RBTI / Artigo Original Complicações de Pacientes Obstétricas e Puerperais Admitidas em Unidade de Terapia Intensiva* Complications of Obstetric and Puerperal Patients Admitted to Intensive Therapy Unit. Felipe Nunes Vieira1, Elise Silva de Sousa1, Moisés do Carmo Bastos1, Flávia Nunes Vieira2, Norma Suely de Carvalho Fonseca2, Márcia Cristina Corrêa Vasconcelos2 SUMMARY BACKGROUND AND OBJECTIVES: Women’s death as a result of complications during pregnancy, miscarriage, childbirth and puerperium represent, in 90% of the cases, an unnecessary loss of human life. These complications have become major challenges for doctors at intensive care units, because these patients have been treated at ICU under non-specified care. This objective is describing the main clinical complications and shows the profile of morbidity among obstetric and puerperal patients hospitalized at the ICU. METHODS: A participatory and descriptive observation study was carried out with 26 patients between November 2004 and April 2005, by analyzing the patients’ medical records. To estimate the prognostic index, the APACHE II. Gravity scoring system was used. The data were registered in research protocol. RESULTS: The predominant age bracket was 23 to 29 years old, for 34% of the patients. Eighty one percent (81%) of the patients had gone through 1 to 3 pregnancies. The average time of hospitalization was 6 days. Sixteen of them (66%) had cesarean deliveries. The hypertensive syndromes represented 54% of all hospitalizations, while infectious causes with 27%. Help syndrome 32% and eclampsia 22% were the most common causes. Sixty one percent (61%) did not present comorbidity. According to the APACHE II results, the average for all cases was 11.57. Four patients died, three of them due to sepsis, and one caused by HELLP syndrome. CONCLUSIONS: Among the major complications, hypertensive illnesses had been the most prevalent one, and in relation to morbid-mortality, the death prognostic consisted of approximately 15% of the cases, observing a mortality rate of 15,38%. Key Words: APACHE, Complications, ICU, Pregnancy A morte de mulheres por complicações da gestação, aborto, parto e puerpério representa, em 90% dos casos, um desperdício de vidas1. O óbito materno é um dos mais sensíveis indicadores das condições de vida de uma população2 e reflete, principalmente, a desarticulação, desorganização e qualidade inadequada da assistência de saúde prestada à mulher durante o ciclo gravídico-puerperal, uma vez que a assistência pronta, oportuna e adequada pode evitar a maioria dessas mortes1,2. Anualmente, 515 mil mulheres morrem por complicações da gravidez, aborto, parto e puerpério, no mundo inteiro3. Hill e col.3, estimaram as taxas de mortalidade materna para todos os países do mundo, em 1995, com indicadores que chegavam a ultrapassar 1.000 mortes maternas para cada 100.000 nascidos vivos, em certos países da África, e atingiam níveis inferiores a 10 por 100.000 nascidos vivos para alguns países da América do Norte e Europa3. Do total, 99% das mortes maternas ocorrem em países em desenvolvimento4. No Brasil, os óbitos maternos correspondem cerca de 6% na faixa etária de 10 a 49 anos5, ocupando a oitava posição entre todas as causas de óbito feminino nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a nona na região Sul e a décima na Sudeste1,5. Os casos nos quais as gestantes ou as puérperas apresentam disfunções sistêmicas agudas, que, se não tratadas apropriadamente, poderiam resultar na sua morte, despontam como indicadores essenciais na avaliação das principais e mais graves doenças obstétricas6. Dentre todas as doenças que se manifestam ou se agravam no decorrer da gravidez, a hipertensão arterial é a mais freqüente, e aquela que se acompanha de maior morbimortalidade materna e perinatal7, incidindo em cerca de 7% a 10% de todas as gestações8. Distúrbios relacionados a ela são a segunda maior causa de mortalidade materna nos Estados Unidos8. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, a hipertensão na gravidez, é uma das principais causas de mortalidade, com cerca de 30% do total das mortes maternas, ao lado dos quadros hemorrágicos e infecciosos4,7. Segundo Ratton9, as unidades ou centros de tratamento intensivo constituem um avanço no cuidado do paciente grave, criticamente enfermo, porém com probabilidade de recuperação9. A difusão da assistência intensiva, especificamente obstétrica, ainda é utópica em nosso país; entretanto, movimentos e discussões iniciais para a criação das mesmas já são realidade em certas instituições de ensino, em algumas regiões do Brasil6. O que é mais comumente observado é a generalização da assistência intensiva por profissionais não especializados em intercorrências durante o ciclo gravídicopuerperal.10 A literatura existente sobre a necessidade de cuidados intensivos ou transferências para unidades de terapia intensiva em Obstetrícia ainda é escassa6. Mabie e Sibai11, descreveram 1. Graduando do Curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará. 2. Médica intensivista da Unidade de Terapia Intensiva da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará *Recebido da Unidade de Terapia Intensiva da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, Belém, PA Apresentado em 12 de setembro de 2005 – Aceito para publicação em 27 de outubro de 2005 Endereço para correspondência: Dr. Felipe Nunes Vieira – Av. Governador José Malcher, 2277/1802 – São Braz – 66060-230 Belém, PA – Fone: (91) 3266-8791, 8818-0967 e 9902-1278 – E-mail: [email protected] Volume 17 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2005 251 RBTI / Artigo Original recursos de aparelhagem técnica, fundamentais nestes tipos especiais de unidades11. Os mesmos autores ressaltaram ainda os benefícios específicos das unidades de terapia obstétricas, como a melhoria da assistência às pacientes, uma vez que observação rigorosa e organização possibilitariam não só a detecção precoce de doenças intercorrentes, mas também a sua profilaxia6,11. Em razão de cada óbito materno mascarar essas diversas intercorrências, a atenção está sendo voltada para a morbidade propriamente dita, para que esta assegure informações importantes para os programas sobre maternidade segura6. Pouca informação existe sobre os eventos maternos não-fatais, e estes podem representar diferentes padrões de intercorrências ou responder às intervenções de maneira diversa dos casos que resultam nos óbitos maternos12. O objetivo deste estudo foi pesquisar, buscar e descrever as complicações e mostrar o perfil de morbimortalidade de pacientes obstétricas e puerperais internadas na Unidade de Terapia Intensiva, expondo dados que busquem o aperfeiçoamento de cuidados intensivos deste grupo especial de pacientes. MÉTODO As pacientes inclusas nessa pesquisa foram estudadas segundo os preceitos da Declaração de Helsinque e do Código de Nuremberg, respeitando as Normas de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Res. CNS 196/96) do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi realizado após aprovação de projeto de pesquisa pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão de Medicina, pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos do Núcleo de Medicina Tropical / Universidade Federal do Pará, com conhecimento da instituição na qual foi realizada a pesquisa e pelas pacientes estudadas, por meio de termo de consentimento livre e esclarecido. Foi realizado um estudo observacional e descritivo com seguimento de 26 pacientes obstétricas e puerperais internadas na UTI Adulto, da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, no período de Novembro de 2004 a Abril de 2005. A avaliação foi feita por meio de acompanhamento direto às pacientes internadas com análise cuidadosa dos prontuários, incluindo evolução clínica e exames complementares. Os dados foram registrados em protocolo de pesquisa, constituído basicamente de dados de identificação, tipo de parto (vaginal, cesariana, aborto), histórico obstétrico, período de internação na UTI, causa de internação na UTI (diagnóstico sindrômico, causas obstétricas ou não-obstétricas), comorbidades, complicações e outros tópicos sobre a evolução de cada paciente. A morbimortalidade das pacientes obstétricas e puerperais foi analisada por meio de um escore de gravidade de doenças em terapia intensiva denominado Escore de Fisiologia Aguda e Avaliação de Saúde Crônica II (APACHE II) para verificar o índice prognóstico de cada paciente. O resultado deste índice para cada paciente indica a situação prognóstica dos casos relatados sendo que o escore APACHE II mais favorável é zero e, teoricamente o pior é 71. Esta pontuação por meio de uma equação de regressão logística é transformada em probabilidade de óbito obtida em porcentagem. Além dos resultados individualizados, foi 252 realizada a média aritmética dos resultados para se obter o índice de mortalidade geral das pacientes estudadas. Os resultados encontrados foram comparados com a literatura existente, para a obtenção da avaliação clínica dos casos pesquisados. Foram feitas análises estatísticas descritivas para avaliação do comportamento das variáveis encontradas. Estas estatísticas estão apresentadas em tabelas e figuras para melhor compreensão e os casos significativos estão assinalados com asterisco. As análises estatísticas presentes foram desenvolvidas no programa BioEstat 3.0 e os cruzamentos de variáveis, no Epinfo 2000. O teste do Qui-quadrado foi utilizado de acordo com a necessidade. Os dados obtidos foram armazenados e tabulados em Excel 2000 e submetidos a tratamento estatístico descritivo e analítico. RESULTADOS Durante os seis meses de pesquisa, 26 pacientes necessitaram de acompanhamento intensivo. Em relação à faixa etária das pacientes transferidas, a média de idade está em torno de 26 anos. Observou-se uma diferença significativa (p = 0,0056) entres os grupos etários a um nível de significância de 5% (0,05). (Figura 1). A média do tempo de internação das pacientes está em torno de seis dias. Nota-se que houve uma diferença significativa (p = 0,0091) no intervalo do tempo de internação (Tabela I). Figura 1 – Faixa Etária das Pacientes obstétricas FONTE: Protocolo de pesquisa Tabela 1 – Tempo de Internação das Pacientes Tempo de Internação 1 a 3 dias 4 a 7 dias 8 a 11 dias Acima de 11 dias Total Número de Pacientes 7 12* 5 2 26 % 27 46 19 8 100 FONTE: Protocolo de pesquisa * p ≤ 0,05 (Teste Qui-quadrado) Quanto à paridade, foi verificado que a maioria das pacientes haviam tido entre uma e três gestações, com média de duas gestações. Considerando o momento das transferências, houve quatro casos em que as pacientes foram transferidas após episódios de abortamento (17%). Foi verificado que 92,3% das transferências foram realizadas no período puerperal. Quando foi avaliado o tipo de parto, a cesariana representou 66% dos casos, enquanto o parto vaginal corresRBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva RBTI / Artigo Original pondeu a 17%. Notou-se diferença significativa (p = 0,0025) com nível de significativo de 5%. Entre as causas de internação, 54% (n = 14) eram de etiologia hipertensiva e 27% (n = 7), infecciosa (Tabela II), sendo que as causas obstétricas representaram 69% (n = 18) e as não-obstétricas, 31% (n = 8), com diferença significativa pvalor (p = 0,0025) com nível significativo de 0,05. Considerando as indicações específicas para as transferências, percebe-se que a síndrome Hellp e a eclâmpsia, destacam-se dentre as doenças hipertensivas, representando 46% e 31%, respectivamente. Dentre as causas infecciosas, infecção de parede abdominal (n = 3) e abortamento infectado (n = 2),foram as mais prevalentes. Apenas um caso de descolamento prematuro de placenta (síndrome hemorrágica) foi notificado. Para as outras causas das transferências, destaca-se a média de 31 para um caso de diabetes gestacional (Figura 5). Tabela 4 – Média do APACHE II para Causas Obstétricas de Origem Hipertensivas de Pacientes Obstétricas e Puerperais Internadas. Síndromes Hipertensivas Eclâmpsia DHEG Síndrome HELLP APACHE II (média) 12,25 12,00 9,67 FONTE: Protocolo de pesquisa Figura 3 – Média de APACHE II para as Causas Infecciosas de Internação de Pacientes Obstétricas e Puerperais Tabela 2 - Causas da Internação na Unidade de Terapia Intensiva Causas Síndrome hipertensiva Síndrome infecciosa Síndrome hemorrágica Outras Total Nº de Pacientes 14* 7 1 4 26 % 54 27 4 15 100 FONTE: Protocolo de pesquisa * p ≤ 0,05 (Teste Qui-quadrado) Analisando a presença de co-morbidades entre as pacientes internadas, foi verificado que 61% não as apresentavam, enquanto que 8% possuíam alguma cardiopatia. As outras pacientes apresentavam outras co-morbidades. A mortalidade materna encontrada neste estudo foi de 15%. Observou-se uma diferença altamente significativa entre a evolução das pacientes (p = 0,0009) ao nível significativo de 5% (0,05) (Tabela 3). FONTE: Protocolo de pesquisa Figura 4– Média de APACHE II para Outras Causas de Internação de Pacientes Obstétricas e Puerperais Tabela 3 – Evolução das Pacientes Obstétricas e Puerperais Internadas. Evolução Nº de Pacientes % Alta da UTI 22* 85 Óbito Total 4 26 15 100 FONTE: Protocolo de pesquisa * p ≤ 0,05 (Teste Qui-quadrado) Com relação aos óbitos das pacientes, 75% foram causadas por sepse e 25% por síndrome Hellp (Figura 2). Figura 2 - Causas de Óbito de Pacientes Obstétricas e Puerperais Internadas FONTE: Protocolo de pesquisa A média total de APACHE II encontrada foi de 11,57. As causas de internação na UTI de etiologia hipertensiva apresentaram média de 12,25 para eclâmpsia, 12 para DHEG grave e 9,67 para Síndrome Hellp (Figura 3). Para as causas infecciosas, a média do APACHE II foi de 16 para abortamento infectado e 12 para infecção de parede abdominal (Figura 4). Volume 17 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2005 FONTE: Protocolo de pesquisa DISCUSSÃO A internação de pacientes gestantes e puerperais em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é rara, contudo, dentre tais pacientes, apresenta elevada mortalidade13. As complicações que ocorrem intra e pós-parto, tanto obstétricas quanto nãoobstétricas se constituem em grandes desafios para os médicos assistentes de UTI, pois estas pacientes, criticamente doentes, na maioria dos hospitais, têm sido tratadas em UTI gerais sob cuidados de médicos intensivistas os quais têm a responsabilidade de trabalhar com uma diversidade muito grande de doenças14. A FSCM-PA é um hospital público estadual, com residência médica de referência em assistência materno-infantil, situado na cidade de Belém (PA), que presta assistência médica tanto à população local quanto a outros municípios do Estado do Pará registrando a maior concentração de aten- 253 RBTI / Artigo Original dimento do Estado do Pará nesta área, e, portanto, o mais indicado local para tal estudo. Os 26 casos estudados correspondem a todas as pacientes internadas na UTI desta Instituição de Saúde no intervalo de tempo descrito que apresentaram complicações nos períodos pré e pós-parto. As complicações apresentadas pelas pacientes foram as que comumente ocorrem nestas fases da gravidez e que são relatadas na literatura encontrada sobre o assunto. Estas afecções obstétricas podem ocorrer durante toda a idade reprodutiva15. O presente trabalho encontrou uma prevalência da idade média de 26 anos. Quanto à paridade das gestantes, foi observado uma média de duas gestações. Uma vez encontrados esses resultados, verifica-se que a predominância de complicações durante a gestação e no pós-parto aplica-se principalmente em mulheres jovens, previamente hígidas, que estão iniciando suas vidas reprodutivas, sem nenhuma relação com idade avançada ou multiparidade6,14, assim, ressalta-se a necessidade de atenção por parte dos tocólogos para este grupo de pacientes, a princípio, sem riscos para intercorrências. Quanto ao tempo de internação, pela média de dias encontrada pelo presente e por outros trabalhos, deduz-se que as unidades de terapia intensiva, apesar de, na maioria das vezes, terem que se adaptar a esse grupo de pacientes (obstétricas e puérperas), desempenham um trabalho eficiente e em um curto período de internação. Da mesma forma, o presente estudo reafirmou os resultados encontrados por Viggiano e col.6 com relação ao predomínio das transferências puerperais sobre as obstétricas. Por meio desses resultados, somos levados a refletir no momento do puerpério em que essas pacientes são transferidas, uma vez que o predomínio do encaminhamento no pós-parto imediato parece ter expressiva associação com a tentativa de resolução do fator obstétrico, desencadeador das disfunções sistêmicas, antes da transferência das pacientes para a UTI. A cesariana se mostrou predominante quando se avaliou o tipo de parto nos casos pesquisados. A cesariana constitui-se em um dos procedimentos cirúrgicos mais executados e debatidos na atualidade15. Ao longo do tempo, sua realização levanta uma série de questões que refletem sobre o futuro reprodutivo da mulher6,16. Embora este tipo de parto esteja associado a elevados coeficientes de morbimortalidade materna quando comparado ao parto vaginal15, interrupções bem indicadas e oportunas das gestações também podem contribuir de maneira importante para a redução do risco de óbito materno-fetal15,16. As causas de internação na UTI para esse grupo de pacientes foram agrupadas em diagnósticos sindrômicos e estes, em causas obstétricas e não obstétricas. Foi observado, que as síndromes hipertensivas e infecciosas foram responsáveis pela maioria das internações, reafirmando o trabalho realizado por Ramos14. Hazelgrove e col.17, verificaram que as doenças hipertensivas corresponderam à maioria dos casos, seguida das hemorrágicas17. O desfecho determinado pelas síndromes hipertensivas induzidas pela gestação deve continuar preocupando os obstetras, uma vez que o acompanhamento pré-natal adequado, a menção oportuna dos casos mais graves para serviços terciários e o conhecimento das condutas terapêuticas emergenciais destas intercorrências são essen- 254 ciais na tentativa de diminuir este grave e atual problema em Obstetrícia. O abortamento infectado foi a principal causa obstétrica infecciosa, concordando com Viggiano e col.6, porém divergindo de Ramos e col.14, que encontraram a principal causa infecciosa a endometrite puerperal14. Embora, nas últimas décadas, os casos infecciosos durante o ciclo gravídico-puerperal venham diminuindo18, nota-se que a assistência inadequada ao parto e, principalmente, as práticas ilegais de abortamento, ainda fazem parte da triste realidade assistencial deste pais6. É importante que haja o conhecimento por parte dos obstetras das condutas diagnósticas e, sobretudo, terapêuticas, para que seja idealizado o manejo correto dessas situações clínicas provenientes da gestação. Menos da metade das pacientes pesquisadas nesse estudo apresentavam alguma comorbidade associada demonstrando a pouca relação existente entre o estado de saúde prévio da paciente e a possibilidade da mesma de ser acometida por imprevistos complicados na gravidez e puerpério. A mortalidade materna encontrada neste estudo foi relativamente baixa (15,3%), quando comparadas a outras pesquisas. Viggiano e col.6 e Ramos e col.14 Porém, Hazelgrove e col.17 verificaram taxa de apenas 3,3% de óbito materno17. De acordo com AbouZahr e col.19, a mortalidade materna é um sensível indicador de iniqüidade, de acessibilidade a cuidados de saúde e da capacidade do sistema de saúde de responder às necessidades destas mulheres19. A assistência à saúde feita de forma tardia ou inadequada é responsável pela maioria dos óbitos ocorridos durante a gestação, parto e puerpério20. O conhecimento das particularidades da gestação e do bem-estar fetal, assim como o de algumas situações específicas da gestação, é fundamental no sentido de se reduzir a mortalidade das pacientes gestantes e puerperais internadas em Unidade de Terapia Intensiva13. É necessário haver uma vontade política de toda a sociedade para que se reduza, neste meio, a mortalidade materna nos casos realmente inevitáveis20. Os índices prognósticos analisados através do método APACHE II indicaram uma média total de 11,57. Hazelgrove e col.17 em pesquisa semelhante, observaram uma média de pontuação baixa para o APACHE II nos casos estudados, encontrando, portanto, uma baixa mortalidade17. Relataram que admissões em UTI de pacientes obstétricas e puérperas geralmente necessitam mínima intervenção e estão associadas à baixa taxa de mortalidade17. A taxa geral de mortalidade do presente estudo ainda não é a ideal. Contudo, o uso de escores de gravidade de doenças em terapia intensiva, como o APACHE II, é um bom discriminador de resultados de internações em UTI desse grupo de pacientes, no entanto, pode superestimar as taxas de óbito. Dessa forma, os dados encontrados nos fazem refletir se esses escores não possam necessitar de modificações, em pacientes obstétricas, para se ajustarem às respostas fisiológicas da gravidez. A necessidade de um acompanhamento intensivo e por pessoal treinado exige que pacientes graves sejam sempre referidos o mais precocemente possível para hospitais com UTI. O trabalho conjunto entre os médicos intensivistas e os obstetras devem ser sempre estimulado14. O que, dessa forma, parece a solução ideal, onde cada especialista poderia RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva RBTI / Artigo Original contribuir com suas noções diagnósticas ou terapêuticas para evolução adequada e satisfatória destes casos graves. O presente estudo procurou delinear o perfil da paciente obstétrica e puerperal atendida na UTI, definindo doenças e complicações mais freqüentes e avaliando sua morbimortalidade. A literatura revisada mostrou uma carência de estudos semelhantes que permitissem uma avaliação comparativa com outros centros. A maioria dos estudos revela situações críticas específicas como doença cardiovascular, choque séptico ou efeitos hemodinâmicos21. Acredita-se que sejam necessários mais trabalhos sobre este tema, prospectivos, com casuística ampliada, que comparem protocolos de transferências das pacientes obstétricas para as UTI, com vista a substituir o empirismo que ora reina em relação aos melhores caminhos para a tão desejada redução da mortalidade materna em nosso país. Acrescentamos que devam ser estimulados mais estudos relacionados às pacientes obstétricas na UTI, principalmente no Pará, pois desta maneira poderemos compreender melhor estas complicações graves e, a partir daí, traçar normas que nos auxiliem a diminuir os índices ainda não satisfatórios de morbidade e mortalidade destas pacientes, assim como, seremos capazes de obter estudos comparativos entre os resultados em dois momentos diferentes para concluirmos sobre alguma evolução no manejo da saúde em nossa região. CONCLUSÃO Dentre as principais complicações que levaram pacientes obstétricas e puerperais a internação na Unidade de Terapia Intensiva da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, no período de Novembro de 2004 a Abril de 2005, as doenças hipertensivas foram as mais prevalentes, com 54% dos casos, sendo que a HELLP síndrome e a eclâmpsia foram as principais causas de internação. Em relação a morbimortalidade, a média do APACHE II verificada entre todas as pacientes internadas foi de 11,57 (correspondendo aproximadamente 15% de probabilidade de óbito), observando uma taxa de mortalidade de 15,38%. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A morte por complicações da gestação, aborto, parto e puerpério representa, em 90% dos casos, um desperdício de vidas. Essas complicações constituem grandes desafios para os médicos intensivistas, pois estas pacientes têm sido tratadas em unidades de terapia intensiva (UTI) gerais sob cuidados não-específicos. O objetivo deste estudo foi descrever as principais complicações clínicas e mostrar o perfil de morbimortalidade de pacientes obstétricas e puerperais internadas em UTI. MÉTODO: Foi realizado um estudo observacional e descritivo com seguimento de 26 pacientes, no período de novembro de 2004 a abril de 2005, através de análise dos prontuários. Para estimar o índice prognóstico, foi utilizado escore Volume 17 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2005 de gravidade APACHE II. Os dados foram registrados em protocolo de pesquisa. RESULTADOS: A faixa etária predominante encontrada foi de 23 a 29 anos, com 34% das pacientes. 81% tiveram entre uma e três gestações. O tempo médio de internação foi de seis dias. Dezesseis pacientes (66%) realizaram cesariana. As síndromes hipertensivas representaram 54% do total de internações, enquanto as causas infecciosas, 27%. Síndrome HELLP (32%) e eclâmpsia (22%) foram as causas mais freqüentes. 61% não apresentavam comorbidade. A média do APACHE II para todos os casos foi de 11,57. Quatro pacientes evoluíram a óbito, sendo que três devido a sepse e uma, síndrome HELLP. CONCLUSÕES: Dentre as principais complicações, as doenças hipertensivas foram as mais prevalentes e, em relação a morbimortalidade, o prognóstico para óbito correspondeu aproximadamente 15%, observando uma taxa de mortalidade de 15,38%. Unitermos: APACHE, Complicações Obstétricas; UTI REFERÊNCIAS 01. Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Dossiê Mortalidade Materna. Disponível em: <http://www.redesaude.org.br/ dossies/html/ dossiemortmaterna .html>. Acessado em 15 de Março de 2005. 02. Belfort P - Mortalidade materna e qualidade de vida. GO Atual. 2000;6 03. Hill K, AbouZahr C, Wardlaw T - Estimates of maternal mortality for 1995. Bulletin WHO 2001;79:182-193. 04. Atrash HK, Alexander S, Berg CJ - Maternal mortality in developed countries: not just a concern of the past. Obstet Gynecol, 1995;86:700-705. 05. Ministério da Saúde/DataSUS: Banco de dados disponível em: <http://www. datasus.gov.br>. Acessado em 10 de Fevereiro de 2005. 06. 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