos aprofundar a investigação, como será relatado a seguir, na segunda etapa da pesquisa. Etapa II - A Entrevista Após a primeira etapa, como explicitamos anteriormente, buscamos a participação de 04 professores dos dois seguimentos Universitários (público e privado). As entrevistas ocorreram fora do período letivo, durante as férias de julho, por tal motivo, foi necessário conciliar a escolha dos 04 sujeitos à disponibilidade dos mesmos para serem entrevistados durante esse período. Assim, como um dos critérios, foi preciso delimitar o campo de pesquisa. Para tanto, nos restringimos a entrevistar professores de apenas um dos estados, o Paraná, pelo fato da pesquisadora residir nesse estado, o que facilitou o contato e os encontros. Tomada essa decisão, foram entrevistados 02 professores da Universidade estadual, 01 professor da Universidade particular e 01 professor da Universidade confessional/comunitária. Apesar da dificuldade inicial de agendarmos as entrevistas com os 04 professores, marcamos o dia, local e horário para cada um deles e as entrevistas ocorreram, sem maiores problemas, em duas cidades do Paraná: Londrina e Curitiba. Dessa forma, os dados utilizados neste trabalho de pesquisa referem-se a relatos verbais. São dados obtidos a partir de entrevista (anexo II) individual. O detalhamento do processo de obtenção e análise dos dados dessa pesquisa aconteceu de forma sistemática e pode ser assim sintetizado: 1. Criação de um roteiro com questões abertas sobre temas relevantes para esse estudo (as questões foram elaboradas para nortear a investigação e favorecerem a análise, possibilitando a articulação entre as respostas obtidas nos questionários – Etapa I, os pressupostos teóricos dessa pesquisa e os dados da realidade, explicitados nesse estudo); 2. Realização de entrevistas individuais com 04 docentes-formadores; 67 3. Transcrição das entrevistas realizadas; 4. Leitura das entrevistas; 5. Destaque dos conteúdos principais das entrevistas (nessa etapa organizamos as respostas dos entrevistados em frases numeradas para que pudéssemos captar os principais conteúdos que aparecem no discurso de cada um deles - organizando as frases na seqüência original em que aparecem no discurso); 6. A partir dos conteúdos selecionados, destacamos as idéias que apareciam ao longo do discurso e selecionamos novamente, agrupando-os em pré-indicadores (diante das inúmeras possibilidades apresentadas pelos temas para a construção dos pré-indicadores, as idéias principais sublinhadas, foram apreendidas de acordo com importância enfatizada nas falas dos sujeitos, pela carga emocional presente, pelas ambivalências ou contradições etc.). Seguimos nessa etapa, a proposta de Aguiar e Ozella (2006) que consideram como critério fundamental a construção dos pré-indicadores para a compreensão do objetivo da investigação; 7. Após destacarmos os pré-indicadores (sublinhados), selecionamos dentre esses as palavras chave e/ou conteúdos temáticos chave abordados pelos entrevistados, aglutinando-os em indicadores (nessa etapa destacamos das idéias principais - pré-indicadores - as palavras-chave em negrito); 8. Constituídos os indicadores (negrito) em conteúdos e palavras-chave, inferimos e sistematizamos os núcleos de significação para cada um dos 04 sujeitos entrevistados (a organização dos núcleos de significação configura-se como um processo de articulação dos indicadores e seus conteúdos-chave, presentes no modo de pensar, sentir e agir do sujeito); 9. A partir dessa sistematização, partimos para a análise individual dos dados obtidos em cada uma das entrevistas. 68 Sistematizados os núcleos de significação, passamos para uma nova fase da pesquisa, esta mais complexa e profunda. É quando acontece o aprofundamento da análise e o avanço em relação ao empírico. É nessa fase, portanto, que o pesquisador supera o nível de descrição empírica e caminha na direção do concreto. Trata-se de um procedimento em que o pesquisador busca apreender os elementos que constituem o sujeito no seu modo de pensar, sentir e agir subjetivamente. Importante ressaltar nesse momento que esse recorte da realidade não abarca obviamente a totalidade do pensamento dos sujeitos entrevistados. Contudo, acreditamos que sintetiza suas idéias principais num determinado momento histórico-social e por isso, apesar das limitações de seu alcance, revelaram fatos significativos para subsidiar nossa pesquisa que contribuíram para o diálogo teoria x prática, tão profícuo e necessário à formação e ao trabalho docente. Com este procedimento de análise, pudemos “desvelar fatos e fenômenos, explicitar contradições e assim, ousar apontar caminhos mais críticos, menos naturalizantes e ideológicos.” (Aguiar e Ozella, 2006, p. 243). 69 CAPÍTULO IV Apresentação e sistematização dos dados Para caracterizar a presença da dimensão sociopolítica no trabalho de formação do docente-formador, chegamos, como foi anteriormente exposto nos quadros de dados, em cinco categorias centrais de análise: 1. Formação e trabalho docente; 2. Papel como Docente-Formador; 3. Visão sobre Educação; 4. Finalidade da Educação; 5. Relação Educação X Sociedade. A partir dessas categorias, inferiu-se e sistematizou-se os núcleos de significação para cada um dos docentes-formadores. O critério para se chegar aos núcleos, de acordo com Aguiar e Ozella (2006), é que eles “devem expressar os pontos centrais e fundamentais que trazem implicações para o sujeito, que o envolvem emocionalmente, que revelam as determinações constitutivas do sujeito.” (p. 235). Desse modo, pudemos interpretar a “voz” de cada docente-formador, buscando compreender se esses docentes-formadores compreendem e concebem o ato pedagógico como um ato político; qual a finalidade do trabalho que realizam enquanto docentes-formadores em função da compreensão que têm sobre: “quem querem formar”, “para quê querem formar?”, “a favor de que querem formar?” e “contra o que querem formar?”, Assim, apresentamos aqui a caracterização de cada um dos docentes-formadores, levantada a partir dos questionários, dos programas e das entrevistas desses 04 docentes. 70 DADOS - PROFESSOR 1 O primeiro sujeito aqui tratado é Graduado em Pedagogia, pelo Centro de Estudos Superiores de Londrina, tem 16 anos de experiência docente no Ensino Superior e trabalha numa instituição pública estadual, ministrando a disciplina: “Trabalho Pedagógico Docente” na graduação em Pedagogia, com oito aulas semanais para um total de 60 alunos. Sua formação para docência em ensino superior inclui: Especialização em Metodologia do Ensino Superior, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado em Educação. DADOS DA ENTREVISTA CATEGORIA DE ANÁLISE: 1) Formação de Professor e Trabalho Docente. F 54: Estamos num momento que a gente precisa investir na qualidade do professor, a qualidade do profissional que está na educação, eu acho que as discussões já estão acontecendo nesse nível. F55.1: E investir em políticas públicas de capacitação e de qualificação desse profissional no sentido de reconhecimento que ele é uma vida e precisa ter o tempo necessário. F25: A partir do momento que a gente traz da própria vida de todo mundo que chega... Eu lido com os calouros... Então isso também é uma dificuldade, por um lado, não é? Porque primeiro ano de uma Universidade está todo mundo caindo de pára-quedas, está todo mundo já pensando na formatura e se sentindo a pessoa mais importante do mundo por estar no ensino superior, já começa por aí... Isso às vezes é um problema porque você tem que trazer o pessoal para a terra... “Desce do balãozinho, desce... Foguetinho vem pra terra!” Mais por outro lado, essa abertura de vida também é legal para a gente trabalhar. Então, a gente começa falando exatamente dessas condições de cada um. F46: Você consegue movimentar a vida das pessoas, você planta uma semente na vida das pessoas, mas nem sempre você consegue mobilizar a tal ponto que a pessoa queira mudar efetivamente. Você deixou a semente, agora o cultivo não Dados da Entrevista está garantido. (Pré-indicadores – F26: chamar a atenção da pessoa para o que ela seja sujeito da história é ponto sublinhados e pacífico. Então olha vocês aqui estão escrevendo uma nova história, vocês aqui, Indicadores em vão estar daqui a pouco, assumindo este lugar... negrito) F34: Eu costumo dizer que professor, até CARAS, lê com um olhar, com óculos pedagógico. Qualquer besteira que você vai ler, qualquer porcaria você vai ler com um olhar diferente porque de alguma forma está retratando o que somos. De alguma forma está retratando o que devemos melhorar. F40: Então este exercício de rigor, com a situação do ler, do interpretar, do falar, do pensar, do contextualizar: “Como é que o fulano escreveu aquilo? Naquele momento, quem era o fulano, por que escreveu isso?” Eu acho que isso é uma coisa que nós precisamos colocar para os nossos alunos... Desde a própria imprensa... A gente não faz isso, a gente é sempre muito movido, especialmente pela mídia televisiva... Eles criam um clima e o pessoal entra dentro... E aí você esquece do resto do mundo, você fica naquela situação. F41: Eu tenho que ser rigorosa, está acontecendo isso, mas também está acontecendo aquilo, aquele outro, aquele outro, aquele outro... E eu preciso dar conta de algumas dessas coisas. F43: Então eu não posso ficar desatenta à formação de vida pelos próprios veículos que estão sendo postos para mim, então eu acho que o pedagógico, o educativo está exatamente nisso. Porque eu olho para CARAS diferente? Porque aí eu vou ver uma série de futilidades, uma série de inverdades... Você pega uma revista 71 como essa, e aí você pode pegar outra, as mulheres são lindas, maravilhosas, perfeitas, cheirosas; as comidas que aparecem são de deixar qualquer um com água na boca; os carros são... Toda a situação é muito perfeita, como é com as novelas, por exemplo. Mas será que a hora que eu acordo de manhã é isso que eu encontro? Será que na minha mesa é isso que tem todo dia, ou mesmo que seja de vez em quando? F55.2: Acho que professor, e luto por isso, professor não pode ter 20 horas, professor não é trabalhador de meio período, professor é trabalhador de período integral... Ele tem que trabalhar as 8 horas... Não é 8 horas que determina a maioria das profissões? Então é oito horas. Ele tem que estar 4 na sala de aula, e 4 pensando nessa sala de aula que ele está. Nós das universidades públicas, nós temos esse tipo e mesmo assim a gente não dá conta de muitas coisas. Você tem o equivalente de preparação, então eu acho que isso deveria ser estendido para todos os professores. F57: Numa escala de salários, o primeiro é de Juiz, de médico é o quinto, de professor de ensino superior está lá pelo nono ou décimo e de professor da escola básica é o último. F58: A desvalorização do professor está exatamente numa concepção equivocada que a gente tem de educação. F59: Por isso o plano de cargos e salários terem que ser discutidos e ter que viabilizar uma condição para esse profissional trabalhar. F65: Qual é o devido respeito que a gente está dando para uma categoria profissional enquanto sociedade? F68: Tenho minhas dúvidas em relação a esse piso nacional que foi colocado. Então, o professor de Alagoas que era o que menos ganhava, ele ganhava em média R$420 mensais... O professor do DF que é o que mais ganha, professor de escola básica, R$1.800. Aí, você joga R$950, vai ficar um pouco complicado, porque o custo de vida é diferente, o custo de cada estado... Mas, eu acho que é o primeiro pontapé para a gente começar a discutir. Então, vai melhorar muito para esse que estava lá embaixo, mas o outro corre o risco, se não se articular enquanto categoria... Dizer: “Olha, não dá para voltar a isso”. Se é mínimo significa que a gente pode crescer daqui para lá... A defasagem é muito grande. Cada lugar que você vai é um tipo de situação... Então eu acho que a gente precisa sim começar a pensar numa certa... Não gosto da palavra padronização, mas se nós tivéssemos índices norteadores, alguma coisa desse jeito para que tivesse certa equiparação, de estado, por estado, talvez instituições estaduais... Tem que ter este jogo em termos de salário. F69: o investimento na carreira sim. F70: Esse professor não tem de buscar o título, ele tem que buscar o aprofundamento do conhecimento o título é decorrente desse aprofundamento. Isso também tem que fazer parte de um plano de cargos e salários, porque o professor paga para estudar, o professor estuda no horário que dá, (...) então o tempo tem que ser colocado em que ele tem que ser colocado não no tempo administrativo... F72: O tempo pedagógico não é tempo administrativo. Isso precisa ser colocado para os planos de carreira, acho que isso é importantíssimo. CATEGORIA DE ANÁLISE: 2) Papel como Docente Formador. F76: Só posso pensar na docência quando tenho o plural, o múltiplo, o conjunto. F77: Exercer o magistério, independente do nível de atuação é acreditar no potencial do grupo, é ter certeza de que nas contradições da vida e, portanto da educação, há possibilidades de transformação. Dados da Entrevista F77: Por isso mesmo as dificuldades são muitas e não há receitas a serem (Pré-indicadores – executadas. sublinhados e F78: É nessa toada que trabalha o professor: nas relações que envolvem a Indicadores em transformação das naturezas e dos homens, dos homens com os homens e dos negrito) homens com a natureza... sempre no coletivo... F67: Você entender a profissão de professor enquanto uma profissão, é um ofício, é um trabalho, que você vai se dedicar como qualquer outro, necessita de investimento público, necessita de investimento na autonomia, e eu penso que 72 são coisas simples. A gente tem que lutar sim, por planos de cargos e salários sejam coerentes com as instituições que a gente trabalha. F66: o professor é aquele... Qualquer um pode ser, especialmente as mulheres. Então, se pode parir, naturalmente ela pode parir, se ela pode parir, ela cuida de um e se ela cuida de um, pode cuidar de muitos. Então está tudo errado, está tudo errado... F12: A gente está formando gente para lidar com tantos outros grupos e reconhecer o outro, a diferença do outro, o que é igual para no outro... faz parte do processo de educação. F33: (...) para que a gente deixe de entender o trabalho do professor como aquele que entra em sala de aula, passa alguns exercícios, fala alguma coisa, verifica o que o aluno aprendeu e até longo... Mas mostrar que nessa situação da organização da ação docente existem teias de outras relações que são formadas. F47: o professor é esse jardineiro. A idéia que ele tem de educativo está na cabeça dele. Ele pode deseducar também, com certeza. Ele pode querer olhar para o jardim e ver um deserto, naquele lugar e não vai fazer nada. Então quando gente tem na cabeça formação de vidas, de novas gerações, não novas para o futuro distante, novas para o hoje e amanhã. A partir do hoje, eu penso que a gente está trabalhando com esse educativo sim, nos mínimos detalhes, (...) F60: Aquela historinha de que um médico quando erra mata um e o professor quando erra mata 40, ela precisa ser trazida um pouco mais para a terra, para a realidade mesmo. F61: Existe um poder na mão do professor de formação humana muito grande e precisa ser investido nisso, mas quem é que vai dar aula? F62: Você entra em uma licenciatura para dar aula e ninguém está ali para ser professor. F63: só vai se dar conta de que ele vai ser um professor quando inevitavelmente numa curva da vida é a única opção que resta para ele. Então ele vai atrás de um emprego ai, ele acha o emprego de professor... Aí ele começa a desenvolver a concepção de trabalho de professor e muitos ficam para o resto da vida... Aí eles começam a se formar enquanto professores... E eles voltam atrás da gente: “Professora, não lembra disso, eu falei daquilo, aquele outro...” então você não vê professor desempregado, você vê professor mal pago, mas desempregado não. Então começa por aí. Dados da Entrevista (Pré-indicadores – sublinhados e Indicadores em negrito) CATEGORIA DE ANÁLISE: 3) Visão sobre Educação. F13: Eu acho que elas incentivam (as práticas educativas incentivam um tipo de sociedade), acho que elas não determinam necessariamente porque determinar tem a conotação, muitas vezes, a palavra em si, determinar, tem a conotação de submissão, de falta de crítica... F28: quando eu falo de educação estou falando de respeito com o outro. Quando eu falo de sociedade estou falando de respeito com o outro. Quando eu falo de escola, especificamente nessa caso, da disciplina, eu estou falando de respeito com o outro. F16: Então, eu penso que os processos educativos vão nos ensinando da necessidade de sobrevivência da própria espécie com essas práticas, então, é nessa hora que você discute, que você coloca como um espelho o que você está fazendo, você é capaz de dizer não, mas não é isso que eu quero... F21: a educação, apesar de ela ter uma série de determinações, de valores, de imposições até mesmo por ser infelizmente entendida enquanto um serviço e não enquanto bem social, ela ainda permite, ela é tão contraditório em si que ela permiti que a gente fale: "não eu vou usar isso aqui como motivo de alforria, como motivo de autonomia e não como motivo de submissão". F50: a gente tem uma educação que foi massificada, mais que eu acho que foi um ganho não resta dúvida (...) F51: A educação era para uma elite e hoje a gente tem uma educação escolarizada para grande parte da população. Estive agora em Brasília na CONEB e alguns dos dados que foram apresentados para a gente que 98% dos brasileiros de 7 a 14 anos estão na escola, só que esses 2% que sobram representam a 800.000 crianças fora da escola, é muita gente ainda. Com ensino 73 superior que a gente tinha uma porcentagem de vinte anos atrás de mais ou menos 1% hoje a gente já tem 15% das pessoas no ensino superior. Então houve sim um avanço, a massificação está atingindo patamares cada vez que maiores, mas o cuidado com essa educação escolarizada não está chegando na mesma proporção. F48: a gente está vivendo um momento que é muito triste pelo fato do entendimento da educação ser um serviço. F49: Eu acho que quando ela (a educação) deixa de ser bem, ela já perdeu muito, vamos dizer 60%... E a gente está correndo o risco de ver com a educação um quadro pior do que o que a gente está vendo com a saúde. Existem coisas que fazem parte do bem de uma nação, nesse sentido que a gente está falando, um bem social. Uma nação para existir precisa minimamente comer, ter acesso ao serviço médico, ter acesso a uma educação que seja de qualidade, de boa qualidade, o próprio serviço de saúde também de boa qualidade. O que a gente está fazendo? A gente está matando muita gente, sem perceber. Dados da Entrevista (Pré-indicadores – sublinhados e Indicadores em negrito) CATEGORIA DE ANÁLISE: 4) Finalidade da Educação. F5: Na formação de pessoas em grupo. F6: A educação que acontece tanto do ponto de vista formal como do ponto de vista informal, ou não formal, ela permite que a gente seja tratado no grupo. F7: são essas as percepções de mundo que são ampliadas e que a educação tem um papel muito grande... O pedagógico é inerente ao educativo. F15: A educação pode mostrar, e aí ela colocada de uma maneira ampla o que é que a gente vai querer. F19: que a grande utopia da educação é exatamente essa, é você ter uma condição de vida, de qualidade de vida boa para todo mundo. F4: a educação ainda tem na escola seu maior veículo considerando os problemas todos que acham que a escola tem. A escola tem, mais todas as outras instituições sociais também têm... Eu penso que a gente fica um pouco a parte... Não dá para ficar dentro da caverna e a escola é um jeito da gente sair da caverna. F53: Que tipo de relações acontecem? A correria que é o tempo inteiro nessas escolas... Eu acho que para os dias de hoje a gente tinha que repensar, retomar uma discussão de escola integral... A escola é um espaço muito importante hoje para a retomada da vivência de pessoas com pessoas. F55: pensar a instituição escolar de uma maneira educativa é o próximo passo que a gente precisa dar, mas nós não estamos fazendo isso. F56: Não dá para dizer que eu vou largar lá e é problema da escola. Não, em hipótese alguma, mas é necessário entender o significado que essa instituição tem enquanto um bem da sociedade na formação dessa geração. CATEGORIA DE ANÁLISE: 5) Relação Educação x Sociedade. F1: Conforme a sociedade vai colocando uma série de exigências, uma série de limitações, de possibilidades sobre as novas gerações que vão sendo formadas, a Dados da Entrevista própria educação segue como mecanismo de se contrapor a alguma dessas (Pré-indicadores – coisas e assimilar outras tantas. sublinhados e F2: eu acho que ela (a educação) é uma das molas propulsoras sim da Indicadores em sociedade em que a gente vai tendo transformações sempre. negrito) F3: são modificações contextuais e não dá para desvincular das relações escola e sociedade. INDICADORES F 54: qualidade do professor F55.1: é uma vida F25: essa abertura de vida F34: olhar pedagógico F40: rigor, ler, do interpretar, do falar, do pensar, do contextualizar: F41: rigorosa F43 olho diferente NÚCLEOS 1) O trabalho de formar é plantar uma semente, mas o cultivo não está garantido. 74 F46: você planta uma semente na vida das pessoas, consegue mobilizar, o cultivo não está garantido. F55.2: professor é trabalhador de período integral. F57: Numa escala de salários professor da escola básica é o último. F58: A desvalorização do professor, concepção equivocada que a gente tem de educação. F59: plano de cargos e salários, condição para esse profissional trabalhar. F65: respeito F68: dúvidas em relação a esse piso nacional, se articular enquanto categoria F76: docência, o plural, o múltiplo, o conjunto. F77: acreditar no potencial do grupo, nas contradições da vida e, portanto da educação, transformação. F77: as dificuldades, não há receitas. F78: transformação das naturezas e dos homens, sempre no coletivo... F67: profissão de professor, trabalho, investimento público, autonomia, coisas simples. F66: Qualquer um pode ser, está tudo errado. F12: formando gente para lidar com tantos outros grupos e reconhecer o outro. F33: o trabalho do professor, ação docente existem teias de outras relações . F47: o professor é esse jardineiro, formação de vidas, novas para o hoje e amanhã, F61: poder na mão do professor de formação humana F13: as práticas educativas incentivam um tipo de sociedade, submissão, falta de crítica... F28: respeito com o outro F16: processos educativos vão nos ensinando da necessidade de sobrevivência da própria espécie F21: bem social, alforria, autonomia, submissão. F50: massificada, F48: educação ser um serviço. F49: quando ela deixa de ser bem, ela já perdeu muito. F5 formação de pessoas F6: permite que a gente seja tratado no grupo. F19: utopia da educação, é você ter uma condição de vida, vida boa para todo mundo. F4: a escola é um jeito de a gente sair da caverna. F53: A escola é um espaço muito importante hoje para a retomada da vivência de pessoas com pessoas. F56: formação dessa geração. F1: limitações, possibilidades, mecanismo de se contrapor a alguma dessas coisas e assimilar outras tantas. F2: ela (a educação) é uma das molas propulsoras sim da sociedade 2) O docente é um jardineiro que trabalha na formação de vidas e na transformação das naturezas e dos homens, sempre no coletivo. 3) Educação alforria e dá autonomia. 4) Educação é ter uma condição de vida boa para todo mundo. 5) Educação é mola propulsora de transformação da sociedade. DADOS DO PROGRAMA DISCIPLINA Didática: Trabalho Pedagógico Docente 75 EMENTA OBJETIVO GERAL OBJETIVOS ESPECÍFICOS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO BIBLIOGRAFIA BÁSICA Conceito de educação, pedagogia, educação escolar e didática. Teorias pedagógicas e caracterização de trabalho docente. Formação profissional e constituição da docência. A escola como “lócus” do trabalho docente. Adquirir conhecimentos básicos a respeito de Educação, Pedagogia e Didática, concebendo a ação pedagógica docente como derivada de um referencial teórico implícito ou explícito, para desenvolver uma maneira crítica de compreender a realidade escolar. - Conceituar educação, pedagogia, educação escolar e didática. - Caracterizar o trabalho docente em relação aos processos de ensinar e aprender. - Compreender o trabalho docente à luz das diversas teorias pedagógicas. - Educação e Pedagogia. - Educação escolar e Didática: a constituição da docência e os processos de ensinar e aprender. - O trabalho pedagógico sob o enfoque das diversas teorias pedagógicas. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 1981. DÍAZ BORDENAVE, Juan; PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1994. FELDMAN, Daniel. Ajudar a ensinar: relações entre didática e ensino. Porto Alegre: Artmed, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1998. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2001. ANÁLISE - PROFESSOR 1 Para o Professor 1 o trabalho em educação é de transformação e formação de pessoas. Mas estes objetivos são afirmados de modo genérico. A idéia de formar pessoas é posta a partir de conceitos como: movimentar a vida, mobilizar, cultivar, plantar semente. Segundo seu relato, no trabalho para formar o professor, é preciso construir um "olhar pedagógico”, esse olhar se torna um eixo, ou seja, para ele, se o professor tiver esse olhar pedagógico conseguirá fazer uma boa formação. O olhar pedagógico é, segundo sua fala, perceber inverdades, futilidades, é a uma leitura rigorosa da realidade que interpreta, que pensa, que contextualiza. Dessa forma, o professor deve se formar com essa possibilidade, de olhar “diferente” para poder cumprir sua tarefa. Segundo ele, essa tarefa é realizada sem receita. Mas não indica o projeto para essa formação. Entende e dá importância ao coletivo e a questão da transformação. Esses são os dois eixos principais do seu pensamento. Vê a educação como uma atividade coletiva e de relação de “uns com os outros”. Fala também de formação de gerações. A 76 transformação referida é de adoção do “olhar pedagógico” que reduz a ingenuidade e permite a crítica. Contudo, não há qualquer indicação da direção dessa transformação. Apesar dele colocar que a educação traz a possibilidade, a utopia de "ter vida boa para todos", não esclarece como. Destaca o respeito ao outro e a autonomia como possibilidades obtidas pela educação. Relaciona a transformação da natureza e dos homens à educação, mas não esclarece porque a educação tem essa possibilidade, parece uma coisa natural da educação. Como se ela em si tivesse o potencial de transformar tudo. Dessa forma, o único aspecto desta transformação que poderia compor um projeto é de garantir “vida boa para todo mundo”, mas, ele não chega a caracterizar o que entende por esta “vida boa”. Aparece ainda, em seu discurso, a idéia de respeito ao outro que poderia compor um esboço de projeto, mas também não é levada adiante. Defende que as práticas educativas não determinam e sim incentivam um tipo de sociedade. Nesse contexto, contrapõe determinar x incentivar. Contrapõe também educação como serviço x educação como um bem social, colocando que na primeira existe submissão, massificação, deixando de ser um bem, para ser um serviço, uma mercadoria; na segunda, a educação está associada à alforria e autonomia. Todos esses conceitos estão reunidos em sua visão sobre educação. Ao associar a educação com alforria, autonomia, liberdade do sujeito em si, naturaliza a educação. Demonstrando com essa naturalização, um discurso ingênuo, pois, acredita que a educação por natureza produz alforria, autonomia e liberdade do sujeito em si, mas apesar de contrapor a educação como um serviço x a educação como um bem social, coloca a educação como se fosse algo puro e absoluto, como se não houvesse contradição no processo educacional e como se houvesse apenas um projeto válido para a educação. A relação com a sociedade é afirmada “educação é mola propulsora da sociedade”; educação “incentiva um tipo de sociedade”, mas não explicita nada sobre como isto se dá. Assim, nos parece que educação e sociedade se relacionam na concepção do Professor 1 havendo inclusive uma valorização dessa relação, mas ela é efetivamente superficial e genericamente afirmada. 77 O Professor 1 não se posiciona, naturalizando o papel transformador da educação e a principal finalidade dessa transformação. Não articula nenhum ideal de sociedade ou de sujeito. Talvez esse último esteja referido como alguém que respeita o outro e olha criticamente a realidade, vendo a sociedade como lugar de bem estar para todos. A construção desses ideais tem a ver com a educação, mas como se fosse mágica. Evidencia-se no discurso do Professor 1, que ele tem uma receita, mas ele próprio não percebe. Apesar de dizer que ser professor é uma tarefa difícil porque não há receitas, apresenta a sua receita carregada de valores morais. Dessa forma, simplifica a finalidade da educação, está posta na moralidade. Ele não percebe que esses elementos (respeito, autonomia, alforria) que segundo ele, a educação deve almejar, são valores dominantes na mesma sociedade que transforma a educação em serviço, demonstrando com isso um pensamento pouco crítico em seu discurso. Percebemos que a finalidade da educação está posta de forma absolutizada, naturalizada e descontextualizada. O Professor 1 não contextualiza, não fala da nossa sociedade hoje, da realidade do Terceiro Mundo, da desigualdade entre os sujeitos, não apresenta uma análise da conjuntura, tem um discurso completamente abstrato. Durante toda a sua fala, o Professor 1 apresenta idéias abstratas sobre a educação, tais como, as idéias de “formação de vidas”, “felicidade”, “vida boa para todo mundo”; não faz nenhum paralelo com a educação brasileira, apresentando um discurso completamente ingênuo. Além disso, o Professor 1 coloca a necessidade de uma formação moral para os futuros educadores. Através de seu discurso evidencia a necessidade de impor valores na formação, questiona gostos pessoais, como por exemplo, o musical e associa tais gostos pessoais a uma suposta superficialidade dos estudantes comparando os a “caixas de sabão em pó vazias” ou “bombons com belas embalagens mais como um gosto de fel”. Dessa forma, não percebe que sua visão é “uma” visão e acaba impondo-a como verdade absoluta. Apesar de sua alta qualificação/ formação para docência em ensino superior (pós-doutorado), o professor apresenta uma clara indefinição de qual projeto social pretende em seu trabalho como docente-formador. Coloca a educação como mola-propulsora da sociedade, mas não esclarece a idéia, apenas coloca que esses dois processos “se relacionam”. 78 O estudo de seu programa de disciplina confirma essa análise, pois nele aparece uma ênfase e uma forte crença na capacidade das teorias pedagógicas de permitirem uma compreensão crítica da realidade. Não apresenta em nenhum momento da proposta uma visão que indique o necessário debate sobre a relação educação-sociedade ou a apresentação dos diversos projetos sociais para a educação. Acredita que a teoria seja ferramenta suficiente para a criticidade. O professor não parece negar a dimensão sociopolítica da educação, mas não a caracteriza e nem mesmo a enfatiza como constitutiva de posições críticas em educação. DADOS - PROFESSOR 2 O segundo sujeito é Graduado em História e Pedagogia, pela Universidade Estadual de Londrina, tem 10 anos de experiência docente no Ensino Superior e trabalha numa instituição pública estadual, ministrando a disciplina: “Trabalho Pedagógico Docente” na graduação em Pedagogia, com oito aulas semanais para um total de 75 alunos. Sua formação para docência em ensino superior inclui: Especialização em Filosofia, Mestrado e Doutorado em Educação. DADOS DA ENTREVISTA CATEGORIA DE ANÁLISE: 1) Formação de Professor e Trabalho Docente. F45: É importante a gente pensar que toda a formação tem zonas de lacunas, tem coisas que você não atinge ou mesmo que você trabalhe muito essas questões e nada é garantia de que elas realmente estão sendo... saindo com essa cabeça... porque todo trabalho formativo tem que ter essa consciência de que ele é um aspecto da formação. F46: o tempo todo, todos os elementos estão interferindo, inclusive a própria personalidade, a própria história de vida da pessoa, as concepções que ela já tem e que às vezes esses discursos passam pela pessoa, mas a postura dela não é essa. F47: Mas mesmo assim a dimensão que esse trabalho muitas vezes surte esse efeito esperado, mesmo assim eu acho que tem que ter essa postura. Dados da Entrevista F48: se você não tiver essa consciência e não fizer um trabalho para colocar o (Pré-indicadores – aluno também o mais possível neste nível de consciência então, não é o trabalho sublinhados e formativo, não é um trabalho formativo de professor. Indicadores em F49: formar o professor eu acho que está implícito essa formação humana, essa negrito) formação política e essa consciência política, porque se não, não está formando professor na acepção que a gente tem de ser professor. F20: Eu não sei se no programa isso fica tão claro. Até porque, na verdade, quando você pensa no trabalho educativo os elementos que não estão no programa, o que acontece no cotidiano, muitas vezes eles são muito fortes e olhando simplesmente o programa você não tem como descobrir qual é o comportamento, qual é a atitude, qual é a maneira de ver a educação de um professor. F21: Na verdade isso acontece especialmente nas discussões, porque a participação é bem grande na nossa disciplina. Eles (alunos) vêem do ensino médio onde isso 79 não acontece... então eles são chamados o tempo todo a se manifestar. F23: Muitas vezes a gente faz um círculo e aí vamos debater o assunto, todo mudo fala e você vai lançando questões, perguntas... e o que eles comentam muito é que eles aprendem muito com essa situação coletiva... F24: As dinâmicas elas possibilitam realmente uma manifestação do aluno, uma participação efetiva mesmo, de ele ter voz na sala de aula. Então em alguns momentos a gente faz uma exposição também, comenta o assunto de uma forma mais geral, mas tudo é muito estudado. F25: Essa possibilidade, esse tipo de aula é que dá essa oportunidade de trabalhar com esses outros elementos que são os aspectos mais humanos, de formação humana. Porque os conteúdos em si, embora eles até tratem disso, alguns textos estão dizendo isso, mas eu acho que é na dinâmica do tipo de aula é que isso pode se efetivar. F30: Então eu acho que tanto a disciplina ela possibilita essa chamada de atenção para esse norte que é da vida, quanto a própria concepção de educação que tem, ela está permeando essa forma de trabalhar. CATEGORIA DE ANÁLISE: 2) Papel como Docente Formador. F50: O professor é algo muito, muito complexo, muito difícil. F51: É exatamente o contrário da concepção geral que se tem de que qualquer um pode ser professor, que é o que acontece na verdade. F52 Ser professor é algo muito complexo F54: Porque abrange aspectos tão diferentes, como eu coloquei no questionário, do cognitiva, do social, do político, do ético, que trabalhar nessa posição é muito difícil. F55: É muito difícil mesmo... F56: exige um esforço constante, um estudo constante, uma preparação constante e o principal é um compromisso muito forte... F57: A gente pensa assim como às vezes a gente tem pessoas que não tem nada haver com a profissão de professor, sendo professor; ou sem essa mínima consciência que é do seu próprio papel, do que seja ser professor. F58: Então acho que isso é algo que prejudica assim na raiz, todo o trabalho. Quer dizer, que é que essa pessoa pensa que é ser professor? Essa é a primeira pergunta, grande, para qualquer professor e depois tudo é decorrência, conseqüência disso não que ele seja o responsável pelo fracasso escolar, nem é essa perspectiva ingênua, mas que existe realmente muito professor sem essa Dados da Entrevista consciência do que seja ser professor, isso é um fato. (Pré-indicadores – F41: Algumas vezes me sinto nadando contra a corrente... sublinhados e F42: Quem está na universidade pública é, digamos assim, tem um respaldo... Indicadores em tem companheiros... É também nossa postura, nossa posição de como encarar a negrito) educação. F43: Mas eu tenho a impressão que nas escolas particulares em muitos lugares isso é muito mais nadar contra a corrente, é quase que impossível determinados discursos. F11: dependendo do que você está fazendo em sua prática cotidiana você poderá estar reforçando uma atitude conformista, uma atitude de não questionar, então você está influindo num determinado tipo de comportamento, um tipo de sujeito. F12: Em outras práticas poderá estar estimulando uma autonomia intelectual, respeitando o pensamento de um outro, incentivando a criatividade desse pensamento, incentivando que essa pessoa pense por si própria, F13: eu creio que as práticas educativas influenciam muito na formação dos sujeitos de forma tanto explícitas quanto implícitas. F14: eu acho que ela (a prática educativa) não é assim determinante, mas eu creio que ela é reforçadora, ela é estimuladora de determinados tipos de comportamento que combinam mais com o tipo de sociedade ou com outro tipo de sociedade, com certeza. F20: Eu não sei se no programa isso fica tão claro. Até porque, na verdade, quando 80 você pensa no trabalho educativo os elementos que não estão no programa, o que acontece no cotidiano, muitas vezes eles são muito fortes e olhando simplesmente o programa você não tem como descobrir qual é o comportamento, qual é a atitude, qual é a maneira de ver a educação de um professor. F28: alguma coisa que sempre destaco é se esse trabalho educativo não estivesse vinculado a uma concepção de mundo em termos de “para onde é que a gente quer ir?”, quer dizer, “que tipo de pessoas a gente quer que exista no mundo, que tipo de mundo deve existir, ou com que pessoas você gostaria de se relacionar, como é que você imagina um mundo melhor do que esse, ou você está satisfeito?” Se você não está, “o que você acha que deveria ter nesse mundo e para que serve o trabalho educativo?” F29: Sempre enfatizando assim que esse trabalho, essa formação não é só profissional, porque o aluno vem muito para a universidade assim... "Eu quero ter essa profissão, esse diploma porque eu quero trabalhar." Tudo bem ele vai ter, ele vai trabalhar, mas, tem algo além disso, quer dizer, a universidade não está só para ser uma formadora de profissionais. F15: a minha maneira de ver é muito mais a de formar uma pessoa mais crítica mesmo, com autonomia intelectual, do que alguém que vá concordar comigo, repetir conceitos... F16: na minha postura é muito presente uma formação de uma pessoa que seja crítica e que seja ética, que possa se preocupar em assumir um papel de responsabilidade na construção deste mundo que ela está vivendo. Dados da Entrevista (Pré-indicadores – sublinhados e Indicadores em negrito) Dados da Entrevista (Pré-indicadores – CATEGORIA DE ANÁLISE: 3) Visão sobre Educação. F17: Por trás de qualquer conteúdo de qualquer discussão, de qualquer texto que estamos lendo, discutindo, procurar o estimular este lado, de que a educação não é uma formação de profissionais, ela é uma formação de pessoas. F19: essa é a minha postura de não estar preocupada só com o conhecimento digamos, mas até de uma forma bem enfática mesmo com a formação humana, com os aspectos humanos desta formação. Essa é uma preocupação constante minha. F31: Então eu acho que essa vinculação nunca pode ser perdida, da formação humana... F32: Porque no fundo, quer dizer, todos os conhecimentos já resolveram muitas coisas, mas não trabalham com questões que são mais da vida das pessoas mesmo... .F38: E nós estamos indo de uma forma assim, nós estamos sendo engolidos por essas demandas, mas alguns estão gritando, esperneando no meio disso, mas está sendo muito forte essas demandas da sociedade na atualidade, no Brasil e em outros lugares do mundo ocidental elas estão praticamente comandando a educação. Esse é o problema da educação. F39: E ao mesmo tempo em que ela (educação) é engolida, que ela tem de gritar contra isso, mas ela está sendo muito tragada por essa demanda da sociedade. E nesse momento eu creio que seja muito importante que haja pessoas que estejam nadando contra essa corrente, mesmo que vencidos muitas vezes, mas não entregando esse ouro assim, de forma tão passiva como tem acontecido em outras instâncias. F40: Então é claro que existem organismos, órgãos, associações que contrapõe, as associações de professores que pensam essa formação de uma outra maneira mais o tempo todo tem que ter uma luta uma resistência muito forte porque essas demandas (da sociedade) estão assim, praticamente determinando os rumos da educação. CATEGORIA DE ANÁLISE: 4) Finalidade da Educação. F7: a educação sempre pode ser vista sob dois ângulos: O como uma socialização no sentido de incluir o indivíduo nessa situação que já está instituída e prepará-lo para continuar nessa situação instituída, ou ainda ela pode ir numa outra direção de esclarecimento dos indivíduos de como é a dinâmica da 81 sublinhados e Indicadores em negrito) sociedade em termos de conscientização para que eles até possam ser sujeitos de mudança na sua própria história, quer dizer, influir no destino dessa sociedade F9: ela (a educação) realmente é muito importante, ela pode caminhar em sentidos diversos, tanto ela pode ser a domesticadora, quanto ela pode ter uma perspectiva mais transformadora, uma perspectiva mais crítica. F18: esse lado formativo da universidade, que é uma preocupação minha mesmo, que mesmo que você esteja no ensino superior ainda você está formando pessoas, você tem essa responsabilidade de formar pessoas que tenham uma consciência do mundo, da sua participação neste mundo. F26: Essa é de fato uma discussão que a gente tem na sala de aula, mesmo porque não tem como você não se perguntar para que essa educação, porque essa formação e porque a educação de forma geral? F27: Então é uma pergunta que tem que ser colocada o tempo todo, para os alunos, na formação, quer dizer, porque trabalhar com educação, porque a educação, para que, você está almejando o que? F33: “para que tudo isso? Se não for para trabalhar em prol de uma vida melhor para todas as pessoas? Acho que esse é o compromisso do educador, o maior. F37: Todas as pessoas se referem a essa finalidade da educação, então a educação realmente está hoje sendo chamada e está atendendo muito esse chamado, do mercado de trabalho. CATEGORIA DE ANÁLISE: 5) Relação Educação x Sociedade. F1: na verdade eu nem sei se é uma relação, mais é uma simbiose, quer dizer que a educação e a sociedade, elas, nem é que elas se relacionam, elas são praticamente o fruto de uma mesma vivência F2: o processo de se tornar alguém que vive em sociedade é um processo educativo. Então na constituição da própria sociedade está a educação. F3: A própria instituição escolar surgiu de uma situação social específica, da sociedade burguesa e da necessidade de uma educação para várias pessoas digamos assim. F4: a instituição escolar ela tem essa relação muito profunda com o tipo de sociedade naquele contexto que existe. F5: essa instituição escola, com esse formato que a gente conhece hoje? Surge exatamente da situação social, econômica, política de uma sociedade capitalista Dados da Entrevista emergente, que com a burguesia que está nascendo sente essa necessidade de um (Pré-indicadores – preparo maior de conhecimento das classes trabalhadoras. sublinhados e F6: a própria existência da escola tem uma relação muito profunda com a Indicadores em constituição de um tipo de sociedade. Para nós, com o que a gente vive aqui, é a negrito) sociedade realmente capitalista. F8: a educação é muito importante nesse sentido não que ela seja a transformadora ou aquela que vai resolver todos os problemas sociais, mas ela tem esse poder essa participação nessa forma de entender, da pessoa se entender como sujeito dentro dessa sociedade, nesse coletivo da sociedade. F10: não sei se elas (as práticas educativas) determinam, mas elas contribuem, elas referendam, ou elas, digamos reforçam algum tipo de sociedade, porque é claro que você tem práticas que você reforça, por exemplo, o conformismo. F36: é claro que essas demandas (da sociedade) são muito fortes na educação atualmente... Elas quase que sufocam a educação neste sentido que estava dizendo antes de formação mais plena, humana... A demanda pelo trabalho ou pelo famoso mercado de trabalho, essa entidade, é muito forte. INDICADORES F45: a formação tem zonas de lacunas nada é garantia, todo trabalho formativo tem que ter essa consciência de que ele é um aspecto da formação F46: todos os elementos estão interferindo, personalidade, história de vida, concepções NÚCLEOS 1) No trabalho formativo do professor está implícita a formação humana, a formação política, a consciência política. 82 F48: consciência, trabalho para colocar o aluno neste nível de consciência, trabalho formativo de professor F49: formação humana, formação política, consciência política F20: no programa isso não fica tão claro, você não tem como descobrir qual é o comportamento, qual é a atitude, qual é a maneira de ver a educação de um professor F23: debater o assunto, aprendem muito com essa situação coletiva F24: manifestação do aluno, participação efetiva, ter voz na sala de aula, tudo é muito estudado F25: trabalhar com os aspectos mais humanos, de formação humana F30: norte que é da vida F50: O professor é algo muito, muito complexo, muito difícil. F51: o contrário da concepção geral que se tem de que qualquer um pode ser professor. F54: abrange aspectos cognitiva, do social, do político, do ético. F56: exige esforço constante, estudo, compromisso. F57: tem pessoas que não tem nada haver com a profissão de professor, sendo professor; sem consciência do seu papel, do ser professor. F58: que é ser professor? primeira pergunta, grande, para qualquer professor existe realmente muito professor sem consciência do ser professor. F42: na universidade pública tem um respaldo, companheiros. F43: nas escolas particulares é nadar contra a corrente, F16: na minha postura é muito presente uma formação de uma pessoa que seja crítica e que seja ética, que possa se preocupar em assumir um papel de responsabilidade na construção deste mundo que ela está vivendo. F33: vida melhor para todas as pessoas, compromisso do educador 2) Ser professor é algo muito complexo e difícil. F11: prática cotidiana poderá estar reforçando uma atitude conformista, não questionar, influindo num determinado tipo de comportamento, um tipo de sujeito. F12: Em outras práticas poderá estar estimulando uma autonomia intelectual, respeitando o pensamento de um outro, incentivando a criatividade desse pensamento, incentivando que essa pessoa pense por si própria, F13: práticas educativas influenciam muito na formação dos sujeitos F14: ela (a prática educativa) não determinante, é reforçadora, estimuladora de determinados tipos de comportamento que combinam mais com o tipo de sociedade ou com outro tipo de sociedade. F17: a educação não é uma formação de pessoas. F20: no programa você não tem como descobrir qual é o comportamento, a atitude, a maneira de ver a educação de um professor. F28: trabalho educativo vinculado a uma concepção de mundo “para onde é que a gente quer ir?”, “que tipo de pessoas quer que exista no mundo, que tipo de mundo deve existir, para que serve o trabalho educativo?” F29: esse trabalho, essa formação não é só profissional, .F38: demandas da sociedade comandando a educação, problema da educação. F39: luta F40: resistência demandas (da sociedade) estão determinando os rumos da educação. 3) As práticas educativas influenciam muito na formação dos sujeitos; de determinados tipos de sujeito. F7: incluir o indivíduo nessa situação que já está instituída, prepará-lo para continuar nessa situação, outra, direção de esclarecimento dos 4) A educação pode formar uma pessoa mais crítica, com 83 indivíduos conscientização ser sujeitos de mudança, influir no destino dessa sociedade. F15: a minha maneira de ver é muito mais a de formar uma pessoa mais crítica mesmo, com autonomia intelectual, do que alguém que vá concordar comigo, repetir conceitos... F18: responsabilidade de formar pessoas que tenham consciência do mundo, da sua participação neste mundo F9: sentidos diversos, domesticadora, transformadora, perspectiva mais crítica. F26: para que essa educação, porque essa formação e porque a educação de forma geral F27: porque trabalhar com educação, você está almejando o que? F33: “para que tudo isso? Se não for para trabalhar em prol de uma vida melhor para todas as pessoas? Acho que esse é o compromisso do educador, o maior. F37: chamado, do mercado de trabalho. F2: se tornar alguém, processo educativo, na constituição da própria sociedade está a educação. F3: instituição escolar surgiu de uma situação social específica, necessidade de uma educação para várias pessoas F4: a instituição escolar tem relação profunda com o tipo de sociedade que existe. F5: F6: escola tem relação profunda com constituição de um tipo de sociedade. F8: poder, participação nessa forma da pessoa se entender como sujeito dentro dessa sociedade, nesse coletivo da sociedade. F36: demandas (da sociedade) são muito fortes na educação, quase que sufocam a educação autonomia intelectual (transformadora) ou pode formar noutro sentido (domesticadora). 5) A escola tem relação profunda com constituição de um tipo de sociedade. DADOS DO PROGRAMA DISCIPLINA EMENTA OBJETIVO GERAL OBJETIVOS ESPECÍFICOS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO BIBLIOGRAFIA BÁSICA Didática: Trabalho Pedagógico Docente Conceito de educação, pedagogia, educação escolar e didática. Teorias pedagógicas e caracterização de trabalho docente. Formação profissional e constituição da docência. A escola como “lócus” do trabalho docente. Adquirir conhecimentos básicos a respeito de Educação, Pedagogia e Didática, concebendo a ação pedagógica docente como derivada de um referencial teórico implícito ou explícito, para desenvolver uma maneira crítica de compreender a realidade escolar. - Conceituar educação, pedagogia, educação escolar e didática. - Caracterizar o trabalho docente em relação aos processos de ensinar e aprender. - Compreender o trabalho docente à luz das diversas teorias pedagógicas. - Educação e Pedagogia. - Educação escolar e Didática: a constituição da docência e os processos de ensinar e aprender. - O trabalho pedagógico sob o enfoque das diversas teorias pedagógicas. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 1981. DÍAZ BORDENAVE, Juan; PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1994. FELDMAN, Daniel. Ajudar a ensinar: relações entre didática e ensino. Porto Alegre: Artmed, 2001. 84 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1998. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2001. ANÁLISE – PROFESSOR 2 Para o Professor 2 a formação do professor tem zonas de lacunas, tem coisas que não se atinge, além disso, nada é garantia de que o trabalho docente irá surtir o efeito esperado, já que há uma série de fatores interferindo, personalidade, história de vida, concepções. Mas, mesmo assim, segundo ele, muitas vezes surte o efeito esperado. O Professor 2 tem clareza de que as escolhas começam nas decisões sobre a forma do trabalho educativo. Não simplifica; afirma a interferência de muitos elementos. Outro destaque presente em todo o seu discurso, é que no trabalho do professor está implícita a formação humana, a formação política, a consciência política, porque, caso contrário, não se está formando professor na acepção que se deve ter de ser professor. Assim, formação humana e formação política estão relacionadas para o Professor 2. Em sua concepção a educação forma sujeitos, mas as práticas educativas direcionam para tipos diferentes sujeitos. Podem-se estimular sujeitos mais autônomos ou sujeitos menos críticos e dependentes. As práticas podem ser transformadoras ou domesticadoras. O professor deve responder com seu trabalho ao tipo de sujeito e de sociedade que quer incentivar. Por isto, considera o trabalho do professor muito difícil e complexo; exatamente o contrário da concepção geral que se tem de que qualquer um pode ser professor, pois abrange aspectos muito diferentes, tais como: o cognitivo, o social, o político, o ético, exigindo esforço, estudo e preparação constantes e principalmente um compromisso muito forte. Que tipo de sujeito o professor quer que exista no mundo? O trabalho do professor deve partir dessa resposta. O Professor 2 apresenta clareza de que o papel político da educação se coloca na relação da educação com a sociedade; na formação de determinado sujeito para uma determinada sociedade. Valoriza as formas coletivas de trabalho e a organização profissional; dá voz ao aluno; busca a consciência crítica e o compromisso; e insiste na pergunta: “com o 85 trabalho em educação se almeja o que?” Pontua o risco de se responder apenas ao mercado de trabalho. Faz a crítica e reafirma como projeto o aluno crítico que percebe seu papel histórico e ativo no mundo. Contudo, explicita que essas idéias não ficam claras em seu programa porque, para ele, quando se pensa no trabalho educativo, os elementos que não estão no programa, ou seja, o que acontece no cotidiano, muitas vezes é muito forte e olhando simplesmente o programa não há como descobrir qual é o comportamento, a atitude, a maneira de ver a educação de um professor. O compromisso do educador, segundo ele, é formar uma pessoa mais crítica, com autonomia intelectual, é formar uma pessoa que seja crítica e que seja ética, que possa se preocupar em assumir um papel de responsabilidade na construção deste mundo. Assim, defende que o compromisso do educador é com uma vida melhor para todas as pessoas. Em sua visão sobre educação, vê a possibilidade de estimular este lado, de que a educação não é uma formação de profissionais, mas sim, uma formação de pessoas, uma formação humana, com os aspectos humanos desta formação. Mas, segundo ele, as demandas da sociedade no Brasil e em outros lugares do mundo ocidental estão determinando os rumos da educação e é preciso lutar, resistir a essas demandas que estão praticamente determinando os rumos educação. Assim, o Professor 2 contextualiza a educação. Ele percebe as contradições presentes na relação entre a educação e a sociedade, afirmando que a educação pode ser vista como uma socialização no sentido de incluir o indivíduo na situação que já está instituída e prepará-lo para continuar nessa situação, ou, por outro lado, ir numa outra direção de esclarecimento do indivíduo, conscientizando-o para que possa ser sujeito de mudança de sua própria história e influir no destino da sociedade. Nesta perspectiva, a educação pode ser domesticadora, por um lado, como pode ter, por outro lado, uma perspectiva mais transformadora e crítica. Assim, na concepção do Professor 2, a instituição escolar tem uma relação muito profunda com o tipo de sociedade e por isso, a educação se torna muito importante, mas ela não é “a transformadora” ou aquela que vai resolver todos os problemas sociais. O Professor 2, segundo nossa análise, possui clareza da dimensão sociopolítica da educação, sobretudo, percebendo a tarefa que lhe cabe na formação de fazer a ponte 86 entre o seu trabalho como docente-formador, a política, a educação e a sociedade. Apresenta em sua fala a percepção das dimensões que compõem o trabalho de formação docente e as contradições presentes na educação (escola). Reconhece as dificuldades do processo, mas não é pessimista quanto às possibilidades e o alcance da educação em relação à transformação da sociedade. Sua posição pode ser reconhecida como o que Cortella chama de Otimismo Crítico. Cabe destacar que o Professor 2 apesar de apresentar posição clara sobre a dimensão sociopolítica da educação, apresenta o mesmo programa de curso que o Professor 1. Talvez o reconhecimento da distância entre seu pensamento e seu programa o tenha levado a afirmar e reafirmar que o programa não reflete o que se faz na prática. DADOS - PROFESSOR 3 O terceiro sujeito é Graduado em Pedagogia, pela Universidade Federal do Paraná, tem 9 anos de experiência docente no Ensino Superior e trabalha numa instituição privada, ministrando as disciplinas: “Escola e Currículo”; “Metodologia de Ensino de História e Geografia” e “Estágio Supervisionado I” na graduação em Pedagogia, com doze aulas semanais para um total de 170 alunos. Sua formação para docência em ensino superior inclui: Especialização em Organização do Trabalho Pedagógico, Mestrado em Educação: Políticas e Gestão da Educação. DADOS DA ENTREVISTA CATEGORIA DE ANÁLISE: 1) Formação de Professor e Trabalho Docente. F70: O que eu considero mais importante para a formação de professor e para sua abertura de visão de um mundo é exatamente que ele compreenda essa relação entre o que a sociedade espera, o que a sociedade hegemônica espera, o que é bom para a população como um todo e o que a escola faz com isso. F71: Então que esse professor, esses pedagogos não sejam simplesmente pessoas que recebem as determinações legais, ou as orientações como no caso os parâmetros curriculares e digam ok, então agora vamos pensar no melhor jeito de Dados da Entrevista colocar isso na prática. Que eles tenham assim, condições de ler esses materiais, (Pré-indicadores – essas orientações e determinações com uma visão mais aberta, com uma sublinhados e percepção do quanto a escola e o currículo contribuem para formar um Indicadores em determinado tipo de pessoa. negrito) F33: fica cada vez mais difícil formar professores que tenham condições de interferir, que tenham condições de compreender de maneira mais ampliada a educação e portanto, educarem de verdade. F34: Eu arrisco dizer que o mais democrático hoje seria ensinar. Por incrível que pareça isso, o mais revolucionário é fazer com que as pessoas aprendam e infelizmente a gente não tem conseguido. F35: infelizmente, eu não sei se é velheira, eu ando um pouquinho mais 87 desanimada com a minha possibilidade de interferir, de contribuir para a construção de professores que junto comigo e com outros colegas pudessem contribuir para uma sociedade mais justa. Não desisti ainda, mas está cada vez mais difícil. F53: só que a gente pode dizer assim: "muitas sementes caem no asfalto, algumas caem em solo fértil e essas germinam, mas têm muitas que estão se perdendo. F89: Cada vez mais, com a democratização do ensino superior, estão chegando a este nível, alunos com origens sócio-culturais as mais diversas possíveis, que trazem ao professor o desafio de “partir da diversidade” e tentar chegar a uma “igualdade” de condições de assimilação do conhecimento necessário à vida profissional e à cidadania. Esse é, na verdade, o grande desafio da docência no ensino superior na atualidade. F22: Eu acho que a gente não pode dizer que as práticas educativas determinam (um tipo de sujeito, de sociedade) F23: Acho que seria muito forte dizer que as práticas educativas determinam, mas elas têm um papel sim no mundo, eu acho que um papel até importante, principalmente se nós entendermos educação não só como a educação formal, mas também, a educação não formal, a educação tem todos os espaços sejam eles família, seja a mídia... F26: Infelizmente está tão difícil! F31: Eu já nem me arisco mais a dizer que eu luto pela superação de uma sociedade capitalista, mas que pelo menos a gente conseguisse maior justiça social que eu sei que no horizonte final do capitalismo é difícil, mas em outras épocas foi menos carrasco, menos cruel... A gente está vendo uma regressão de tudo isso. F41: Então a gente continua insistindo, mas cada vez menos... F42: Então, cada vez mais está mais difícil, embora, eu continuem insistindo nessa questão de sempre trazer a posição... Eu diria assim, não sou nem um pouco pós-moderna, ainda sou da tese que tem que ensinar sim, que existem alguns conteúdos que tem que ser apreendidos sim, que esses conceitos é que permitem que você compreenda o mundo de uma maneira mais ampliada, só que cada vez mais está mais difícil que os alunos compreendam esses conceitos. CATEGORIA DE ANÁLISE: 2) Papel como Docente Formador. F87: No Ensino Superior é organizar de maneira adequada aos níveis de aprendizagem dos alunos, os conteúdos a serem aprendidos. F88: Para ser um bom professor de Ensino Superior é preciso ter domínio do conteúdo, da didática (que é diferente da didática para com crianças) e das relações que se estabelecem em grupos. F65: O estabelecimento de uma relação professor- aluno, que seja uma relação não de amiguinho, mais que tenham conhecimento como objetivo, sempre traz muito retorno, sempre traz muitas possibilidades F66: Os alunos reconhecem, eles percebem o professor que tenta entender a sua situação, que tenta ajudar, que tenta contribuir sem facilitar, sem abrir mão da Dados da Entrevista exigência, do rigor... (Pré-indicadores – F67: quanto mais a gente consegue mostrar para o aluno que é extremamente sublinhados e respeitoso com ele exigir que ele aprenda, não permitir a coisa dá satisfação Indicadores em fácil, do prazer simplesmente pelo prazer da aula lúdica e sim lutar pelo prazer do negrito) aprendizado, pela satisfação de descobrir que eu dei conta... Num primeiro momento eles até reagem negativamente, mas no decorrer do tempo reconhecem e gostam. F68: o importante para o nosso desenvolvimento é que as pessoas nos exijam, respeitosamente. Então eu acho que sempre há um retorno e um retorno muito bacana. F58: Como eu vivi com muita ênfase, com muita força esse período da redemocratização, porque eu já passei dos meus 40, me dói muito ver que a gente não conseguiu... Também não vamos ser ingênuos de achar que uma andorinha faz verão, mas havia movimentos coletivos e mesmo assim essa ideologia se 88 sobrepõe e a gente não está conseguindo lutar contra ela. Isso vai cansando, vai desanimando. F85: Eu acho que a grande urgência é voltar a um trabalho coletivo. Os professores têm trabalhado de maneira muito isolada. Existem muitas boas práticas, muito boas iniciativas, mas elas estão isoladas a uma escola, a um profissional, a uma instituição. Não estamos no momento conseguindo um movimento mais coletivo de organização... F86: Eu sei que tem os fóruns em defesa da escola pública, tem várias instâncias que tentam fazer isso, mas é um movimento que está enfraquecido e acho que o primeiro passo é lutar para um movimento mais coletivo de conscientização, embora isso pareça já superado, pareça que ... já é defesa de Paulo Freire lá dos anos 50, do Saviani nos anos 80, mas infelizmente nós temos que retomar essa coisa da conscientização, e da compreensão da possibilidade de um outro mundo que não necessariamente as coisas têm que ser como são. Então eu acho que é urgente a luta da organização coletiva, contra a naturalização de tudo que é social e daí, quem sabe o resto aconteça? Dados da Entrevista (Pré-indicadores – sublinhados e Indicadores em negrito) CATEGORIA DE ANÁLISE: 3) Visão sobre Educação. F16: Quando estou falando ensino não estou me referindo só a escola, porque tanto pode haver o ensino de valores, o ensino daquelas regras básicas de convivência, mas também, e principalmente para as funções psicológicas superiores, aquilo que a escola oficialmente e formalmente induz... ... induz, ensina, puxa... F27: Infelizmente o que a gente tem visto é assim... Por um lado é uma coisa positiva é o acesso de muitas pessoas que antes não tinham acesso ao nível universitário e nem a pós-graduação... Então é um público completamente diferente... F28: O ensino superior ainda está estruturado para o estudante que tem condições, que tem tempo, teve acesso a todo um capital cultural, que vem de uma camada sócio econômica privilegiada... F29: E o estudante que nós estamos recebendo cada vez mais, que é aquele que tem dificuldades de leitura e escrita, não que ele não leia o texto, mas daí a conseguir compreender é bastante difícil... Que tem limitações grandes na compreensão do texto, na compreensão das notícias, que são bastante presas do senso comum, da mídia. F30: eu percebo um recuo da possibilidade de contribuir rumo a construção de uma sociedade mais justa, que seria o objetivo. F32: E por conta de nós recebermos cada vez mais estudantes, que apesar da boa vontade, tem limites muito grandes de compreensão do mundo. F54: meus alunos que por tanto também são vítimas dessa pressão... Muitos trabalham no próprio grupo que é a mantenedor... A coisa é assim: "não adianta eu preciso de emprego, se eu quiser ter emprego, eu vou me adaptar e para me adaptar, qualquer tipo de discordâncias, de dissonância não é bem vinda". F24: se nós pensarmos o espaço formal chamado escola, indiferente de que o nível, eu acho que elas têm uma contribuição importante, mas não posso dizer que são determinantes. F25: Porque se não estaria recorrendo àquilo que eu mesma agora pouco falei que considero um equívoco, que considerar que a educação formal pode resolver os problemas, ou criar, sei lá... desenvolvimento econômico, coisas que não competem à educação. F69: (...), mais de qualquer forma o que a escola faz é transmitir, e eu vou usar esse termo mesmo, embora esteja lá fora de moda, não faz mal... Já estamos fora de moda também... É transmitir uma visão de mundo, um conhecimento, valores... F74: Eu acho que existem demandas bastante contraditórias F75: Então uma primeira contradição: você tem o interesse dos grupos hegemônicos, dos empresários e eles têm... a gente sabe que por meio dos lobis tem uma grande influência na estruturação da legislação que depois acaba tendo que ser cumprida pela escola. 89 F60: eu considero que a universidade, qualquer uma delas, não está preparada para o tipo de aluno que recebem hoje. A maioria dos estudantes hoje trabalha, mesmo que eles estudem de manhã, eles trabalham à tarde e a noite. F61: as pessoas geralmente têm pouco tempo para estudo fora da instituição, tem um... É feio usar essa palavra... Mas, tem um déficit de acesso aos bens culturais e, portanto, tem muita dificuldade para compreender os conceitos. F62: Acho que a universidade precisa repensar toda a sua estratégia de trabalho, porque a gente cansa de ver alunos que estão lá na última aula do dia e estão lutando para ficar acordados e não conseguem e percebo vários colegas que não respeitam isso. (...) muitos professores não conseguem entender, não conseguem ver... F63: Tem gente que não tem dinheiro para a xérox, para comida e a universidade está fazendo de conta que não está vendo isso. E ao mesmo tempo você tem a situação de outros alunos na turma que têm acesso aos bens culturais, a alimentação... E fica uma dificuldade até de se constituir grupos, coisa que eu não percebia há anos atrás que percebo hoje, é muito forte a construção de grupinhos dentro da sala , porque a gente tem turmas grandes, aliás esse é outro problema... F64: Então grupinhos que se constituem de uma maneira tão forte, porque o individualismo está muito presente na sociedade atual, (...) esse individualismo exacerbado, esse raciocínio da mercadoria que é uma coisa assim, bom que eu trato... do hedonismo... eu trato de conseguir a nota, se eu aprendi isso é uma outra questão, mas é preciso passar por que me custa de muito caro reprovar, porque eu preciso me formar. Então eu acho que a situação da sociedade hoje está dificultando muito o trabalho educativo F83: em relação às dificuldades, são essas: a questão da educação como mercadoria, a mudança do perfil do estudante não sendo compreendida pela universidade, a idéia do prazer imediato (...) F84: Deslocar o prazer para daqui a pouco, tem que ser tudo agora! E como as famílias, os pais, não estão sabendo colocar os limites. Essas pessoas chegam ao mundo, em todos os níveis de ensino, nós estamos falando agora de ensino superior, com bem mais dificuldade para resistir a uma frustração, para receber uma correção que com certeza a sua orientadora fez no seu referencial teórico umas 27.000 vezes! Isso, as pessoas não conseguem mais aceitar, como sendo parte do processo. Dados da Entrevista (Pré-indicadores – sublinhados e Indicadores em negrito) CATEGORIA DE ANÁLISE: 4) Finalidade da Educação. F6: eu acho que é muito importante fazer um movimento contra hegemônico no sentido de não somente corresponder àquilo que a sociedade espera, porque isso quem espera é um grupo, não é a sociedade como um todo. F7.1:Então, a educação tem a possibilidade tanto de confirmar e sedimentar isso que já existe, esses status quo, como ela tem a potencialidade de contribuir para a reflexão e até para a transformação disso (...) F8: mas não caindo no engodo de achar que a educação transforma tudo que é uma das manias que a gente tem visto ai na mídia hoje e que é uma coisa extremamente perigosa. F17: eu considero que a educação é muito importante desde que as pessoas saibam o que estão fazendo F21: considero que há uma importância grande da educação, mas não do jeito que está sendo posto hoje pela mídia, como se educação fosse assim, resolver o problema do desemprego, resolver o problema da gravidez precoce, resolver todos os problemas que na verdade não são do âmbito da educação e sim da organização social como um todo. F73: Então, porque ela tem o grande poder, tanto para contribuir na manutenção como na transformação do que existe, a educação tem um grande papel, embora não seja redentora... F79: Mas tem uma outra demanda que é "precisamos de educação exatamente para mudar essa visão, exatamente para perceber que não é só pelo trabalho, que é porque ela nos forma nos ajuda a desenvolver a nossa inteligência, a nossa capacidade de pensar, de raciocinar, de estabelecer relações, comparações, etc. 90 F14: existem outras (demandas) que eu particularmente considero muito maiores que são as de ajudar a pessoa a ser cada vez mais pessoa... lutar e trabalhar no sentido da humanização F15: o ser humano quando nasce é um candidato à humanidade, ele não é tudo aquilo que poderia ser desde que tenha a oportunidade, de que sejam desenvolvidos nele elementos que na verdade só o ensino é que consegue. F18: infelizmente a gente vive num momento hoje em que estão muito fortes as pedagogias... não é nem não diretivas... as pedagogias que eu chamaria de negativas, que entendem que a questão é muito o aluno construir, o aluno descobrir, a aprendizagem constante, o aprender a aprender... Então retirasse da educação um pouco seu papel de ser um elemento que pode contribuir na humanização das pessoas. CATEGORIA DE ANÁLISE: 5) Relação Educação x Sociedade. F2: Toda sociedade gera a educação que combina com ela, só que isso não significa que seja algo claro, límpido e sem conflitos. F3: A educação vai acompanhar essa concepção de sociedade. F4: existe uma concepção (de sociedade) que se torna hegemônica e que vai interferir na forma como se faz educação. F5: eu considero que é necessário no momento atual, quer dizer, no sistema capitalista que continua muito forte hoje, embora tanto se fale em sociedade do conhecimento, reestruturação produtiva, a gente sabe que a base ainda continua a mesma. F7: Então eu acho que existe uma relação muito próxima, embora dialética... F10: Em todas as sociedades a educação é muito importante porque ela ajuda a formar o tipo de pessoa que aquela sociedade precisa. F11: e na fala de vários empresários, a idéia que caberia a educação formar as pessoas para o mercado de trabalho... F12: digo na legislação porque de maneira implícita isso está na legislação também como você vê, por exemplo, nas diretrizes para o ensino médio colocando que a referência privilegiada para os currículos seria o mercado de trabalho ou, não é nem o mundo do trabalho e sim a necessidade da produção. F13: há um grupo que quer formar as pessoas que são necessárias para Dados da Entrevista produzir nesse sistema e se adaptar a ele, essa é uma demanda da sociedade, é (Pré-indicadores – uma das importâncias sublinhados e F55: Por isso que eu disse para você bem no começo que toda sociedade gera a Indicadores em educação que lhe interessa, embora isso não interesse para todos daquela negrito) sociedade. F56: se você observar o modelo neoliberal que a gente tem, tudo está se tornando mercadoria, é claro que a educação infelizmente está entrando nisso também... F59: ... Essa idéia da educação como mercadoria, portanto, vem associado aí toda a questão de compra e venda, de produto fechado, de satisfação do cliente, etc. e tal, que é um raciocínio absolutamente torto para a educação. F80: Por outro lado a sociedade, se a gente pensar em mídia, em senso comum, têm empurrado para a educação todas as demandas. F81: Tem problema de violência, a escola é que não deu conta; tem gravidez na adolescência, a escola não deu conta; tem desemprego, a escola não deu conta... Isso me parece que é um discurso ideológico, de lavar as mãos do estado e de outras instituições empurrando para uma só delas, a escola, e também de alguma forma para o indivíduo... F82: Então como que não vai para a escola hoje em dia?" Então você inclui todo mundo... a Cássia Kuenzer chama isso de “inclusão excludente”. Inclui todo mundo na educação! Todo mundo na escola! Mas não necessariamente uma boa educação! Com uma boa aprendizagem! Então você acaba excluindo no decorrer do processo por evasão, ou repetência, ou até porque mesmo tendo diploma essa pessoa não tem condições de competir pelos postos de trabalho. 91 INDICADORES F70: abertura de visão de um mundo, compreenda relação entre o que a sociedade espera, o que a sociedade hegemônica espera, o que é bom para a população como um todo e o que a escola faz com isso. F71: visão mais aberta, percepção do quanto a escola contribuem para formar um determinado tipo de pessoa. F33: difícil formar professores que tenham condições de interferir, compreender de maneira ampliada a educação, educarem de verdade. F34: o mais democrático seria ensinar. o mais revolucionário fazer com que as pessoas aprendam não tem conseguido. F35: desanimada possibilidade de interferir, contribuir a construção de professores, sociedade mais justa. F53: "muitas sementes caem no asfalto, algumas caem em solo fértil e essas germinam, mas têm muitas que estão se perdendo. F87: organizar os conteúdos a serem aprendidos. F88: bom professor é preciso ter domínio do conteúdo, da didática, das relações em grupos. F65: conhecimento como objetivo F66: exigência, do rigor... F67: é extremamente respeitoso exigir que ele aprenda F68: exijam, respeitosamente F58: movimentos coletivos, ideologia se sobrepõe , não está conseguindo lutar contra ela. F85: a grande urgência trabalho coletivo. Os professores têm trabalhado de maneira isolada. movimento mais coletivo de organização... F86: está enfraquecido o primeiro passo é lutar para um movimento mais coletivo de conscientização, retomar conscientização, compreensão da possibilidade de um outro mundo, urgente a luta da organização coletiva, contra a naturalização de tudo que é social F89: alunos com origens sócio-culturais as mais diversas possíveis, o desafio de “partir da diversidade” chegar a uma “igualdade” de condições de assimilação do conhecimento necessário à vida profissional e à cidadania. F31: superação de uma sociedade capitalista, maior justiça social é difícil. F42: está mais difícil, tem que ensinar sim, conteúdos, conceitos permitem que compreenda o mundo de uma maneira mais ampliada, está mais difícil que os alunos compreendam esses conceitos. F16: ensino de valores, o ensino regras básicas de convivência, escola oficialmente induz, ensina, puxa. F27: acesso de muitas pessoas ao nível universitário F28: O ensino superior estruturado para o estudante que tem condições, tempo, capital cultural, camada sócio econômica privilegiada... F29: E o estudante tem dificuldades de leitura e escrita, tem limitações grandes na compreensão do texto, notícias, presas do senso comum, da mídia. F30: recuo rumo a construção de uma sociedade mais justa, F32: estudantes, tem limites muito grandes de compreensão do mundo. F24: escola têm contribuição importante, mas não são determinantes. F25: equívoco, a educação formal pode resolver os problemas, ou criar, desenvolvimento econômico, coisas que não competem à educação. F69: o que a escola faz é transmitir uma visão de mundo, um conhecimento, valores F75: o interesse dos grupos hegemônicos, empresários, lobis influência NÚCLEOS 1) O mais importante para a formação de professor é que ele compreenda essa relação entre o que a sociedade hegemônica espera, o que é bom para a população como um todo e o que a escola faz com isso. 2) O papel do docente é lutar para um movimento mais coletivo de conscientização. 3) A escola transmite uma visão de mundo, um conhecimento, valores. 92 na estruturação da legislação cumprida pela escola. F60: a universidade, não está preparada para o tipo de aluno que recebem estudantes trabalha F61: pouco tempo para estudo déficit de acesso aos bens dificuldade para compreender os conceitos. F63: turmas grandes, F64: individualismo, raciocínio da mercadoria, hedonismo, dificultando muito o trabalho educativo F83: educação como mercadoria, a mudança do perfil do estudante não sendo compreendida pela universidade, F6: movimento contra hegemônico F7.1: possibilidade tanto de confirmar e sedimentar status quo, potencialidade de contribuir para a reflexão para a transformação F8: engodo achar que a educação transforma tudo. F17: eu considero que a educação é muito importante desde que as pessoas saibam o que estão fazendo F21: há uma importância grande da educação, mas não do jeito que está sendo posto hoje pela mídia, como se educação fosse assim, resolver problemas que não são do âmbito da educação e sim da organização social como um todo. F73: grande poder, contribuir na manutenção como na transformação do que existe, não seja redentora... F79 ela nos forma inteligência, capacidade de pensar, raciocinar, estabelecer relações, comparações. F14 ajudar a pessoa a ser cada vez mais pessoa... lutar e trabalhar no sentido da humanização F15: o ser humano quando nasce é um candidato à humanidade. F18: retirasse da educação um pouco seu papel de ser um elemento que pode contribuir na humanização das pessoas. F2: Toda sociedade gera a educação que combina com ela, não significa que seja algo claro, límpido e sem conflitos. F3: A educação vai acompanhar essa concepção de sociedade. F4: concepção (de sociedade) que se torna hegemônica vai interferir na forma como se faz educação. F7: a relação dialética... F10: a educação ajuda a formar o tipo de pessoa que aquela sociedade precisa. F11: empresários, educação formar para o mercado de trabalho... F12: necessidade da produção. F13: grupo que quer formar as pessoas que são necessárias para produzir nesse sistema e se adaptar a ele. F55: toda sociedade gera a educação que lhe interessa. F56: modelo neoliberal mercadoria, a educação infelizmente está entrando nisso também... F59: compra e venda, de produto fechado, de satisfação do cliente, raciocínio absolutamente torto para a educação. F80: a sociedade, têm empurrado para a educação todas as demandas. 4) A educação tem a possibilidade de confirmar e sedimentar o status quo, ou a potencialidade de contribuir para a transformação. 5) A educação vai acompanhar a concepção de sociedade. DADOS DO PROGRAMA DISCIPLINA EMENTA Escola e Currículo Fundamentos e conceitos da área de currículo e sua articulação com a didática e organização do trabalho pedagógico. Relações entre organização, produção, 93 distribuição de saber, poder e identidades sociais. Disciplinas escolares e áreas de referências de organização dos saberes. Procedimentos para a organização da produção curricular. OBJETIVOS GERAIS OBJETIVOS ESPECÍFICOS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO - Relacionar as teorias do currículo ao contexto social, político e histórico que as gerou; - Identificar e refletir sobre as diversas concepções de currículo e suas relações com a seleção e organização do conhecimento escolar; - Conhecer e avaliar com criticidade as formas mais usuais de organização curricular tendo em vista as necessidades do mundo atual; - Compreender a íntima relação entre a concepção de educação e de currículo e a prática docente. - Examinar o processo curricular em seu fazer-se na escola e o impacto na organização do trabalho pedagógico, possibilitando a reflexão sobre as relações entre currículo, poder, identidade social e cultura escolar. Identificar a relação existente entre economia e educação. - Discutir o plano de ensino, as datas, a sistemática de avaliação e papel desta disciplina na formação do pedagogo; - Iniciar a discussão sobre o conceito de currículo que as alunas trazem; - Conceituar currículo; - Compreender que o currículo em ação se faz na escola, sob influência do currículo prescrito e do currículo oculto; - Compreender que a escola é um conjunto de culturas (crítica, acadêmica, institucional, social e experiencial) e que estas são influenciadas e influenciam o currículo da escola; - Examinar as relações entre currículo e a organização dos tempos, espaços, sujeitos e relações de poder na escola; - Compreender o currículo como "espaço de conflito", construído de acordo com o momento histórico; - Refletir a respeito das teorias curriculares e suas relações com as discussões curriculares atuais; - Compreender as discussões geradas pela crítica à compartimentalização do saber; - Analisar criticamente as propostas de um currículo integrado; - Examinar criticamente os fundamentos das propostas curriculares do Governo Federal: avaliação escolar x currículo x neoliberalismo; - Analisar as críticas efetuadas aos currículos nacionais e os caminhos/críticas encontradas na prática de currículos locais; - Analisar criticamente as propostas curriculares do Estado do Paraná e do Município de Curitiba tendo por referência os estudos realizados; - Refletir a respeito das teorias curriculares e suas relações com as discussões curriculares atuais; - Compreender e saber utilizar em análises e discussões escolares, os conceitos curriculares essenciais desenvolvidos por cada teoria estudada; - Compreender a diferença entre as teorias tradicionais de currículo, as teorias críticas e as chamadas teorias pós-críticas e suas influências na elaboração de currículos estaduais e municipais; - Analisar aspectos sociológicos, históricos e psicológicos presentes nas estruturas curriculares; - Compreender como se dá a conversão do saber científico em saber escolar - Fundamentos do currículo numa perspectiva crítica. - Aspectos históricos da constituição do currículo. - A crítica à compartimentalização do saber e as propostas de currículo integrado: Interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, transversalidade; O trabalho por projetos/ temas geradores. - As propostas curriculares do Governo Federal: Os PCNs e os RCNEF. - Análise crítica das propostas curriculares da Rede Estadual de Ensino do Paraná e da Rede Municipal de Curitiba. - Saberes, Currículo e Didática. - Conversão do saber científico em saber escolar – As disciplinas escolares e as áreas 94 de referência. - Princípios norteadores para o currículo: tendências atuais BIBLIOGRAFIA BÁSICA COSTA, Marisa Vorraber. Escola Básica na virada do século. São Paulo: Cortez, 2000. CURITIBA, SMED. Diretrizes Curriculares para a Educação Municipal de Curitiba. Vol 1, 2 e 3. Curitiba, 2006. EDUCAÇÃO, Secretaria de Estado da; DEPARTAMENTO DE ENSINO DE PRIMEIRO GRAU; SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO. Currículo Básico para a Escola Pública do Paraná. Curitiba: 1990. GIMENO SACRISTAN, José. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: Artmed, 1999 KRAMER, S. ‘Propostas Pedagógicas ou Curriculares: subsídios para uma leitura crítica.’ In: KRAMER, S. Currículo: políticas e práticas. Campinas: Papirus, 1999. KUENZER, Acácia Zeneida. “Trabalho Pedagógico: da fragmentação à unitariedade possível.” In: FERREIRA, Naura Syria & AGUIAR, Márcia Ângela da Silva (Orgs.) Para onde vão a Orientação e a Supervisão Educacional? São Paulo: Papirus, 2002. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO; SECRETARIA DO ENSINO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Primeiro e segundo ciclo do ensino fundamental. Brasil: 1997. MOREIRA, Antonio Flavio. Currículo: políticas e práticas. 2 ed. SP: Papirus, 1999. PARO, Vitor Henrique. “A Natureza do Trabalho Pedagógico.” In: PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da Escola Pública. São Paulo: Ática, 2004. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1991. ANÁLISE – PROFESSOR 3 O Professor 3 apresenta uma visão bastante negativa e crítica da educação brasileira hoje. Aponta muitos aspectos que dificultam a tarefa da educação: estrutura para alunos privilegiados, que não trabalham, que não tem déficit de acesso aos bens culturais. Além disso, aponta que a educação tem sido vista como mercadoria e responde a interesses de grupos hegemônicos. Fala da falta de qualidade e da formação precária dos professores. E afirma que os valores dominantes na sociedade também dificultam o trabalho educacional. Ele considera que o mais importante para a formação docente é a compreensão da relação entre o que a sociedade hegemônica espera, o que é bom para a população como um todo e o que a escola faz com isso. Defende a idéia do professor ter uma visão mais aberta, uma percepção do quanto a escola e o currículo contribuem para formar um determinado tipo de pessoa. Segundo sua fala, está cada vez mais difícil formar professores que tenham condições de interferir, de compreender de maneira mais ampla a educação e portanto, educarem de verdade. O mais democrático hoje, segundo ele, seria ensinar, fazer com que as pessoas aprendam e infelizmente os professores não tem conseguido, em sua opinião. 95 O professor demonstrou-se desanimado com a possibilidade de contribuir para a formação de professores que possam trabalhar para a construção de uma sociedade mais justa. Na sua concepção está cada vez mais difícil lutar pela superação de uma sociedade capitalista e pela justiça social. Acredita que alguns conteúdos e conceitos devem ser ensinados, permitindo que o aluno compreenda o mundo de uma maneira mais ampliada, mas que está mais difícil para que os alunos compreendam esses conceitos. Pensa que nesse quadro muitas “sementes caem no asfalto e não frutificam.” Para ele, o papel da escola é transmitir uma visão de mundo, valores e conhecimento, o que considera uma contribuição importante a escola humanizar. Partir da diversidade para chegar na igualdade. Mas ressalta que a educação não é redentora; não é determinante. Em sua opinião, toda sociedade gera a educação que combina com ela, mas não sem conflitos. No seu ponto de vista, no período da redemocratização havia movimentos coletivos, porém, acredita que hoje os professores têm trabalhado de maneira isolada, não conseguindo um movimento coletivo de organização. Dessa forma, considera que o papel do docente é lutar para um movimento mais coletivo de conscientização e para a compreensão da possibilidade de um outro mundo contra a naturalização de tudo que é social. Assim, a educação está, segundo ele, se tornando uma mercadoria. Por outro lado, considera ser muito importante fazer um movimento contra hegemônico, pois, em sua opinião, a educação tem a possibilidade tanto de confirmar e sedimentar o que já existes, status quo, como tem também a potencialidade de contribuir para a reflexão e até para a transformação disso. Porém adverte que não se deve cair no engodo de achar que a educação transforma tudo. O grande poder da educação é, segundo ele, contraditório, pois, tanto pode contribuir na manutenção como na transformação do que existe. A educação forma, ajuda a desenvolver a inteligência, a capacidade de pensar, de raciocinar, de estabelecer relações, comparações; ajuda a pessoa a ser cada vez mais pessoa. Para tanto, acredita que o professor precisa lutar e trabalhar no sentido da humanização, porque, o ser humano quando nasce é um candidato à humanidade e só o ensino é que pode contribuir na humanização das pessoas. 96 Para o professor 3, toda sociedade gera a educação que combina com ela, só que isso não significa que seja algo claro, límpido e sem conflitos. Para ele, a educação vai acompanhar essa concepção de sociedade que se torna hegemônica e que vai interferir na forma como se faz educação. Então, na sua concepção, existe uma relação muito próxima, embora dialética entre educação e sociedade. Considera, dessa forma, que em todas as sociedades a educação é muito importante porque ela ajuda a formar o tipo de pessoa que aquela sociedade precisa. No contexto atual, vários empresários pregam a idéia de que caberia a educação formar as pessoas para o mercado de trabalho, pela necessidade da produção. Assim, esse grupo quer formar as pessoas que são necessárias para produzir nesse sistema e se adaptar a ele, essa é uma demanda da sociedade, segundo o Professor 3, é uma das importâncias no modelo neoliberal. Tudo está se tornando mercadoria, e em sua opinião, a educação, infelizmente, está entrando nisso também. O relato do Professor 3 demonstra certa dificuldade de equacionar educação – sociedade – sujeito. Segundo sua visão, educação é força humanizadora, mas a sociedade e as condições desencaminham essa função; assim, a sociedade produz a educação que precisa, mas é hoje mercadoria e não acolhe os sujeitos. O Professor 3 indica com seu discurso a existência de projetos em disputa para a educação; mas naturaliza ao afirmar a humanização como finalidade sem caracterizá-la socialmente. Há um sujeito ideal para ser formado e condições objetivas parecem estar impedindo. O projeto do Professor 3 recua do conflito para lugar de fracasso e desesperança, não só do ponto de vista institucional, mas também, com relação aos alunos que se tem na universidade hoje, explicitando certo pessimismo. Assim, apesar de apontar a importância e a necessidade do trabalho coletivo na luta contra a naturalização de tudo que é social, não se reconhece nessa luta em seu trabalho atual como docente-formador. Seu discurso apresenta uma ambivalência importante: é pessimista na avaliação das possibilidades atuais da educação, mas acredita nela como ferramenta de transformação. De certa forma, ao fazer a crítica à situação atual da educação, carrega suas palavras de credibilidade nela. Seu desânimo se constrói exatamente neste espaço: a educação é ferramenta importante, mas hoje está sendo utilizada de forma a não se apresentar como tal. Lhe escapa a possibilidade de análise das contradições da educação 97 hoje e de poder com esta análise encontrar as “brechas” para a transformação. Isto, a nosso ver, acontece porque a concepção de educação apresenta resquícios de naturalização e da perspectiva otimista ingênua. A análise do programa da disciplina demonstra importância atribuída à relação educação-sociedade, quando relaciona currículo com a condição histórica e social em que esse se desenvolve, quando apresenta as políticas nacionais e do estado do Paraná, quando enfatiza a busca de uma perspectiva crítica para olhar o currículo. Mas, pode-se dizer também que todo o discurso do Professor 3 carece de uma afirmação sobre um projeto social que defenda e busque construir com sua prática. A crítica fica então carente de uma posição e de um projeto a ser afirmado e desenvolvido. DADOS - PROFESSOR 4 O quarto sujeito é Graduado em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Paraná, tem 18 anos de experiência docente no Ensino Superior e trabalha numa instituição particular (comunitária/confessional), ministrando as disciplinas: “Sociologia e Antropologia da Educação I e II”, na graduação em Pedagogia, com duas hora/aula semanais para um total de 50 alunos. Sua formação para docência em ensino superior inclui: Especialização em Pesquisa Educacional e Mestrado em Educação. DADOS DA ENTREVISTA CATEGORIA DE ANÁLISE: 1) Formação de Professor e Trabalho Docente. F21: É complicado, não é? F22: a gente fica esperando encontrar alunos... Porque a minha matéria é no primeiro ano. No primeiro período é Sociologia Geral, e no segundo período Sociologia Especifica... É interessante porque o aluno ainda chega sem a base reflexiva, porque o ensino médio não contribui para isso. F23: nós temos ainda que trabalhar com esse aspecto. De contribuir para que o aluno tenha esse tipo de atividade de uma forma... Veja este tipo de atividade de uma maneira mais natural e espontânea... Que ele pode ter opiniões, que pode Dados da Entrevista expressar opiniões. (Pré-indicadores – F24: Então realmente é muito complicado. sublinhados e F27: Falta de preparo no ensino Médio... Indicadores em F28: Alunos que às vezes a gente fica pensando, eles vêm para a universidade e negrito) aí sim é que vão pensar em ser um cidadão, em ser alguém pensante.. Antes parece que não existiam dentro de uma visão mais política e crítica F29: Então é complicado, é complicado até que os alunos realmente percebam qual é o seu objetivo dentro da universidade e se comprometam (...) F30: eu acho que a maior dificuldade é essa... falta de comprometimento de alguns alunos; não sabem exatamente o que querem... Então daí eles têm um comportamento assim que não é adequado... Então não são motivados para pesquisa, não são motivados, não tem interesse em ler... F31: essa é a maior dificuldade, motivar, despertar o interesse do aluno para a 98 universidade. F41: é uma sociedade muitas vezes que trabalha mais com o aspecto da informação e não do conhecimento. Não busca aprofundar certos temas, certos assuntos... Isso para mim é um problema bem complicado que a gente vai ter ainda que trabalhar muito bem com isso. F42: A tecnologia contribuindo e ao mesmo tempo dificultando o desenvolvimento intelectual, a busca realmente pelo... não a informação pura e simplesmente, mas o conhecimento. CATEGORIA DE ANÁLISE: 2) Papel como Docente Formador. F43: É ser mediador. Mediar o conhecimento... F44: Antigamente a visão do professor era uma visão muito positiva... Então o detentor do conhecimento, alguém que... F45: Eu vejo de uma forma diferente, é aquele indivíduo que vai contribuir, mediar realmente o conhecimento e provocar uma motivação para que esse indivíduo cresça. F46: Eu vejo o professor assim, ele vai contribuir com uma formação plena do indivíduo, de forma integral. Ele vai trazer o conhecimento, mas ele vai contribuir para que esse indivíduo veja além. F47: Ele (professor) tem uma postura crítica, política, essa postura política que não é partidária, mas que todos nós deveríamos ter de atitude diante da vida, observando direitos, deveres, já que a gente vive numa sociedade diante de um sistema de obrigações, esse indivíduo tem de ser consciente dos seus direitos, dos seus deveres. F12: A possibilidade de um professor ter uma participação mais política, mais consciente, mais crítica, vai refletir num tipo de prática. F48: Então o professor precisa ter esse tipo de comportamento, de desenvolver esse interesse no aluno, em busca de sua participação mais plena e não tão parcial como nós observamos hoje em dia. F7: Dentro da visão sociológica, das aulas de sociologia, o que a gente procura fazer é promover uma visão mais crítica. F13: Eu sempre tenho a preocupação de dizer e de praticar na verdade a formação Dados da Entrevista do indivíduo mais crítico. (Pré-indicadores – F14: E como é que a gente pode fazer isso? É muito complicado você chegar e falar para alguém: "Você a partir de amanhã vai ser mais crítico". Então é claro sublinhados e que tem que ser dentro de uma prática, de uma proposição metodológica. Por Indicadores em isso a gente usa muita leitura de texto, discussão em sala de aula e negrito) principalmente essa discussão no sentido de uma formação realmente crítica, de estar consciente de problemas de organização da sociedade, opinar a respeito... F15: Eu acredito que o objetivo maior da minha disciplina é esse, é contribuir com essa formação crítica mesmo. F16: Então, na medida do possível favorecer, por parte do aluno, um desenvolvimento mais crítico; um senso mais crítico a respeito da sociedade, da realidade. F17: uma estratégia seria através de leituras de textos, de livros e posteriormente discussão. Então nas aulas de sociologia a gente sempre propõe momentos de discussão, mas tendo em vista uma leitura prévia... Isso é um procedimento... F18: Tentando discutir a questão da ideologia, a questão das classes sociais, da educação... F19: Então aproveitando o conteúdo tanto da educação, dentro de uma abordagem sociológica mais crítica... Dentro dessa perspectiva crítica. F20: Nós temos, por exemplo, eu me lembrei agora, temas como: "A formação do cidadão"; "O que é cidadania?"; "Exclusão social e inclusão social"... São vários temas que são propostos para que aconteça essa formação mais crítica. F36: o meu objetivo maior é a conscientização, a formação crítica realmente desse indivíduo e contribuir para que ele consiga realmente analisar o contexto de atuação. 99 F37: Então como é que todas essas áreas que contribuem para sua formação vão realmente influenciar um novo tipo de homem na sociedade, vão contribuir com uma formação de um indivíduo crítico também. F1: A educação faz parte de um contexto e nós temos que fazer toda essa relação com os alunos. F2: Principalmente tentando observar quais são os objetivos que a sociedade organizada pretende e daí informar aos alunos quais são esses objetivos e qual é a finalidade de educação. CATEGORIA DE ANÁLISE: 3) Visão sobre Educação. Dados da Entrevista (Pré-indicadores – sublinhados e Indicadores em negrito) ------------------------------------------------------------ CATEGORIA DE ANÁLISE: 4) Finalidade da Educação. Dados da Entrevista (Pré-indicadores – sublinhados e Indicadores em negrito) F4: A educação é fundamental no sentido de esclarecer, conscientizar e principalmente de emancipar o cidadão. F5: Fazer com que ele realmente fique sensibilizado com relação a sua participação na sociedade. CATEGORIA DE ANÁLISE: 5) Relação Educação x Sociedade. F3: A relação é direta. A gente não pode não discutir essa contextualização, essa relação toda que existe. F6: o que a gente observa é que por muito tempo a educação foi muito positivada, fragmentada, aquela visão da adequação pura e simplesmente. F8: em cada tipo de sistema político, cada tipo de sistema de governo, a gente Dados da Entrevista vai observar a reflexão em torno de uma prática educativa. (Pré-indicadores – F9: Se você observar como foi, que tipo de educação nós tínhamos na época do sublinhados e regime militar e hoje em dia... Eu mesmo sou fruto desse sistema... Tinha aula de Indicadores em ciências sociais e de política, onde eu tinha que decorar assuntos e não dar a minha negrito) opinião a respeito. F10: Então é muito complicado. F11: Conforme o tipo de sistema político a gente vai observar que vai influenciar na organização da educação, do sistema educacional. E com isso diretamente na prática. INDICADORES F22: aluno sem a base reflexiva, ensino médio não contribui. F23: ter opiniões, expressar opiniões. F28: vêm para a universidade e aí sim é que vão pensar em ser um cidadão, em ser alguém pensante.. Antes parece que não existiam dentro de uma visão mais política e crítica F29: é complicado até que os alunos realmente percebam qual é o seu objetivo dentro da universidade e se comprometam (...) F30: a maior dificuldade é falta de comprometimento de alguns alunos; não sabem e o que querem, comportamento não é adequado não são motivados, não tem interesse em ler... F31: dificuldade, motivar, despertar o interesse do aluno para a universidade. F41: sociedade trabalha mais com o aspecto da informação e não do conhecimento. F42: A tecnologia contribuindo e ao mesmo tempo dificultando o desenvolvimento intelectual. NÚCLEOS 1) A maior dificuldade é a falta de comprometimento por parte dos alunos. 100 F43: Mediar o conhecimento. F45: provocar uma motivação. F46: contribuir com uma formação plena, integral. trazer o conhecimento, veja além F47: postura crítica, política, ser consciente dos seus direitos, deveres, F12: ter participação mais política, consciente, crítica, vai refletir num tipo de prática. F48: o professor precisa ter esse tipo de comportamento, de desenvolver esse interesse no aluno, em busca de sua participação mais plena e não tão parcial. F7: promover uma visão mais crítica. F13: formação do indivíduo mais crítico. F14: dentro de uma prática, de uma proposição metodológica. leitura de texto, discussão em sala de aula formação realmente crítica, de estar consciente de problemas de organização da sociedade, opinar a respeito... F16: desenvolvimento mais crítico; um senso mais crítico a respeito da sociedade, da realidade. F17: estratégia, leituras de textos, de livros e posteriormente discussão. F18: discutir a questão da ideologia, a questão das classes sociais, da educação... F19: abordagem sociológica mais crítica... perspectiva crítica. F20: "A formação do cidadão"; "O que é cidadania?"; "Exclusão social e inclusão social"... temas propostos para formação mais crítica. F36: objetivo maior é a conscientização, formação crítica contribuir para que ele consiga realmente analisar o contexto de atuação. F37 influenciar um novo tipo de homem na sociedade, contribuir com uma formação de um indivíduo crítico F2: observar os objetivos que a sociedade organizada pretende informar aos alunos quais são esses objetivos e qual é a finalidade de educação. 2) O professor deve contribuir com a formação de uma visão crítica. -------------F4: A educação é fundamental esclarecer, conscientizar e emancipar o cidadão. F5: sensibilizado participação na sociedade. 3) -------4) A educação é fundamental para esclarecer, conscientizar e emancipar o cidadão. F3: A relação é direta. F8:cada tipo de sistema político, cada tipo de sistema de governo, reflexão em torno de uma prática educativa. F11: Conforme o tipo de sistema político vai influenciar na organização da educação, do sistema educacional na prática. 5) Cada tipo de sistema político influencia no sistema educacional, na prática. a DADOS DO PROGRAMA DISCIPLINA EMENTA Sociologia e Antropologia da Educação II Sociologia. Estado, política e Educação. O papel do Estado na Educação. Sociedade do século XXI. A OBJETIVO(S) GERAL O conhecimento da realidade social, estabelecer relações entre os processos sociais e o pensamento sociológico. Desenvolver o juízo crítico quanto a relação educação e sociedade. OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Conhecer conceitos básicos de Sociologia. - Ler criticamente a realidade social. 101 - Conhecer teorias sociológicas relacionadas a Educação. - Relacionar os conceitos Sociológicos à Educação. - Discutir o papel do Estado na Educação. - Compreender a Educação como controle social. - Analisar a Educação para a transformação social. - Discutir o papel da educação na sociedade do século XXI. 1. Sociologia - Conceitos. - Objeto. - Temas de estudo) 2. Estado, política e Educação: - O papel do Estado na Educação. - Neoliberalismo e Educação. CONTEÚDO - Educação e Controle Social. PROGRAMÁTICO - Educação para a transformação Social. - A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado. 3. A Sociedade do século XXI. - O pensamento de alguns sociólogos sobre a sociedade do séc. XXI. - Globalização. - O cidadão do mundo. - Educação e Sociedade. BIBLIOGRAFIA BÁSICA FERREIRA, Nilda Teves F. Cidadania: Uma questão para a educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. FREITAG, B. Escola ,Estado e Sociedade. São Paulo: EDART, 1977. GHIRALDELLI Jr. , Paulo. Infância, Escola e Modernidade. São Paulo: Cortez, 1996. LENHARD, Rudolf. Sociologia Educacional. São Paulo: Pioneira, 1973. ANÁLISE – PROFESSOR 4 Na visão do Professor 4, o aluno chega sem a base reflexiva, porque o ensino médio não contribui para isso e os professores têm que trabalhar com esse aspecto, para que o aluno tenha esse tipo de atividade de uma maneira mais natural e espontânea, e possa expressar suas opiniões. Então, segundo ele, é muito complicado, pois, falta uma visão mais política e crítica no ensino Médio. Por isso, em sua opinião, fica complicado para os alunos se comprometerem, pois, não percebem qual é o seu objetivo dentro da universidade. Sendo assim, ele considera que a maior dificuldade é a falta de comprometimento de alguns alunos que não sabem exatamente o que querem e têm um comportamento que não é adequado na universidade. Além disso, denuncia que eles não são motivados para pesquisa, não tem interesse em ler e isso se torna a maior dificuldade para o professor. 102 Nesta perspectiva, o Professor 4 considera que o papel do professor é mediar o conhecimento, provocar motivação e contribuir com uma formação plena do indivíduo, de forma integral, trazendo o conhecimento e contribuindo para que o indivíduo veja além. Para ele o futuro professor tem que ter uma postura crítica, política, tem que ser consciente dos seus direitos, dos seus deveres. Considera ainda, que a possibilidade de um professor ter uma participação mais política, mais consciente, mais crítica, reflete num tipo de prática. Assim, o Professor 4 afirma a finalidade da educação para emancipar e conscientizar; entende essa meta como a formação de sujeitos críticos e politizados. Porém, pouco esclarece sobre isto. Segundo o Professor 4 o sujeito crítico analisa o contexto e a educação oferece instrumentos: leituras, discussões. O sujeito político é consciente de seus direitos e deveres. A educação oferece formas e informações. O Professor 4 beira a generalização, mas escapa indicando que cada sistema político influencia a educação. No entanto, sem explicitar o conflito, os projetos em disputa, a educação aparece naturalizada. Os sistema e governo aparecem como interferências na organização que “desencaminham”, como se houvesse um caminho pré-determinado para seguir. Não indica interferência na finalidade. Apresentando durante toda a entrevista um discurso superficial, o Professor 4 não se aprofunda nas questões. Suas respostas sugerem um discurso vazio no qual repete conceitos os quais não parecem estar realmente inseridos em seu trabalho como docente-formador. Tal postura não condiz com uma práxis consciente da tarefa sociopolítica do educador, mas procura fazer na prática a perpetuação de palavras e conceitos vazios em torno de significados sem raiz. Sua prática parece se reduzir ao discurso que não apresenta um real pensamento crítico-reflexivo acerca da formação de professores, ou mesmo da educação. O programa apresentado pelo Professor 4 traz alguns itens importantes: relação processo social e pensamento sociológico; relação educação e sociedade; papel da educação na sociedade do século XXI. Estes aspectos podem ser tomados como indicação da percepção que o Professor 4 tem da relação existente entre educação e 103 sociedade, mas a relação fica indicada e não caracterizada. Não há elementos que complementem, nem no programa nem no discurso, a análise desta relação. Há a relação mas sem caracterizações e defesas de um projeto. 104 AS VOZES DOS SUJEITOS: A BUSCA DE UMA SÍNTESE A pesquisa qualitativa, apoiada na epistemologia qualitativa, não se orienta para a produção de resultados finais que possam ser tomados como referências universais e invariáveis sobre o estudado, mas a produção de novos momentos teórico que se integrem organicamente ao processo geral de construção de conhecimentos. Gonzalez Rey (2005). Na análise inter-sujeitos buscamos uma síntese da visão dos quatro docentes-formadores acerca da prática que exercem e da clareza que esses docentes-formadores têm da presença da dimensão sociopolítica, assim como, os aspectos que caracterizam essa dimensão a partir da relação entre educação (escola) e sociedade. Ao investigar o trabalho dos docentes-formadores, partimos do pressuposto de que a dimensão sociopolítica está sempre presente nas práticas educacionais, apontando para um determinado tipo de sociedade; incentivando determinado tipo de sujeito, de cidadão. Ou seja, o docente, ao construir seu projeto30 de formação e desenvolvê-lo, sempre estará indicando para uma direção social; seu trabalho estará sempre vinculado a um dos projetos sociais existentes e em disputa na sociedade. Mas ele pode não ter clareza desta relação e desta presença, tornando-se um profissional acrítico, que sem perceber, reforça, com seu trabalho, concepções dominantes. A análise das falas dos docentes-formadores tornou possível identificar alguns aspectos que mereceram destaque por permitirem caminharmos para a conclusão de nossa pesquisa. Procuramos então retomar o objetivo da pesquisa, a abordagem teórica construída nos capítulos anteriores e as análises individuais de cada sujeito. Do cruzamento desses dados, chegamos a algumas considerações: A palavra educação é usada, pelos professores 1, 3 e 4, somente para designar algo que eles consideram positivo; eles restringem as palavras educação/ educativo 30 Aqui, nos apoiamos em Severino (1998), quando define que projeto é “(...) um conjunto articulado de propostas e programas de ação, delimitados, planejados, executados e avaliados em função de uma finalidade, que se pretende alcançar e que é previamente delineada mediante a representação simbólica de valores a serem efetivados” (p. 85). 105 vinculando-as à finalidades que concordam e defendem. Ou seja, quando se referem a algum tipo de finalidade social ou prática que não concordam ou defendem, eles não as denominam “educativa”. Com isso os professores acabam absolutizando uma determinada relação entre educação e sociedade, como se sempre fizéssemos referência a uma determinada visão ao utilizarmos os termos educação/ educativo. Na visão destes professores, a educação só é educação e só tem valor se ela atender àquela finalidade colocada por eles, qual seja, o sujeito ser crítico, consciente, etc. É como se a educação para o sujeito ser obediente, submisso e acrítico não fosse um tipo de educação, com uma certa finalidade. Esta posição, de certa maneira maniqueísta, desses professores dificulta que percebam os diversos projetos em disputa na sociedade, o que, por sua vez, impede que escolham com clareza um projeto para defender, pois a defesa do projeto que acreditam fica naturalizada e absolutizada. Como se fosse o único projeto a ser defendido. Os professores 1 e 4 são os que menos se apercebem disso, em seus depoimentos, não há luta de classes, não há conflito, não há outras formas de educar, não há outros fins sociais. O que há para eles é uma educação que deve obrigatoriamente se direcionar para a finalidade que eles consideram adequada. Dessa forma, os docentes entrevistados (professores 1,3 e 4) não compreendem que ambas são educação, tanto a que eles consideram adequada, quanto as outras. Não percebem que educação para o mercado de trabalho, por exemplo, também é educação. Quando não se compreende isso e se parte do princípio que somente a educação crítica, conscientizadora, humanizadora é que é educação, se absolutiza, se naturaliza o processo educacional. A dimensão sociopolítica da educação indica a relação entre educação e sociedade e esta relação toma, historicamente e no interior de cada sociedade formatos distintos. Os grupos sociais, em um determinado momento histórico, defendem diferentes projetos para a sociedade e, portanto, a educação se torna campo de disputa política; lugar de embate entre várias definições e projetos para a sociedade e expectativas e exigências distintas para a educação. Ao se defender uma educação emancipadora ou libertadora se escolhe um projeto para defender, mas não bastará a escolha; será preciso defendê-lo; participar da disputa social que acontece entre os diferentes projetos. Assim, a partir de uma visão sobre a educação, se construirá um papel político para o educador. Neste sentido, os professores 1 e 4 absolutizam e naturalizam a educação, pois, 106 não analisam os projetos educacionais em conflito existentes na sociedade e afirmam um determinado projeto carregando-o de uma verdade que não existe. Esta posição os coloca claramente na categoria de otimistas ingênuos, (apesar de que somente um deles, o Professor 4, optou por essa resposta no questionário), que acreditam de modo otimista no papel da educação, mas são ingênuos porque não percebem a disputa, as contradições e a historicidade do campo. O Professor 3 chega a apontar a existência de projetos em disputa para a educação, porém, naturaliza ao afirmar a humanização como finalidade, sem caracterizá-la socialmente como um dos projetos existentes. Dessa forma ele apresenta um discurso que indica um caminho crítico, porém acaba caindo na absolutização e naturalização. Assim, apesar do Professor 3 apontar um certo conflito social por diferentes educações, acaba absolutizando quando diz que o outro projeto, ao qual ele não reconhece como educação, não é educação, assim como os professores 1 e 4. Esses professores são vítimas das armadilhas teóricas e políticas no campo da Pedagogia. Aderem à posições pedagogicamente críticas - e nisto está seu valor - que buscam afirmar uma educação emancipadora. Mas tomam essa emancipação como algo abstrato que emana de uma condição natural do humano. Como se estivéssemos predestinados à emancipação e uma sociedade perversa nos impede de alcançar esse objetivo. Falta perspectiva histórica a esses docentes, para que possam compreender que querer uma educação emancipadora é uma escolha política. O Professor 2 apresenta um olhar diferente, pois coloca com clareza o papel político da educação na relação entre educação e sociedade. Afirma a necessidade de se buscar uma formação de “determinados” sujeitos para uma “determinada” sociedade, dividindo os projetos em transformadores e domesticadores. No caso do Professor 2, a prática educativa é tomada como uma das modalidades da prática social, pois é concretizada nessa prática uma ação intencionalmente crítica, programada e conduzida com clareza, através de um projeto direcionado com a finalidade de formar um professor mais consciente e crítico; ele assume dessa forma, uma postura oposta a que aqui caracterizamos como otimista ingênua, pois parece promover efetivamente tal formação. Segundo Severino (1998): 107 O projeto educacional pode ser metaforicamente representado pelo campo de força gravitacional criado por um imã. O núcleo, no caso, é uma intencionalidade, ou seja, um sentido, uma significação, que articula todas as ações, todas as medidas, todas as práticas, desenvolvidas por todos os sujeitos que se encontram no mesmo campo. (p. 85). Essa intencionalidade é que dá ao docente a possibilidades de romper com a visão unilateral da realidade e com a passividade no processo educativo, criando instrumentos preciosos de luta contra projetos sociais acríticos, limitados e apolíticos e possibilitando que o professor se torne realmente um educador31, no sentido pleno do termo. A partir da análise, entendemos que os professores 1, 3 e 4 têm um olhar ingênuo sobre a educação e o processo educativo, pois apesar de não lhes faltar a compreensão da dimensão sociopolítica que envolve o trabalho docente, falta-lhes algo que lhes torne agentes políticos capazes de colocar em prática essa dimensão. Falta-lhes compreender que há diferentes concepções (projetos) educacionais em conflito, com diferentes ideologias, diferentes interesses sociais e finalidades. As falas dos docentes-formadores denunciam um desconhecimento do seu próprio poder de transformação política, pois, apesar de revelarem o desejo de contribuir com a formação crítica dos educandos, não apresentam nenhum projeto claro de trabalho contra-hegemônico, a favor de uma nova hegemonia social e política. De acordo com Severino (1998): Mesmo quando as condições histórico-sociais de uma determinada sociedade estão deterioradas, marcadas pela degradação, pela opressão e pela alienação, como é o caso da sociedade brasileira, o projeto educacional se faz ainda mais necessário, devendo se construir então como projeto fundamentalmente contra-ideológico, ou seja, desmascarando, denunciando e criticando o projeto político opressor e anunciando as exigências de um projeto político libertador. (p. 86). 31 Nosella (2007) distingui professor de educador, colocando que o segundo se sobrepõe ao primeiro, “justamente porque educador semanticamente explicita a necessidade do engajamento ético-político dos professores. Com efeito, o conceito de educador transcende o de professor. Este se refere às competências específicas adquiridas por uma pessoa, que as transmite a outras, ensinando-as e treinando-as. Aquele se refere à responsabilidade de ensinar a leitura do mundo, para restringir-se a leitura das palavras – utilizando expressões freirianas -, é considerado um técnico asséptico, reducionista, que reedita na prática pedagógica a velha tese da neutralidade científica” (p. 30). 108 Dessa forma, como se revela nas entrevistas, a tarefa sócio política da educação é algo claro para todos os professores (1, 2, 3 e 4), contudo, a necessidade de buscar novos elementos que possam alicerçar o trabalho de formação docente e construir um outro caminho não se faz presente no discurso dos docentes 1, 3 e 4. Apesar dessa dimensão estar presente em todas as práticas educativas, como afirmamos ao longo desse estudo, muitas vezes ela é ingenuamente compreendida e concretamente desvirtuada, disseminando, quando muito, um olhar unilateral, como é o caso dos professores 1 e 3; ou em situações mais graves, um diálogo esvaziado e acrítico, no caso do Professor 4. Consideramos que na educação, dentro de uma sociedade, existem permanentemente, conflitos de interesses: eu quero uma educação, você quer outra, o outro quer outra, os empresários querem uma educação para o trabalho, outros querem uma educação para consumir, outros querem educação para ser crítico e consciente, outros querem educação religiosa porque acham que isso vai salvar o mundo, etc., assim temos vários projetos educacionais em conflito na sociedade. Esses diferentes quereres representam visões distintas de sociedade e de projeto futuro para a humanidade. Neste contexto, os professores 1, 3 e 4, fazem a crítica, mas não caracterizam bem os projetos que criticam e também não apresentam seus próprios projetos, passam superficialmente, e soam como um slogan, porque não apresentam conteúdos para caracterizar esses projetos, não contrapõe claramente aos outros projetos existentes porque não caracterizam seus próprios projetos, o máximo que eles chegam a dizer que é uma educação humanizadora como se existisse um ser humano ideal, pronto, que se deve atingir. Eles não polemizam isso questionando “que ser humano é esse que querem formar”. Eles falam de formar a consciência crítica sem explicitar “o que esperam desse sujeito consciente”, também não explicitam “para que querem formar esses sujeitos com consciência crítica”, nem “para qual sociedade”. Dessa forma, não fazem a ponte entre a educação humanizadora, o sujeito consciente/ crítico e a sociedade que se deseja que estes sujeitos construam. As possibilidades e limitações destas visões (expressas por nosso quatro sujeitos docentes) estão postas em nosso momento histórico e indicam um caminhar importante de nossa sociedade. De uma visão conservadora de educação, carregada de moralismos e autoritarismo, para uma visão progressista. Sem dúvida, as posições expressas indicam este caminhar. Mas apontam ainda limitações, na medida em que o discurso da 109 educação emancipadora já aparece forte, mas ainda abstrato e, de certa forma, naturalizado. Percebe-se as influências pós ditadura militar, a abertura, o acesso a leituras que defendem a formação de sujeitos mais conscientes críticos, principalmente nos programas dos quatro docentes-formadores, tais como Paulo Freire, Dermeval Saviani, Terezinha Rios, Bárbara Freitag, etc. Tudo isso, com certeza, auxilia, e muito, o discurso do professor. É evidente que hoje, se estabelece para esses docentes-formadores, uma relação entre a educação que se faz e a sociedade, o que a sociedade precisa, que a educação pode contribuir com essa sociedade, porém, o “como”, é muito pouco vislumbrado, ainda é muito tênue. De qualquer modo, já se estabelece uma relação. Contudo, 3 dos 4 professores ainda não conseguem trazer para sua análise as contradições, os conflitos sociais, os diferentes projetos educacionais existentes na sociedade, que a educação que está posta é um resultado desse confronto, de conflito de interesses, dessa disputa social. Não percebem que a lei é imposta, é resultado de diferentes grupos querendo garantir uma determinada educação. Não percebem que são visões diferentes de educação, de sociedade, de sujeitos; os professores não chegam a isso, mas já percebem uma relação, percebem a existência de formas diferentes do que o que eles estão denominando como educação, mas não as concebem como outros projetos existentes. Por outro lado, o fato de perceberem (não com tanta clareza) uma sociedade, um sujeito numa determinada direção; quando dizem como o aluno chega à universidade hoje e que a educação deles pretende romper com isso. Porém, não percebem isso claramente e, então, não assumem com clareza e com positividade a necessidade de construir um projeto e de se aliar a pessoas que têm um projeto semelhante para fazer um determinado trabalho em educação, pois dessa forma, transformam a educação numa coisa técnica, como se a questão fosse apenas de se qualificar para fazer uma boa educação como se fosse um problema técnico (Professora 1); ou de juntar gente para discutir (Professora 3), virou uma técnica. A necessidade dos sujeitos se exporem, serem ativos, o processo pedagógico, tudo isso está resumido numa idéia técnica de trabalhar em grupo, de o sujeito encontrar o grupo. Criticam o sujeito que chega para ser formado sem perceber com clareza que 110 aquele sujeito foi formado (Professor 4), foi educado numa sociedade, de que o projeto dessa sociedade é um projeto que rompe com seus ideais de educação, pois tem outros interesses. Não compreendem que não é que o aluno chegue mal educado, mas sim que ele chega educado de outra forma. Assim os professores não percebem que eles é que são diferentes. Dessa forma, são ingênuos na política que defendem, porque não compreendem que estão disputando, que têm de se aliar a quem tem o mesmo projeto, que eles têm de criticar o projeto de educação do qual estão discordando. Caminham assim, na direção da naturalização, mas ao mesmo tempo, contraditoriamente, percebem que é necessário trabalho coletivo, apontam o trabalho coletivo como uma saída viável (Professores 1, 2 e 3). As aproximações e contradições presentes no discurso dos docentes-formadores entrevistados podem ser assim sintetizadas: Todos os professores entrevistados enaltecem a educação apesar de ressaltarem seus limites; A educação é utilizada para a finalidade da qual concordam, no caso dos professores 1, 3 e 4. Quando não concordam, indicam como “descaminho”. Neste sentido, absolutizam a educação como humanizadora; Os professores 1, 3 e 4, esperam algo do sujeito consciente e crítico, mas não especificam “consciente e crítico de que?”; Os professores 1 e 4 não formulam (e nisso não se dão conta da existência de projetos em conflito) um projeto social para a educação. Generalizam apenas como um trabalho para humanizar e conscientizar; Para os Professores 1, 3 e 4 a imposição de outro “projeto” é vista como fracasso de seu trabalho ou da educação como um todo; O Professor 2 coloca com clareza o papel político da educação na relação entre educação e sociedade; O Professor 2 divide os projetos em transformadores e domesticadores. 111 Sem dúvida, são inúmeros os fatores que estão envolvidos na construção das posições aqui expressas: a pressão das empresas educacionais onde alguns deles trabalham, a falta de trabalho coletivo como recurso de qualificação, o excesso de alunos por classe observado em alguns casos, o pouco acesso á literatura mais atualizada (a julgar pelos programas), a falta de espaços de debate e de embate, todos são fatores que impedem o avanço mais rápido na direção do desenvolvimento de suas posições mais progressistas. Sem dúvida, a Pedagogia, campo desses profissionais, também apresenta em suas teorizações limites semelhantes aos que encontramos em nossos dados. As visões atuais no campo da Pedagogia ainda naturalizam os humanos. As visões que defendem o “aprender a aprender” têm sido alvo de críticas exatamente pelo esvaziamento e conseqüente naturalização que fazem dos sujeitos. Valorizam a atividade de aprender, como se ela se justificasse por si mesma. Aprendemos a aprender a partir de conteúdos aprendidos. “Nesse contexto, defender o ‘aprender a aprender’ é decretar a derrota do saber e contribuir decisivamente para o processo de esvaziamento dos indivíduos (...).” (Duarte, 2000, p. 147). Ou ainda, contribuindo para “(...) a manutenção da hegemonia da concepção liberal-burguesa de homem, de sociedade e de educação.” (Idem, p. 24). São muitos os determinantes que contribuem para compreender as visões que aqui encontramos. Para Duarte (2000) o ideário "aprender a aprender": (...) reside na desvalorização da transmissão do saber objetivo, na diluição do papel da escola em transmitir esse saber, na descaracterização do papel do professor como alguém que detém um saber a ser transmitido a seus alunos, na própria negação do ato de ensinar (...) Em última instância o lema "aprender a aprender" é a expressão, no terreno educacional da crise cultural da sociedade atual. (Duarte, 2000, p.08-9). Essa crise cultural da sociedade atual, da qual nos fala Duarte, reflete-se nas normas legais postas e impostas à educação (escola) e aos profissionais das instituições escolares; nas mediações e práticas educativas; nas tendências sóciopolíticas e em suas decorrências para a educação atual; e também refletindo drasticamente no trabalho de formação docente, como constatamos em nossa análise. 112 Apesar de compreendermos que os docentes-formadores não compactuam conscientemente com as determinações impostas pela ideologia e demandas da sociedade capitalista contemporânea, reduzem sua participação à criticar tal ideologia, sem efetivamente apresentar posições objetivas ou ferramentas práticas para lutar e transformar esse quadro (professores 1, 3 e 4). Neste aspecto, não dão sua parcela de contribuição e perdem de vista os limites objetivos da ação político-pedagógica docente, caindo no engodo de oposições que são contraditórias com o tipo se sociedade por eles mesmos desejada. É evidente que esses docentes-formadores são capazes de contribuir efetivamente e radicalmente com uma sociedade e uma educação que se relacione de maneira mais humanizadora, garantindo aos homens a possibilidade de viverem uma vida mais feliz, consciente e crítica, como eles mesmos colocam. No entanto, o que impede que isso aconteça? Segundo Rossler (2004): Infelizmente, a apologia retórica e fraseológica da educação, que acaba por afastar os indivíduos da verdadeira luta social por condições de vida humanizadas e humanizadoras, é realmente uma marca registrada do universo ideológico contemporâneo. Os discursos oficiais e não oficiais, veiculados pela mídia no presente, colocam a educação no centro das preocupações políticas e sociais, isto é, como a chave para o desenvolvimento tecnológico, científico, econômico e cultural de nosso país. Em contrapartida, como tudo isso se trata de mera retórica, ou seja, de mera fraseologia ideológica, na prática convivemos com uma determinada política e uma dada realidade educacional objetiva que em nada se aproximam do que defende o discurso em voga. De fato, convivemos dia a dia com uma situação digna de sérias preocupações. Principalmente no que diz respeito às escolas e as salas de aula, onde o reflexo do quadro político, econômico e social do país é mais visível e crítico. (p. 82). Essa fraseologia ideológica da qual nos fala Rossler, desqualifica a educação e o educador, retirando-lhes a capacidade de enxergar sua real função política, pedagógica e social, posto que, camufla os interesses políticos e econômicos por traz dos discursos oficiais e não oficiais, subtraindo a força e minimizando a responsabilidade da educação (escola) como instrumento de transformação social. O enfraquecimento se dá, devido a sedução do discurso e com isso o esvaziamento da ação concreto, ou seja, repete-se como “papagaio” o discurso ideológico da educação (escola) para todos, frisando “um 113 mundo melhor” e vincula-se a isso, a alienação e a ilusão de estar se contrapondo ao tipo de sociedade que não se deseja. Contudo, contraditoriamente se perde o foco não sabendo mais “contra que” e “contra quem”, ou “a favor de que e de quem” realmente se deveria lutar. Por esse motivo, o educador não pode fugir ao compromisso de escolher o lado em que está, “contra quem” e a “favor de quem”. Tem de ter muito claro o seu compromisso sóciopolítico na luta ou na manutenção da realidade social atual, e a partir dessa escolha, evidenciar sua opção ideológica. 114 CONCLUSÃO Torna-se explícito para nós, por meio desta pesquisa, que o docente-formador, que não tem clara a finalidade da ação educativa que promove, assume uma posição ingênua em relação ao papel político da educação e da sua tarefa como educador; perdendo totalmente a capacidade de agir politicamente. Neste contexto, promovem e são resultado de uma formação de professores totalmente despossuídos de um verdadeiro olhar crítico sobre o trabalho docente. Ingênuos e impossibilitados de um questionamento acerca do seu próprio trabalho, os professores apenas reproduzem as demandas do sistema, impedidos que estão de expressar ou mesmo compreender o ensino como uma prática docente autêntica e autônoma que se articule ao contexto social mais amplo. Limitados dessa forma às suas concepções unilaterais, disseminam, ainda que involuntariamente, uma visão completamente fragmentada da educação e da sociedade, pois acreditam piamente que só o seu modelo e sua visão sobre a educação são trabalhos de formação da sociedade. Não compreendem que, o que existe, são vários modelos e visões em disputa e que só se unindo em torno de uma causa comum, num trabalho coletivo, poderiam se contrapor aos modelos massificadores e alienantes. Chegam até a falar da importância desse trabalho coletivo, porém desacreditam dele quando falam de si mesmos e de seus contextos de trabalho. Nesse movimento, os futuros pedagogos vão se formando e se orientando por meio de um processo de ensino-aprendizagem de sala de aula descomprometido com uma posição política intrínseca ao ato pedagógico. Por outro lado, essa capacidade de vincular o pedagógico ao político é imprescindível ao educador para que se efetive no cotidiano da sala de aula, a cada momento, a cada procedimento, por mais simples que seja, a tarefa sociopolítica da educação. Para tanto, é necessário um trabalho coletivo a fim de superar o discurso ingênuo, individualizado, o olhar unilateral, a desvalorização, a descrença e a desesperança tão presentes no trabalho docente hoje. Faz-se necessário o docente-formador se auto pensar como um agente de transformação social, a qual se apresenta de forma insatisfatória. É importante criar movimentos de resistência conjunta nas Universidades, sejam elas públicas ou privadas e isso se faz possível no meio 115 acadêmico se desenvolvermos iniciativas que envolvam a organização e a participação coletiva dos professores, diretores, coordenadores, alunos e de todos os demais envolvidos no processo educativo. Assim, as reflexões deste trabalho partiram do desafio da formação crítica do educador para sua tarefa sociopolítica, procurando demonstrar que o educador tem, socialmente, a responsabilidade da práxis32 educativa, ultrapassando o discurso ingênuo e atuando em direção a real transformação da realidade. Não como “salvador da pátria”, mas como um profissional crítico e consciente de seu papel no contexto sociocultural. Essa é uma condição sine qua non para o docente-formador desenvolver uma prática educativa comprometida com a modificação do status quo. Dessa forma, “o pedagogo, fazendo ‘prática social’, está exercendo seu papel específico na sociedade, que é vincular o ato educativo e o ato político, a teoria e a prática da transformação.” (Gadotti, 2005, p. 54). Neste sentido, acreditamos que uma das tarefas básicas na formação crítica do educador seja a presença consciente e clara da dimensão sociopolítica no trabalho que os docentes-formadores desenvolvem, contudo, vinculada a um projeto concreto de atuação, ou seja, vinculada ao ato pedagógico. Nesta perspectiva, retomamos a pergunta de Nosella (2007), posta logo no início desse trabalho: “quais as características do ato pedagógico de um professor comprometido politicamente nesta sociedade do século XXI?.” (p. 40). Essa não é uma pergunta fácil e as respostas serão muitas, pois dependerão do que se quer para o século XXI. Nossa defesa é por um compromisso político do educador deste século, que ultrapasse as barreiras da alienação e do discurso vazio para tornar-se algo vivo e concreto em nossos fazeres pedagógicos. À medida que esta ação pedagógica se aliar à consciência crítica, os instrumentos didático-pedagógicos serão realmente atos políticos de transformação social, engajados num projeto maior de educação e de valorização do trabalho docente e da instituição escolar em qualquer nível. Só através desse viés crítico se desvelará a ingenuidade no processo educativo e 32 Entendemos a práxis como atividade prático-crítica, inspirados em Marx (1980), na primeira das Teses Contra Feuerbach. 116 se poderá ad-mirar33 novos horizontes e possibilidades de ser e estar na educação, na instituição escolar e na sociedade. Aqui, fazemos nossas, as palavras de Freire (2007b): Para o ponto de vista crítico que aqui defendemos, a operação de mirar implica outra – a de “ad-mirar”. Ad-miramos e ao adentrar-nos no ad-mirado o miramos de dentro e desde dentro, o que nos faz ver. Na ingenuidade, que é uma forma ‘desarmada de enfrentamento com a realidade, miramos apenas e, porque não ad-miramos, não podemos mirar o mirado em sua intimidade, o que não nos leva a ver o que foi puramente mirado. (p. 43-4). Portanto, o maior desafio para o professor em sua prática profissional é mirar e ad-mirar criticamente seu trabalho vinculado a uma finalidade: a tarefa sociopolítica da educação e do educar, já que, “(...) faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar conteúdos, mas também ensinar a pensar (...).” (Freire, 1996, p. 26-7). Assim, por mais que se tenha clareza da dimensão sociopolítica da educação, é preciso ultrapassar essa concepção teórica ingênua, e fazer dessa concepção ato pedagógico e projeto político de trabalho. Por outro lado, tal dificuldade em ultrapassar o discurso e vincular esse discurso a uma prática cotidiana é, a nosso ver, o grande desafio desse século e suscita não só outras pesquisas, mas, outros encontros, questionamentos, conferências, seminários, debates e reflexões que preparem o educador para além da discussão, fazer valer a sua voz, concretizando seu discurso no seu próprio trabalho de formação-docente. Pois, é imprescindível que o educador se aperceba do mecanismo político inerente ao ato pedagógico para transformar e reelaborar sua própria ação docente, em função dos fins a que se propõe em seu discurso. Já que, pode-se ensinar de várias formas, mas essas formas de ensinar são mais adequadas ou menos adequadas a determinados fins sociais, fins os quais, precisam estar claros aos docentes, como também, sua posição e sua contribuição para com estes. Neste sentido, o trabalho educativo não pode permanecer apenas no nível da negação ideológica do que está posto, pois, é preciso ir além da negação, gerando algo novo a partir do que já existe. A negação pela negação gera o imobilismo, a desesperança, um sentimento de impotência frente ao trabalho docente e a finalidade 33 Termo cunhado por Freire (2007b, p. 43). 117 maior da educação, norteando a prática pedagógica pelo senso comum, embora nem sempre isso é percebido. Neste contexto, é necessário aprender a dirigir intencionalmente a dimensão sociopolítica intrínseca ao trabalho educativo à relação e a forma concretas desse trabalho. Para um otimismo crítico, o educador é alguém que tem um papel político pedagógico, ou seja, nossa atividade não é neutra nem absolutamente circunscrita. A educação escolar e os educadores têm, assim, uma autonomia relativa; podemos representá-la com a inserção da Escola no interior da Sociedade, com uma via de mão dupla e não como na primeira concepção (otimismo ingênuo), com a Escola totalmente independente, nem como na segunda (pessimismo ingênuo), com ela dominada inteiramente. Nós educadores, estamos, dessa forma, mergulhados nessa dupla faceta; nossa autonomia é relativa e, evidentemente, nossa determinação também o é. Por isso, não é uma questão menor o pensar nossa prática nessa contradição; o prioritário, para aqueles que discordam da forma como a nossa Sociedade se organiza, é construir coletivamente os espaços efetivos de inovação na prática educativa que cada um desenvolve na sua própria instituição. (Cortella, 2006, p. 136-7). Severino (2001) corrobora essas idéias, acrescentando que dependendo do esclarecimento crítico dos agentes educacionais e de seu compromisso político, estes podem criticar uma ideologia vigente, desmascará-la e gerar uma nova consciência entre os cidadãos. Nesse sentido, há uma relação visceral entre o processo educacional e o da sociedade. Existe uma pulsação no jogo entre as forças sociais e a educação. Isso ocorre de tal modo que, de um lado, a forma de organizar a educação reproduz integralmente a estruturação da sociedade; de outro lado, a atuação educacional pode ter efeitos desestruturadores, tornando-se fator de mudança social. Isso significa que o processo histórico depende também das ações dos sujeitos, sendo a educação uma mediação criadora e transformadora da história34. (Severino, 2001, p. 72). Portanto, nesta perspectiva, qual o olhar dos docentes-formadores sobre seu papel político-pedagógico? Para Cortella (2006), a resposta a essa questão “está na dependência da compreensão política que tivermos da finalidade de nosso trabalho pedagógico, isto é, na concepção sobre a relação entre Sociedade e Escola que adotarmos.” (p. 130). 34 Grifos nossos. 118 Em consonância com esse autor, consideramos que a compreensão da dimensão sociopolítica do trabalho docente depende de maneira direta da finalidade a que se propõe o docente em seu trabalho e de como ele percebe a relação entre a educação (escola) e a sociedade. Se o docente tem uma visão ingênua dessa relação e não direciona intencionalmente seu trabalho para a transformação social, corre o risco de reproduzir as demandas sociais impostas pela ideologia dominante e pelo senso-comum. Por outro lado, se tem clara a finalidade da ação pedagógica e direciona essa ação, considerando as contradições e os projetos educacionais existentes e em disputa na sociedade, questionando-se sobre a finalidade do trabalho que realiza enquanto docente-formador em função da compreensão que tem sobre: “quem quer formar?”, “para quê quer formar?”, “a favor de quê quer formar?” e “contra o quê quer formar?”; torna-se capaz de vincular o ato educativo ao ato político. Apesar disso não bastar para transformar a sociedade, resolver os problemas econômicos e as desigualdades sociais, enfim, mudar o mundo; é um caminho para transformar a educação (escola) e esse é um passo enorme rumo a uma formação humana mais integral, consciente e crítica. Acreditamos que nossa contribuição com essa pesquisa foi indicar em nossos debates que é preciso, ao pensar o avanço da educação na direção do que queremos, considerar as concepções que os professores apresentam hoje. É preciso partir dessas noções, sem ignorá-las ou desvalorizá-las. É preciso compreender que a educação, como teoria e como prática em nossa sociedade, possui uma dimensão subjetiva que está nas concepções que os professores apresentam sobre ela. O avanço exige que tomemos conta desta dimensão. É preciso fazer avançar as concepções que os professores, estes trabalhadores do cotidiano e que fazem a educação, têm de suas tarefas na sociedade. Avançar não pode ser pensado como criar novas teorias e técnicas em educação ou formular novas políticas apenas. Avançar é um processo que inclui, a todos e a todas, as dimensões que a educação apresenta. A formação e qualificação dos professores devem ser tomadas como uma tarefa urgente. 119 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, W. M. J. de; OZELLA, S. (2006). ‘Núcleos de Significação como instrumento para a apreensão da constituição dos sentidos.’ In: Psicologia Ciência e Profissão, Brasília, ano 26, n. 2. p. 222-245. ALTHUSSER, L. (1985). 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Acesso em 11/11/2007. 124 ANEXO I 125 Prezado (a) Professor (a) Este questionário é parte integrante de uma pesquisa de mestrado em realização no programa de Educação: Psicologia da Educação da PUC/SP. Essa pesquisa visa ampliar nossa compreensão sobre a formação e o trabalho docente. Pedimos sua colaboração, no sentido de responder a todas as questões propostas e, caso aceite, participar posteriormente de uma entrevista de aprofundamento. Para tanto, preencha os campos abaixo. Obrigada por sua colaboração! Makeliny Nogueira [email protected] Nome: ____________________________________________________________________________ Fone (s): _________________________________ e-mail: __________________________________ A. Caracterização do docente 1. Ano de nascimento: ______________ 2. Sexo:__________________________________ 3. Anos de experiência docente no Ensino Superior: ___________________________________ 4. Natureza da(s) instituição(s) na qual trabalha: ______________________________________ 5. Disciplina(s) que ministra em curso de Pedagogia: __________________________________ 6. Número de aulas que ministra em curso de Pedagogia por semana: _____________________ 7. Número total de alunos que possui no momento? ___________________________________ B. Formação para docência em ensino superior 1. Graduado (a) em: ____________________________________________________________ 2. Instituição __________________________________________________________________ 3. Sua formação para exercer a docência em ensino superior: ( ) Especialização em: _______________________________________________________ ( ) Mestrado em: ___________________________________________________________ ( ) Doutorado em: __________________________________________________________ ( ) Pós-Doutorado em: _______________________________________________________ QUESTIONÁRIO 1. 2. 3. 4. 5. 6. O que é ser professor? Quem determina o Programa da disciplina? Como você lida com ele? No desenvolvimento do programa quais os principais temas que você trabalha? Qual a relação do que você ensina no seu programa com as demandas da sociedade brasileira? Que tipo de aluno (professor) deseja formar a partir do seu trabalho como formador de docentes? Considerando suas preocupações e as finalidades do seu trabalho, escolha dentre as alternativas abaixo a que melhor representa seu pensamento sobre a instituição escolar e a formação dos pedagogos: a) a instituição escolar tem capacidade de mudar e melhorar a sociedade, na medida em que forma profissionais qualificados que com seu trabalho transformam a realidade social. b) a instituição escolar reproduz a desigualdade social, prepara a força de trabalho necessária para o capital e reforça a ideologia dominante em nossa sociedade. c) a instituição escolar contém contradições, contribuindo para melhorar a sociedade ao mesmo tempo em que reproduz o que está estabelecido. Por favor, justifique sua resposta. 126 ANEXO II 127 ROTEIRO PARA ENTREVISTA 1. Como você enquanto professor-formador (a) de professores (as) compreende a relação Educação x Sociedade? 2. 3. Qual a importância da educação para a sociedade? As práticas educativas incentivam ou determinam um tipo de sociedade? De sujeito? 4. Você enquanto educador (a) coloca que intenções ou objetivos para seu trabalho no sentido do incentivo de um tipo de cidadão e um tipo de sociedade? 5. Como isso aparece no seu programa de ensino? Comente seu programa na relação com essas questões anteriores. 6. Qual sua avaliação sobre os resultados de seu trabalho, nesse sentido? 7. Quais são as dificuldades que encontra? 8. Quais as facilidades? 9. Especificando um pouco mais, qual a finalidade da sua disciplina na formação dos futuros professores? Qual a finalidade do trabalho educacional na formação da sociedade? 10. Como as demandas/urgências/interesses/problemas da sociedade interferem na educação? 128 ANEXO III 129 > Revista Veja, Edição 2073 Prontos para o século XIX Muitos professores e seus compêndios enxergam o mundo de hoje como ele era no tempo dos tílburis. Com a justificativa de "incentivar a cidadania", incutem ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos Monica Weinberg e Camila Pereira Tema para reflexão: vale a pena usar chocadeiras artificiais para acelerar a produção de frango? Deu-se com isso o início de uma das aulas de geografia no Colégio Ateneu Salesiano Dom Bosco, de Goiânia, escola particular que aparece entre as melhores do país em rankings oficiais. Da platéia, formada por alunos às vésperas do vestibular, alguém diz: "Com as chocadeiras, o homem altera o ritmo da vida pelo lucro". O professor Márcio Santos vibra. "Você disse tudo! O homem se perdeu na necessidade de fazer negócio, ter lucro, exportar." E põe-se a cantar freneticamente Homem Primata / Capitalismo Selvagem / Ôôô (dos Titãs), no que é acompanhado por um enérgico coro de estudantes. Cena muito parecida teve lugar em uma classe do Colégio Anchieta, de Porto Alegre, outro que figura entre os melhores do país. Lá, a aula de história era animada por um jogral. No comando, o professor Paulo Fiovaranti. Ele pergunta: "Quem provoca o desemprego dos trabalhadores, gurizada?". Respondem os alunos: "A máquina". Indaga, mais uma vez, o professor: "Quem são os donos das máquinas?" E os estudantes: "Os empresários!". É a deixa para Fiovaranti encerrar com a lição de casa: "Então, quem tem pai empresário aqui deve questionar se ele está fazendo isso". Fim de aula. Os dois episódios, ambos presenciados por VEJA, não são raridade nas escolas brasileiras. Ao contrário. Eles exemplificam uma tendência prevalente entre os professores brasileiros de esquerdizar a cabeça das crianças. Parece bobagem, uma curiosidade até pitoresca num mundo em que a empregabilidade e o sucesso na vida profissional dependem cada vez explicar mas de mudar o mundo para melhor, acelerando a marcha da história rumo a uma sociedade sem classes. Bem, estamos no século XXI, o comunismo destruiu a si próprio em miséria, assassinatos e injustiças durante suas experiências reais no século passado. É embaraçoso que o marxismo-leninismo sobreviva apenas em Cuba, na Coréia do Norte e nas salas de aula de escolas brasileiras. As chocadeiras produzem os frangos vendidos a menos de 5 reais nos supermercados brasileiros, e isso propicia a dose mínima de proteína a famílias que, de outra forma, estariam mal nutridas. A realidade não interessa nas aulas como a do professor Márcio Santos. O que interessa? Passar a idéia de que as máquinas tiram empregos. Elas tiram? Tiraram no começo dos processos de robotização e automação de fábricas nos anos 90. Hoje, sem robôs e máquinas, os empregos nem sequer seriam criados. Mas dizer isso pode desagradar ao espírito do velho barbudo enterrado no novo Cemitério de Highgate, em Londres. Os professores esquerdistas veneram muito aquele senhor que viveu à custa de um amigo industrial, fez um filho na empregada da casa e, atacado pela furunculose, sofreu como um mártir boa parte da existência. Gostam muito dele, fariam tudo por ele, menos, é claro, lê-lo – pois Karl Marx é um autor rigoroso, complexo, profundo que, mesmo tendo apenas uma de suas idéias ainda levada a sério hoje – a Teoria da Alienação –, exige muito esforço para ser compreendido. "A salada ideológica resulta da leitura de resumos dos grandes pensadores", diz o filósofo Roberto Romano. Gente que vê maldade em chocadeiras e mal em empresários aula e acham isso normal. Os professores, em maior proporção, reconhecem que doutrinam mesmo as crianças e acham que isso é sua missão principal – algo muito mais vital do que ensinar a interpretar um texto ou ser um bamba em matemática. Para 78% dos professores, o discurso engajado faz sentido, uma vez que atribuem à escola, antes de tudo, a função de "formar cidadãos" – à frente de "ensinar a matéria" ou "preparar as crianças para o futuro". Muito bonito se não estivessem nesse processo preparando os alunos para um mundo que acabou e diminuindo suas chances de enfrentar a realidade da vida depois que saírem do ambiente escolar. Para atacar um problema, o primeiro passo é reconhecer sua existência. Esse é o mérito da pesquisa CNT/Sensus. Adversária do exercício intelectual, a ideologização do ensino pode ser resultado em parte também do despreparo dos professores para o desempenho da função. No ensino básico, 52% lecionam matérias para as quais não receberam formação específica – 22% deles nunca freqüentaram faculdade. Para esses, os chavões de esquerda servem como uma espécie de muleta, um recurso a que se recorre na falta de informação. "Repetir meia dúzia de slogans é muito mais fácil do que estudar e ler grandes obras. Por isso, a ideologização é mais comum onde impera a ignorância", diz o historiador Marco Antonio Villa. A questão não é exatamente nova na educação. Meio século atrás, a filósofa alemã Hannah Arendt já alertava para o equívoco de fazer das aulas um lugar para a doutrinação ideológica, qualquer que fosse o matiz. Em A Crise na Educação, ela dizia: "Em vez de (o professor) juntar-se a seus iguais, assumindo o esforço da persuasão e correndo o risco do fracasso, há a intervenção ditatorial, baseada na absoluta superioridade do adulto". Ao 130 mais do desempenho técnico, do rigor intelectual, da atualização do pensamento e do conhecimento. Não é bobagem. A doutrinação esquerdista é predominante em todo o sistema escolar privado e particular. É algo que os professores levam mais a sério do que o ensino das matérias em classe, conforme revela a pesquisa CNT/Sensus encomendada por VEJA. Pobres alunos. Eles estão sendo preparados para viver no fim do século XIX, quando o marxismo surgiu como uma ideologia modernizante, capaz não apenas de Não é o caso na maioria das salas de aula. Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores brasileiros ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado. Entre as figuras históricas e da atualidade mais citadas em classe está, como não poderia deixar de ser, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As referências a Lula são contidas. O presidente brasileiro obtém aprovação menor entre os professores, segundo relatam os estudantes, do que aquela com que a sociedade brasileira em geral o brinda. Ele tem 70% de avaliação que usam máquinas em suas fábricas no século XXI não pode ter lido Karl Marx. É de supor que não tenham lido muito, quase nada. Mas são esses senhores que ensinam nossos filhos nas melhores escolas brasileiras – sem, diga-se, que os pais se incomodem com isso. refletirem sobre o atual cenário, os especialistas concordam com a idéia central da filósofa. Está claro, e a própria experiência mostra isso, que o viés político retira da escola aquilo que deveria, afinal, ser seu atributo número 1: ensinar a pensar – verbo cuja origem, do latim, significa justamente pesar. Diz o sociólogo Simon Schwartzman: A pesquisa CNT/Sensus ouviu 3 000 "O verdadeiro exercício intelectual se pessoas de 24 estados brasileiros, faz ao colocar as idéias e os juízos entre pais, alunos e professores de numa balança, algo que só é possível escolas públicas e particulares. Sua com uma ampla liberdade de conclusão nesse particular é investigação e de crítica". espantosa. Os pais (61%) sabem que os professores fazem discursos politicamente engajados em sala de geração de jovens socialistas", diz Miguel Cerezo, responsável pelo conteúdo publicado nas apostilas do COC (de onde foram extraídos quatro trechos comentados pela revista). À luz de outra pesquisa em profundidade feita pelo Ibope em colaboração com a revista Nova Escola, editada pela Fundação Victor Civita, os professores da rede pública revelam que, para eles, o principal problema da sala de aula é, de longe (77%), a ausência dos pais no processo educativo. Repousam na colaboração entre pais e professores a correção dos rumos do ensino no país e a aceleração da curva de melhora de desempenho que começa a se desenhar. A questão do excesso de ideologização é um desses problemas que podem ser abordados em conjunto por pais e professores. Demanda para o diálogo existe. O advogado Miguel Nagib fundou, há quatro anos, em Brasília, a "Eu e todos os meus colegas ONG Escola Sem Partido, com o professores temos, sim, uma visão de esquerda – e seria impossível isso objetivo de chamar atenção para a não aparecer em nossos livros. Faço ideologização do ensino na sala de aula. Nagib se incomodou com os sinais do esforço para mostrar o outro lado", problema na escola particular de sua diz a geógrafa Sonia Castellar, que filha, então com 15 anos, onde o há vinte anos dá aulas na faculdade professor de história gostava de de pedagogia da Universidade de comparar Che Guevara a São Francisco São Paulo (USP) e escreveu de Assis. Foi ao colégio reclamar. Diz Geografia, um dos best-sellers nas Nagib: "As escolas precisam ficar escolas particulares (livro que tem dois de seus trechos comentados por sabendo que muitos pais não concordam com essa visão". Com VEJA na reportagem seguinte). reportagem de Camila Antunes e "Reconheço o viés esquerdista nos livros e apostilas, fruto da formação Marcos Todeschini marxista dos professores. Mas não temos nenhuma intenção de formar uma positiva dos brasileiros, mas na boca dos professores esse índice cai para 30% – com 27% de citações negativas e 43% de neutras. Ressalte-se aqui que é um ponto louvável para os mestres o fato de, como mostram os números relativos a Lula, eles não fazerem proselitismo eleitoral em classe – mesmo que seja preciso relevar o fato de o ditador venezuelano Hugo Chávez ter merecido 51% de citações positivas. A neutralidade e o comedimento em relação a Lula desautorizam a interpretação de que os professores tentam direcionar o voto dos alunos, o que seria desastroso. É sinal de que sua pregação, mesmo equivocada, se mantém no nível das idéias – o que é excelente. 131 > Revista Veja, Edição 2073 A neutralidade como dever "A pesquisa CNT/Sensus publicada nesta edição corrobora esse quadro: só 18% dos professores da escola pública dizem que seu discurso em sala de aula é politicamente neutro. Setenta e quatro por cento escolhem ‘formar cidadãos’ como missão do professor – apenas 8,4% dizem que é ‘ensinar a matéria’. Os resultados são praticamente idênticos nas escolas particulares" Gustavo Ioschpe Sabendo que, em uma população de 190 milhões de habitantes, temos mais de 50 milhões de alunos no ensino básico e aproximadamente 100 milhões de pais desses alunos e apenas 2 milhões de professores, e sabendo que vivemos em uma democracia, a pergunta que se impõe a todo professor, diretor, secretário municipal, estadual ou ministro da Educação do país de agora em diante é: como se pode justificar que uma minoria imponha sobre a maioria a sua visão da educação? Em uma sociedade democrática, quem decide que tipo de educação será oferecido no sistema público: o público ou as corporações do setor? Como se justifica que professores e administradores escolares ditem uma política educacional à revelia dos desejos expressos da sociedade brasileira? A educação para a cidadania não pressupõe, afinal, o respeito à vontade coletiva e a valorização da sabedoria popular? Quando se discutem as razões pelas quais nosso sistema escolar não consegue ensinar a maioria dos alunos a ler e a escrever ou a realizar operações aritméticas simples, muitos supostos fatores vêm à baila: o salário dos professores, a condição da infra-estrutura das escolas, o descaso da sociedade etc. Essa análise parte do pressuposto de que todos os atores do processo educacional estão engajados no mesmo projeto, o que não é verdade. Seguimos ignorando um problema que me parece cada vez mais crucial: o ensino acadêmico é percebido pelos nossos professores como uma tarefa desimportante do processo educacional. Quando instado, em pesquisa da Unesco, a apontar as finalidades mais importantes da educação, o professorado brasileiro disse o seguinte: com 72% dos votos, a campeã foi "formar cidadãos conscientes". A segunda mais lembrada foi "desenvolver a cada um é sua prerrogativa individual, sujeita apenas à interferência dos pais. Não é para ser condenada ou legitimada na escola. Mesmo que os pais não pratiquem sua prerrogativa, isso não dá ao professor o direito de se assenhorear da tarefa. Não acredito que a maioria dos professores brasileiros, com seu baixo preparo intelectual, tenha condições de oferecer ao aluno a exposição complexa e multifacetada que as questões inerentes à formação da cidadania exigem. Vira panfletagem. Também não acredito no poder do discurso dissociado da prática. Se essas razões são válidas para qualquer tipo de escola, creio que as regras devessem ser ainda mais rigorosas para as escolas públicas, nas quais o aluno não tem condições de optar por escola diferente. Aqui o texto de referência é de Max Weber, em "Wissenschaft als Beruf" (A Ciência como Vocação). Falando sobre o dever de neutralidade dos professores universitários – creio que não lhe passaria pela cabeça que pudesse É triste constatar que o pendor ocorrer como no Brasil de hoje a atingiu o nível de formação de políticas públicas e, como tal, virou politização de alunos de 10 anos de uma questão sistêmica. Na avaliação idade –, Weber disse: "Só se pode exigir do professor que tenha a que o MEC faz dos livros didáticos integridade intelectual para ver que que serão escolhidos para todas as escolas do país, a obra ganha pontos uma coisa é declarar fatos, determinar as relações matemáticas ou lógicas ou a se mostrar preocupação com a questão da cidadania. Não apenas na estrutura interna de valores culturais; outra coisa é responder a questões sobre área de humanas, mas também em ciências e matemática. Na avaliação o valor da cultura e seus componentes individuais e como alguém deve agir na de livros didáticos de ciências do ensino fundamental, por exemplo, há comunidade cultural e em associações políticas. Se ele perguntar por que não seis itens. Um deles é "cidadania e ética". Lá está dito que o livro deve deve lidar com os dois tipos de problema em sala de aula, a resposta é: incentivar a "valorização do debate porque o profeta e o demagogo não sobre direitos do trabalhador e do pertencem ao espaço acadêmico. (...)" cidadão" e que se deve atentar "à relação entre conhecimento popular Uma discussão político-ideológica profícua pressupõe a igualdade de e científico, com respeito e poder entre os participantes. A relação valorização de ambos". Não sei professor-aluno é totalmente muito bem o que isso quer dizer, mas imagino que, se perguntarem a assimétrica: se o aluno questionar as convicções de seu mestre, correrá o um aluno numa prova a razão da risco de sofrer represálias, enquanto o existência das chamadas "estrelas cadentes", ele tirará 10 se responder oposto é impossível. Pela mesma razão que o estado é laico, as aulas do estado que é para atender aos três desejos atualizados e relevantes" (17%). No mesmo levantamento, 73% dos professores concordaram com a afirmação que segue: "O professor deve desenvolver a consciência social e política das novas gerações". Cinqüenta e cinco por cento rejeitam a idéia de que "a atividade docente deve reger-se pelo princípio da neutralidade política". Mais de 75% dos professores acham que a igualdade é um valor superior à liberdade. A pesquisa CNT/Sensus publicada nesta edição corrobora esse quadro: só 18% dos professores da escola pública dizem que seu discurso em sala de aula é politicamente neutro. Setenta e quatro por cento escolhem "formar cidadãos" como missão do professor – apenas 8,4% dizem que é "ensinar a matéria". Os resultados são praticamente idênticos nas escolas particulares. 132 criatividade e o espírito crítico" (60,5%). Lá atrás, na rabeira, apareceram "proporcionar conhecimentos básicos" (8,9%) e "transmitir conhecimentos da vizinha. Se complementar dizendo que os três desejos são uma conquista da cidadania, aí então será 10 com louvor. Acho que a formação política de também deveriam ser politicamente neutras. ∗ Fonte: <http://veja.abril.uol.com.br/200808/p_087.shtml>, acesso em 20 agost. 2008. 133 ANEXO I 125 Prezado (a) Professor (a) Este questionário é parte integrante de uma pesquisa de mestrado em realização no programa de Educação: Psicologia da Educação da PUC/SP. Essa pesquisa visa ampliar nossa compreensão sobre a formação e o trabalho docente. Pedimos sua colaboração, no sentido de responder a todas as questões propostas e, caso aceite, participar posteriormente de uma entrevista de aprofundamento. Para tanto, preencha os campos abaixo. Obrigada por sua colaboração! Makeliny Nogueira [email protected] Nome: ____________________________________________________________________________ Fone (s): _________________________________ e-mail: __________________________________ A. Caracterização do docente 1. Ano de nascimento: ______________ 2. Sexo:__________________________________ 3. Anos de experiência docente no Ensino Superior: ___________________________________ 4. Natureza da(s) instituição(s) na qual trabalha: ______________________________________ 5. Disciplina(s) que ministra em curso de Pedagogia: __________________________________ 6. Número de aulas que ministra em curso de Pedagogia por semana: _____________________ 7. Número total de alunos que possui no momento? ___________________________________ B. Formação para docência em ensino superior 1. Graduado (a) em: ____________________________________________________________ 2. Instituição __________________________________________________________________ 3. Sua formação para exercer a docência em ensino superior: ( ) Especialização em: _______________________________________________________ ( ) Mestrado em: ___________________________________________________________ ( ) Doutorado em: __________________________________________________________ ( ) Pós-Doutorado em: _______________________________________________________ QUESTIONÁRIO 1. 2. 3. 4. 5. 6. O que é ser professor? Quem determina o Programa da disciplina? Como você lida com ele? No desenvolvimento do programa quais os principais temas que você trabalha? Qual a relação do que você ensina no seu programa com as demandas da sociedade brasileira? Que tipo de aluno (professor) deseja formar a partir do seu trabalho como formador de docentes? Considerando suas preocupações e as finalidades do seu trabalho, escolha dentre as alternativas abaixo a que melhor representa seu pensamento sobre a instituição escolar e a formação dos pedagogos: a) a instituição escolar tem capacidade de mudar e melhorar a sociedade, na medida em que forma profissionais qualificados que com seu trabalho transformam a realidade social. b) a instituição escolar reproduz a desigualdade social, prepara a força de trabalho necessária para o capital e reforça a ideologia dominante em nossa sociedade. c) a instituição escolar contém contradições, contribuindo para melhorar a sociedade ao mesmo tempo em que reproduz o que está estabelecido. Por favor, justifique sua resposta. 126 ANEXO II 127 ROTEIRO PARA ENTREVISTA 1. Como você enquanto professor-formador (a) de professores (as) compreende a relação Educação x Sociedade? 2. 3. Qual a importância da educação para a sociedade? As práticas educativas incentivam ou determinam um tipo de sociedade? De sujeito? 4. Você enquanto educador (a) coloca que intenções ou objetivos para seu trabalho no sentido do incentivo de um tipo de cidadão e um tipo de sociedade? 5. Como isso aparece no seu programa de ensino? Comente seu programa na relação com essas questões anteriores. 6. Qual sua avaliação sobre os resultados de seu trabalho, nesse sentido? 7. Quais são as dificuldades que encontra? 8. Quais as facilidades? 9. Especificando um pouco mais, qual a finalidade da sua disciplina na formação dos futuros professores? Qual a finalidade do trabalho educacional na formação da sociedade? 10. Como as demandas/urgências/interesses/problemas da sociedade interferem na educação? 128 ANEXO III 129 > Revista Veja, Edição 2073 Prontos para o século XIX Muitos professores e seus compêndios enxergam o mundo de hoje como ele era no tempo dos tílburis. Com a justificativa de "incentivar a cidadania", incutem ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos Monica Weinberg e Camila Pereira Tema para reflexão: vale a pena usar chocadeiras artificiais para acelerar a produção de frango? Deu-se com isso o início de uma das aulas de geografia no Colégio Ateneu Salesiano Dom Bosco, de Goiânia, escola particular que aparece entre as melhores do país em rankings oficiais. Da platéia, formada por alunos às vésperas do vestibular, alguém diz: "Com as chocadeiras, o homem altera o ritmo da vida pelo lucro". O professor Márcio Santos vibra. "Você disse tudo! O homem se perdeu na necessidade de fazer negócio, ter lucro, exportar." E põe-se a cantar freneticamente Homem Primata / Capitalismo Selvagem / Ôôô (dos Titãs), no que é acompanhado por um enérgico coro de estudantes. Cena muito parecida teve lugar em uma classe do Colégio Anchieta, de Porto Alegre, outro que figura entre os melhores do país. Lá, a aula de história era animada por um jogral. No comando, o professor Paulo Fiovaranti. Ele pergunta: "Quem provoca o desemprego dos trabalhadores, gurizada?". Respondem os alunos: "A máquina". Indaga, mais uma vez, o professor: "Quem são os donos das máquinas?" E os estudantes: "Os empresários!". É a deixa para Fiovaranti encerrar com a lição de casa: "Então, quem tem pai empresário aqui deve questionar se ele está fazendo isso". Fim de aula. Os dois episódios, ambos presenciados por VEJA, não são raridade nas escolas brasileiras. Ao contrário. Eles exemplificam uma tendência prevalente entre os professores brasileiros de esquerdizar a cabeça das crianças. Parece bobagem, uma curiosidade até pitoresca num mundo em que a empregabilidade e o sucesso na vida profissional dependem cada vez explicar mas de mudar o mundo para melhor, acelerando a marcha da história rumo a uma sociedade sem classes. Bem, estamos no século XXI, o comunismo destruiu a si próprio em miséria, assassinatos e injustiças durante suas experiências reais no século passado. É embaraçoso que o marxismo-leninismo sobreviva apenas em Cuba, na Coréia do Norte e nas salas de aula de escolas brasileiras. As chocadeiras produzem os frangos vendidos a menos de 5 reais nos supermercados brasileiros, e isso propicia a dose mínima de proteína a famílias que, de outra forma, estariam mal nutridas. A realidade não interessa nas aulas como a do professor Márcio Santos. O que interessa? Passar a idéia de que as máquinas tiram empregos. Elas tiram? Tiraram no começo dos processos de robotização e automação de fábricas nos anos 90. Hoje, sem robôs e máquinas, os empregos nem sequer seriam criados. Mas dizer isso pode desagradar ao espírito do velho barbudo enterrado no novo Cemitério de Highgate, em Londres. Os professores esquerdistas veneram muito aquele senhor que viveu à custa de um amigo industrial, fez um filho na empregada da casa e, atacado pela furunculose, sofreu como um mártir boa parte da existência. Gostam muito dele, fariam tudo por ele, menos, é claro, lê-lo – pois Karl Marx é um autor rigoroso, complexo, profundo que, mesmo tendo apenas uma de suas idéias ainda levada a sério hoje – a Teoria da Alienação –, exige muito esforço para ser compreendido. "A salada ideológica resulta da leitura de resumos dos grandes pensadores", diz o filósofo Roberto Romano. Gente que vê maldade em chocadeiras e mal em empresários aula e acham isso normal. Os professores, em maior proporção, reconhecem que doutrinam mesmo as crianças e acham que isso é sua missão principal – algo muito mais vital do que ensinar a interpretar um texto ou ser um bamba em matemática. Para 78% dos professores, o discurso engajado faz sentido, uma vez que atribuem à escola, antes de tudo, a função de "formar cidadãos" – à frente de "ensinar a matéria" ou "preparar as crianças para o futuro". Muito bonito se não estivessem nesse processo preparando os alunos para um mundo que acabou e diminuindo suas chances de enfrentar a realidade da vida depois que saírem do ambiente escolar. Para atacar um problema, o primeiro passo é reconhecer sua existência. Esse é o mérito da pesquisa CNT/Sensus. Adversária do exercício intelectual, a ideologização do ensino pode ser resultado em parte também do despreparo dos professores para o desempenho da função. No ensino básico, 52% lecionam matérias para as quais não receberam formação específica – 22% deles nunca freqüentaram faculdade. Para esses, os chavões de esquerda servem como uma espécie de muleta, um recurso a que se recorre na falta de informação. "Repetir meia dúzia de slogans é muito mais fácil do que estudar e ler grandes obras. Por isso, a ideologização é mais comum onde impera a ignorância", diz o historiador Marco Antonio Villa. A questão não é exatamente nova na educação. Meio século atrás, a filósofa alemã Hannah Arendt já alertava para o equívoco de fazer das aulas um lugar para a doutrinação ideológica, qualquer que fosse o matiz. Em A Crise na Educação, ela dizia: "Em vez de (o professor) juntar-se a seus iguais, assumindo o esforço da persuasão e correndo o risco do fracasso, há a intervenção ditatorial, baseada na absoluta superioridade do adulto". Ao 130 mais do desempenho técnico, do rigor intelectual, da atualização do pensamento e do conhecimento. Não é bobagem. A doutrinação esquerdista é predominante em todo o sistema escolar privado e particular. É algo que os professores levam mais a sério do que o ensino das matérias em classe, conforme revela a pesquisa CNT/Sensus encomendada por VEJA. Pobres alunos. Eles estão sendo preparados para viver no fim do século XIX, quando o marxismo surgiu como uma ideologia modernizante, capaz não apenas de Não é o caso na maioria das salas de aula. Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores brasileiros ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado. Entre as figuras históricas e da atualidade mais citadas em classe está, como não poderia deixar de ser, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As referências a Lula são contidas. O presidente brasileiro obtém aprovação menor entre os professores, segundo relatam os estudantes, do que aquela com que a sociedade brasileira em geral o brinda. Ele tem 70% de avaliação que usam máquinas em suas fábricas no século XXI não pode ter lido Karl Marx. É de supor que não tenham lido muito, quase nada. Mas são esses senhores que ensinam nossos filhos nas melhores escolas brasileiras – sem, diga-se, que os pais se incomodem com isso. refletirem sobre o atual cenário, os especialistas concordam com a idéia central da filósofa. Está claro, e a própria experiência mostra isso, que o viés político retira da escola aquilo que deveria, afinal, ser seu atributo número 1: ensinar a pensar – verbo cuja origem, do latim, significa justamente pesar. Diz o sociólogo Simon Schwartzman: A pesquisa CNT/Sensus ouviu 3 000 "O verdadeiro exercício intelectual se pessoas de 24 estados brasileiros, faz ao colocar as idéias e os juízos entre pais, alunos e professores de numa balança, algo que só é possível escolas públicas e particulares. Sua com uma ampla liberdade de conclusão nesse particular é investigação e de crítica". espantosa. Os pais (61%) sabem que os professores fazem discursos politicamente engajados em sala de geração de jovens socialistas", diz Miguel Cerezo, responsável pelo conteúdo publicado nas apostilas do COC (de onde foram extraídos quatro trechos comentados pela revista). À luz de outra pesquisa em profundidade feita pelo Ibope em colaboração com a revista Nova Escola, editada pela Fundação Victor Civita, os professores da rede pública revelam que, para eles, o principal problema da sala de aula é, de longe (77%), a ausência dos pais no processo educativo. Repousam na colaboração entre pais e professores a correção dos rumos do ensino no país e a aceleração da curva de melhora de desempenho que começa a se desenhar. A questão do excesso de ideologização é um desses problemas que podem ser abordados em conjunto por pais e professores. Demanda para o diálogo existe. O advogado Miguel Nagib fundou, há quatro anos, em Brasília, a "Eu e todos os meus colegas ONG Escola Sem Partido, com o professores temos, sim, uma visão de esquerda – e seria impossível isso objetivo de chamar atenção para a não aparecer em nossos livros. Faço ideologização do ensino na sala de aula. Nagib se incomodou com os sinais do esforço para mostrar o outro lado", problema na escola particular de sua diz a geógrafa Sonia Castellar, que filha, então com 15 anos, onde o há vinte anos dá aulas na faculdade professor de história gostava de de pedagogia da Universidade de comparar Che Guevara a São Francisco São Paulo (USP) e escreveu de Assis. Foi ao colégio reclamar. Diz Geografia, um dos best-sellers nas Nagib: "As escolas precisam ficar escolas particulares (livro que tem dois de seus trechos comentados por sabendo que muitos pais não concordam com essa visão". Com VEJA na reportagem seguinte). reportagem de Camila Antunes e "Reconheço o viés esquerdista nos livros e apostilas, fruto da formação Marcos Todeschini marxista dos professores. Mas não temos nenhuma intenção de formar uma positiva dos brasileiros, mas na boca dos professores esse índice cai para 30% – com 27% de citações negativas e 43% de neutras. Ressalte-se aqui que é um ponto louvável para os mestres o fato de, como mostram os números relativos a Lula, eles não fazerem proselitismo eleitoral em classe – mesmo que seja preciso relevar o fato de o ditador venezuelano Hugo Chávez ter merecido 51% de citações positivas. A neutralidade e o comedimento em relação a Lula desautorizam a interpretação de que os professores tentam direcionar o voto dos alunos, o que seria desastroso. É sinal de que sua pregação, mesmo equivocada, se mantém no nível das idéias – o que é excelente. 131 > Revista Veja, Edição 2073 A neutralidade como dever "A pesquisa CNT/Sensus publicada nesta edição corrobora esse quadro: só 18% dos professores da escola pública dizem que seu discurso em sala de aula é politicamente neutro. Setenta e quatro por cento escolhem ‘formar cidadãos’ como missão do professor – apenas 8,4% dizem que é ‘ensinar a matéria’. Os resultados são praticamente idênticos nas escolas particulares" Gustavo Ioschpe Sabendo que, em uma população de 190 milhões de habitantes, temos mais de 50 milhões de alunos no ensino básico e aproximadamente 100 milhões de pais desses alunos e apenas 2 milhões de professores, e sabendo que vivemos em uma democracia, a pergunta que se impõe a todo professor, diretor, secretário municipal, estadual ou ministro da Educação do país de agora em diante é: como se pode justificar que uma minoria imponha sobre a maioria a sua visão da educação? Em uma sociedade democrática, quem decide que tipo de educação será oferecido no sistema público: o público ou as corporações do setor? Como se justifica que professores e administradores escolares ditem uma política educacional à revelia dos desejos expressos da sociedade brasileira? A educação para a cidadania não pressupõe, afinal, o respeito à vontade coletiva e a valorização da sabedoria popular? Quando se discutem as razões pelas quais nosso sistema escolar não consegue ensinar a maioria dos alunos a ler e a escrever ou a realizar operações aritméticas simples, muitos supostos fatores vêm à baila: o salário dos professores, a condição da infra-estrutura das escolas, o descaso da sociedade etc. Essa análise parte do pressuposto de que todos os atores do processo educacional estão engajados no mesmo projeto, o que não é verdade. Seguimos ignorando um problema que me parece cada vez mais crucial: o ensino acadêmico é percebido pelos nossos professores como uma tarefa desimportante do processo educacional. Quando instado, em pesquisa da Unesco, a apontar as finalidades mais importantes da educação, o professorado brasileiro disse o seguinte: com 72% dos votos, a campeã foi "formar cidadãos conscientes". A segunda mais lembrada foi "desenvolver a cada um é sua prerrogativa individual, sujeita apenas à interferência dos pais. Não é para ser condenada ou legitimada na escola. Mesmo que os pais não pratiquem sua prerrogativa, isso não dá ao professor o direito de se assenhorear da tarefa. Não acredito que a maioria dos professores brasileiros, com seu baixo preparo intelectual, tenha condições de oferecer ao aluno a exposição complexa e multifacetada que as questões inerentes à formação da cidadania exigem. Vira panfletagem. Também não acredito no poder do discurso dissociado da prática. Se essas razões são válidas para qualquer tipo de escola, creio que as regras devessem ser ainda mais rigorosas para as escolas públicas, nas quais o aluno não tem condições de optar por escola diferente. Aqui o texto de referência é de Max Weber, em "Wissenschaft als Beruf" (A Ciência como Vocação). Falando sobre o dever de neutralidade dos professores universitários – creio que não lhe passaria pela cabeça que pudesse É triste constatar que o pendor ocorrer como no Brasil de hoje a atingiu o nível de formação de políticas públicas e, como tal, virou politização de alunos de 10 anos de uma questão sistêmica. Na avaliação idade –, Weber disse: "Só se pode exigir do professor que tenha a que o MEC faz dos livros didáticos integridade intelectual para ver que que serão escolhidos para todas as escolas do país, a obra ganha pontos uma coisa é declarar fatos, determinar as relações matemáticas ou lógicas ou a se mostrar preocupação com a questão da cidadania. Não apenas na estrutura interna de valores culturais; outra coisa é responder a questões sobre área de humanas, mas também em ciências e matemática. Na avaliação o valor da cultura e seus componentes individuais e como alguém deve agir na de livros didáticos de ciências do ensino fundamental, por exemplo, há comunidade cultural e em associações políticas. Se ele perguntar por que não seis itens. Um deles é "cidadania e ética". Lá está dito que o livro deve deve lidar com os dois tipos de problema em sala de aula, a resposta é: incentivar a "valorização do debate porque o profeta e o demagogo não sobre direitos do trabalhador e do pertencem ao espaço acadêmico. (...)" cidadão" e que se deve atentar "à relação entre conhecimento popular Uma discussão político-ideológica profícua pressupõe a igualdade de e científico, com respeito e poder entre os participantes. A relação valorização de ambos". Não sei professor-aluno é totalmente muito bem o que isso quer dizer, mas imagino que, se perguntarem a assimétrica: se o aluno questionar as convicções de seu mestre, correrá o um aluno numa prova a razão da risco de sofrer represálias, enquanto o existência das chamadas "estrelas cadentes", ele tirará 10 se responder oposto é impossível. Pela mesma razão que o estado é laico, as aulas do estado que é para atender aos três desejos atualizados e relevantes" (17%). No mesmo levantamento, 73% dos professores concordaram com a afirmação que segue: "O professor deve desenvolver a consciência social e política das novas gerações". Cinqüenta e cinco por cento rejeitam a idéia de que "a atividade docente deve reger-se pelo princípio da neutralidade política". Mais de 75% dos professores acham que a igualdade é um valor superior à liberdade. A pesquisa CNT/Sensus publicada nesta edição corrobora esse quadro: só 18% dos professores da escola pública dizem que seu discurso em sala de aula é politicamente neutro. Setenta e quatro por cento escolhem "formar cidadãos" como missão do professor – apenas 8,4% dizem que é "ensinar a matéria". Os resultados são praticamente idênticos nas escolas particulares. 132 criatividade e o espírito crítico" (60,5%). Lá atrás, na rabeira, apareceram "proporcionar conhecimentos básicos" (8,9%) e "transmitir conhecimentos da vizinha. Se complementar dizendo que os três desejos são uma conquista da cidadania, aí então será 10 com louvor. Acho que a formação política de também deveriam ser politicamente neutras. ∗ Fonte: <http://veja.abril.uol.com.br/200808/p_087.shtml>, acesso em 20 agost. 2008. 133