Servidor Público
Texto 03
Considerações acerca da possibilidade de reversão da readaptação ante a ausência
de previsão legal
e vai ocupar outro de atribuições
semelhantes e com a mesma
exigência em termos de grau de
escolaridade – situação decorrente da
diminuição de sua capacidade laboral.
Considerações acerca da possibilidade de
reversão da readaptação ante a ausência
de previsão legal
Princípio basilar da Administração
Pública, a legalidade norteia o agir dos
agentes administrativos. Sobre tal postulado,
afirma CARVALHO FILHO que toda e
qualquer atividade administrativa deve ser
autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é
ilícita1.
Ocorre que a ausência de disposição
legal acerca de determinado instituto,
transforma-se em óbice à atuação estatal,
inviabilizando, por vezes, direitos previstos aos
servidores públicos.
Nesta esteira, a inexistência de
previsão legal na grande maioria dos estatutos
sobre o instituto da reversão da readaptação,
nos casos em que resta eliminada a patologia
que determinou o ato de provimento
horizontal, termina por infligir ao servidor o
moroso caminho da demanda judicial.
Contudo, conforme será dissertado, o
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul pronunciou-se no sentido da
possibilidade da reversão da readaptação,
cessada a patologia do servidor, permitindo o
resgate do status quo ante.
Sobre o instituto da readaptação,
oportuno traçar algumas considerações acerca
do tema. Nesse viés, afirma ZIMMER
JÚNIOR2, ao analisar a Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990 (Estatuto dos servidores
públicos federais):
A readaptação, como já se referiu, é
também forma de provimento e de
vacância (arts. 8º e 33, da referida
Lei), ou melhor, uma hipótese de
provimento derivado horizontal. O
servidor readaptado deixa o seu cargo
1
FILHO, José
Administrativo.
2009, p. 19.
2
JÚNIOR,
Administrativo.
2008, p. 353.
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No mesmo sentido, BANDEIRA DE
MELLO3 aduz:
Readaptação é a espécie de
transferência efetuada a fim de prover
o servidor em outro cargo mais
compatível com sua superveniente
limitação de capacidade física ou
mental, apurada em inspeção médica.
Trata-se de instituto que visa recolocar
o servidor, no âmbito da Administração
Pública, após a perda parcial de sua
capacidade laboral. Veja-se, neste caso, que
se trata de perda parcial. Do contrário, se a
perda da capacidade laboral é plena, falar-seia em aposentadoria, instituto que por si só
extingue o vínculo do agente com a
Administração Pública.
A
aposentadoria
por
invalidez,
comumente precedida de licença para
tratamento de saúde, conforme previsão
estatutária, extingue o vínculo existente entre
o agente e a Administração. Todavia, esta
extinção encontra moderada relativização
diante do instituto da reversão.
A reversão, também prevista em norma
estatutária, é o retorno à atividade do servidor
aposentado por invalidez, ou voluntariamente.
Decorre, conforme disposto na maioria dos
estatutos que tratam dos servidores públicos,
de duas diferentes vertentes.
A primeira delas diz respeito à
possibilidade da reversão de ofício, quando a
junta médica oficial declarar insubsistentes os
motivos da aposentadoria. Trata-se de
verdadeira reabilitação, constatada por exame
médico, sob laudo conclusivo. Neste caso, o
servidor está reabilitado e apto para o
desempenho das funções previstas para o seu
dos Santos Carvalho. Manual de Direito
Editora Lúmen Júris: Rio de Janeiro,
Aloísio Zimmer. Curso de Direito
Editora Verbo Jurídico: Porto Alegre,
3
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo. Editora Malheiros: São Paulo, 2003, p.
282.
1
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Considerações acerca da possibilidade de reversão da readaptação ante a ausência
de previsão legal
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cargo. Sendo assim, será ele revertido ao
cargo de origem.
interesse da Administração nos quadros do
Poder Público.
Na hipótese da ocorrência da reversão
ex officio e não existindo cargo vago, a
previsão contida na maioria dos estatutos
observa que o servidor revertido exercerá suas
atribuições como excedente, até a ocorrência
de vaga.
Vencidos os aspectos preliminares
sobre o instituto da reversão, importa traçar
uma análise sobre a aplicação desta, no que
tange à readaptação.
A segunda possibilidade de reversão
da aposentadoria diz respeito à reversão no
interesse da administração. Tal espécie
deverá obedecer a parâmetros estabelecidos
em lei. À guisa de exemplo, a Lei nº 8.112, de
dezembro de 1990 (Estatuto dos servidores
públicos federais), trata da matéria da seguinte
forma:
Art. 25. Reversão é o retorno à
atividade de servidor aposentado:
(Redação dada pela Medida Provisória
nº 2.225-45, de 4.9.2001)
I - por invalidez, quando junta médica
oficial declarar insubsistentes os
motivos da aposentadoria; ou (Incluído
pela Medida Provisória nº 2.225-45, de
4.9.2001)
II - no interesse da administração,
desde que: (Incluído pela Medida
Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
a) tenha
solicitado
a
reversão;
(Incluído pela Medida Provisória nº
2.225-45, de 4.9.2001)
b) a
aposentadoria
tenha
sido
voluntária; (Incluído pela Medida
Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
c) estável quando na atividade;
(Incluído pela Medida Provisória nº
2.225-45, de 4.9.2001)
d) a aposentadoria tenha ocorrido nos
cinco anos anteriores à solicitação;
(Incluído pela Medida Provisória nº
2.225-45, de 4.9.2001)
e) haja cargo vago. (Incluído pela
Medida Provisória nº 2.225-45, de
4.9.2001)
Do dispositivo supracitado tem-se que
há a necessidade da existência de cargo vago,
sob pena da inocorrência da reversão no
Sendo a readaptação ao cargo um
direito
do
servidor
público,
visando
reaproveitá-lo em virtude do surgimento de
alguma deficiência física constatada por
perícia médica, nada mais simétrico do que
afirmar que a possibilidade da reversão da
readaptação também se apresenta como um
direito do agente público, mesmo que esta
previsão não encontre amparo legal.
Veja-se que estamos a nos referir aqui
em amparo explícito legal, eis que inexiste, na
grande maioria dos estatutos, dispositivo de lei
que verse sobre a situação em tela.
Entretanto,
o
entendimento
ora
dissertado encontra amparo implícito legal. Ou
seja, a força para sua interpretação analógica
encontra-se no corpo da lei, senão, vejamos.
Constatada
a
existência
de
enfermidade que incapacite parcialmente o
servidor para o exercício de suas atribuições,
é possível a sua readaptação em cargo
compatível de vencimentos e classe idêntica
em que se encontrava. As modificações
sofridas pelo servidor poderão ser tanto físicas
quanto psicológicas, verificadas as condições
por junta médica oficial.
Ocorre que, havendo recuperadas as
suas condições físicas ou psíquicas, pode o
servidor, readaptado em outro cargo, voltar a
exercer as funções específicas do cargo
original?
A resposta para tal questionamento
começa a ganhar corpo com o desembaraço
clínico, que surge na forma do laudo médico.
Assim, se a Junta Médica Oficial, ou
mesmo o Departamento Médico, revelar,
através de exame, que o servidor readaptado
não apresenta incapacidade para o exercício
de suas funções, evidenciando, ademais, a
inexistência de nenhuma sequela ou doença
2
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Considerações acerca da possibilidade de reversão da readaptação ante a ausência
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física relacionada com a patologia, restando
inafetada a sua capacidade laboral, entendese viável o retorno deste ao cargo original.
Nesse sentido, o ilustrativo parecer
adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, no processo judicial nº
70014306138, de autoria do Dr. Leonel
Ohweiler, Procurador de Justiça:
No caso em tela, é crível argumentar
no sentido de que diante das provas
colacionadas, a readaptação não
possui mais a aptidão para alcançar o
resultado que lhe é próprio, qual seja,
permitir que um servidor permaneça
no serviço público, exercendo outra
atividade, em
virtude
de sua
incapacidade
para
o
exercício
específico das atribuições do seu
cargo. Logo a incapacidade física ou
psíquica, apta para determinar a
readaptação
é
específica
das
atribuições do cargo, enquanto a
incapacidade
determinante
da
aposentadoria por invalidez está
relacionada com a impossibilidade de
o servidor permanecer no serviço
público, exercendo qualquer atividade.
Efetivamente, muito embora existam
algumas
restrições
de
caráter
psicológico, decorrente do uso durante
alguns anos de bebida alcoólica,
descabe
a
perpetuação
da
readaptação.
Mas, mais evidente ainda, consiste a
desnecessidade
de
tal
medida
restritiva ao direito do servidor exercer
suas atividades laborais, conforme o
cargo para o qual prestou concurso
público como mencionado, a restrição
ao direito o servidor deve ser com a
menor intensidade possível, por certo,
desde que seja possível atingir o
mesmo desiderato. Havendo medida
administrativa menos gravosa, a
Administração Pública possui o dever
de optar por ela. Ora, na medida em
que o servidor pode exercer suas
atividades como guarda, mesmo que
se admitindo a restrição com relação
ao uso de arma, não há necessidade
de realizar a readaptação, quando o
mesmo fim pode ser atingido com o
retorno ao exercício
atividades de vigilância.
Abril/2011
de
suas
Um dos grandes problemas do
instituto da readaptação é que foi
erigido a partir da noção de
incapacidade parcial permanente, quer
dizer, partiu do pressuposto que uma
vez constatada a inaptidão, em virtude
de modificações de seu estado físico e
psíquico, para o exercício do cargo
ocupado,
tal
situação
seria
irreversível. Ora, o que fazer quando a
causa que determinou a readaptação
deixa de existir? Para este agente do
Ministério Público a ausência expressa
de texto de lei não se constitui em
óbice para fazer o servidor retornar ao
status quo ante. Na medida em que a
Administração Pública possui o poderdever de readaptar o servidor,
igualmente, possui o poder implícito
de desfazer tal situação, uma vez
desaparecendo a causa determinante
de sua decisão anterior. Constitui-se
na melhor interpretação para solver o
caso em tela.”
Do parecer trazido a discussão, tem-se
que desaparecendo os efeitos que levaram à
readaptação, deve o servidor ser revertido ao
seu cargo original.
Perceba-se que estamos falando da
aplicação de um instituto cuja previsão legal
remete à análise da hipótese de aposentadoria
e não de readaptação.
Ocorre, conforme argumenta Ohweiler,
que o instituto da readaptação nasceu sob a
previsão de uma situação permanente. Ou
seja, foi erigido a partir do pressuposto de que
uma vez existente a inaptidão, em virtude de
patologia constatada em seu estado psíquico
ou físico, tal situação seria irreversível.
Dessa forma, a maioria dos estatutos
que tratam acerca dos direitos e deveres dos
servidores públicos não dispõe sob a
possibilidade da reversão da situação que
causou a inaptidão. Todavia, a falta de
dispositivo previsto em lei não desautoriza a
reversão da readaptação. Para Leonel
Ohweiler, a Administração Pública possui o
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Considerações acerca da possibilidade de reversão da readaptação ante a ausência
de previsão legal
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dever-poder de desfazer a situação de
readaptação, tão logo constate a inexistência
dos motivos determinantes desta.
fundamental, porque são eles que, no
fim do processo, colocam a norma em
contacto com a realidade.
Ademais, tanto o acórdão quanto a
manifestação do ilustre membro do parquet
em segunda instância encontram consonância
com o juízo sentencial do julgador a quo,
manifestado no processo judicial de nº
001/1.05.0288862-1:
Em face do caráter aberto e incompleto
de determinados diplomas legais, é necessário
que o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o
Poder Executivo aproximem as normas da
realidade. Sendo assim, a interpretação, por
analogia, do instituto da reversão, estendendo
o seu leque de efeitos até o instituto da
readaptação, perfectibiliza os ensinamentos do
mestre lusitano, na medida em que garante ao
servidor o que lhe é de direito.
Usando de interpretação ampliativa, o
autor é detentor de cargo efetivo –
guarda – que por problemas de
dependência química, foi readaptado
na função de auxiliar de serviços
gerais. Sendo a readaptação uma
forma de provimento do funcionário
estável, uma forma de movimentação
interna, bem como uma garantia de
posição idêntica da classe a qual o
servidor se encontrava, diante dos
laudos periciais corroborados com a
prova oral, não há justificativa para a
negação do retorno ao cargo de
origem, ainda que a legislação não
seja explícita quanto a isso.
Desta feita, encerrado os motivos que
determinaram a readaptação, nos termos do
laudo médico, deve ser revogado o ato
administrativo que a determinou, com o
retorno do servidor ao seu cargo original. Temse, assim, uma interpretação analógica com o
instituto da reversão.
A
interpretação
dos
estatutos,
enquanto leis, pelos agentes concretizantes,
torna-se fundamental para aproximar a norma
da realidade.
Sobre a relevância da interpretação
das normas jurídicas, leciona o ilustre
constitucionalista português CANOTILHO4:
Se a norma jurídica só adquire
verdadeira normatividade quando se
transforma em norma de decisão
aplicável a casos concretos, conclui-se
que cabe ao agente ou agentes do
processo de concretização um papel
4
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria
da constituição. Editora Almedina: Coimbra, 2009, ps.
1221-1222.
Nesse sentido, sendo a readaptação
uma forma de provimento cuja movimentação
é interna, eis que o servidor readaptado passa
a desempenhar outra função no âmbito da
Administração. Em não subsistindo os motivos
que o levaram a ser readaptado, deve este
retornar ao seu cargo de origem.
Imperioso frisar que a interpretação
analógica e a aplicação de um instituto ligado
à aposentadoria, ao processo de readaptação,
não fere o princípio da legalidade.
O que se está a fazer aqui não é criar
situação não abarcada por lei, fato que, per si,
geraria a ilegalidade, podendo ser anulado
pela própria Administração Pública ou via
Poder Judiciário.
Ocorre que a reversão da readaptação,
nos casos em que insubsistentes os motivos
que a determinaram, possui força e extensão
prevista em lei estatutária.
Dá-se ao dispositivo de lei estatutária
interpretação com efeitos extensivos a fim de
garantir um direito fundamental do servidor,
esculpido no inciso III do art. 1º da
Constituição Federal, qual seja a dignidade da
pessoa humana5.
5
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
4
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Considerações acerca da possibilidade de reversão da readaptação ante a ausência
de previsão legal
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Ao prestar concurso público, de provas
ou de provas e títulos, o servidor público
nomeado para a vaga recebe uma série de
atribuições previstas em lei.
Estas atribuições são frutos de sua
função. Assim, não pode a readaptação,
inexistindo os motivos que a fundamentaram,
privar o servidor do exercício das funções para
o qual concursou.
Por todo o exposto, mesmo na hipótese
de inexistência de dispositivo legal que
autorize de forma expressa a reversão da
readaptação, inexistindo os motivos que a
originaram, deve o servidor ser devolvido ao
seu cargo de origem, via reversão, por
interpretação
analógica
do
instituto,
objetivando a concretização da norma legal,
aproximando esta da realidade.
V - o pluralismo político.
5
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