Tratamento de câncer de mama na rede pública de saúde. André de Moura Soares - Defensor Público - e-mail: [email protected] O Instituto Nacional do Câncer – INCA1, define a enfermidade câncer como o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para outras regiões do corpo. Dividindo-se rapidamente, estas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores (acúmulo de células cancerosas) ou neoplasias malignas. Por outro lado, um tumor benigno significa simplesmente uma massa localizada de células que se multiplicam vagarosamente e se assemelham ao seu tecido original, raramente constituindo um risco de vida. Os diferentes tipos de câncer correspondem aos vários tipos de células do corpo. Por exemplo, existem diversos tipos de câncer de pele porque a pele é formada de mais de um tipo de célula. Se o câncer tem início em tecidos epiteliais como pele ou mucosas ele é denominado carcinoma. Se começa em tecidos conjuntivos como osso, músculo ou cartilagem é denominado sarcoma. Outras características que diferenciam os diversos tipos de câncer entre si são a velocidade de multiplicação das células e a capacidade de invadir tecidos e órgãos vizinhos ou distantes (metástases). O INCA dispõe de um “atlas estatístico2” sobre a incidência das diversas espécies de câncer que podem atingir o ser humano. A estatística é regionalizada e abrange o período compreendido entre 1979 e 1983 e 1995 e 1999. Nas mulheres a maior taxa de incidência é de câncer de mama, seguido do câncer de útero. Nos homens, a maior taxa de incidência é de câncer de traquéia, bronco e pulmões, seguido do câncer de estômago e próstata. Os dados se referem ao Distrito Federal, mas que guardam forte similitude com os dados nacionais. O câncer de mama acomete aproximadamente um milhão de mulheres a cada ano em todo o mundo, sendo a neoplasia mais freqüente na população feminina. No Brasil, onde o câncer de mama não é só o tumor mais freqüente, mas também aquele com a maior taxa de 1 2 http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=322 http://www.inca.gov.br/atlas/docs/distrib_prop_DF.pdf mortalidade em mulheres se estima que a doença tenha acometido quase 49 mil pacientes em 20063. Apesar de suas altas taxas de incidência, o câncer de mama é curável numa parcela significativa das pacientes, desde que a doença seja diagnosticada em uma fase precoce. Essa curabilidade vem sendo atribuída principalmente ao diagnóstico precoce pela mamografia e à eficácia do tratamento adjuvante com quimioterapia e tamoxifeno. Outro importante avanço recente foi a introdução do TRASTUZUMABE no tratamento adjuvante do câncer de mama. Em estudos randomizados que compararam tratamento quimioterápico convencional com ou sem o trastuzumabe, demonstrou-se que a adição desse anticorpo aumenta a sobrevida das pacientes de maneira significativa. O perfil de efeitos colaterais do trastuzumabe é bastante interessante, quando comparado ao dos quimioterápicos clássicos. O trastuzumabe pode causar febre e calafrios em alguns casos, mas estes efeitos são transitórios e raramente graves. Diferentemente dos quimioterápicos clássicos, o trastuzumabe não causa depressão medular, alopecia, náuseas ou vômitos. No Congresso da American Society of Clinical Oncology, em 20054, foram apresentados três grandes estudos randomizados sobre o trastuzumabe no tratamento adjuvante do câncer de mama precoce, e tais estudos foram a seguir publicados no New England Journal of Medicine. As mulheres que receberam o trastuzumabe tiveram risco de recidiva 46% menor que o das pacientes que não receberam o anticorpo. Após dois anos, a sobrevida livre de doença foi de 77,4% no grupo submetido à observação, e de 85,8% no grupo tratado com trastuzumabe. Houve uma redução de 24% do risco de morte. No San Antonio Breast Cancer Symposium, realizado em dezembro de 2005, novos estudos confirmaram o benefício do trastuzumabe no tratamento adjuvante do câncer de mama precoce. Voltando um pouco no tempo, encontra-se o denominado “documento de 5 consenso ” no tratamento de Câncer de Mama, emitido pelo Ministério da Saúde, em parceria 3 Fonte: http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2048/pdfs/mat%2015.pdf Importante ter em conta a data do estudo. 5 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Consensointegra.pdf 4 com o INCA6, que à época era dirigido pelo Sr. José Gomes Temporão, hoje Ministro da Saúde no Brasil. Lê-se no chamado documento de consenso o seguinte trecho: Internacionalmente, tem-se observado, em alguns países desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Holanda, Dinamarca e Noruega, um aumento da incidência do câncer de mama acompanhado de uma redução da mortalidade por esse câncer, o que está associado à detecção precoce por meio da introdução da mamografia para rastreamento e à oferta de tratamento adequado. Em outros países, como no caso do Brasil, o aumento da incidência tem sido acompanhado do aumento da mortalidade, o que pode ser atribuído, principalmente, a um retardamento no diagnóstico e na instituição de terapêutica adequada. Interessante, pois em 2004, quando já iniciados os testes mundiais com o TRASTUZUMABE, já se verificava redução de mortalidade nos países desenvolvidos, enquanto o Brasil seguia, como continua seguindo, o caminho inverso, o caminho da morte. O documento de consenso foi emitido, pois “o Ministério da Saúde, considerando a situação atual do câncer de mama no Brasil e percebendo a necessidade de definir as estratégias a serem priorizadas para o seu controle, a partir de um trabalho conjunto entre o Instituto Nacional de Câncer e a Área Técnica da Saúde da Mulher, com o apoio da Sociedade Brasileira de Mastologia, realizou, nos dias 13 e 14 de novembro de 2003, uma oficina de trabalho para discussão e aprovação de recomendações referentes ao controle do câncer de mama. Participaram, além de técnicos de diferentes áreas do Ministério, gestores, pesquisadores que atuam na área de controle de câncer e representantes de Sociedades Científicas afins e de entidades de defesa dos direitos da mulher”. No referido documento, datado do ano de 2003, o Ministério da Saúde já fez referência ao TRASTUZUMABE, deixando registrado que “há evidências recentes de aumento de sobrevida com utilização precoce de Trastuzumab associado à quimioterapia, em pacientes com tumores que superexpressam HER-2. No entanto, a sua utilização está condicionada a estudos de avaliação econômica a serem realizados pelo Ministério da Saúde”. (destaquei). Importante sublinharr: em 2003, quando a medicação trastuzumabe já sinalizava ser um potente meio de reduzir a taxa de mortalidade por câncer de mama, o Ministério da Saúde, 6 Vinculado ao próprio Ministério da Saúde. em documento de consenso7, indicava que, primeiro, deveriam avaliar os custos financeiros para definir se era vantajoso salvar a vida de inúmeras mulheres. Primeiro avaliar os custos econômicos para depois, só depois, avaliar os custos humanos. Em outras palavras, quando surgiu uma luz de esperança para milhares de mulheres acometidas de câncer de mama, o Ministério da Saúde condicionou o fornecimento do tratamento à viabilidade econômica. Voltando para 2005, a sinalização de que o trastuzumabe poderia salvar vidas se concretizou, mas salvar vidas de mulheres foi considerado inviável pelo Ministério da Saúde brasileiro. Em 2006, o Ministério da Saúde estimou 472.050 casos novos de câncer no Brasil. Destes, o carcinoma de mama foi o mais incidente em mulheres, com 48.930 casos novos e risco estimado de 52 casos a cada 100 mil mulheres8. Em 2007 a mídia divulgou que o câncer de mama estava atingindo os homens. O Grupo Brasileiro de Estudos de Câncer de Mama9 veiculou que “pouca gente sabe, mas os homens também desenvolvem o tumor de mama como as mulheres, embora a incidência da doença ainda seja considerada baixa (1% dos cânceres malignos), mas vem aumentando a cada ano. Geralmente este tipo de câncer acomete o homem de idade mais avançada, sendo mais freqüente na faixa etária de 50 e 60 anos, e representa apenas 0.6% de todos os outros tipos de câncer que atingem o homem”. Segundo estimativas do INCA (Instituto Nacional do Câncer), órgão especializado do Ministério da Saúde, os números de casos novos de câncer de mama esperados para o Brasil em 2008 era de 49,4 mil, com um risco estimado de 51 casos a cada 100 mil mulheres10. Infelizmente, a opção política do Ministério da Saúde foi no sentido de não “padronizar” o acesso ao medicamento na rede pública de saúde, sob o argumento de que o custo para salvar as vidas das mulheres acometidas pelo câncer de mama era muito alto, preferindo deixá-las ao sabor da própria sorte. O descaso e a omissão ainda persistem em 2009. Várias famílias enlutadas podem dimensionar a dor proporcionada pelo descaso coma vida humana. 7 8 Certamente as mulheres portadoras de câncer de mama não participaram de tal consenso. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2006: incidência de câncer no Brasil [texto na Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2005 [citado 2006 Set 6 ]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2006/versaofinal.pdf 9 http://www.gbecam.org.br/index.php?acao_noticias=noticia&acao=noticias¬icia_id=8&user=5dea95d82d5c4e4f b0bdfac53a73aec8 10 Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/04/080414_saudecancermama_np.shtml Para o oncologista Gustavo Ismael, do Departamento de Oncologia Clínica e Hematologia do Hospital Amaral Carvalho, em Jaú (SP), as novas terapias propiciam uma melhor qualidade de vida para as pacientes e maior possibilidade de cura, visto que os tratamentos tradicionais costumam ser interrompidos devido aos efeitos colaterais desagradáveis. Se houvesse uma padronização e melhorias nos diagnósticos, além de maior acessibilidade a essas novas tecnologias para a saúde pública, a mortalidade seria minimizada consideravelmente – enfatizou o médico ao ser entrevistado pelo Instituto da Mama do Rio Grande do Sul11. A medicação já foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, tendo registro válido até setembro de 2009, com o nome HERCEPTIN, licenciado em favor da empresa Roche Químicos e Farmacêuticos, conforme informações prestadas pela ANVISA nos autos 2008.01.1.05285-5, em trâmite perante a 5º Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, em ação movida por uma portadora de câncer de mama e vítima do descaso do Ministério da Saúde para com a vida de inúmeras mulheres. A Defensoria Pública do Distrito Federal está tentando garantir o medicamento para várias mulheres que sofrem com o câncer de mama e com o descaso do Ministério da Saúde para com a higidez física e com a vida de diversas mulheres, mas tem esbarrado na burocracia estatal. É um verdadeiro absurdo que um tratamento eficaz e com potencial de salvar inúmeras vidas não faça parte do protocolo de tratamentos do Ministério da Saúde, máxime diante da comprovada eficácia no tratamento de câncer de mama. É assustador saber que o Ministério da Saúde não atualiza os procedimentos terapêuticos de câncer há quase 10 (dez) anos, ou seja, não há avaliação de novas tecnologias em saúde na área de neoplasias há quase uma década e os muitos fármacos que tem eficácia comprovada não foram incluídos nos procedimentos custeados pela pasta ministerial que tem o dever de zelar para que todos tenham pleno acesso aos meios de recuperação da saúde. Não são apenas as pacientes portadoras de câncer de mama que são vítimas, outros tipos de neoplasias também não recebem o devido tratamento. Pior, além de não agir conforme o bom senso e a lei, o Ministério da Saúde, em 2007, alardeou que estava realizando estudos para inclusão do tratamento no protocolo de tratamento, confessando que a única dificuldade era financeira. A notícia causa perplexidade, pois o Ministério da Saúde confessa que poderia evitar 1/3 das mortes por câncer de mama, mas não o faz. Confira-se12: 11 Fonte: http://www.institutodamama.org.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=76&Itemid=2 12 http://www.inca.gov.br/releases/press_release_view.asp?ID=1422 O Instituto Nacional de Câncer (INCA) vai realizar uma pesquisa para avaliar a incorporação no Sistema Único de Saúde - SUS do medicamento trastuzumabe, comercializado com o nome de Herceptin, no tratamento de câncer de mama. O estudo é uma das prioridades da Rede Rio de Pesquisa Clínica, formada por instituições federais de saúde, que tem como objetivo realizar projetos na área de pesquisa clínica focados nas prioridades do SUS. O protocolo vai comparar a eficácia de um esquema terapêutico com 9 semanas de utilização do trastuzumabe, já avaliado em um estudo finlandês com o esquema padrão de tratamento com 52 semanas. Para a realização do projeto, o Ministério da Saúde, por meio do Fundo Nacional, vai liberar R$ 32 milhões. Um dos maiores entraves para a incorporação do medicamento no Brasil é o alto custo. Segundo pesquisas, o trastuzumabe pode reduzir em até um terço o número de mortes por câncer de mama, caso seja administrado em combinação com a quimioterapia em pacientes que tenham sido previamente submetidos à intervenção cirúrgica. Rede Rio de Pesquisa Clínica. Dentro da proposta da Rede Rio de Pesquisa Clinica, o INCA tem como papel criar e coordenar a pesquisa clínica em oncologia no Rio de Janeiro. A meta é contribuir para melhoria da infra-estrutura nas unidades parceiras e produzir conhecimento e melhoria na atenção oncológica. Entre os objetivos específicos estão adequar a infra-estrutura local nos hospitais federais participantes da rede para dar suporte às pesquisas clínicas (núcleo de gerenciamento de dados, farmácia, etc), oferecer curso de especialização e/ou treinamento em enfermagem e farmacêutico de pesquisa clínica e montagem de um sistema de informática para gerenciamento da Rede Rio/oncologia. Além do INCA, fazem parte da Rede Rio de Pesquisa a Fiocruz, Instituto de Traumatologia e Ortopedia, Hospital de Ipanema, Hospital dos Servidores do Estado e Hospital Nacional de Cardiologia de Laranjeiras. Apenas os pacientes tratados no INCA e nos demais hospitais citados na notícia estão recebendo a medicação. Os critérios de seleção dos pacientes que receberão a medicação não são claros, mas, no Brasil, infelizmente, não é irrazoável pensar que o tratamento está sendo recebido apenas pelos que tem alguma influência junto ao Governo Federal. Em outras palavras, se o paciente for amigo do rei, pode ser que seja tratado, se for um qualquer...sobra o triste destino de se tornar mais um número nas estatísticas de vítimas do câncer de mama e do descaso com a saúde pública. A inclusão do trastuzumabe no rol de procedimentos terapêuticos do Ministério de Saúde é urgente, pois do contrário, milhares de mulheres morrerão no aguardo de tratamento nos hospitais da rede pública em todo o País. Uma vida não pode ser medida na régua da expressão pecuniária, segundo se infere do texto constitucional, que garantiu o acesso aos meios de recuperação da saúde sem nenhuma ambigüidade ou condicionalidade, entendimento este que vem sendo abraçado pelo Poder Judiciário em diversas ações judiciais, muitas delas ajuizadas por intermédio da Defensoria Pública. A jurisprudência dos tribunais brasileiros já se pronunciou positivamente no sentido de ser o fornecimento do TRASTUZUMABE direito do cidadão acometido por câncer de mama. Confirase a ementa de alguns julgados: PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL. ATO COATOR EVIDENCIADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. SAÚDE. NEGATIVA ORAL DO ESTADO EM RELAÇÃO AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CÂNCER DE MAMA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. PRESENÇA DO PERICULUM IN MORA E DO FUMUS BONI IURIS NO MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE AÇÃO MANDAMENTAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. A incompetência do juízo não pode prevalecer, em face de se tratar de competência concorrente, ou seja, o Estado de Pernambuco quem deve tratar da problemática instaurada, fornecendo o medicamento pleiteado, vez que a União e o Município não possuem interesse no feito, sendo desnecessária a citação dos mesmos;. É claro o ato coator na presente demanda, pois o Estado não demonstrou nenhum interesse em proporcionar a agravada qualquer tipo de tratamento médico que possibilitasse uma melhora no quadro clínico da paciente;. O fornecimento do medicamento TRASTUZUMABE (HERCEPTIN) não pode ser negado a cidadã, vez que a mesma não tem condições de comprar tal remédio sem prejuízo de seu sustento, ou seja, o Estado de Pernambuco deve fornecêlo, para garantir que todos os meios médicos foram utilizados para resguardar a vida da paciente;. Os requisitos que permitem a concessão do efeito suspensivo ficaram evidenciados no mandamus, mas não foram apresentados no Agravo Regimental, portanto não há como se modificar a decisão prolatada;. Agravo Regimental improvido, à unanimidade de votos. (TJPE; AgRg 0174348-4/01; Recife; Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis; Rel. Des. Sílvio de Arruda Beltrão; Julg. 22/10/2008; DOEPE 05/12/2008); (G.N.) AGRAVO DE INSTRUMENTO. MUNICÍPIO DE LAGOA VERMELHA. CARCINOMA DUCTAL INFILTRANTE HERCEPTIN DE MAMA (TRASTUZUMABE). ESQUERDA. Ilegitimidade passiva FORNECIMENTO afastada diante DE da responsabilidade solidária entre a União, os Estados-membros e os Municípios, pelo fornecimento gratuito de tratamento médico a doentes, decorrente do próprio texto constitucional (CF, art. 23, II e art. 196). - Antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. Possibilidade, em casos excepcionais, de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Precedentes dessa Corte. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, VENCIDO DES. ROGÉRIO GESTA Leal. (TJRS; AI 70022549695; Lagoa Vermelha; Terceira Câmara Cível; Relª Desª Matilde Chabar Maia; Julg. 06/03/2008; DOERS 17/03/2008; Pág. 29); APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA MEDICAMENTO. INADMISSIBILIDADE DA RECUSA PELA ADMINISTRAÇÃO. O fornecimento do medicamento TRASTUZUMABE à apelada é de rigor, ante a proteção constitucionalmente prevista que se relaciona com o direito à vida e a dignidade da pessoa humana. Inaplicabilidade da Teoria da Reserva do Possível em matéria de preservação do direito ã vida e à saúde. Precedentes do STF e do STJ. Inteligência do artigo 196 da Constituição Federal. Recursos desprovidos. (TJSP; APL-Rev 787.905.5/9; Ac. 3270615; São João da Boa Vista; Nona Câmara de Direito Público; Rel. Des. Sérgio Gomes; Julg. 01/10/2008; DJESP 10/11/2008); (G.N.) AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. DEFERIMENTO. CONCESSÃO DE MEDICAMENTO IMPRESCINDÍVEL AO TRATAMENTO DE CÂNCER DE MAMA. URGÊNCIA EM VIRTUDE DA EXIST ÊNCIA DE METÁSTASE. REQUISITOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CARACTERIZADOS. IMPOSSIBILIDADE, POR ORA, EMALTERARA MEDICAÇÃO PLEITEADA. MULTA COMINAT ÓRIA. VIABILIDADE. FIXAÇÃO ADEQUADA. MEIO INIBIT ÓRIO DE OMISSÃO NA PRESTAÇÃO ADVINDA DE DECISÃO JUDICIAL. RECURSO DESPROVIDO. Portadora câncer de mama, com ocorrência de metástase no sistema linfático, deve fazer uso de medicamento mais moderno, na espécie herceptin 696mg (denominação genérica: Trastuzumabe), especialmente se tal medicação "segundo estudos recentes, confere redução no índice de recidiva em torno de 46% e na diminuição da mortalidadeem tornode 24%" (fl. 49), de acordo com o parecer médico. Logo, comprovada a verossimilhança das alegações e o periculum in mora na exordial da actio intentada pela agravada, inarredável é o deferimento da antecipação da tutela. A multa cominatória é "[.. ] um meio de coerção indireta que tem por fim propiciar a efetividade das ordens de fazer ou de não-fazer do juiz, sejam elas impostas na tutela antecipatória ou na sentença" (marinoni, Luiz guilherme. Tutela específica: (arts. 461, CPC e 84, CDC). São paulo: Revista dos tribunais, 2000. P. 105-106). Assim, sua minoração não é medida adequada à espécie, precisamente por inibir qualquer ato que importe na omissão da prestação advinda da decisão judicial. (TJSC; AI 2007.017830-4; Capinzal; Rel. Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho; DJSC 22/11/2007; Pág. 293). Assim, a negativa do Ministério da Saúde em autorizar o referido tratamento por meio do SUS nada mais é do que uma vã e leviana tentativa de se furtar de seus deveres constitucionais e que acaba por se mostrar, mesmo sob o ponto de vista econômico, contraproducente, haja vista que o custeio do tratamento em virtude de decisão judicial acaba por se mostrar mais dispendioso do que se fosse implantado sistema universal de tratamento13. Vale deixar expresso, no entanto, que a falta do tratamento não se dá por falta de recursos, mas por falta de vontade política. Em 2008, segundo dados obtidos no portal da internet denominado contas abertas14 pode-se verificar que a dotação orçamentária autorizada para gastos com o setor de saúde pública foi de 59.557.062.061, tendo sido empenhado 10.270.693.491 e pago apenas 3.961.201.725, perfazendo o percentual de 6,65% a relação % pago/dotação. Urge que tal fato seja levado ao conhecimento do público e que a população seja informada do descaso do Ministério da Saúde com as portadoras de câncer de mama. A dignidade humana não pode ser aviltada pela adoção de políticas públicas contrárias à dignidade humana e contrárias à Constituição Federal. 13 Tanto em razão dos custos inerentes à movimentação do Sistema de Justiça, como pelo fato de o custo de aquisição de medicamentos em pequena escala e sob regime de urgência ser muito mais elevado do que sob os tramites normais previstos na lei de licitações para aquisição de medicamentos em grande quantidade e sob o regime de ampla concorrência. 14 http://contasabertas.uol.com.br/siggo2008/siggo_programa_total.asp