MÍDIA E MEIO AMBIENTE: LIMITES E POSSIBILIDADES CIDOVAL MORAIS DE SOUSA FRANCISCO ASSIS MARTINS FERNANDES Departamento de Comunicação Social Universidade de Taubaté RESUMO A proposta deste trabalho é oferecer uma contribuição à discussão sobre as relações mídia-meio ambiente. Parte-se de uma breve revisão da literatura mais recente a respeito do assunto, acrescentando exemplos atuais do tratamento dispensado pelas grandes redes de comunicação aos temas ambientais. O texto se alinha a uma perspectiva crítica, que entende os meios de comunicação como integrantes de uma complexa cadeia industrial, cuja principal função, na sociedade capitalista, é produzir lucro e, conseqüentemente, reproduzir o sistema que a sustenta. A reflexão se desenvolve em três itens que se completam: no primeiro é apresentado um panorama dos estudos sobre a presença, na mídia, das questões ambientais; no segundo, discute-se a função pedagógica da mídia, seus limites e possibilidades; e no terceiro, como contraponto aos dois primeiros, é apresentado um modelo, ainda em construção, de jornalismo cidadão, que tem na democracia, na participação, no compromisso ético com a vida no planeta suas bases de sustentação. PALAVRAS-CHAVE: mídia; educação ambiental; cidadania INTRODUÇÃO Na sociedade atual, quando as Ciências Humanas estão voltadas para os valores do meio ambiente, o fenômeno da globalização padroniza os interesses dos habitantes do Planeta, torna-se necessário que se busque analisar criticamente os fatos comunicacionais na sua interface com a economia, com a ecologia, uma vez que a mídia perpassa tudo, desde o contexto sócio-histórico em que ocorrem os fatos, até os processos de produção, transmissão e recepção das formas simbólicas que têm o poder de manipular os seres humanos. A partir dessas premissas é que elaboramos esta análise. Não é um trabalho conclusivo; é uma provocação. Mais do que esgotar o assunto, a intenção foi contribuir para a consolidação de uma educação ambiental crítica e cidadã, capaz de transformar a sociedade em que vivemos. A pretexto do que se fala O interesse da mídia pelas questões ambientais é tão recente quanto a organização do movimento ambientalista, particularmente no Brasil. A existência de veículos especializados, impressos ou eletrônicos, dedicados hoje ao tema, não significa, ainda, a consolidação de uma tradição. A Conferência Rio-92 é, para muitos pesquisadores, um marco divisor de águas e revelador da natureza paradoxal da cobertura midiática. Se por um lado tivemos uma superexposição multimídia dos assuntos tratados na Conferência da ONU, no Rio, por outro, poucos dias depois do evento, como atesta Ramos (1996, p. 146), a temática foi praticamente esquecida “como se os problemas ambientais tivessem desaparecido de uma hora para outra”. O autor conclui, a contragosto, que com esse movimento da imprensa, ela acaba reforçando a tese que tomou conta dos grupos mais conservadores da sociedade brasileira, segundo a qual a ecologia não passa de um modismo. As conferências da Biosfera (Paris, 1968) e Meio Ambiente (Estocolmo, 1972) são marcos importantes da agenda ambiental na mídia e exerceram, sem dúvida, influência sobre alguns poucos profissionais. No Brasil, é o caso de Randau Marques, que chegou a ser preso pela Operação Bandeirantes, no auge do Regime Militar, por denunciar a contaminação de gráficos e sapateiros por chumbo, na cidade de Franca, berço dos curtumes paulistas. Ele, também, cobriu para o grupo Estado, de dezembro de 73 a março de 74, no Rio Grande do Sul, uma das grandes polêmicas ambientais: o fechamento da fábrica de celulose Borregaard, que estava poluindo o Rio Guaíba. Num texto sobre os fatos desse período, Villar (2001) escreve que a imagem mais forte da época não é a da chaminé lançando fumaça no ar, mas a foto, publicada em vários jornais, do estudante universitário Carlos Ayerel, em cima de uma acácia, tentando impedir o corte da árvore pela prefeitura, para a construção de um viaduto. Mídia e meio ambiente parecem se encontrar num momento crítico da história: o da crise dos modelos de desenvolvimento, calcados na exploração sem limites dos recursos naturais e no conseqüente esgotamento destes últimos. É nesse contexto que se consolida o processo de industrialização e a ocupação desordenada do espaço urbano, impulsionada pela expropriação camponesa, como garras afiadas do capital na materialização do círculo vicioso do lucro (Marx, 1998). As conseqüências sociais são imediatas, mas as ambientais demoram a aparecer. Só entram na pauta das lutas político-sociais no final dos anos de 1960. É quando a mídia, timidamente, primeiro na Europa, depois na América, se sente provocada pelo tema. A partir daí, o desenvolvimento dos meios de comunicação, segundo Maimon (1996), contribuiu, sobremaneira, para acelerar a consciência ambiental. Enfatizando tragédias como as de Seveso, Bhopal, Chernobyl, Basel, Césio 137 (Brasil), vazamentos de petróleo no mar, degradação da fauna e da flora, imagens e textos percorreram o mundo globalizando um sentimento comum de revolta e preocupação com o futuro do planeta. Se por um lado o interesse da mídia cresce à medida que a sociedade também se organiza e cobra ações mais equilibradas em relação ao meio ambiente, por outro temos o problema da qualidade do material que se mostra na TV ou se publica nos jornais ou na Internet. Os chamados sistemas de comunicação social, principalmente os de natureza privada e estabelecidos como redes nacionais, trazem, para a ordem do dia, uma manobra positivista, na expressão contiana do termo: o real mostrado por sua utilidade, precisão e segurança na afirmação dos modelos vigentes. Em outras palavras, ao revelar a extensão de tragédias ambientais, desmatamentos, poluição do ar e da água, não vão além da indignação e do apelo sensacional: a mudança de atitude reclamada não passa pela supressão da ordem nem pela transformação do modelo de progresso. Não importa o contexto, a fragmentação dos discursos, a espetacularização do trágico, como bem descreve Miura (2000), em sua monografia Os caminhos do Jornalismo Ambiental. Temos, então, uma cobertura viciada numa ética que não é a do cuidado (Boff, 1999), nem a da responsabilidade (Cavalcanti, 2001). Uma leitura, mesmo que apressada do material veiculado pela mídia impressa e pela televisão sobre a atual crise energética sugere, por exemplo, que 1) o discurso da crise foi “comprado” pelos meios de comunicação sem questionamentos. De uma forma geral, a proposta de racionamento foi encampada e reforçada com exemplos de desperdícios e, no contraponto, com a massificação de personagens aderentes; 2) não houve menção, direta ou indireta, nos grandes jornais e nas grandes redes de TV, às razões estruturais da crise, ou pelo menos a como ficou o sistema de distribuição de energia no País depois dos processos tão questionados de privatização; 3) passouse, por fim, a imagem da crise como conseqüência, apenas, de fatores climáticos, como a falta de chuva nas cabeceiras dos grandes rios. No bojo da crise energética, a Rede Globo de Televisão, através de seu principal telejornal – O Jornal Nacional – veiculou, no período de 27 a 31 de agosto (2001), uma série de cinco matérias entitulada: água – o bem mais precioso do mundo. A nota de abertura da série, lida pelo apresentador Willian Bonner, dizia o seguinte: A organização das Nações Unidas já previu: no século que está começando, a água será o bem mais precioso do mundo. Nesta semana, o Jornal Nacional vai mostrar por quê, numa série de reportagens especiais. Na primeira delas, o repórter Vinícius Dônola registra o desperdício sem limites que seca torneiras nos lares de milhões de brasileiros.1 A matéria, personalizada com vinheta produzida com a sobreposição de imagens de uso da água em diferentes situações, da abundância à carência, oferecia uma carga de números impressionante para traduzir uma realidade paradoxal: água existe, mas por que falta? A resposta se fazia acompanhar de imagens fortes: a culpa é do desperdício. Em meio a dramas e ameaças de racionamentos em grandes e pequenas cidades, o repórter parece convicto de sua descoberta e se ancora no recorte da fala de um professor da Cope: a quantidade de água perdida no Brasil daria para abastecer os países da França, Bélgica, Suíça e parte da Itália. A matéria termina com uma frase melancólica, lida em off pelo repórter: um bem cada vez mais raro que se perde pelo caminho. As matérias seguintes discutiram o papel dos esgotos na contaminação das águas, mostraram empresas que estão revendo sua posição de poluidora, como a CSN, apresentaram experiências de privatização dos serviços de água e esgoto com certa simpatia e destacaram como a Europa, especialmente a Inglaterra está cuidando desse “bem precioso”. A análise da série, embora nos faltem elementos de bastidores do processo de produção, importantes para a compreensão dos discursos elaborados, segue a mesma tradição crítica do início deste texto. Em primeiro lugar, mais uma vez fica evidente a superficialidade da 1 Transcrição de parte do texto da primeira matéria da série sobre água veiculada pelo Jornal Nacional, disponível, também, na Internet: www.redeglobo.globo.com/jn. As próximas transcrições serão apresentadas em itálico, no corpo do texto. discussão proposta: se os números convencem da existência do problema, o discurso é ingênuo em relação as causas: falta água porque há desperdício. Nessa perspectiva, a solução óbvia seria racionar. Não que o desperdício não seja um agravante, mas também não é a causa pura. Temos, ao longo da história da expansão capitalista, uma série de fatores que, com certeza, contribuíram muito mais para o agravamento desse quadro do que o desperdício. Outra observação que nos parece importante sobre o material veiculado é quanto à questão dos esgotos e da poluição das águas. O texto do repórter Vinícius Dônola, na segunda reportagem da série, afirma que 8% dos brasileiros não têm água encanada e que 47% não têm esgoto. Explica, ainda, que a meta do governo é levar esgoto para o País inteiro num prazo de 10 anos. Mas que para isso terá que gastar algo em torno de 44 bilhões de reais. O argumento da dúvida quanto à efetivação da meta não sai da boca do repórter, mas de um especialista, o diretor da companhia Águas do Amazonas: o setor público jamais terá condições de enfrentar esses 44 bilhões de reais e o setor privado também sozinho não enfrentará. O texto segue sem comentário algum sobre a fala. Quando apresenta mananciais contaminados em São Paulo (represa de Guarapiranga) e no Rio de Janeiro (Rio Guandu) a matéria cita esgotos domésticos e industriais, mas o exemplo que aparece é o de uma favela na zona Oeste do Rio: os moradores perfuram a tubulação com canos plásticos para “roubar” água tratada, o que acaba contaminando o produto antes de chegar ao consumidor. Não aparece, na matéria, nenhuma empresa poluidora. Da forma como o material é apresentado, a população é culpada por despejar esgoto bruto nas águas, por falta de saneamento. A responsabilidade do governo é dirimida na fala de outro especialista, o diretor da Companhia de Água e Esgoto do Rio: se a sociedade não fizer sua parte, as próximas gerações, ou até esta geração, terão problema na sua quantidade de água posta à sua disponibilidade. Mas o repórter, como que para compensar os “furos” de sua radiografia sobre o problema, encerra a matéria de quase 5 minutos, com uma quase advertência: investir na coleta do esgoto, no tratamento da água, também é uma questão de economia. Para cada real aplicado em saneamento, o País poupa de 4 a 5 reais em saúde. Dinheiro que hoje é gasto nos hospitais e que poderia ser investido no bemestar da nossa população. As matérias da série também apresentam características alarmistas, como técnica de reforço para chamar atenção do telespectador para a gravidade do problema. Assim, a água desperdiçada no Brasil daria para abastecer França, Bélgica e Suíça; em 30 anos, a previsão é que falte água para 5 bilhões e meio de habitantes da terra; especialistas acreditam que a gota d’água para a terceira guerra pode ser exatamente a falta de água; e os africanos estão assustados com a previsão de que em 25 anos, metade da população não terá água para viver. A série do Jornal Nacional ainda nos oferece outras possibilidades de análise e muitos questionamentos. No entanto, como exemplo da relação mídia-meio ambiente neste estudo nos pareceu oportuno e significativo. Baixando um pouco a guarda, é possível dizer, também, que as matérias apresentaram elementos positivos: chamaram atenção para o desperdício; para o papel que cada cidadão pode desempenhar no sentido de cuidar mais do meio ambiente, particularmente da água; para as experiências que estão sendo feitas no mundo de tratamento e cuidado com a água; e, por fim, para os riscos que todos estamos correndo de ficar sem esse “bem precioso”, segundo a ONU. A série foi exibida em meio a matérias sobre violência (seqüestros), corrupção, esportes e indicadores econômicos e sociais. Proporcionalmente, nos dois primeiros dias, ela ocupou o maior espaço no telejornal. Só perdeu em importância para a libertação da filha do empresário Sílvio Santos, que ficou oito dias em poder dos seqüestradores, num cativeiro em São Paulo. A leitura possível até aqui dessa relação é que, embora os temas ambientais interessem como notícia, a abordagem não avança da mera constatação e a crítica não atravessa fronteiras estruturais, onde interesses políticos e econômicos se organizam. Comunicação x Educação Ambiental Num documento prévio sobre a implementação da Convenção do Clima, Born (2000) escreve que para haver maior pressão social e política em torno do tema será necessário garantir, ao público, através da mídia, acesso à informação para a compreensão dos aspectos técnicos, institucionais e sociais. Reconhece, porém, que a chamada grande imprensa não tem desempenhado uma função continuada na questão da mudança do clima, mas acredita que assim como ocorre com outros setores da sociedade civil, a mídia também pode ser capacitada para tratar das questões ambientais numa perspectiva de sustentabilidade. Embora admita que os meios de comunicação de massa não tenham procurado, ao longo dos anos, traduzir a associação do homem com o meio em que vive, Ziggiatti (2000) destaca que a comunicação é essencial para a conscientização pública de segmentos da sociedade sobre como agir para a promoção do desenvolvimento sustentável. Enfatiza, também, que todos têm direito à informação e que a imprensa é a forma de democratizar a informação científica e tecnológica embutida nas questões ambientais. Para a autora, a mídia deve expressar a pluralidade de opiniões em matérias controversas e proporcionar um retrato não fragmentado da realidade. Os autores apresentados acima, embora seus textos não possam ser incluídos na categoria de científicos, oferecem elementos importantes para a reflexão que pretendemos desenvolver neste item sobre a importância dos sistemas de informação para a educação ambiental. Por um lado, há o reconhecimento do papel mobilizador dos meios e da necessidade de qualificar a informação para que ela funcione como instrumento de pressão; por outro, a afirmação de um direito inalienável do homem, que é o de ter/receber informações de natureza plural e não fragmentada. É nesse contexto que se impõe como missão da mídia a promoção ou massificação do conceito de desenvolvimento sustentável nos termos definidos no Relatório Brundtland, Nosso Futuro Comum (1987): busca simultânea de eficiência econômica, justiça social e harmonia ecológica. Em outras palavras, a exploração dos recursos naturais, os investimentos econômicos e o desenvolvimento tecnológico não devem comprometer a construção de um futuro justo, seguro e próspero, embasado na responsabilidade comum com o estado do Planeta. Esse ponto de vista resgata uma discussão antiga sobre o papel da comunicação de massa: informar, educar, entreter, persuadir, promover a integração individual e coletiva, na realização do bemestar social (BELTRÃO; QUIRINO, 1986). Pensar os meios de comunicação com uma função pedagógica, particularmente com relação ao meio ambiente, tem algumas implicações. Uma delas é estrutural. As grandes redes estão organizadas como indústrias e como tal buscam sobrevivência mercadológica dentro do sistema capitalista. Ainda que falem de meio ambiente e sustentabilidade, não perdem de vista o modelo que as sustenta: não se trata de transformar esse modelo, mas de fazer ajustes. É nessa direção que a chamada ética ambiental ganha corpo: sugere mudanças de comportamento individual e empresarial, ajusta a legislação, consolida os processos de certificação e, como não poderia deixar de ser, converte-se em oportunidade negócio (Maimon, 1996). Esta “nova consciência”, ao mesmo tempo que se constitui, para a mídia, numa ferramenta importante de massificação de conceitos como responsabilidade social, na qual se inclui, a questão ambiental, limita, por outro lado, a percepção crítica da realidade. Basta ver a série sobre a água produzida pela Rede Globo e já comentada aqui, no item anterior. Na “democratização” das responsabilidades, os mais fracos (favelados, moradores de baixa renda e comunidades ribeirinhas) são apontados como responsáveis pelo desperdício, pela contaminação da água e pela sujeira dos rios. As indústrias, que, na prática, são as grandes vilãs desse processo, não aparecem nominadas e se escondem sob o coletivo: indústrias. Uma outra implicação é a absorção e massificação de conceitos quase sempre de forma superficial. Foi assim com desenvolvimento sustentável, que viveu sua fase áurea na Rio-92, mas que nunca passou de uma frase de efeito, nas páginas informativas dos jornais e nos telejornais das grandes redes. O estudo de Ramos (1996), já mencionado neste trabalho, revela que as matérias publicadas no período da Conferência privilegiaram, apenas, o enfoque político-econômico da problemática ambiental, reduzindo a dimensão multidisciplinar da questão por ignorar os seus elementos sociais e científicos, longe de uma visão sistêmica do problema. Passou ao largo a idéia de entender desenvolvimento sustentável como uma crítica e uma proposta de superação do modelo que privilegiou a degradação da natureza e a exclusão social. O mesmo acontece, agora, com a noção de cidadania ecológica ou ecocidadania, que amplia a tradicional concepção de Marshall (1967), em que a garantia de direitos por um Estado forte é a garantia de uma vida digna. A ecocidadania, como explica Loureiro (2000), implica a clara noção de direitos, deveres e responsabilidades cívicos na busca de uma sociedade sustentável, o que envolve, segundo ele, o plano ideocultural e o político-econômico. Muito mais do que a simples idéia de cidadão, ecologicamente correto, vendida pela mídia. Há, ainda, implicações de natureza mais grave no campo da educação básica. Pesquisa recente realizada por Bortolozzi (1999) revela que boa parte das informações que os professores de escolas públicas recebem sobre meio ambiente vem da mídia, especialmente da televisão. Não que a mídia não possa ser fonte, mas a questão é como esse material é trabalhado em sala de aula. A tendência mais comum é ser repassado como verdade absoluta. Diga-se de passagem que a educação ambiental, pela nova LDB (1996), foi incluída nos chamados temas transversais e incorporada aos currículos de escolas públicas e privadas do ensino fundamental ao ensino médio. Para a ONU, num documento preparatório à Conferência sobre Meio Ambiente, citado por Dias (1993, p. 27), ...a educação ambiental deve permitir a compreensão da natureza complexa do meio ambiente interpretar a interdependência entre os diversos elementos que conformam o ambiente, com vistas a utilizar racionalmente os recursos do meio na satisfação material e espiritual da sociedade no presente e no futuro. E acrescenta: Para fazê-lo, a educação ambiental deve capacitar ao pleno exercício da cidadania, através da formação de uma base conceitual abrangente, técnica e culturalmente capaz de permitir a superação dos obstáculos à utilização sustentada do meio. O direito à informação e o acesso às tecnologias capazes de viabilizar o desenvolvimento sustentável constituem, assim, um dos pilares desse processo de formação de uma nova consciência em nível planetário, sem perder a ótica local, regional e nacional. O desafio da educação, nesse particular, é o de criar as bases para a compreensão holística da realidade. Retomando, mais uma vez, a discussão sobre a série produzida pela Rede Globo a respeito da água e considerando a pesquisa de Bortolozzi (2000), o cenário informacional não parece dos melhores, principalmente se levarmos em conta o conceito de educação ambiental expresso acima. Se a televisão é a fonte principal de informação dos professores, o conteúdo sobre água, para ficar no exemplo, será discutido sem criticidade e na perspectiva do veículo, ou melhor, dos interesses do veículo. A crítica feita até aqui não tem o objetivo de condenar os meios, mas, sim, de sugerir uma leitura mais atenta de jornais, revistas e programas de televisão antes de levá-los à sala de aula. Moran (1993, p. 37) explica que a comunicação é uma das dimensões da cidadania e que uma leitura crítica “não pode pretender, simplesmente, afastar-nos dos meios, mas procurar que a nossa participação seja a mais atenta, democrática e crítica possível em cada momento”. Para ele, a finalidade principal da educação para uma leitura crítica dos meios é... ...ajudar a desenvolver em cada um a percepção mais ativa, atenta, de acompanhamento consciente do que significa viver em comunhão com o mundo e conseguir formas de comunicação mais fortes, autênticas, expressivas, significativas, ricas que superem o reducionismo empobrecedor das formas convencionais de relacionamento (1993, p. 40). Segundo Moran, a atitude de ignorar os meios por parte dos educadores é profundamente simplista: eles estão aí com suas possibilidades e contradições. Não basta criticá-los ou desconhecê-los. O desenvolvimento de métodos que permitam uma leitura crítica dos meios de comunicação de massa deve ser estimulado, porque representa um elemento importante na busca de uma nova prática educacional. Educar para os meios, afirma, é reconhecer sua importância e sua não transparência pela complexidade de códigos, de representações e de interesses envolvidos, disfarçados na idéia de naturalidade e objetividade com que se relacionam com o público. Nesse sentido, ... o desenvolvimento da consciência crítica é uma forma de capacitação, capacitação para analisar, compreender os meios e a comunicação como um todo dentro da cultura da sociedade. Educação é capacitar, também, para a produção de novas relações comunicacionais e de novos produtos e meios ou formas de produzir esses meios e esses produtos. Educar para a comunicação pressupõe trabalhar todas essas dimensões de forma integrada e não estanque (1993, p. 4950). Começamos esse item discutindo as implicações da chamada função pedagógica dos meios de comunicação. Apontamos implicações de natureza estrutural, conceitual e outras específicas da educação, que exigem, do professor, capacitação para ler criticamente os meios – condição necessária para a formação de ecocidadãos. Outras, ainda, poderiam ser discutidas e/ou apontadas, como a desvinculação dos conteúdos do contexto histórico, político e social; da divulgação seletiva de temas ambientais, dificultando o acesso, da população, a informações importantes para o exercício da cidadania; do denuncismo pelo denuncismo, sem acompanhamento, fiscalização e/ou cobrança; e da sazonalidade das coberturas – matérias vinculadas a eventos. Cada uma dessas questões merece, sem dúvida, um tratamento mais apurado. Entretanto, para os objetivos deste trabalho consideramos suficiente as reflexões feitas até aqui. A intenção não é esgotar o assunto, mas fazer uma pequena provocação e deixar a porta aberta para novas possibilidades de estudo e pesquisa. Para além dos modelos: uma quase proposta A proposta, aqui, é discutir alguns aspectos da relação mídia-ciência ambiental numa Televisão de natureza pública – a TV Setorial, afiliada da Rede Brasil (TVE do Rio), com sede em Pindamonhangaba, no Vale do Paraíba (SP). O ponto de partida é a concepção de notícia que norteia o projeto denominado de “jornalismo cidadão”, que tem, entre suas preocupações, a divulgação da produção científica e tecnológica regional, num formato que ofereça possibilidades de redução da tensão tão comum nas relações entre jornalistas e pesquisadores. Diga-se de passagem que jornalismo cidadão é um conceito ainda em processo de construção. Há poucas pesquisas e publicações no Brasil sobre o assunto. A prática, contudo, tem revelado boas experiências nas tv´s de natureza comunitária, em alguns canais pagos como a GNT, a Rede Sesc Senac, programas terceirizados da Rede Vida e, mais recentemente, as inovações levadas a cabo pela Rede Cultura, com destaque para os telejornais exibidos só no Estado de São Paulo: Matéria Pública e Diário Paulista. O que caracteriza, em linhas gerais, o jornalismo cidadão é seu compromisso com a defesa dos direitos do cidadão e com a conseqüente melhoria da qualidade de vida daí decorrente. O foco, no caso da TV Setorial, é o aspecto pedagógico: “a informação, por si só, não forma cidadãos, mas se discutida, numa perspectiva ampliada e crítica, contribui para a construção da cidadania”2 . O conceito de cidadania, nesse contexto, não se restringe, também, à visão clássica dos “direitos civis, políticos e sociais,” mas avança no sentido de que, antes de mais nada, cidadania “é o direito a ter direitos.”3 . Essa visão conceitual muda a concepção tradicional de construção da notícia: a relação com as fontes parte (pelo menos em tese) de um compromisso, e as negociações que se desenvolvem são mais dialógicas, o que nem sempre acontece nos modelos convencionais. A experiência em andamento convida a comunidade a participar do planejamento semanal da emissora e discute com ela os possíveis encaminhamentos do que pode vir a ser notícia. No caso das questões ambientais, da ciência e da tecnologia, o modelo tem se revelado desafiador e produtivo. De um lado, porque o diálogo, independente do lugar em que aconteça, na televisão ou no laboratório da universidade ou instituto de pesquisa, tem como meta a busca de uma linguagem que, reconstruindo o discurso científico, não comprometa a qualidade deste nem se torne uma peça pouco atraente para o veículo; de outro, porque ao se “despir” de seus mistérios e porque ao se “despir” de seus mistérios e segredos técnicos, de seu pretenso saber comunicacional, e ao expor, de forma clara, seus limites e possibilidades, a televisão acaba “quebrando o gelo”, deixando o pesquisador mais à vontade e menos inseguro com relação ao que deve ou não comunicar. A TV tem se permitido, entre outras coisas, deixar que o cientista reporte o conhecimento que produziu, com ênfase para os aspectos mais práticos e com potencial de intervenção na realidade local. É o caso da parceria estabelecida com pesquisadores do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade de Taubaté. Em reuniões e palestras eles foram apresentados ao veículo: discutiram linguagem, formatos, estética, conteúdos e decidiram participar de uma experiência de divulgação científica para público leigo. Toda semana gravam um quadro de até 3 minutos apresentando pesquisas e projetos desenvolvidos no Departamento, tendo como público-alvo produtores rurais, criadores, empresários que investem no campo, tomadores de decisão. É cedo para avaliar audiência e retorno, mas pode-se afirmar: a) omodelotemsemostradomais eficientedoqueas relações convencionais jornalista-fonte; b) a tensão mídia-ciência, discutida já por vários autores,4 tem sido ressignificada: deixa de ser barreira para o diálogo e passa a ser encarada como possibilidade de encontro e aprendizado; c) a clareza do projeto reduz tensões subjetivas como a da vaidade, comuns nas duas comunidades – jornalistas e cientistas, uma vez que os papéis são pré-definidos e negociados; d) o projeto coloca na ordem do dia a amplitude do conceito de cidadania e considera a divulgação científica para público leigo uma tarefa do jornalismo cidadão. Há, ainda, dois outros projetos em andamento – um envolvendo a formação de profissionais (alunos do curso de jornalismo) para a produção de matérias sobre ciência e meio ambiente para a televisão; e o outro, a produção de documentários de natureza histórica sobre expedições científicas, museus, corrida espacial e produção de energia limpa. Todos, de alguma forma, se desenvolvem dentro dos modelos de produção negociada. A TV Setorial é administrada por uma fundação sem fins lucrativos. Presta contas ao Ministério Público e, por força de lei, não pode exibir comerciais apelativos. Não recebe subvenções dos governos Federal, Estadual e Municipal e é mantida, por enquanto, por patrocínios e apoios culturais. O quadro de funcionários é enxuto: são pouco mais de 20 entre jornalistas e técnicos e é a única TV, no Vale do Paraíba, que tem autonomia na grade de programação. No final do ano passado, a concessão que era provisória, foi renovada e a TV ganhou status de geradora – o que lhe permite controle absoluto sobre seus horários. Essas informações são importantes, no nosso ponto de vista, para contextualizar o ambiente em que as decisões de divulgar ciência e tecnologia são tomadas. No que tange à informação ambiental, a mídia tem dado destaque para os grandes acidentes que afetam o ecossistema. O caso da Petrobrás é um dos que mais aparecem nas telas da televisão e nas páginas de jornais e revistas. Porém, as queimadas, a venda ilegal de madeira, como foi o caso da venda de mogno, envolvendo até mesmo os índios do Pará, como sublinha o jornalista Lúcio Flávio Pinto (2001), não são tão divulgadas. O próprio Greenpeace e autoridades brasileiras às quais foram feitas as denúncias constataram numa operação realizada no ano passado, quando foram flagrados 20 mil metros cúbicos de mogno estocados em pátios dentro da reserva dos índios caiapós ou em jangadas que desciam o rio Xingu. As multas apliucadas às serrarias alcançaram seis milhões de reais. 2 Documento base que norteia a Linha Editorial da TV Setorial. 3 Idem. 4 Weingart, Collins, Krainz, Hernando, Urioste, Santos, Medeiros, entre outros. A devastação não pára. E o Estado não tem condições para inibir a depredação da natureza amazônica. Eron Brum (2001, p. 22) identifica três tipos de cobertura jornalística sobre questões ambientais: as matérias baseadas em denúncias; as que representam propostas de solução para problemas ambientais e a divulgação amena de assuntos como nichos ecológicos, parques e reservas florestais. O processo educacional global a que fomos e estamos todos sendo submetidos parece ter mantido uma cega ignorância no que tange aos valores do meio ambiente. Estamos habituados na inverídica e fantasiosa suposição da existência de um mundo estável, comportado, esquematizado, em que conhecimentos, problemas, valores, idéias, instituições, normas, desvios, tudo isso e muito mais, ocupem lugares certinhos, gavetas previamente preparadas e sabidas, intercomunicantes e logicamente dispostas. A criatura humana deve saber interpretar todo esse conjunto, compreendê-lo, aceitá-lo ou não, transformá-lo se quiser e puder. Como observa Rosa (1982, p. 16), o processo de educação global não atinge a todos. É necessário se criar uma “consciência crítica”, uma visão de mundo capaz de proporcionar mudanças na vida humana, na luta a favor da defesa do meio ambiente. CONCLUSÃO A título de conclusão, as observações e a vivência profissional nesse ambiente, mediando e tomando decisões, apontam para dois tipos de desafios: um de natureza teórica e outro de natureza prática. Do ponto de vista teórico, embora as experiências aqui expostas estejam em andamento, há pouco menos de um ano, já produziram um farto material que precisa ser discutido, analisado e pensado em seus limites e possibilidades. O conceito de jornalismo cidadão, embora amplo e aparentemente flexível, ainda é problemático em suas relações com a divulgação científica para público leigo. Talvez tenhamos, aí, um grande projeto de pesquisa. Do ponto de vista da práxis jornalística, a notícia como uma construção negociada num processo dialógico de micro-escolhas é algo novo, exige novas posturas, mais conhecimento, mais flexibilidade, mais compromisso. Divulgar ciência, nessa perspectiva, pode ser um rico exercício de cidadania. É importante acrescentar que o modelo aqui passado em revista ainda não foi de todo absorvido pela emissora e que os conflitos editoriais entre Departamento de Jornalismo e Direção não desapareceram com ele. A vantagem é que a democratização do planejamento também abriu, internamente, mais possibilidades de diálogo. Do ponto de vista, especificamente, da questão ambiental, acabamos de colocar no ar, não sem muita discussão, uma coluna semanal chamada “Zé do Paraíba” – um personagem caipira que tem como missão manter o telespectador atento aos problemas ambientais da região, entre eles, o Rio Paraíba. Há muito ainda por ser feito e por aprender. Não nos pareceu justo apontar falhas em modelos consagrados – dos quais já participamos como profissional e os referendamos em muitas ocasiões – e não oferecer um contraponto. É preciso dizer, contudo, que mesmo nas grandes redes de jornais e emissoras de televisão, apesar das críticas aqui feitas, coisas boas estão sendo realizadas. Há profissionais sérios e comprometidos, também, com a causa ambiental. A guerra mercadológica, a formação, as pressões políticas e econômicas são, sem dúvida, fatores limitantes e impeditivos de uma ação comunicacional mais eficaz. Entendemos, como Loureiro (2000), que a degradação ambiental é resultante de um complexo interativo de fatores políticos, econômicos, tecnológicos e culturais e que a dinâmica capitalista é a base estrutural dessa degradação. Nesse sentido, a ação ambientalista será mais eficiente se incorporar a prática da democracia e o exercício da cidadania plena e ecológica. A qualidade da vida, segundo o autor, depende de condições materiais e objetivas, da igualdade social e da distribuição de renda, que devem ser construídas a partir da reflexão sobre qual é o padrão de vida adequado para se alcançar a emancipação e a liberdade humana, em um planeta habitável e fora do risco de destruição. Os sistemas de informação, a nosso ver, têm um papel importante nesse processo. Observamos também que para uma análise crítica do papel da mídia na construção do conhecimento e sua interface com a educação ambiental faz-se necessário examinar a diversidade de matérias veiculadas, procurando-se evidenciar a forma como esses conteúdos foram absorvidas pelo público-alvo. A mídia deveria levar leitores e telespectadores a ter condições de, além de interpretar, incorporar valores da “consciência ambiental” ao seu cotidiano ou mesmo subsidiá-los com as próprias decisões. ABSTRACT The aim of this work is to offer a contribution to disccus about the environmental media relations. From a brief most recent literature review about the subject, and adding current examples of the treatment given by the great nets of communication to the environment themes. The text presents a critical perspective, that understands the means of communications as participants of a complex industrial chair, whose the main function, in the capitalist society, is to produce profit and, in consequence, to produce the system that supports it. The reflection is developed into three itens which complete themselves: a) an outline of the studies about environmental questions in the media; b) it is discussed the pedagogic functions of the media, their limits and possibilities; c) as a counterpoint to the other itens, it is presented a citizen journalism model, under construction, who aims to take his sustentation bases on democracy, participation, ethical commitment with the life in the planet. KEY-WORDS: media; ambient education; citizenship REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BELTRÃO, L.; QUIRINO, N. de O. Subsídios para uma Teoria da Comunicação de Massa. São Paulo: Summus Editorial, 1986. PINTO, L. F. O Comércio de Mogno. São Paulo, Folha de S. 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