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Inovar para ser mais feliz
O economista americano, ganhador do Prêmio Nobel em 2006, diz que o impulso de
criatividade está sendo derrotado nas economias modernas pelo veneno do corporativismo.
O americano Edmund Phelps, de 82 anos, recebeu o Prêmio Nobel de Economia de 2006 por
seus estudos sobre desemprego e inflação. Nos últimos anos, contudo, ele se dedica ao tema
da inovação, que diz ser o motor fundamental de uma "boa economia" - aquela que não
apenas leva os países à prosperidade, mas abre perspectivas de realização pessoal para os
indivíduos. Essa tese está desenvolvida em seu livro mais recente, Mass Flourishing
(Florescimento em Massa), de 2013, no qual ele também identifica a principal ameaça ao
desenvolvimento: a submissão ao corporativismo. Phelps avançou e foi além do clássico
Joseph Schumpeter, autor da expressão "destruição criativa", na análise da inovação. Ele falou
a VEJA de Nova York, onde vive.
No Brasil, como em outros países, a resposta furiosa dos taxistas ao aplicativo de
transporte Uber é um símbolo de como a inovação pode causar conflitos. Qual a sua
solução para situações desse tipo?
Minha resposta é inequívoca. Estarei sempre do lado dos inovadores, daqueles que estão
empenhados em detectar novas oportunidades, criar novos produtos ou processos de trabalho.
É impossível superestimar o papel que a inovação e o empreendedorismo têm na prosperidade
econômica. Qualquer leitura honesta da história mostrará isso. Infelizmente, em toda parte a
força benigna da inovação é bloqueada pelo medo da "mudança desordenada", que nada mais
é que o bicho-papão criado por grupos de interesse, sindicatos, empresas confortavelmente
estabelecidas em seus nichos de mercado e pelos políticos com os quais cada um desses
atores tem ligação umbilical. Medidas que bloqueiam a inovação, mesmo nas raras ocasiões
em que são tomadas com a melhor das intenções, revelam que um veneno está correndo nas
veias de uma sociedade: o veneno do corporativismo. Daí resultam não apenas economias
menos dinâmicas e produtivas, mas menores oportunidades para que as pessoas tenham uma
vida cheia de realizações.
O que o senhor chama de corporativismo?
Na linguagem do cotidiano, trata- se do esforço de um grupo para defender seus interesses
acima de tudo, custe o que custar. Eu me refiro a algo mais amplo, um conjunto de práticas e
valores. Há um elemento muito antigo no corporativismo, a ideia de que a economia e a
sociedade funcionam como um corpo, em que cada "órgão" tem o seu papel. Essa ideia sofreu
metamorfoses ao longo dos séculos e ganhou corolários até se articular, entre o fim do século
XIX e o começo do XX, numa filosofia de resistência à economia moderna. A meu ver, a
grande batalha do nosso tempo não é mais entre o capitalismo e o socialismo, mas entre os
valores modernos da livre-iniciativa e da inovação, que estão no centro do capitalismo, e os
valores reativos do corporativismo.
Que valores são esses?
No lugar da competição, o corporativismo prefere a coordenação e o controle da atividade
econômica. Isso cria vínculos fortes entre o Estado e o setor empresarial, de forma que boa
parte da atividade econômica depende de negociações com o governo e não da lógica do
mercado. É o Estado que decide qual setor deve ou não crescer em determinado momento,
lançando mão de subsídios, incentivos fiscais e empréstimos em geral, para aqueles que
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conseguem se organizar melhor em defesa dos seus interesses, ou simplesmente gritar mais
alto. Outro valor fundamental do corporativismo é a proteção social. Proteção para empresas,
que conquistam reserva de mercado e não precisam se preocupar em melhorar seus produtos
obsoletos, o que é devastador para a inovação. E proteção para os mais diversos grupos
sociais, que abocanham uma fatia da riqueza produzida pelo país graças a políticas
redistributivas. No corporativismo, a tributação é sempre elevada, para permitir que o Estado
ofereça um quinhão a todos. É um sistema que sempre trabalha para manter a ordem
estabelecida, o que em termos econômicos significa matar pela raiz os incentivos à inovação e
à busca da competitividade. A atual crise grega mostra esse sistema em pleno funcionamento.
O corporativista e o socialista parecem ter muito em comum. O que os diferencia?
Do ponto de vista prático, o socialismo está acabado. A propriedade estatal dos meios de
produção, que é um dos pilares do sistema, não é mais uma alternativa levada a sério. O
corporativismo sempre quis algo um pouco diferente. Ele nunca rejeitou a propriedade privada,
desde que houvesse uma medida considerável de controle da atividade econômica pelo Estado
ou pela sociedade. O corporativismo está vivo onde quer que o governo beneficie uma
empresa com incentivos especiais ou proteja um grupo de interesse. Quanto aos defensores de
um sistema ou de outro, você provavelmente vai identificar o corporativista pelo seu viés
nacionalista, pela sua preocupação em defender a "comunidade" de todas as forças externas
que supostamente a ameaçam, ao passo que o socialista tenderá a ser mais preocupado com a
desigualdade. Mas você tem razão: embora tenham filosofias diferentes, nem sempre é fácil
distinguir um personagem do outro, porque ambos compartilham do mesmo ponto de partida,
que é a aversão àquilo que o capitalismo tem de melhor, ou seja, sua instabilidade e seu
caráter "disruptivo", para usar a palavra da moda.
Como o cuidado com os mais pobres e a preocupação com a desigualdade devem
entrar na equação capitalista?
É fundamental garantir o acesso universal à educação, porque isso ajuda a nivelar as
oportunidades. Um nível moderado de proteção social também tende a ser inofensivo, se
financiado por um sistema neutro de tributação. O problema é que raramente paramos por aí.
Nas grandes nações europeias, e em muitas outras, entre as quais o Brasil provavelmente
também se encaixe, o que vemos é o avanço do corporativismo. O Estado começa a prover a
todos, mas quem mais se beneficia não são os pobres, e sim as elites empresariais ou sindicais
com melhor acesso ao governo. Pior que isso, a economia perde eficiência e os salários
crescem menos do que poderiam. As oportunidades para o surgimento de negócios se
reduzem, e com isso a chance de as novas gerações terem uma vida mais rica de experiências,
participarem mais ativamente do fluxo da economia. Os corporativistas estão sempre
preocupados em balancear os interesses dos diversos atores sociais, em garantir alguma renda
para todos. No capitalismo, contudo, a preocupação fundamental deve ser com a iniciativa
individual, com aquilo que um indivíduo pode fazer com sua vida.
Nunca se falou tanto em inovação. Há bibliotecas inteiras dedicadas a esse tema,
livros sem fim sobre startups e empreendedores. Ainda assim, o senhor tem dito que
se observa uma queda considerável nos níveis de inovação. Em que o senhor se
baseia para fazer essa afirmação?
Fala-se muito da indústria de tecnologia. Mas o Vale do Silício, por exemplo, é responsável por
algo como 3% da renda americana e por uma parcela ínfima do número de empregos. Quando
você olha a economia como um todo, o cenário nem de longe é tão animador. A revolução
digital não compensou, e não sei se um dia vai compensar, a perda de energia e criatividade
em setores tradicionais da indústria e dos serviços. Essa perda de dinamismo é palpável para
quem percorre os Estados Unidos de ponta a ponta. Em vez de inovarem, eles tratam de
conseguir alguma proteção de mercado ou vivem de suas patentes, que a meu ver deveriam
ter prazo de validade muito menor do que têm hoje em dia, quando se tornaram uma
ferramenta para desencorajar quem deseja entrar em um mercado, e não uma proteção
temporária para quem investiu em algo novo. Essa perda de dinamismo se traduz em
números. Há estudos que documentam uma grande desaceleração na produtividade da
economia americana, que resulta em mais desemprego, salários mais baixos e, não menos
importante, menor satisfação das pessoas com o seu trabalho.
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Qual o remédio para isso?
Precisamos de um ambiente em que as empresas se sintam obrigadas a desenvolver coisas
novas. Precisamos abandonar a ideia de que inovação é algo que os outros fazem e retomar a
cultura de exploração e experimentação que fez com que a inovação explodisse em países
como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França no século XIX. Nessas economias, a
inovação não estava restrita às elites. Todas as camadas da sociedade estavam galvanizadas
pela ideia de criar um futuro diferente. Como disse o presidente Abraham Lincoln, os Estados
Unidos eram um país tomado pelo "furor da novidade". Gente sem educação especial, mas
profundamente envolvida com seu trabalho, agarrada às suas ferramentas, obcecada pelas
minúcias de sua atividade, contribuiu com inovações, pequenas e grandes. Naquele período da
história, que foi um dos mais extraordinários do ponto de vista do crescimento econômico, a
alegria de criar, de empreende e assumir riscos era vista como um caminho para uma vida
plena. Creio que é preciso recuperar esse afã para assistir a um novo “florescimento em
massa”, se você me permite fazer referência ao título de meu livro.
A educação científica é o ponto de partida para isso?
O mais importante é expor os jovens à história humana de exploração e inovação. Devemos
valorizar os grandes nomes do Renascimento, a expressividade dos românticos, a rejeição às
normas dos modernistas. Todo país precisa de gente envolvida com ciência, engenharia,
matemática e computação. Mas nem toda inovação vem dessas áreas. Na verdade, um espírito
de inovação dificilmente será forjado somente com essa dieta.
Algum conselho de um prêmio Nobel para os pais de hoje em dia?
Criem seus filhos para apreciar a aventura, a experimentação, uma dose saudável de risco.
Não sei se é assim no Brasil, mas é comum a percepção de que os pais americanos se
tornaram superprotetores. Não protejam demais seus filhos.
A maior referência entre os economistas quando se fala de inovação é o austríaco
Joseph Schumpeter, que se referiu ao capitalismo como um sistema em que impera a
"destruição criativa". O senhor é um discípulo de Schumpeter?
Não quero parecer pretensioso, mas não sou. Schumpeter acreditava que toda inovação vem
da ciência. A função dos empreendedores, era encontrar aplicações comerciais para as
descobertas científicas, levantar o capital necessário para a iniciativa e organizar a produção.
Ele disse explicitamente que gente de negócios raramente tem imaginação ou criatividade. Se
você é um discípulo de Schumpeter, tende a pensar que a inovação depende de institutos de
pesquisa ou pequenos grupos de gente esclarecida. Meu conceito de inovação tem a ver com
gente comum. É uma inovação que vem da base.
Na última década, o Brasil fez uma aposta no consumo como motor do
desenvolvimento. Essa é uma estratégia que pode dar certo a longo prazo?
Não. Usar recursos do governo para estimular o consumo é bom tão somente
para
empresas estabelecidas e setores tradicionais da economia. Nos momentos favoráveis, esse
tipo de política pode criar um ciclo positivo em que o desemprego é baixo e as pessoas têm
dinheiro para comprar. Mas essa é uma visão limitada do desenvolvimento. O crescimento a
longo prazo só estará garantido se houver clareza sobre o fato de que a prosperidade de um
país depende da inovação e do empreendedorismo. Tenho visitado muito a China. E lá, mais
uma vez, está acontecendo algo extraordinário. Depois de um período de investimento estatal
intensivo, os chineses estão se movendo para um modelo de incentivo ao consumo.
Mas eles também estão fazendo um esforço para fomentar o empreendedorismo maciço em
todas as áreas. É um movimento capitaneado pelo atual premiê chinês, Li Keqiang, que nesse
aspecto mostra ser um líder fora da curva.
Fonte: Páginas Amarelas, Revista Veja, 21 de outubro de 2015, páginas 17, 20 e 21.
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