BRAZILIAN JOURNAL OF RHEUMATOLOGY REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA Official Organ of Brazilian Society of Rheumatology Órgão Oficial da Sociedade Brasileira de Reumatologia SEPTEMBER/OCTOBER 2011 • VOLUME 51 • NUMBER 5 SETEMBRO/OUTUBRO 2011 • VOLUME 51 • NÚMERO 5 ISSN: 0482-5004 EDITORIAL | EDITORIAL 408 410 Lupus clinical trials: medication failure or failure in study design Estudo clínico em lúpus: falha na medicação ou falha no desenho do estudo Morton Aaron Scheinberg ORIGINAL ARTICLE | ARTIGO ORIGINAL 412 417 IgA nephropathy in patients with spondyloarthritis followed-up at the Rheumatology Service of Hospital das Clínicas/UFMG Nefropatia por IgA em portadores de espondiloartrites acompanhados no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da UFMG Daniela Castelo Azevedo, Gilda Aparecida Ferreira, Marco Antônio P. Carvalho 423 428 Prevalence of clinical and laboratory manifestations and comorbidities in polymyositis according to gender Prevalência de manifestações clínico-laboratoriais e comorbidades na polimiosite segundo o gênero Fernando Henrique Carlos de Souza, Maurício Levy-Neto, Samuel Katsuyuki Shinjo 434 440 Immediate effect of the elastic knee sleeve use on individuals with osteoarthritis Efeito imediato da utilização da joelheira elástica em indivíduos com osteoartrite Flavio Fernandes Bryk, Julio Fernandes de Jesus, Thiago Yukio Fukuda, Esdras Gonçalves Moreira, Freddy Beretta Marcondes, Marcio Guimarães dos Santos 447 451 Correlation of fatigue with pain and disability in rheumatoid arthritis and osteoarthritis, respectively Correlação de fadiga com dor e incapacidade na artrite reumatoide e na osteoartrite, respectivamente Gilberto Santos Novaes, Mariana Ortega Perez, Maria Beatriz Bray Beraldo, Camila Rodrigues Costa Pinto, Reinaldo José Gianini 456 460 Prolactin, estradiol and anticardiolipin antibodies in premenopausal women with systemic lupus erythematosus: a pilot study Prolactina, estradiol e anticorpos anticardiolipina em amostra de mulheres pré-menopáusicas com lúpus eritematoso sistêmico: estudo-piloto Fabiane Tiskievicz, Elaine S. Mallmann, João C. T. Brenol, Ricardo M. Xavier, Poli Mara Spritzer 465 474 Study of the frequency of HLA-DRB1 alleles in Brazilian patients with rheumatoid arthritis Estudo da frequência dos alelos de HLA-DRB1 em pacientes brasileiros com artrite reumatoide Magali Justina Gómez Usnayo, Luis Eduardo Coelho Andrade, Renata Triguenho Alarcon, Juliana Cardoso Oliveira, Gustavo Milson Fabrício Silva, Izidro Bendet, Rufus Burlingame, Luis Cristóvão Porto, Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro REVIEW ARTICLE | ARTIGO DE REVISÃO 484 490 Therapeutic effects of exercise training in patients with pediatric rheumatic diseases Efeitos terapêuticos do treinamento físico em pacientes com doenças reumatológicas pediátricas Bruno Gualano, Ana Lúcia de Sá Pinto, Maria Beatriz Perondi, Hamilton Roschel, Adriana Maluf Elias Sallum, Ana Paula Tanaka Hayashi, Marina Yazigi Solis, Clóvis Artur Silva 497 503 Expression of complement regulatory proteins CD55, CD59, CD35, and CD46 in rheumatoid arthritis Expressão de proteínas reguladoras do complemento CD55, CD59, CD35 e CD46 na artrite reumatoide Amanda Kirchner Piccoli, Ana Paula Alegretti, Laiana Schneider, Priscila Schmidt Lora, Ricardo Machado Xavier CASE REPORT | RELATO DE CASO 511 514 Phlegmasia cerulea dolens in patient with systemic lupus erythematosus in the remote postpartum period Flegmasia cerúlea dolens em paciente com lúpus eritematoso sistêmico no puerpério remoto José Marques Filho 517 520 Septic arthritis due to Streptococcus bovis in a patient with liver cirrhosis due to hepatitis C virus – case report and literature review Artrite séptica por Streptococcus bovis em paciente com cirrose hepática devido ao vírus da hepatite C – relato de caso e revisão de literatura Ernesto Dallaverde Neto 524 527 Takayasu's arteritis in children and adolescents: report of three cases Arterite de Takayasu na infância e na adolescência: relato de três casos Ana Karina Soares Nascif, Marcelo Delboni Lemos, Norma Suely Oliveira, Paula Campos Perim, Ana Costa Cordeiro, Mariana Quintino LETTER TO THE EDITORS | CARTA AOS EDITORES 531 533 The presence of the Brazilian rheumatology in the GRAPPA A presença da reumatologia brasileira no GRAPPA (Group for Research and Assessment of Psoriasis and Psoriatic Arthritis) Cláudia Goldenstein-Schainberg, Roberto Ranza, Rubens Bonfiglioli, Sueli Carneiro, Valderilio F. Azevedo, José Goldenberg, Morton Scheinberg EDITORIAL Estudo clínico em lúpus: falha na medicação ou falha no desenho do estudo © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. heterogeneidade das manifestações do lúpus representa importante desafio para o desenho de estudos clínicos. O pleomorfismo das manifestações clínicas, a gravidade da doença, a influência da etnia na sua atividade e os obstáculos para a realização de estudos com amostras maiores dificultam a obtenção de significância estatística nos ensaios clínicos para novas terapias. Muitos desses estudos excluem pacientes com manifestações renais e do sistema nervoso central, na tentativa de detectar eficácia em estágios menos graves da doença. Neste editorial tecemos alguns comentários gerais sobre estudos recentes. O estudo EXPLORER arrolou 257 pacientes com lúpus extrarrenal e atividade variando de moderada a grave. Os pacientes foram randomizados para receber rituximabe e prednisona ou placebo e prednisona, tendo sido acompanhados por 78 semanas. Os desfechos primários e secundários do estudo não foram atingidos. O estudo LUNAR arrolou pacientes com nefrite lúpica comprovada por biópsia. O desenho geral foi semelhante ao do EXPLORER, e o sucesso foi definido como resposta renal em um ano. O uso do medicamento não teve impacto nos desfechos primários e secundários. O estudo The efficacy and safety of abatacept in patients with non-life-threatening manifestations of systemic lupus erythematosus: results of a twelve-month, multicenter, exploratory, phase IIb, randomized, double-blind, placebo-controlled trial (Eficácia e segurança do abatacepte em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e manifestações que não oferecem risco de morte: resultados de um estudo randomizado, multicêntrico, exploratório, fase IIb, duplo-cego, controlado com placebo, de 12 meses) avaliou o efeito de abatacepte na exacerbação da doença em um contexto de uso de glicocorticoides orais. Para serem incluídos na pesquisa os pacientes deveriam apresentar exacerbação de lúpus nos 14 dias anteriores à sua entrada no estudo e utilizar dose estável de prednisona inferior a 30 mg/dia. Foram tratados 175 pacientes: 118 randomizados para receber abatacepte e 57 para receber placebo. O estudo não a 410 mostrou diferença nas taxas de exacerbação para as categorias BILAG A e B.1 Belimumabe é um anticorpo monoclonal humano que inibe o fator estimulante de linfócitos B (B-lymphocyte stimulator – BLyS), e mostrou-se mais eficiente que placebo no tratamento de indivíduos com lúpus eritematoso sistêmico (LES) sorologicamente ativo. Análises de eficácia incluíram os índices de atividade da doença SELENA-SLEDAI, BILAG e SELENA-SLEDAI Flare Index (SFI). O desfecho primário ocorreu na semana 52, com melhora em várias aferições empregadas, inclusive a avaliação global pelo médico. O sucesso de belimumabe em 52 semanas (BLISS-52) pode ter resultado de uma nova subanálise em subpopulação de pacientes que melhorou com o tratamento. A maioria dos pacientes mostrou estar na categoria “B” quanto à atividade da doença, o que significa que tinham mais autoanticorpos, inclusive títulos mais elevados de anti-DNA e níveis mais altos de imunoglobulinas séricas. Considerações gerais importantes Estudos futuros poderiam analisar se existe um racional científico para que a avaliação de eficácia de tratamento enfoque a redução do número de exacerbações versus a diminuição persistente da atividade da doença. Pacientes com LES e exacerbações periódicas podem diferir daqueles com lúpus cronicamente ativo. Pacientes com LES de grupos raciais diferentes podem apresentar patologias e condições diferentes, com um único paciente apresentando diferentes variações ao longo do tempo. Os estudos futuros devem dar especial atenção à etnia como um fator que pode afetar o desfecho. O tamanho do estudo também é um importante desafio. Em geral, quanto maior o estudo, maior a probabilidade de se perder um efeito terapêutico nas análises. Por fim, um pequeno estudo pode obter êxito e resultados estatisticamente significativos. Outros pontos a se considerar são tempo de doença, atual envolvimento de órgãos específicos e tratamentos anteriores. Por fim, a Rev Bras Reumatol 2011;51(5):408-411 EDITORIAL definição de melhora dos desfechos usada em estudos deveria ser aceita universalmente como a melhor disponível. Controvérsias em torno do uso do índice BILAG baseiam-se em uma abordagem de intenção de tratar de acordo com uma extensa série de critérios para classificar pacientes com manifestações de LES surgindo em diferentes sistemas de órgãos. Há limitações com o uso do índice BILAG isolado; por exemplo, o uso de BILAG B como medida de desfecho de atividade lúpica deveria ser considerado simultaneamente ao uso de outros índices.2 auxiliar na discriminação entre falha medicamentosa e falha no desenho do estudo. Morton Aaron Scheinberg, PhD Clínico e Reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein Diretor científico e Coordenador de Pesquisa Clínica do Hospital Abreu Sodré – AACD Professor Llivre-Docente em Imunologia pela Universidade de São Paulo – USP PhD em Imunologia pela Universidade de Boston REFERENCES REFERÊNCIAS 1. CONCLUSÕES Considerando-se o sucesso dos estudos sobre artrite reumatoide (AR), seria de se esperar que o mesmo acontecesse com o LES, mas isso não se mostrou verdadeiro. Espera-se que possamos aprender com os nossos erros atuais e criar novos e diferentes elementos de desenho clínico, assim como que as considerações aqui esboçadas para estudos futuros possam Rev Bras Reumatol 2011;51(5):408-411 2. Merrill JT, Burgos-Vargas R, Westhovens R, Chalmers A, D’Cruz D, Wallace DJ et al. The efficacy and safety of abatacept in patients with non-life-threatening manifestations of systemic lupus erythematosus: results of a twelve-month, multicenter, exploratory, phase IIb, randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Arthritis Rheum 2010; 62(10):3077-87. Peirce A, Lipsky P, Schwartz BD. Mitigate Risk and Increase Success of Lupus Clinical Trials - Design strategies from a Lupus Research Institute conference. The Rheumatologist, August 2010. Available from: www.the-rheumatologist.org/details/article/863303/Mitigate_ Risk_and_Increase_Success_of_Lupus_Clinical_Trials.html. 411 ARTIGO ORIGINAL Nefropatia por IgA em portadores de espondiloartrites acompanhados no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da UFMG Daniela Castelo Azevedo1, Gilda Aparecida Ferreira2, Marco Antônio P. Carvalho2 RESUMO Objetivo: Determinar a frequência das glomerulonefrites nos pacientes espondiloartríticos acompanhados em Serviço de Reumatologia Brasileiro e avaliar variáveis clínicas correlacionadas. Pacientes e métodos: Os pacientes foram avaliados quanto às características sociodemográficas, tipo de espondiloartrite, tempo e atividade da doença, uso de anti-inflamatórios não esteroides, presença do HLA-B27, níveis de creatinina e ureia séricas, presença de comorbidades e presença de hematúria e/ou proteinúria. Os pacientes com hematúria foram submetidos à pesquisa de dismorfismo eritrocitário, e aqueles com proteinúria submeteram-se à quantificação da proteína na urina de 24 horas. Biópsia renal foi indicada para aqueles com hematúria de origem glomerular e/ou proteinúria maior que 3,5 g. Resultados: Foram avaliados 76 pacientes. A alteração mais frequente no exame de urina de rotina foi a hematúria microscópica (44,7%), geralmente intermitente e em amostra isolada de urina durante o seguimento do paciente. Em oito (10,5%) dos pacientes a hematúria sugeriu origem glomerular. A biópsia renal foi realizada em cinco deles, e mostrou nefropatia por IgA em quatro (5,3%) e doença da membrana fina em um paciente. Conclusões: Notou-se alta frequência de alterações no exame de urina desse subgrupo de pacientes, assim como alta prevalência de nefropatia por IgA. Apesar de mais estudos sobre o assunto serem necessários para melhor esclarecimento desses resultados, a realização periódica de exames de urina deveria ser recomendável. Palavras-chave: glomerulonefrite, espondiloartropatias, glomerulonefrite por IgA, hematúria. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A pesquisa de glomerulonefrites (GNF) nos pacientes acometidos por espondiloartrite (EPA) não é uma recomendação rotineira.1,2 Apesar disso, tem sido mencionada maior frequência de acometimento renal nas EPA.3,4 Os tipos de acometimento citados são amiloidose renal, nefropatia relacionada aos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), GNF extracapilar relacionada aos agentes antifator de necrose tumoral (anti-TNF), GNF membranosa e GNF com depósitos mesangiais predominantes de IgA.3-15 Há ainda uma hipótese de que a nefropatia por IgA e a espondilite anquilosante poderiam compartilhar mecanismos etiopatogenéticos.16 As GNF englobam grande variedade de alterações imunomediadas que causam inflamação predominantemente no glomérulo renal. São a segunda causa de insuficiência renal terminal no mundo.17 Sua apresentação clínica tem como constante a presença de proteinúria e/ou hematúria, que Recebido em 10/6/2010. Aprovado, após revisão, em 01/7/2011. Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse. Comitê de Ética: ETIC 086/07. Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG; Departamento do Aparelho Locomotor e Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina da UFMG; Pós-graduação em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto da Faculdade de Medicina da UFMG; áreas de concentração em Reumatologia. 1. Mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG; Médica Especialista em Reumatologia 2. Professor Adjunto Doutor da Faculdade de Medicina da UFMG Correspondência para: Daniela Castelo Azevedo. Hospital das Clínicas da UFMG. Serviço de Reumatologia, Ambulatório Bias Fortes. Alameda Álvaro Celso, 175, 2° andar – Santa Efigênia. CEP: 20130-100. Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2011;51(5):412-422 417 Azevedo et al. pode ser ou não acompanhada de outros sintomas ou sinais clínicos.18 Diante dessas constatações, pretende-se estudar a prevalência das GNF nos pacientes acometidos por EPA acompanhados no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), além de tentar correlacionar a presença da mesma com o tempo de doença, com as características e com o grau de atividade das EPA. PACIENTES E MÉTODOS Foram avaliados pacientes com EPA segundo os critérios do Grupo Europeu para o Estudo das Espondiloartropatias,1 maiores de 18 anos de idade, acompanhados no Ambulatório de Espondiloartrites do Serviço de Reumatologia do HC/ UFMG há pelo menos um ano, durante o período de setembro de 2007 a fevereiro de 2009. Nesse ambulatório é praxe pedir exame de urina de rotina a cada consulta. A presença de hematúria e/ou proteinúria foi levantada inclusive em exames de urina de rotina pregressos. Foi considerada hematúria a presença de mais de duas hemácias por campo de maior aumento no exame de microscopia óptica do sedimento urinário ou uma fita reagente positiva,19-21 e proteinúria o exame de urina de rotina com os testes semiquantitativos positivos para proteína ou proteinúria maior que 150 mg/dL na urina de 24 horas.22 Os pacientes com exame de urina alterado, no caso de hematúria, foram submetidos à sedimentoscopia e pesquisa de dismorfismo eritrocitário em laboratório de referência (possível tecnicamente nos pacientes com pelo menos nove hemácias por campo de maior aumento no exame de microscopia óptica). No caso de proteinúria, foram submetidos à quantificação da mesma na urina de 24 horas. Além da avaliação quanto às alterações no seu exame de urina, os pacientes foram avaliados quanto a características sociodemográficas e econômicas; características da EPA (tempo de doença a partir do diagnóstico, atividade da doença naqueles pacientes com predomínio do acometimento axial pelo índice BASDAI – Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index);23 medicamentos usados para o tratamento, e, no caso do uso de AINEs, tempo do uso do mesmo; positividade para o HLA-B27 (por qualquer método de investigação laboratorial); avaliação da função renal (creatinina e ureia séricas); atividade inflamatória (dosagem de proteína C-reativa), e diagnóstico de comorbidades clínicas, sobretudo hipertensão arterial sistêmica (HAS), definida pelos critérios do Joint Committee on Detection, Evaluation and Treatment 418 of High Blood Pressure – JNC VII,24 e insuficiência renal crônica (IRC), definida como a fração de filtração glomerular menor que 60 mL/min/1,73 m² por três meses ou mais. Outras comorbidades relevantes descritas em prontuário médico também foram consideradas. Biópsia renal guiada por ultrassom foi indicada para os pacientes em que a hematúria foi confirmada pelo exame do sedimento urinário e sugeriu origem glomerular (cilindros hemáticos e/ou 80% ou mais das hemácias dismórficas) e/ou encontrou-se proteinúria isolada maior que 3,5 g na urina de 24 horas, já que essa é definida como proteinúria nefrótica e indica fortemente a presença de glomerulopatia.18 A biópsia renal foi contraindicada nos pacientes com diátese hemorrágica incorrigível, rins menores que 9 cm ao ultrassom de vias urinárias, HAS grave a despeito do uso de anti-hipertensivos, cistos renais bilaterais e múltiplos, neoplasia renal, hidronefrose, infecção renal ou perirrenal não tratada, pacientes pouco cooperativos, pacientes que se recusaram a se submeter ao procedimento. Os critérios de exclusão foram pacientes que não concordassem participar do estudo e menores de 18 anos. O teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher foram usados para avaliar as variáveis categóricas. Já para as contínuas, aplicou-se o teste t de Student, se apresentassem características de normalidade, e, caso contrário, empregou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Para todas as análises foi considerado nível de significância de 5% (P < 0,05). A análise estatística foi realizada com o auxílio do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS®) versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (parecer nº ETIC 086/07) e pela Diretoria de Ensino, Pesquisa e Extensão do HC/UFMG (processo nº 142/2006). RESULTADOS Foram avaliados 76 pacientes com EPA. As principais características desses indivíduos podem ser vistas na Tabela 1. Dentre os pacientes estudados, foi possível pesquisar o HLA-B27 em 51, sendo positivo em 33 deles (43,4%). A média do BASDAI encontrada, que varia de zero a dez, foi de 3,86 ± 2,06, com mínimo de zero e máximo de 7,64. A proteína C-reativa também foi medida, com o intuito de contribuir para a avaliação da atividade da doença; sua mediana foi 6, sendo os percentis 25 e 75, respectivamente, 3 e 19,6. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):412-422 Nefropatia por IgA em portadores de espondiloartrites acompanhados no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da UFMG Tabela 1 Características da população estudada N (%) Gênero Masculino 49 (64,5) Idade Média = 42,7 anos; mínima 22, máxima 75 Brancos 53 (69,7) Remuneração mensal < 3 salários mínimos 68 (89,5) Anos de estudo Mediana = 8 Comorbidades HAS IRC Diabetes mellitus Sorologia positiva para HIV Hepatopatia 29 (38,2) 2 (2,6) 2 (2,6) Zero 1 (1,3) Medicamentos usados para o tratamento da EPA AINEs Corticoide oral Metrotrexato Sulfassalazina Inibidor de anti-TNFα 63 (82,9) 34 (44,7) 26 (34,2) 1 (1,3) 1 (1,3) Prevalência dos tipos de EPA Espondilite anquilosante Espondiloartrite indiferenciada Artrite psoriásica Artrite reativa Artrite das doenças inflamatórias intestinais 47 (61,8) 11 (14,5) 11 (14,5) 4 (5,3) 3 (3,9) Manifestações clínicas articulares e extra-articulares associadas Entesite calcaneana Uveíte anterior Coxartrose Dactilite Fibrose pulmonar Piúria estéril 38 (50) 29 (38,2) 21 (27,6) 9 (11,8) 1 (1,3) 1 (1,3) EPA: espondiloartrite; HAS: hipertensão arterial sistêmica; IRC: insuficiência renal crônica; AINEs: anti-inflamatórios não esteroidais. Com relação ao tratamento medicamentoso, a maioria dos pacientes estudados (82,9%) estava em uso de AINEs, em média 6,5 ± 6,2 anos, havendo uma variação no uso de zero a 29 anos. A hematúria microscópica foi detectada nessa amostra em pelo menos um exame de urina de rotina em 34 indivíduos (44,7% da amostra), e em mais de uma ocasião em 22 indivíduos (28,9% dos casos). Nos pacientes com hematúria em mais de uma ocasião, essa mostrou-se intermitente na maioria dos casos (22,4%), ou seja, não era detectada em todos os exames de urina. A hematúria contínua ocorreu em apenas cinco pacientes (6,5%). A hematúria macroscópica foi menos frequente que a micro, ocorrendo em 13 pacientes (17,1%). Dos 24 pacientes analisados quanto à presença de dismorfismo eritrocitário, oito (10,5%) apresentaram mais de 80% das hemácias com alterações dismórficas. Desses oito pacientes, conseguiu-se realizar a biópsia renal em cinco, já que três se recusaram a realizar o exame. Os resultados histopatológicos foram: quatro (5,2%) com nefropatia por IgA e um com a doença da membrana fina (hematúria familiar benigna). As características dos pacientes portadores de nefropatia por IgA estão expostas na Tabela 2. Outras causas de hematúria encontradas, que não GNF, foram nefrolitíase (cinco pacientes (6,5%), dos quais um também tinha nefropatia por IgA); um paciente com rim policístico e outro paciente com hematúria de origem ginecológica, cada um desses representando 1,3% do total. Em 20 pacientes (26%) a etiologia da hematúria permaneceu indeterminada. A proteinúria foi incomum na amostra estudada, sendo detectada em apenas três pacientes (3,9%), dos quais dois com proteinúria superior a 3,5 g em 24 horas. Esses três pacientes também apresentavam hematúria. Não houve pessoas com proteinúria isolada. Tabela 2 Características dos pacientes submetidos à biópsia renal com diagnóstico de nefropatia por IgA Pacientes 1 2 3 4 Gênero Masculino Masculino Masculino Masculino Idade 36 43 33 44 Tipo de EPA Artrite reativa Espondilite anquilosante Espondilite anquilosante Espondilite anquilosante Duração da EPA (anos) 16 27 9 19 HLA-B27 Positivo Positivo Positivo Positivo Creatinina (mg/dL) 1,01 2,85 0,6 0,8 Proteinúria 24 horas (mg/dL) 300 2.350 173 1.900 HAS Não Não Sim Não EPA: espondiloartrite; HAS: hipertensão arterial sistêmica. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):412-422 419 Azevedo et al. A presença de hematúria não esteve associada ao tipo de EPA (P > 0,20), bem como à atividade de doença, seja aferida pelo PCR (P = 0,954), seja pelo BASDAI (P = 0,251). Não houve também associação entre a positividade do antígeno HLA-B27 e a presença de hematúria (P = 0,251). Não se encontrou associação estatisticamente significativa entre hematúria microscópica e IRC (P = 1), HAS (P = 0,81), proteinúria (P = 0,85) e aumento dos níveis séricos de creatinina (P = 0,40). O uso de AINEs nessa amostra não se associou positivamente com o aumento dos níveis séricos de creatinina (P = 0,318), nem mesmo quando se levou em consideração seu tempo de uso (P = 0,582). Também não houve associação estatisticamente significativa entre o uso de AINEs e a presença de IRC (P = 0,31), hematúria (P = 1), proteinúria (P = 0,74) e HAS (P = 1). DISCUSSÃO O presente trabalho avaliou a frequência das GNF nos pacientes acometidos por EPA acompanhados no Serviço de Reumatologia do HC/UFMG, em Belo Horizonte, Minas Gerais. As características clínicas dos pacientes avaliados não diferem, em geral, do que é relatado na literatura.1,25-33 O gênero masculino foi o mais prevalente. Houve predominância da espondilite anquilosante entre o grupo, seguida da EPA indiferenciada e artrite psoriásica. Estudos mais recentes mostram uma inversão dessa relação, com maior prevalência da EPA indiferenciada com relação à espondilite anquilosante.28 Houve maior frequência de entesite calcaneana entre as manifestações associadas, e de uveíte anterior entre as manifestações extra-articulares. A positividade para o HLA-B27 foi de 43,4% na população estudada. Infelizmente, a comparação desse dado com outras populações é difícil porque a maioria dos trabalhos avalia a frequência desse antígeno em pacientes com espondilite anquilosante, e não no grupo de EPA.34,35 Este estudo mostrou alta frequência de alterações no exame de urina dos pacientes com EPA. A alteração mais comumente encontrada foi a hematúria microscópica em uma única ocasião, que ocorreu em 34 pacientes (44,7%). Em 22 desses pacientes (28,9%) a hematúria foi evidenciada em duas ou mais amostras de urina, dos quais 17 (22,4%) apresentavam hematúria intermitente, não ocorrendo em todos os exames de urina. Hematúria contínua foi encontrada em apenas cinco pacientes (6,5%). A alta prevalência de hematúria nessa população pode ter sido consequente à definição de hematúria usada 420 na metodologia (de duas ou mais hemácias por campo), que privilegiou a sensibilidade do exame, pois o objetivo inicial era triar os pacientes para a realização da sedimentoscopia e dismorfismo eritrocitário em laboratório de referência. Na população geral, a prevalência de qualquer hematúria (única, intermitente ou contínua) varia de 0,18% a 16,1%; é relativamente comum no adulto e geralmente não indica a presença de doença, sendo com frequência um achado incidental.19,36-39 Pode ocorrer, por exemplo, como consequência de exercício físico, de ato sexual nos dois dias precedentes à coleta da amostra e de uso de anticoagulantes. As causas patológicas mais comuns são anormalidades do trato urinário baixo (especialmente as que afetam a uretra, a próstata e a bexiga). Em menos de 10% dos casos a hematúria é de origem glomerular,19 e suas principais etiologias são a nefropatia por IgA e a doença da membrana fina, ou hematúria familiar benigna.40 É importante distinguir a origem da hematúria, se glomerular ou não. Na população estudada, oito (10,5%) apresentaram hematúria glomerular. Já o encontro de proteinúria foi infrequente (3,9%) e sempre ocorreu associado à hematúria, o que reforçou sua provável origem glomerular. No presente trabalho a presença de hematúria não se relacionou com o tipo de EPA, com a presença do antígeno HLA-B27, nem com a atividade da doença. Também não houve associação entre hematúria e presença de HAS, proteinúria e aumento dos níveis séricos de creatinina. A indicação da biópsia renal em pacientes com hematúria microscópica isolada é controversa. Nos casos em que a hematúria sugere fortemente ser de origem glomerular, uma vez pesados os riscos e benefícios individuais, somente a biópsia renal pode levar ao diagnóstico definitivo de uma GNF.41,42 Assim, nos pacientes acometidos por EPA, em geral usuários de AINEs e com hematúria de origem glomerular, considerou-se justificável a realização da biópsia. Dessa maneira, dos 76 pacientes avaliados, quatro (5,2%) apresentaram GNF com características de glomerulopatia proliferativa mesangial com imunodepósitos de IgA, o que caracteriza a GNF por IgA ou doença de Berger. Entretanto, a prevalência da GNF por IgA nos pacientes do estudo pode ter sido subestimada, uma vez que a hematúria microscópica intermitente dificulta a pesquisa do dismorfismo e a confirmação de origem glomerular, além de três pacientes com suspeita de GNF terem se recusado a realizar a biópsia renal. Esse achado contrasta com a prevalência da nefropatia por IgA na população geral, estimada em 25 a 50 casos por 100 mil indivíduos.43,44 Há escassa literatura sobre as alterações renais em pacientes com EPA, a maioria baseada em série de casos. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):412-422 Nefropatia por IgA em portadores de espondiloartrites acompanhados no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da UFMG Apesar de controversa, a maior ocorrência de GNF por IgA nos pacientes com EPA tem sido aventada com frequência.5-7 Em 1987, Jones et al.7 avaliaram a função renal de 51 pacientes com espondilite anquilosante randomicamente selecionados em clínicas reumatológicas. Desses, cinco pacientes (10%) tinham anormalidades persistentes (em mais de uma ocasião) nos exames feitos para avaliar a função renal (hematúria microscópica em todos os cinco pacientes, diminuição da função renal e aumento da proteinúria em 24 horas em quatro destes). Nos três que foram submetidos à biópsia renal, um tinha glomeruloesclerose segmental focal, com imunofluorescência negativa, outro tinha nefropatia por IgA e, por último, um tinha infiltrado celular intersticial com fibrose e atrofia tubular e imunofluorescência e microscopia eletrônica negativas. No Brasil, tentou-se avaliar a frequência e a gravidade do acometimento renal em 40 pacientes com espondilite anquilosante acompanhados em uma clínica especializada em reumatologia. Nessa amostra, 14 (35%) apresentaram um ou mais sinais de envolvimento renal; nove pacientes apresentaram hematúria, seis desses com hemácias dismórficas; quatro apresentaram microalbuminúria; dois tiveram aumento dos níveis séricos de creatinina e quatro tiveram o clareamento de creatinina reduzido. Não houve associação estatística significativa entre a hematúria microscópica e a atividade ou duração da doença, nem associação entre a hematúria microscópica e o nível de IgA sérica. No entanto, houve associação significativa entre a hematúria microscópica e a diminuição do clareamento da creatinina.4 Esses pacientes não foram submetidos à biópsia renal. Outro tipo de acometimento renal nos pacientes espondiloartríticos que tem sido mencionado é aquele advindo do uso regular dos AINEs.3-7 Na população geral, 1% a 5% dos pacientes desenvolvem efeitos adversos renais passíveis de intervenção médica relacionada aos AINEs. Os problemas renais atribuídos ao uso dessas medicações são insuficiência renal aguda, síndrome nefrótica com nefrite intersticial, necrose papilar aguda e crônica.45 No presente estudo, quase todos os pacientes faziam uso regular dessas medicações (82,9%) e por tempo prolongado (média de 6,5 anos). Entretanto, não foi detectado nenhum efeito adverso renal ao uso de AINEs nesses pacientes. Observou-se ainda que o uso de AINEs não se associou positivamente com o aumento dos níveis séricos de creatinina e com a presença de hematúria, proteinúria, IRC e HAS. Isso pode ter ocorrido devido à baixa frequência de comorbidades que predispõem aos efeitos adversos dos AINEs nessa população, tais como idade avançada, doença hepática, insuficiência cardíaca e Rev Bras Reumatol 2011;51(5):412-422 insuficiência renal.45 Outro motivo para esse achado seria a prática corrente no Ambulatório de Reumatologia de se evitar o uso de AINEs nos pacientes com presença de alguma dessas comorbidades. Este estudo sinaliza para a alta frequência de alterações encontradas no exame de urina desse subgrupo de pacientes, bem como para a alta prevalência de nefropatia por IgA. Assim, apesar de serem necessários mais estudos sobre o assunto para melhor esclarecimento das alterações renais nos pacientes espondiloartríticos, a realização periódica de exames de urina deveria ser recomendável. O diagnóstico definitivo de GNF nesse grupo é extremamente relevante, tendo em vista as implicações no tratamento da EPA e no prognóstico desses pacientes. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. Dougados M, van der Linden S, Juhlin R, Huitfeldt B, Amor B, Calin A et al. The European Spondylarthropathy Study Group preliminary criteria for the classification of spondylarthropathy. Arthritis Rheum 1991; 34(10):1218-27. 2. Sieper J, Rudwaleit M, Baraliakos X, Brandt J, Braun J, BurgosVargas R et al. The Assessment of SpondyloArthritis international Society (ASAS) handbook: a guide to assess spondyloarthritis. 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Resultados: Este estudo avaliou 52 mulheres e 23 homens (razão 2,3:1), a maioria de cor branca (84,0%), com média de idade de 42,7 ± 13,7 anos (16 a 67 anos), e duração média de doença de 6,9 ± 5,5 anos (0 a 20 anos). Aproximadamente 50% apresentaram recidiva da doença durante o acompanhamento, com 4,0% de óbitos. Apesar disso, dois terços encontravam-se em remissão no desfecho do estudo. Não houve diferença entre os gêneros quanto à distribuição das características demográficas, clínico-laboratoriais, evolução clínica e terapia medicamentosa instituída. Com relação às comorbidades, houve alta prevalência de hipertensão arterial sistêmica (38,7%) e diabetes mellitus (17,3%), igualmente distribuídas entre os gêneros. Verificou-se alta prevalência de depressão e fibromialgia, porém apenas no gênero feminino. Conclusões: A prevalência de PM entre mulheres foi maior (razão 2,3:1). A prevalência de comorbidades foi alta na casuística estudada, cabendo-nos priorizar seus controles e, assim, oferecer melhor qualidade de vida aos pacientes. Palavras-chave: polimiosite, comorbidade, depressão, gênero e saúde, miosite. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO As doenças autoimunes sistêmicas costumam predominar em mulheres, com incidência variando entre 2:1 a 10:1. O lúpus eritematoso sistêmico (LES) e a síndrome de Sjögren, por exemplo, apresentam razão 7-10:1, enquanto a artrite reumatoide (AR) e a esclerose sistêmica têm razão 2-3:1.1 O gênero masculino é considerado fator de bom prognóstico em termos de remissão em pacientes com AR em uso de anti-TNF,2 com melhores índices nas medidas de atividade de doença.3 Na doença de Behçet e na síndrome de Sjögren primária, o gênero masculino encontra-se relacionado, respectivamente, a maior frequência de manifestações neurológicas4 e envolvimento pulmonar.5 A polimiosite (PM) é uma miopatia inflamatória sistêmica crônica de causa desconhecida, que costuma afetar mais frequentemente mulheres6-8 e indivíduos entre 30 e 50 anos.8 Até o presente momento não há estudos comparando o perfil das manifestações da PM entre os gêneros, exceto por uma impressão geral e indireta obtida em trabalhos epidemiológicos.9,10 Por exemplo, a doença pulmonar intersticial na PM/dermatomiosite (DM) está associada a artrite e/ou artralgia, ao anticorpo anti-Jo-1 e ao gênero masculino.9 Chen et al.10 analisaram primariamente os fatores preditivos de neoplasias na PM/DM, e observaram que o gênero masculino foi fator de risco independente. Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a distribuição e a influência do gênero na PM quanto às manifestações clínico-laboratoriais, evolução clínica e comorbidades. Recebido em 14/10/2010. Aprovado, após revisão, em 01/07/2011. Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse. Comitê de Ética: HC 0039/10. Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP. 1. Médico-Assistente do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HC/FMUSP 2. Doutor em Medicina; Médico-Assistente do Serviço de Reumatologia do HC/FMUSP; Professor-Colaborador da Disciplina de Reumatologia da FMUSP 3. Doutor em Ciências; Médico-Assistente do Serviço de Reumatologia do HC/FMUSP; Professor-Colaborador da Disciplina de Reumatologia da FMUSP Correspondência para: Samuel Katsuyuki Shinjo. Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Av. Dr. Arnaldo, 455, 3° andar, Sala 3190 – Cerqueira César. CEP: 01246-903. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 428 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):423-433 Prevalência de manifestações clínico-laboratoriais e comorbidades na polimiosite segundo o gênero PACIENTES E MÉTODOS Foram avaliados 75 pacientes consecutivos com PM provenientes da Unidade de Miopatias de nosso serviço terciário, entre o período de 1990 e 2010. Todos os pacientes preenchiam o critério classificatório de Bohan e Peter.11,12 O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local (HC nº 0039/10), e as informações demográficas e referentes às manifestações clínico-laboratoriais foram obtidas dos prontuários médicos. Os dados laboratoriais foram os solicitados de rotina, no início do diagnóstico da PM. Creatina quinase (variação normal: 24-173 U/L), aldolase (variação normal: 1,0-7,5 U/L), aspartato aminotransferase (até 37 U/L) e alanina aminotransferase (até 41 U/L) foram obtidas por método cinético automatizado. A pesquisa de autoanticorpos contra componentes celulares foi determinada por imunofluorescência indireta, utilizando células Hep-2 como substrato; o anticorpo anti-Jo-1 foi determinado por immunoblotting; a velocidade de hemossedimentação, por método de Westergren; a determinação quantitativa da proteína C-reativa foi realizada no soro através de turbidimetria. Exames complementares (eletroneuromiografia, biópsia muscular do bíceps – membro superior – e tomografia computadorizada do tórax) foram solicitados de rotina nas primeiras consultas médicas. Uma vez excluídas as possibilidades de infecção e neoplasia, a recidiva da atividade da doença foi definida como recorrência da atividade clínico-laboratorial consequente à redução da dose de corticosteroide e/ou suspensão de imunossupressores entre as consultas médicas, devido à estabilidade clínica. As comorbidades analisadas foram hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus, depressão, fibromialgia (FM), neoplasias, infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente vascular cerebral (AVC). FM foi baseada nos critérios classificatórios do American College of Rheumatology,13 e depressão foi definida segundo Zimmerman et al.14 HAS foi baseada na V Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial,15 e diabetes mellitus na American Diabetes Association. Tabela 1 Perfil demográfico, clínico e laboratorial dos pacientes com polimiosite Todos (N = 75) Homens (N = 23) Mulheres (N = 52) P Média de idade* ± DP (anos) 42,7 ± 13,7 (16-67) 42,3 ± 14,7 (16-66) 42,9 ± 13,2 (19-67) 0,874 Tempo de doença ± DP (anos) Duração dos sintomas ao diagnóstico (meses) 6,9 ± 5,1 (0-20) 2,3 ± 4,4 (0-24) 6,8 ± 5,5 (1-20) 1,9 ± 2,9 (0-12) 6,9 ± 4,9 (0-20) 2,4 ± 5,0 (0-24) 0,993 0,580 Cor: branca (%) 63 (84,0) 21 (91,7) 42 (80,8) 0,323 35 (46,7) 21 (28,0) 39 (52,0) 12 (52,2) 6 (26,1) 13 (56,5) 23 (44,2) 15 (28,9) 26 (50,0) 0,618 1,000 0,626 20 (27,4) 5 (6,7) 6 (26,1) 0 14 (26,9) 5 (9,6) 1,000 0,315 22 (29,3) 21 (28,0) 49 (65,3) 33 (44,0) 59 (78,7) 3 (4,0) 6 (26,1) 7 (30,4) 15 (65,2) 9 (39,1) 17 (73,9) 1 (4,4) 16 (30,8) 14 (26,9) 34 (65,4) 24 (46,2) 42 (80,8) 2 (3,9) 0,787 0,785 1,000 0,622 0,549 1,000 38 (50,7) 12 (16,0) 12 (52,2) 3 (13,0) 26 (50,0) 9 (17,3) 0,804 0,745 4167,6 ± 4736,6 62,6 ± 61,5 186,6 ± 233,4 152,7 ± 180,5 19,7 ± 33,0 24,7 ± 20,9 5023,0 ± 5481,3 89,9 ± 89,7 187,2 ± 255,6 160,1 ± 224,7 38,8 ± 49,8 22,0 ± 20,9 3793,4 ± 4318,2 52,3 ± 42,2 186,5 ± 224,8 150,0 ± 160,8 10,1 ± 11,1 25,5 ± 20,9 0,379 0,167 0,994 0,893 0,120 0,680 7 (9,3) 13 (17,3) 2 (8,8) 6 (26,1) 5 (9,6) 7 (13,5) 1,000 0,201 Manifestação clínica Sintomas constitucionais (%) Acamado (%) Envolvimento articular (%) Envolvimento pulmonar Dispneia (%) Disfonia (%) Envolvimento gastrintestinal Disfagia (%) Dispepsia (%) Doença em remissão (%) Recidiva da doença (%) Em seguimento (%) Óbito (%) Autoanticorpos Fator antinuclear (%) Anti-Jo-1 (%) Enzimas musculares (início da doença) Creatina quinase ± DP (U/L) Aldolase ± DP (U/L) Aspartato aminotransferase (U/L) Alanina aminotransferase (U/L) Proteína C-reativa (mg/L) VHS (mm/1ª hora) Tomografia computadorizada Fibrose pulmonar basal (%) Lesão em vidro-fosco (%) *Idade quando foi realizado o diagnóstico de polimiosite. DP: desvio-padrão; VHS: velocidade de hemossedimentação. O valor de P refere-se a homens vs. mulheres. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):423-433 429 Souza et al. Os resultados foram expressos em média ± desvio-padrão (DP) ou porcentagem, sendo utilizado teste t de Student para dados paramétricos, e de Fisher para os não paramétricos. Estes cálculos foram realizados com o programa de computador STATA versão 7.0 (Stata, College Station, TX, EUA), e valores P < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. RESULTADOS Foram analisados 75 pacientes consecutivos com PM entre o período de 1990 e 2010, com tempo de seguimento em nosso serviço de 6,9 ± 5,5 anos, dos quais 52 eram mulheres e 23 homens, com respectiva razão 2,3:1. A maioria era branca (84,0%), com média de idade ao diagnóstico de 42,7 ± 13,7 anos (16 a 67 anos) e duração média da doença de 6,9 ± 5,5 anos (0 a 20 anos). O tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico da PM na amostragem geral foi de 2,3 ± 4,4 meses (0 a 24 meses). As características clínico-laboratoriais dos pacientes estão apresentadas na Tabela 1. Aproximadamente metade dos pacientes apresentou recidiva da doença durante o acompanhamento. Apesar disso, dois terços deles encontravam-se em remissão da doença no desfecho do presente estudo, com 4,0% de óbitos. Como tratamento medicamentoso inicial foi usado corticosteroide (prednisona 1 mg/kg/dia, via oral, com redução gradual em 1-2 meses após estabilidade clínica e laboratorial). Em caso de gravidade da doença, realizou-se pulsoterapia com metilprednisolona (1 g/dia, parenteral, três dias consecutivos). Como poupadores de corticosteroide foram utilizados azatioprina Tabela 2 Terapia medicamentosa instituída em pacientes com polimiosite Tratamento medicamentoso Todos (N = 75) Homens (N = 23) Mulheres (N = 52) P Corticosteroide Prednisona (1 mg/kg/dia) (%) 73 (100,0) 23 (100,0) 52 (100,0) 1,000 Metilprednisolona (%) 35 (46,7) 13 (56,5) 22 (42,3) 0,323 Metotrexato (%) 49 (65,3) 13 (56,5) 36 (69,2) 0,305 Azatioprina (%) 40 (53,3) 12 (52,2) 29 (53,9) 1,000 Ciclofosfamida (%) 15 (20,0) 4 (17,4) 11 (21,2) 1,000 Ciclosporina (%) 15 (20,0) 4 (17,4) 10 (19,2) 1,000 Micofenolato mofetil (%) 3 (4,0) 1 (4,4) 2 (3,9) 1,000 O valor de P refere-se a homens vs. mulheres. Tabela 3 Comorbidades diagnosticadas após a instituição da polimiosite Comorbidades Todos (N = 75) Homens (N = 23) Mulheres (N = 52) P Hipertensão arterial sistêmica (%) 29 (38,7) 10 (43,5) 19 (37,3) 0,618 Pré-polimiosite (%) 18 (24,0) 5 (21,7) 13 (25,0) 1,000 Pós-polimiosite (%) 11 (14,7) 5 (21,7) 6 (11,5) 0,306 Diabetes mellitus (%) 13 (17,3) 6 (26,1) 7 (13,5) 0,201 Pré-polimiosite (%) 7 (9,3) 3 (13,0) 4 (7,7) 0,669 Pós-polimiosite (%) 6 (8,0) 3 (13,0) 3 (5,8) 0,363 Depressão major (%) 11 (14,7) 0 11 (21,2) 0,028 Fibromialgia (%) 6 (8,0) 0 6 (11,5) 0,169 Neoplasia (%) 4 (5,3) 1 (4,4) 3 (5,8) 1,000 Infarto agudo do miocárdio (%) 3 (4,0) 1 (4,4) 2 (3,9) 1,000 Acidente vascular cerebral (%) 0 0 0 1,000 O valor de P refere-se a homens vs. mulheres. 430 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):423-433 Prevalência de manifestações clínico-laboratoriais e comorbidades na polimiosite segundo o gênero (2-3 mg/kg/dia), metotrexato (20-25 mg/semana), ciclosporina (3-5 mg/kg/dia), micofenolato mofetil (2-3 g/dia), leflunomide (20 mg/dia), ciclofosfamida (0,5-1,0 g/m2 de superfície corpórea), em monoterapia ou em associação, dependendo da tolerância, efeitos colaterais e refratariedade da doença (Tabela 2). De modo geral, todos os indivíduos receberam prednisona (1 mg/kg/dia) e aproximadamente metade dos pacientes recebeu terapia adicional com pulso de metilprednisolona (1 g/dia, três dias consecutivos). O uso de ciclofosfamida parenteral foi indicado para o acometimento pulmonar, caracterizado por progressão da dispneia e achados de imagens compatíveis à tomografia computadorizada. Não houve diferença entre mulheres e homens quanto à distribuição das características demográficas, clínico-laboratoriais, evolução clínica e terapia medicamentosa instituída (Tabelas 1 e 2). Com relação às comorbidades (Tabela 3), depressão e FM ocorreram apenas no gênero feminino, e apenas depressão teve prevalência estatisticamente significativa em mulheres (P = 0,028), com nenhuma das pacientes apresentando transtorno bipolar. Houve alta prevalência de HAS (38,7%), mesmo antes dos sintomas e do diagnóstico da PM (24,0%); após estabelecida a miopatia, houve aumento de aproximadamente 50% de HAS. Apresentaram diabetes mellitus 9,3% dos pacientes, e, com o estabelecimento da PM, a ocorrência foi de 17,3%, com a mesma distribuição em ambos os gêneros. Neoplasia e IAM ocorreram em 5,3% e 4%, respectivamente. Dentre as neoplasias, foram diagnosticados um caso em homem e três em mulheres, a saber: um osteoma osteoide femoral (um ano após o diagnóstico da PM), um carcinoma folicular tireoidiano (um ano após a PM), um carcinoma epidermoide metastático (três anos após a PM) e uma neoplasia renal (15 anos após a PM), respectivamente. Não foram identificados casos de AVC. DISCUSSÃO O presente estudo envolveu grande casuística e avaliou tanto a distribuição quanto a influência do gênero na PM. Observamos predomínio do gênero feminino (2,3:1), características clínico-laboratoriais e comorbidades similares em ambos os grupos, alta prevalência de HAS e diabetes mellitus, com destaque à depressão major, presente apenas em mulheres. A média de idade no início da doença, no presente trabalho, foi de 40 anos, similar a outros trabalhos da literatura,16-33 contrastando apenas aos de Senegal e Singapura, que mostraram médias de idade de 50 anos.24,25 De um modo geral, as doenças autoimunes tendem a predominar no gênero feminino, inclusive nas miopatias inflamatórias idiopáticas,1,15,18-25 fato reforçado pelos dados do Rev Bras Reumatol 2011;51(5):423-433 presente estudo. O LES e a síndrome de Sjögren, por exemplo, apresentam razões 7-10:1, enquanto AR, esclerose sistêmica e miopatias inflamatórias idiopáticas têm razão 2,3:1.1,16,18-25 Essa desigualdade na distribuição pode ser reflexo da influência de hormônios sexuais endógenos e de fatores genéticos.17-24 Os dados apresentados mostram que a evolução e as características demográficas e clínico-laboratoriais da PM foram similares em ambos os gêneros, diferente do que ocorre em outras doenças autoimunes sistêmicas, em que o gênero pode influenciar no curso da doença. O LES, por exemplo, tende a apresentar prognóstico pior em homens, embora isto seja controverso na literatura.26-29 Aproximadamente metade dos pacientes apresentava sintomas constitucionais ou acometimento articular no início da doença. Todos os pacientes apresentavam fraqueza muscular proximal dos quatro membros, e um quarto estava acamado apesar do pouco tempo da instalação da doença (cerca de dois meses). Observamos também envolvimento pulmonar (dispneia) e gastrintestinal (disfagia ou dispepsia) em aproximadamente um terço dos pacientes, reforçando a necessidade de avaliar os portadores de PM não só do ponto de vista do acometimento exclusivamente musculoesquelético. Depressão é frequentemente presente em doenças sistêmicas crônicas como AR, por exemplo, ocorrendo em 13%-20%,30-33 enquanto em FM 33 e LES 29 está presente, respectivamente, em 39% e 34% dos casos. Na comunidade em geral e no antedimento primário, a depressão ocorre, respectivamente, em 2%-4% e 5%-10% dos pacientes do gênero feminino,34 contrastando-se ao apresentado neste estudo, em que a depressão foi vista em aproximadamente 21,2% das mulheres. A depressão, particularmente em AR, está associada a maior frequência de hospitalização, maior número de visitas médicas, pior qualidade de vida, menor aderência à terapia medicamentosa e risco aumentado de mortalidade.34-37 Ela é duas vezes mais frequente em mulheres em comparação aos homens,38 enquanto FM é aproximadamente dez vezes mais prevalente.39 Nossos pacientes com depressão não tiveram maior recidiva de doença ou de óbito. Apesar de a associação entre depressão e FM ser relativamente comum, no presente estudo essas duas comorbidades coexistiram apenas em mulheres, tendo sido simultâneas em apenas uma paciente. Houve alta prevalência de HAS e diabetes mellitus, quando comparada com a população brasileira: 20% e 9%, respectivamente.40,41 Após o diagnóstico de PM, os achados de HAS e de diabetes mellitus aumentaram em 50% e 100%, respectivamente, podendo refletir o uso de corticosteroide. Recentemente, com base em banco de dados 431 Souza et al. epidemiológicos, Limaye et al.42 demonstraram alto índice de eventos cardiovasculares após o diagnóstico de todas as miopatias inflamatórias idiopáticas (DM, PM e miosite por corpúsculo de inclusão). No presente estudo ocorreram neoplasias ao redor de 5%, sem distinção entre os gêneros, índices semelhantes aos descritos na literatura, quais sejam, 3,3% e 7,7%.43-45 Tivemos baixa prevalência de eventos cardiovasculares (IAM e AVC), sem distinção entre os gêneros, sendo em parte justificada pelo curto período de tempo de acompanhamento (aproximadamente oito anos), contrastando-se aos índices de 6%-75% descritos na literatura.46,47 Em termos evolutivos, dois terços dos pacientes encontravam-se em remissão sob corticoterapia e/ou imunossupressores. Houve recidivas em metade dos indivíduos, sem distinção entre os gêneros, reforçando a necessidade de acompanhamento médico regular desses pacientes. Óbito ocorreu em 4,0% dos casos, sem distinção entre os gêneros. Em resumo, a PM acometeu mulheres em razão 2,3:1, com alta prevalência de comorbidades, tanto em homens como em mulheres, com destaque à depressão major que afetou exclusivamente o gênero feminino. Ao avaliar pacientes com PM devemos estar atentos às comorbidades, visando ao seu rápido controle, oferecendo, assim, melhor qualidade de vida aos pacientes. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 432 Lockshin MD. Sex differences in autoimmune disease. Lupus 2006; 15(11):753-6. Atzeni F, Antivalle M, Pallavicini FB, Caporali R, Bazzani C, Gorla R et al. Predicting response to anti-TNF treatment in rheumatoid arthritis patients. Autoimmun Rev 2009; 8(5):431-7. Sokka T, Toloza S, Cutolo M, Kautiainen H, Makinen H, Gogus F et al., and the QUEST-RA Group. Women, men, and rheumatoid arthritis: analyses of disease activity, disease characteristics, and treatments in the QUEST-RA study. Arthritis Res Ther 2009; 11(1):R7. Ideguchi H, Suda A, Takeno M, Kirino Y, Ihata A, Ueda A et al. Neurological manifestations of Behçet’s disease in Japan: a study of 54 patients. J Neurol 2010; 257(6):1012-20. 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Métodos: Foram analisados 74 sujeitos sintomáticos (132 joelhos) com OA de joelho por meio dos testes Stair Climb Power Test (SCPT), Timed Up and Go (TUG) e Caminhada de 8 Metros (C8M), além da escala visual analógica (EVA) para dor. Os testes foram realizados com e sem joelheira; a ordem e a presença ou ausência das joelheiras durante os testes foram randomizadas e com avaliador cego. Resultados: Foi encontrada diferença estatisticamente significante entre as duas situações comparadas (com e sem joelheira) para EVA (P < 0,001), mostrando redução da dor com a joelheira. Análises com os três testes funcionais em ambas as condições foram realizadas, resultando diferenças estatisticamente significantes para os testes C8M e TUG (P < 0,05), mas não no SCPT (P > 0,1339). Conclusão: A joelheira elástica foi eficiente na melhora imediata da capacidade funcional e da dor em indivíduos com OA de joelho, pois melhorou o desempenho durante os testes propostos. Sendo assim, entende-se que se trata de um recurso coadjuvante para o tratamento da OAJ por ser prático, útil, de fácil emprego clínico e que pode auxiliar e/ou facilitar a realização de exercícios terapêuticos. Palavras-chave: osteoartrite, articulação do joelho, reabilitação, instabilidade articular. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A osteoartrite (OA) do joelho é um dos principais motivos de procura por serviços médicos e fisioterapêuticos, e sua prevalência vem aumentando com o envelhecimento populacional.1 Os sinais e sintomas clínicos, em geral, são semelhantes e apresentam-se como dor, rigidez, instabilidade articular, edema e fraqueza muscular, que acarretam diminuição de habilidades funcionais como levantar de cadeiras, subir escadas, ajoelhar-se, ficar em pé e andar, além de aumentar a suscetibilidade de quedas.2 Diversas formas de tratamento para OA são encontradas na literatura, porém as não farmacológicas e não cirúrgicas empregadas na fisioterapia são consideradas e recomendadas como primeira linha de tratamento para a tentativa de solucionar esse problema.3 Recebido em 30/11/2010. Aprovado, após revisão, em 01/07/2011. Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse. Comitê de Ética: 281/09. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Diadema – Quarteirão da Saúde. 1. Fisioterapeuta; Mestrando em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL; Professor Titular do Curso de Especialização em Fisioterapia Músculo Esquelética (FME) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – ISCMSP 2. Fisioterapeuta; Mestrando em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 3. Fisioterapeuta; Doutor em Ciências pela UNIFESP; Professor Titular do Curso de FME da ISCMSP e do Curso de Graduação em Fisioterapia do Centro Universitário São Camilo – CUSC 4. Fisioterapeuta pela Universidade Bandeirante de São Paulo – UNIBAN 5. Fisioterapeuta; Mestrando em Ciências pela Universidade Federal de Campinas – UNICAMP; Fisioterapeuta do Instituto Wilson Mello, Campinas/SP 6. Fisioterapeuta; Especialista em FME pela ISCMSP; Fisioterapeuta da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Diadema – Quarteirão da Saúde (ISCMD-QS) Correspondência para: Marcio Guimarães dos Santos. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Diadema – Quarteirão da Saúde – Setor de Fisioterapia. Av. Antônio Piranga, 578 – Centro. CEP: 09911-160. Diadema, SP, Brasil. Telefone: +55 11 4043-8000. E-mail: [email protected] 440 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):434-446 Efeito imediato da utilização da joelheira elástica em indivíduos com osteoartrite Dentre esses recursos destacam-se os exercícios aeróbicos e os de fortalecimento muscular, por estarem relacionados com melhora da dor e da função nos indivíduos portadores de OA nos joelhos.4 Entretanto, devido às limitações funcionais causadas pelo quadro de fraqueza muscular e dor, a prescrição desses exercícios é limitada por dificuldades técnicas, e muitas vezes esses recursos tornam-se desinteressantes, dolorosos e consequentemente ineficazes.4 Na tentativa de minimizar o quadro álgico, outras modalidades terapêuticas, tais como eletroestimulação neuromuscular (EENM),5 algumas formas de terapia manual,3 protocolos de aplicação de termoterapia e crioterapia, além da utilização de joelheiras e taping,6,7 são associadas ao tratamento da OA nos joelhos. Porém, com exceção da joelheira, todos esses recursos dependem da perícia técnica do fisioterapeuta para sua aplicação. Dessa forma, a joelheira poderia ser um recurso prático e de autoutilização para o controle do quadro álgico durante a realização dos exercícios, tornando-os mais eficazes. Existem relatos na literatura que evidenciam a melhora do senso de posição articular, dor, rigidez e função com a aplicação da joelheira em indivíduos com OA nos joelhos.6,8 Sendo assim, este estudo teve como objetivo investigar a eficácia imediata da joelheira elástica na dor e na capacidade funcional em indivíduos portadores de OA nos joelhos, visando à sua importância clínica como coadjuvante durante a realização do tratamento baseado em exercícios. A hipótese é que a joelheira poderia diminuir a dor e melhorar a capacidade funcional durante os testes propostos. MÉTODOS Este foi um estudo randomizado e com avaliador cego, realizado no Setor de Reabilitação da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), em parceria com a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Diadema – Quarteirão da Saúde (ISCMD-QS). Antes da coleta dos dados todos os pacientes foram informados sobre os procedimentos que seriam realizados, e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, declarando participação voluntária neste estudo. Foi obtida também a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da ISCMSP (Projeto n° 281/09). Critérios de inclusão e exclusão Todos os participantes do estudo foram encaminhados ao Setor de Fisioterapia com diagnóstico de OA nos joelhos Rev Bras Reumatol 2011;51(5):434-446 após consulta com ortopedista. Para inclusão na pesquisa era necessário que os pacientes apresentassem no mínimo quatro itens dos critérios clínicos da classificação de OA de joelho, segundo o American College of Rheumatology.9 Outro critério de inclusão foi dor acima de três pontos na escala visual analógica (EVA) durante a atividade de subir e descer escadas. Indivíduos com comprometimento neurológico, fibromialgia, artrite reumatoide, prótese total e/ou parcial de joelhos ou quadris, cardiopatas descompensados, deficientes auditivos e visuais e pacientes que não conseguissem realizar os testes propostos foram excluídos. Sujeitos Foram selecionados 80 indivíduos de ambos os gêneros para coleta de dados. Dentre estes, apenas os dados de 74 indivíduos foram incluídos, totalizando 132 joelhos, pois conseguiram completar a execução dos testes propostos. Os seguintes itens foram avaliados: idade, peso, altura, índice de massa corporal (IMC), tempo de dor nos joelhos (em anos), tamanho da joelheira e se o acometimento era unilateral ou bilateral. Joelheiras Foram utilizadas joelheiras elásticas sem orifícios (Tensor® – Registro ANVISA/MS – 80017170005), por gerarem compressão aos tecidos aumentando a área de contato, promovendo, assim, menor pressão e diminuindo a dor na articulação do joelho.10 De acordo com o fabricante, as joelheiras eram de três tamanhos diferentes: pequeno (P), médio (M) e grande (G). A escolha do tamanho foi definida pela circunferência do joelho: tamanho P de 32 a 35 cm, M de 35 a 39 cm e G de 39 a 44 cm. Portanto, antes da escolha do tamanho da joelheira realizou-se a perimetria no joelho do indivíduo, tomando como parâmetro anatômico o ápice da patela; caso a circunferência do joelho fosse uma medida entre dois tamanhos, optou-se pelo menor. A colocação da joelheira foi realizada de acordo com as instruções do fabricante, que determina o posicionamento centralizado no joelho acometido permitindo movimentação de maneira confortável. Testes funcionais e escala de dor Foi utilizada a EVA para quantificar a dor dos indivíduos durante as avaliações do Stair Climb Power Test (SCPT),11 uma vez que esta escala é considerada instrumento válido para tal finalidade.12,13 A mesma era composta de um número inicial (0) posicionado no extremo esquerdo da linha, indicando ausência de qualquer sintoma de dor. Este, por sua vez, estava unido 441 Bryk et al. por uma linha de 10 cm de comprimento ao número final (10), posicionado no extremo direito da linha, representando a pior dor possível. Não houve graduação na linha para não afetar a fidedignidade da mensuração, caso contrário o indivíduo avaliado poderia sentir-se induzido a indicar valores que não representariam sua real condição. O SCPT foi utilizado para se obter informações referentes a atividades funcionais complexas, de maior sobrecarga e dificuldade para os indivíduos. Para a realização do teste, os indivíduos foram posicionados em frente a um lance de escadas, com cinco degraus de 165 cm de largura total, 26,5 cm de comprimento e 17 cm de altura, demarcados com fitas adesivas para delimitar a área que o indivíduo deveria ocupar durante a subida e descida dos degraus (40 cm). Foi solicitado que o indivíduo subisse, virasse e descesse os cinco degraus, sem segurar no corrimão, da forma mais rápida e segura possível para evitar quedas. Em seguida, este assinalava a EVA para quantificar o nível de dor apresentado durante a realização do teste. O SCPT foi cronometrado, sendo disparado o cronômetro no comando verbal “já” (de “1, 2, 3 e já”), que também era o comando de início do teste, e parado somente quando o indivíduo avaliado estivesse com os dois pés fora da escada. O teste Timed Up and Go (TUG) foi utilizado por ser um teste funcional amplamente realizado para mensurar a mobilidade básica de idosos. Nele, o indivíduo avaliado inicia da posição sentado em uma cadeira, levanta-se, anda três metros, faz a volta em um cone para retornar, anda mais três metros de volta para a cadeira e senta-se novamente.14 O teste foi cronometrado, e o paciente foi instruído a dar início quando o avaliador emitisse o comando verbal “já” (de “1, 2, 3 e já”). Utilizou-se também o teste de Caminhada de 8 Metros (C8M), cronometrando-se o tempo de realização. O indivíduo avaliado foi posicionado sobre uma marca inicial e realizava o teste da forma mais rápida e segura possível, quando o avaliador emitia o comando verbal “já” (de “1, 2, 3 e já”). O cronômetro foi disparado pelo avaliador no “já” e interrompido assim que o indivíduo cruzasse a marca final dos 8 metros. Ressalta-se que o avaliador encontrava-se posicionado no marco final do percurso.15 Procedimentos A coleta dos dados foi realizada por dois avaliadores (Avaliador 1 e Avaliador 2). O Avaliador 1 era responsável pela randomização da sequência dos testes, ordem da utilização das joelheiras (com ou sem), bem como por sua ocultação, e a escolha do tamanho de joelheira (perimetria). 442 O Avaliador 2 (“cego”) era responsável pela aplicação dos testes propostos. A realização dos testes foi dividida em duas etapas (com e sem joelheira), e cada uma consistia na execução do TUG, C8M e SCPT com preenchimento da EVA ao final do SCPT. Durante a execução das duas etapas os indivíduos estavam com uma capa para ocultar o uso da joelheira (Figura 1), assim o Avaliador 2 não teria como saber em qual das etapas da avaliação o paciente estaria com a joelheira. Todos os pacientes eram orientados a não revelar se estavam usando ou não a joelheira. Antes do início das avaliações os participantes realizaram uma vez os testes propostos, para aprendizado. Foi permitida também uma pausa de cinco minutos entre as etapas da avaliação para não haver fadiga excessiva, devido à idade e intensidade da dor da maioria dos pacientes. Após a execução da primeira etapa dos testes, o paciente retornava ao Avaliador 1 para que este retirasse ou colocasse a joelheira, e, após ocultar essa situação com a capa, era novamente encaminhado ao Avaliador 2 para realizar a segunda etapa dos testes. A sequência de testes da etapa inicial era também reproduzida na etapa final. Figura 1 Demonstração da capa para ocultar a joelheira utilizada em todos os testes. Análise dos dados Após as coletas, foi utilizado o programa estatístico Graph Pad para processamento dos dados. A princípio foi realizado Rev Bras Reumatol 2011;51(5):434-446 Efeito imediato da utilização da joelheira elástica em indivíduos com osteoartrite RESULTADOS A Tabela 1 demonstra os dados demográficos referentes aos 74 indivíduos incluídos neste estudo. A média de idade da amostra foi de 58 ± 9,7 anos, e 78% dos casos apresentavam acometimento bilateral. O maior número de indivíduos foi do gênero feminino (73%). A média obtida com a EVA durante o teste SCPT para o joelho dominante e o não dominante foi comparada para as duas circunstâncias (com e sem joelheira). Como não foi encontrada diferença estatisticamente significante entre os dois joelhos (P > 0,05 – Tabela 2), as médias dos dados referentes Tabela 1 Dados demográficos dos pacientes com OA nos joelhos (média ± DP e %) Peso (kg) 76 (± 14) Altura (m) 1,63 (± 0,1) 6,0 5,5 5,0 4,5 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 Índice de massa corporal (IMC) 24 (± 5) Idade 58 (± 9,7) História de dor no joelho (anos) 6 (± 6) Número de joelhos 132 Acometimento unilateral 22% Acometimento bilateral 78% Gênero Masculino Feminino 27% 73% Tamanho da joelheira Pequena Média Grande 8% 42% 50% Tabela 2 Média (± DP) do valor da EVA sem e com joelheira para o joelho dominante e não dominante Com joelheira Dominante Não dominante Dominante Não dominante 5 (± 3) 6 (± 3) 4 (± 3) 5 (± 3) Com joelheira Figura 2 Diferença dos valores (média ± EPM) da EVA durante SCPT sem e com joelheira. *Demonstra diferença significativa entre as duas circunstâncias. 10 Média de tempo em segundos 74 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):434-446 * P < 0,0001 Sem joelheira Total de pacientes Sem joelheira aos joelhos dominante e não dominante foram somadas e uma nova média foi encontrada. Dessa forma, a análise comparativa para a EVA foi realizada somente entre os grupos sem joelheira e com joelheira. Após a análise inicial, comparou-se a EVA do grupo sem joelheira e do grupo com joelheira, tendo sido encontrada diferença estatisticamente significante (P < 0,001) entre as duas circunstâncias (Figura 2). Por último, foram realizadas análises para os três testes funcionais em ambas as condições (sem joelheira e com joelheira), em que se observou diferença estatisticamente significante para os testes C8M e TUG (P < 0,05), mostrando melhor desempenho no grupo com joelheira (Figura 3). Não se pôde observar, porém, essa mesma diferença para o SCPT (P > 0,1339). Média da EVA durante SCPT o teste Kolmogorov-Smirnov (K-S) com correção pelo teste de Lilliefors para verificação da normalidade dos dados, em que foi considerado um nível de significância de 95%. Inicialmente, optou-se por uma análise com o teste de MannWhitney (não pareado), para comparar o joelho dominante com o não dominante na EVA durante o teste SCPT, com e sem joelheira. Depois realizou-se o teste de Wilcoxon (pareado) para comparar os testes SCPT, EVA, TUG e C8M durante as duas circunstâncias. Sem joelheira Com joelheira * P < 0,0255 9 8 * P < 0,0206 7 6 5 4 C8M TUG Figura 3 Diferença dos valores (média ± EPM) do teste C8M e TUG sem e com joelheira. *Demonstra diferença significativa entre as duas circunstâncias. 443 Bryk et al. DISCUSSÃO Este foi um estudo randomizado e com avaliador “cego”, com o objetivo de avaliar o efeito imediato do uso da joelheira elástica na dor e na capacidade funcional de indivíduos com OA nos joelhos. Com base nos resultados do presente estudo, foi possível observar melhora estatística da dor e da capacidade funcional durante o uso da joelheira nos testes propostos. Estudos mostram que as joelheiras podem favorecer os indivíduos com uma acuidade proprioceptiva ruim, podendo prevenir entorses e, consequentemente, quedas.10,16 Existem evidências de que estímulos cutâneos adicionais gerados pelas joelheiras ao redor da articulação podem aumentar o senso de posição articular, favorecendo o equilíbrio e o controle estático e dinâmico do joelho, proporcionando, assim, mais segurança para o indivíduo durante suas atividades do dia a dia.17,18 Por outro lado, há também teorias de que os mecanoceptores cutâneos fornecem informações ao córtex cerebral sobre movimentos articulares do joelho, e que os efeitos estabilizadores das bandagens e suportes em grandes articulações ocorrem devido ao estímulo somatossensorial na pele.19 Os testes C8M e TUG aplicados neste estudo demonstraram melhora na capacidade funcional dos indivíduos durante a utilização da joelheira. Esses testes foram escolhidos com o intuito de simular e mimetizar as atividades realizadas rotineiramente por indivíduos com OA de joelho, que apresentam como sinais e sintomas dor, inflamação, limitação da amplitude de movimento e rigidez articular, o que influencia na realização de atividades funcionais.1 Sabendo desses e de outros déficits, como comprometimentos na cápsula articular e seus mecanoceptores no desempenho neuromuscular, diminuição no senso de posição articular e propriocepção, e tendo sempre como objetivo principal aliviar os sintomas desses indivíduos, diversas formas de terapias podem ser empregadas. Porém, um método simples e eficaz, como é o caso das joelheiras elásticas, ainda não foi bem estabelecido na literatura.1,2,10,16 Bockrath et al.20 argumentaram que estímulos táteis constantes sobre a pele dos joelhos (como durante a utilização de bandagens) podem provocar uma inibição neural, facilitando a entrada de impulsos pelas grandes fibras aferentes e, consequentemente, reduzindo a dor; porém, não se sabe ao certo quanto tempo esse efeito demora para ocorrer e tampouco qual a duração do mesmo. Apesar do conhecimento de alguns mecanismos antálgicos propostos nesses diversos estudos, somente um estudo anterior avaliou os efeitos da joelheira elástica na dor e função em pacientes com OA, porém a comparação foi realizada 444 entre os efeitos das joelheiras que retêm calor e joelheiras que não possuem essa propriedade. Uma redução de 16% na dor foi observada em curto prazo, sem diferença estatística entre ambas as joelheiras. Entretanto, houve uma tendência a favor da joelheira que retém o calor, podendo esta ser mais eficaz.6 Mesmo conhecendo esse resultado, optou-se pela utilização da joelheira elástica sem retenção de calor neste estudo, para avaliar simplesmente a compressão executada pela joelheira, sem a presença de nenhum outro mecanismo que pudesse promover ou auxiliar na promoção da redução dos sintomas. O uso das bandagens femoropatelares para alívio da dor também pode ser aplicado ao uso das joelheiras, por estas distribuírem melhor a área de contato e diminuírem a pressão sobre a articulação,21 reduzindo assim a dor por melhor equilíbrio biomecânico entre as estruturas. Sabe-se que essas duas grandezas físicas são inversamente proporcionais, e quanto maior for a área de contato, menor será a pressão exercida em determinada região. Ainda nesse contexto, ocorreria também uma compressão do compartimento extensor, diminuindo a pressão sobre a gordura de Hoffa, que está frequentemente inflamada na OA do joelho, reduzindo a dor.22 Dentre todas as hipóteses levantadas anteriormente, acredita-se que o equilíbrio biomecânico por meio da melhora da área de contato da articulação e, consequentemente, menor pressão no mecanismo extensor, justifica os dados obtidos neste estudo. Estes demonstram que a joelheira elástica utilizada durante os testes funcionais (TUG e C8M) favoreceu melhora da capacidade funcional e redução significante da pontuação pela EVA durante o SCPT. Apenas esse teste não apresentou diferença estatística no tempo de execução da tarefa entre as duas circunstâncias analisadas. Porém, ressalta-se que os indivíduos foram orientados a realizar o SCPT em sua maneira habitual e de forma segura para que não houvesse risco de queda, tendo o intuito maior de avaliar o grau da EVA. Com isso, pôde-se observar melhora funcional estatisticamente superior à não utilização da joelheira durante a realização dos mesmos testes funcionais, avaliados nos mesmos pacientes e de forma randomizada. Existem relatos que apresentam pequena redução na dor do joelho osteoartrítico utilizando bandagens elásticas ajustadas frouxamente ao redor do joelho, e também com o uso de joelheiras mais complexas que geram uma força em valgo nos joelhos com OA do compartimento tibiofemoral medial. Porém, esses dispositivos não são métodos simples de terapia, pois dependem de certa perícia técnica para serem utilizados, característica inversa à das joelheiras elásticas, que possuem a facilidade de serem aplicadas e retiradas de forma Rev Bras Reumatol 2011;51(5):434-446 Efeito imediato da utilização da joelheira elástica em indivíduos com osteoartrite simples, pois não requerem conhecimentos específicos para sua aplicação.23,24 Assim, o uso da joelheira pode ser efetivo durante atividades estáticas e dinâmicas. No presente estudo foi possível observar melhora da capacidade funcional e da dor durante o uso imediato das joelheiras elásticas, mostrando que este pode ser um importante recurso para auxiliar no processo de reabilitação física do paciente que sofre de OA. Tal recurso não pode ser utilizado como única forma de tratamento, devendo ser associado a outras estratégias terapêuticas como emprego de exercícios terapêuticos,25,26 aplicação de laser de baixa intensidade,27 ondas curtas pulsadas28 e também à utilização de tratamentos medicamentosos,29 como a viscossuplementação.30 Uma das limitações deste estudo é que não foi possível acessar os exames radiográficos dos indivíduos estudados, impossibilitando a realização de uma associação entre os resultados obtidos e o grau de comprometimento articular. A joelheira pode ser eficaz nos casos dos pacientes que desejam realizar atividades que desencadeiem os sintomas álgicos, como em alguns exercícios físicos. Contudo, como a OA de joelho é uma doença crônica, mais estudos devem ser realizados para avaliar o uso das joelheiras elásticas a longo prazo, e também a comparação destas com as joelheiras de neoprene. CONCLUSÃO Com base nos achados do presente estudo, observou-se que a joelheira elástica foi eficiente para melhora imediata da capacidade funcional e da dor em indivíduos com OA nos joelhos, pois melhorou o desempenho durante os testes propostos. Sendo assim, conclui-se que se trata de um recurso coadjuvante para o tratamento da OA do joelho por ser prático, útil e de fácil emprego clínico, que pode auxiliar e/ou facilitar na realização de exercícios terapêuticos. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. Barker K, Lamb SE, Toye F, Jackson S, Barrington S. Association between radiographic joint space narrowing, function, pain and muscle power in severe osteoarthritis of the knee. Clin Rehabil 2004; 18(7):793-800. Røgind H, Bibow-Nielsen B, Jensen B, Møller HC, Frimodt-Møller H, Bliddal H. The effects of a physical training program on patients with osteoarthritis of the knees. Arch Phys Med Rehabil 1998; 79(11):1421-7. 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Utilizou-se a escala visual analógica para avaliar dor e para a avaliação global da doença pelo paciente. Incapacidade foi avaliada pelo questionário de avaliação de saúde. Idade, gênero, duração da doença, escolaridade, renda mensal, uso de drogas antirreumáticas e comorbidades foram obtidos. A análise estatística incluiu teste exato de Fisher, Shapiro-Wilk, Kruskal-Wallis e Spearman. O nível de significância foi de 0,05. Resultados: A fadiga mostrou-se significativamente aumentada na osteoartrite em comparação à artrite reumatoide quando se utilizou o questionário de avaliação multidimensional de fadiga (P < 0,05). Dor correlacionou-se com fadiga ao se utilizar a escala visual analógica ou o questionário de avaliação multidimensional de fadiga em artrite reumatoide (r = 0,46; P < 0,05). O questionário de avaliação de saúde foi associado à fadiga por escala visual analógica em osteoartrite (r = 0,54; P < 0,05). Avaliação global da doença pelo paciente correlacionou-se com fadiga pela escala visual analógica (r = 0,44; P < 0,003). Todas as pacientes eram mulheres, predominantemente idosas, com médias de idade semelhantes, longa duração de doença e baixa renda. Conclusões: Nossos resultados confirmam que em pacientes com artrite reumatoide a fadiga correlaciona-se com dor, enquanto em pacientes com osteoartrite ela associa-se à incapacidade. Portanto, fadiga tem diferentes correlatos em osteoartrite e artrite reumatoide. Sugerimos que incapacidade, e não dor, seja o correlato da fadiga em pacientes com osteoartrite. Palavras-chave: artrite reumatoide, osteoartrite, fadiga, dor, incapacidade física. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A fadiga é um sintoma subjetivo de baixa vitalidade, assim como o são cansaço, exaustão, saturação, fraqueza e depleção de energia. Tais sintomas são acompanhados de redução da capacidade física e mental. Em um estudo, fadiga medida pela escala visual analógica (EVA) esteve presente em 88%-98% de pacientes reumáticos.1 Níveis de fadiga clinicamente relevantes foram detectados em cerca de 40%-80% dos pacientes com artrite reumatoide (AR) ou osteoartrite (OA) em outros estudos.1,2 Na AR, mais de 80% dos pacientes têm fadiga (≥ 2 cm, EVA), e mais de 50% a têm em altos níveis (≥ 5 cm, EVA).2 Quarenta por cento dos pacientes com AR apresentam fadiga persistente, determinada pela medida de saúde geral e incapacidade.2 A fadiga diminui com as drogas modificadoras do curso da doença (DMCDs) e com a terapia anti-TNF.3,4 Tal redução acha-se principalmente relacionada à melhora da dor.3 Recebido em 01/12/2010. Aprovado, após revisão, em 01/07/2011. Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse. Suporte financeiro: CNPqCEPE PUCSP-PBIC. Comitê de Ética: FR148764. Centro de Ciências Médicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. 1. Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP 2. Doutoranda em Medicina pela PUC-SP 3. Aprimoranda em Reumatologia pela PUC-SP 4. Professor Titular de Medicina Preventiva e Social da PUC-SP; Professor do Curso de Pós-graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP Correspondência para: Gilberto Santos Novaes. Praça Dr. José Ermírio de Moraes, 290 – Centro. CEP: 18030-230. Sorocaba, SP, Brasil. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2011;51(5):447-455 451 Novaes et al. A fadiga foi menos estudada em pacientes com OA que naqueles com AR, embora altos níveis de fadiga também estejam presentes em pacientes com OA, com impacto substancial em suas vidas.1,5 Um estudo relatou níveis de fadiga mais elevados em pacientes com OA do que naqueles com AR.6 A fadiga em pacientes com OA mostrou-se muito mais relacionada à atividade física, medida como atividades da vida cotidiana, do que à dor momentânea,7 e foi considerada um dos preditores mais fortes de incapacidade funcional em OA.8 A fadiga na AR foi associada a gênero feminino, dor, depressão ou história de distúrbio afetivo, incapacidade funcional, distúrbios do sono, comorbidades e tempo de doença.1,9-13 Não se encontrou relação com inflamação, atividade da doença, nem anemia.1,2,9 A fadiga em pacientes com OA foi descrita em associação com os mesmos correlatos, tais como dor, distúrbios do sono, depressão, incapacidade física e baixo nível de atividade física.1,6-8,14 Mais estudos sobre as correlações em pacientes com OA e AR são necessários para que se aprofunde o conhecimento sobre a fadiga em tais pacientes, assim como para auxiliá-los quanto às estratégias de autocuidado, farmacoterapia, fisioterapia e outros tratamentos para fadiga nessas patologias. Investigamos as possíveis inter-relações de dor, fadiga e incapacidade em pacientes com AR e OA. MÉTODOS População do estudo Este estudo avaliou 20 pacientes com diagnóstico de AR segundo os critérios para a classificação da American Rheumatism Association, revisão de 1987,15 e 20 pacientes com OA.16 Todos os participantes foram recrutados consecutivamente no ambulatório de Reumatologia, do Hospital de Sorocaba, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde estavam em acompanhamento regular. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e informado. Medida de fadiga, dor, incapacidade e avaliação global pelo paciente A fadiga dos pacientes foi avaliada através de EVA, composta por uma linha reta de 10 cm de comprimento, em cujas extremidades estavam assinalados os pontos 0 (sem fadiga) e 10 (a pior fadiga possível). Considerou-se que fadiga estava presente para uma medida de EVA ≥ 2 cm, e em nível alto quando EVA ≥ 5 cm. A fadiga foi também conferida através do questionário de avaliação multidimensional de fadiga (MAF, 452 do inglês, multidimensional assessment of fatigue).10,12 Tal questionário consiste em 16 itens que avaliam aspectos subjetivos da fadiga, tais como quantidade, intensidade, exaustão, impacto e duração. As subescalas são combinadas para criar um índice global de fadiga, que varia de 1 (sem fadiga) até 50 (fadiga extrema). Neste estudo, considerou-se fadiga quando esse índice foi ≥ 10. Avaliou-se dor através da EVA de 10 cm, onde 0 correspondeu a “ausência de dor” e 10 correspondeu a “pior dor possível”. Incapacidade foi avaliada através da versão em português do Questionário de Avaliação de Saúde (HAQ, do inglês, health assessment questionnaire).17 A avaliação global pelo paciente (PGA, do inglês, patient global assessment) foi aferida usando-se uma EVA de 10 cm, onde 0 foi considerado a melhor avaliação da doença (muito bom), e 10 a pior (muito mal). Variáveis socioeconômicas, demográficas e clínicas As seguintes variáveis foram obtidas na visita: idade, gênero, tempo de doença (anos), escolaridade (anos), renda mensal, uso de drogas antirreumáticas e comorbidade. Análise estatística Primeiro, a distribuição das variáveis foi analisada. Para as variáveis quantitativas empregou-se o teste de Shapiro-Wilk, a fim de confirmar a distribuição não paramétrica. Proporções, médias e desvio-padrão foram usados. Para comparar os grupos AR e OA utilizou-se o teste exato de Fisher (variáveis categóricas) ou de Kruskal-Wallis (variáveis quantitativas). A correlação entre variáveis quantitativas foi avaliada pelo teste de Spearman. O nível de significância adotado foi 0,05. RESULTADOS Fadiga avaliada pela EVA foi observada em 17 (85%) pacientes com AR e em 19 (95%) com OA. Altos níveis de fadiga foram detectados em 10 (50%) pacientes com AR e em 18 (90%) pacientes com OA. Quando se utilizou o questionário MAF, 20 (100%) pacientes com AR e 19 (95%) com OA mostraram fadiga. A fadiga medida pelo questionário MAF foi significativamente maior em pacientes com OA do que naqueles com AR (P < 0,05). A Tabela 1 mostra a análise socioeconômica e demográfica e as características clínicas. Em geral, os pacientes dos dois grupos eram semelhantes: todas mulheres, com doença de longo tempo e baixa renda. As pacientes com AR tinham doença de longa duração e menos comorbidades em comparação àquelas com OA. A comorbidade mais frequente nos dois Rev Bras Reumatol 2011;51(5):447-455 Correlação de fadiga com dor e incapacidade na artrite reumatoide e na osteoartrite, respectivamente Tabela 1 Análise dos parâmetros socioeconômicos, demográficos e clínicos Correlação entre MAF e dor em AR 12 AR (n = 20) OA (n = 20) Idade, anos 53,4 ± 10,6 54 ± 6,2 Gênero: feminino, % 100,0 100,0 Tempo de doença, anos 9,40 ± 6,22* 4,55 ± 3,10 Escolaridade, anos 3,90 ± 2,78 4,03 ± 3,44 Salário mensal, US$ 596 ± 325 493 ± 264 Comorbidades, % pacientes 85,0 100,0 10 D O R 8 6 4 2 0 0 Valores expressos como média ± DP. * P < 0,05. AR: artrite reumatoide; OA: osteoartrite. 10 20 30 40 50 60 MAF Figura 2 Correlação de escores de dor e do questionário MAF em pacientes com AR (r = 0,46). MAF: avaliação multidimensional de fadiga; AR: artrite reumatoide. 50 45 40 35 E s c o r e s Correlação entre MAF e HAQ em OA 30 25 AR 3 20 OA 2,5 15 10 H 2 A Q 1,5 5 0 Dor HAQ PGA MAF EVA 1 0,5 Figura 1 Fadiga e correlatos em AR e OA. Os escores de dor associaram-se à fadiga medida pela EVA e pela MAF em pacientes com AR. O escore de HAQ correlacionou-se com fadiga medida pela MAF em pacientes com OA. A PGA correlacionou-se com fadiga medida pela EVA em pacientes com AR. *P < 0,05. HAQ: questionário de avaliação de saúde; PGA: avaliação global pelo paciente; MAF: avaliação multidimensional de fadiga; EVA: escala visual analógica; AR: artrite reumatoide; OA: osteoartrite. grupos foi hipertensão arterial (35% em pacientes com AR e 50% naquelas com OA), diabetes mellitus (15% em AR e 5% em OA) e gastropatia (10% em AR e 15% em OA). Não houve associação entre fadiga medida pela EVA ou pelo questionário MAF e escolaridade, categorias de renda, uso de drogas antirreumáticas e comorbidades. A Figura 1 mostra a análise da fadiga e correlatos. O escore de dor correlacionou-se significativamente com fadiga medida pela EVA e pelo questionário MAF nas pacientes com AR (P < 0,05; Rev Bras Reumatol 2011;51(5):447-455 0 0 10 20 30 40 50 60 70 MAF Figura 3 Correlação de escores do HAQ e do questionário MAF em pacientes com OA (r = 0,54). MAF: avaliação multidimensional de fadiga; HAQ: questionário de avaliação de saúde; OA: osteoartrite. r = 0,46). O escore do HAQ correlacionou-se significativamente com fadiga medida pelo questionário MAF em pacientes com OA (P < 0,05; r = 0,54). A PGA correlacionou-se com fadiga medida por EVA em pacientes com AR (P < 0,003; r = 0,44). Não se observou correlação entre PGA e fadiga em pacientes com OA. A Figura 2 mostra a correlação entre dor e o escore do questionário MAF em pacientes com AR (r = 0,46), e a Figura 3 apresenta a correlação entre o escore do HAQ e o do questionário MAF em pacientes com OA (r = 0,54). 453 Novaes et al. Em resumo, fadiga refletiu dor e associou-se a ela em pacientes com AR, enquanto em pacientes com OA a fadiga associou-se à incapacidade. DISCUSSÃO Neste estudo, a fadiga foi avaliada nos dois grupos de pacientes (AR e OA) usando-se a EVA e o questionário MAF, e tais medidas foram comparadas com parâmetros socioeconômicos, demográficos e clínicos, tais como escolaridade, tempo de doença, dor, escore do HAQ e PGA. Observou-se diferença entre a fadiga da AR e da OA e a avaliação de dor e incapacidade: fadiga foi associada de maneira significativa à dor em pacientes com AR e à incapacidade em pacientes com OA. Entretanto, em outro estudo, pacientes com AR mostraram níveis mais elevados de fadiga avaliada pela EVA do que pacientes com OA.18 Um outro estudo relatou níveis mais elevados de fadiga em pacientes com OA em comparação aos com AR.6 Em nosso estudo, níveis mais elevados de fadiga foram observados em pacientes com OA do que naqueles com AR, quando se usou o questionário MAF. A correlação de dor e fadiga foi exaustivamente relatada em pacientes com AR, e, em geral, dor, depressão e fadiga correlacionaram-se de maneira significativa e positiva.1,3,4,10,12,19-22 Stebbing et al.22 relataram que, em pacientes com AR, a fadiga não se associou significativamente a dor, atividade da doença, incapacidade nem erosão, mas associou-se a depressão e ansiedade. Os autores também relataram maiores escores do questionário MAF em pacientes com OA, e isso dependeu da incapacidade.22 Segundo nossos achados, fadiga em pacientes com AR associou-se fortemente à dor, independentemente da escala usada para avaliá-la. Esse fato é consistente com a percepção de que a melhora da fadiga com drogas antirreumáticas, vista em pacientes com AR, depende da melhora da dor.3,4 Nossos resultados também indicam que fadiga em pacientes com OA correlacionou-se com incapacidade medida no questionário MAF. Há evidência de que fadiga mais intensa em pacientes com OA não é relacionada ao aumento da dor, mas à incapacidade física e psicológica.6,7,14 Pacientes com OA descreveram a fadiga como tendo impacto em sua função física e habilidade de participar das atividades sociais e da vida cotidiana.5 Em um estudo, mulheres jovens com AR e múltiplas tarefas diárias pareceram mais vulneráveis ao impacto negativo da fadiga.23 Nossos resultados sugerem que a fadiga de pacientes com OA será mais bem tratada e resolvida com uma estratégia para superar a incapacidade do que a dor. As atividades da vida cotidiana representadas pelo escore do HAQ podem ser afetadas por comorbidades, mas a extensão 454 e a doença específica responsável por esse comprometimento ainda não foi estabelecida. Estudos adicionais devem ser realizados para confirmar os achados e melhorar a compreensão sobre a fadiga de pacientes com AR e OA. Em resumo, nossos resultados confirmam que a fadiga em pacientes com AR correlaciona-se com a intensidade da dor, enquanto que em pacientes com OA associa-se à incapacidade. Portanto, fadiga tem diferentes correlatos em OA e AR. Sugerimos que incapacidade, e não dor, seja o correlato da fadiga em pacientes com OA. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. Wolfe F, Hawley DJ, Wilson K. The prevalence and meaning of fatigue in rheumatic disease. J Rheumatol 1996; 23(8):1407-17. Repping-Wuts H, Fransen J, van Achterberg T, Bleijenberg G, van Riel P. Persistent severe fatigue in patients with rheumatoid arthritis. J Clin Nurs 2007; 16(11C):377-83. Pollard LC, Choy EH, Gonzalez J, Khoshaba B, Scott DL. Fatigue in rheumatoid arthritis reflects pain, not disease activity. Rheumatology (Oxford) 2006; 45(7):885-9. Wolfe F, Michaud K. Fatigue, rheumatoid arthritis, and antitumor necrosis factor therapy: an investigation in 24,831 patients. 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Arnett FC, Edworthy SM, Bloch DA, McShane DJ, Fries JF, Cooper NS et al. The American Rheumatism Association 1987 revised criteria for the classification of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum 1988; 31(3):315-24. 16. Kellgren JH, Moore R. Generalized osteoarthritis and Heberden’s nodes. Br Med J 1952; 1(4751):181-7. 17. Ferraz MB, Oliveira LM, Araujo PM, Atra E, Tugwell P. Crosscultural reliability of the physical ability dimension of the health assessment questionnaire. J Rheumatol 1990; 17(6):813-7. 18. Slatkowsky-Christensen B, Mowinckel P, Loge JH, Kylen TK. Health-related quality of life in women with symptomatic hand osteoarthritis: a comparison with rheumatoid arthritis patients, healthy controls, and normative data. Arthritis Rheum 2007; 57(8):1404-9. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):447-455 19. Huyser BA, Parker JC, Thoreson R, Smarr KL, Johnson JC, Hoffman R. Predictors of subjective fatigue among individuals with rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum 1998; 41(12):2230-7. 20. 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Mallmann2, João C. T. Brenol3, Ricardo M. Xavier3, Poli Mara Spritzer4 RESUMO Introdução: O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune com maior prevalência em mulheres. A maior incidência ocorre durante os anos reprodutivos, sugerindo que o estradiol tenha influência na apresentação clínica do LES. Anticorpos anticardiolipina (ac-ACL) estão relacionados com a síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF), mas podem estar presentes em pacientes com LES sem SAF, sendo relacionados com risco cardiovascular e nefrite. Objetivo: Determinar se a presença de ac-ACL está associada a alterações hormonais em uma amostra de mulheres com LES. Métodos: Foram avaliadas 47 mulheres com LES de acordo com os critérios do American College of Rheumatology, com idade média de 30,8 ± 8,12 anos. Nenhuma fazia uso de anticoncepcional hormonal, e a atividade do LES foi estimada pelo índice de atividade da doença (SLEDAI). As pacientes foram estratificadas de acordo com a presença ou não de ac-ACL, e os níveis séricos de estradiol e prolactina foram determinados. Resultados: Nove (19,1%) das 47 pacientes tiveram ac-ACL positivos. Idade, tempo de doença e o SLEDAI foram similares entre os grupos. No entanto, a mediana do estradiol foi menor no grupo com ac-ACL positivo [46,8 (21,0-72,1) pg/mL] com relação ao grupo com ac-ACL negativo [122,3 (64,8-172,7) pg/mL, P = 0,004]. Conclusão: Estes resultados sugerem, pela primeira vez, uma associação inversa entre ac-ACL e níveis de estradiol em pacientes pré-menopáusicas com LES. Considerando que tanto níveis reduzidos de estradiol endógeno quanto presença de ac-ACL estão associados a aterosclerose, este achado pode ser clinicamente relevante em predizer risco cardiovascular e/ou desenvolvimento de SAF no LES. Palavras-chave: anticorpos, anticardiolipina, estradiol, lúpus eritematoso sistêmico, pré-menopausa, prolactina. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A diferença observada na prevalência das doenças autoimunes entre homens e mulheres tem intrigado muitos investigadores e estimulado estudos sobre o papel dos hormônios sexuais na imunidade. Em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES), a prevalência em mulheres durante os anos reprodutivos é de 9:1 com relação aos homens. Além disso, a apresentação clínica parece também diferir entre os gêneros, tendo os homens doença renal mais grave, assim como maior envolvimento neurológico e cardiorrespiratório que as mulheres.1,2 Tem-se demonstrado que os hormônios sexuais como testosterona, estradiol e prolactina exercem influência sobre mecanismos do sistema imunológico em animais e seres humanos, afetando várias funções imunes, incluindo maturação e ativação linfocitária, assim como síntese de Recebido em 14/03/2011. Aprovado, após revisão, em 01/07/2011. Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse. Suporte Financeiro: INCT de Hormônios e Saúde da Mulher/CNPq e FIPE-HCPA. Comitê de Ética: GPPG/HCPA 04-215. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – HCPA/UFRGS. 1. Mestre em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Especialista em Ginecologia e Obstetrícia 2. Professora Titular da Universidade de Caxias do Sul – UCS; Doutora em Ciências Médicas pela UFRGS 3. Professor Adjunto do Departamento de Medicina Interna da UFRGS; Reumatologista do Serviço de Reumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA 4. Professora Titular do Departamento de Fisiologia da UFRGS; Coordenadora da Unidade de Endocrinologia Ginecológica do Serviço de Endocrinologia do HCPA Correspondência para: Poli Mara Spritzer. Serviço de Endocrinologia, HCPA. Rua Ramiro Barcelos, 2350 – CPE 4º andar. CEP: 90035-003. Porto Alegre, RS, Brasil. Telefone: +55 51 3359-8027. E-mail: [email protected] 460 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):456-464 Prolactina, estradiol e anticorpos anticardiolipina em amostra de mulheres pré-menopáusicas com lúpus eritematoso sistêmico: estudo-piloto autoanticorpos e citocinas.3 Os resultados observados são confl itantes com relação ao papel do estrogênio, talvez devido a efeitos distintos deste hormônio em diferentes linhagens celulares. No entanto, considera-se que ele promova um aumento da proliferação celular e da resposta imune humoral.4 Recentemente foi levantada a hipótese de que os hormônios sexuais poderiam estar associados às manifestações da síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF).5,6 Esta síndrome é definida pela presença de anticorpos antifosfolípídeos em pacientes com história de perda fetal e/ou tromboembolismo venoso e arterial recorrentes. Os anticorpos antifosfolipídeos incluem o anticoagulante lúpico, os anticorpos anticardiolipina (ac-ACL) e a anti-β2glicoproteína I, e podem causar um prolongamento nos testes coagulométricos dependentes de fosfolipídios, como o tempo de tromboplastina parcial ativada. Apesar dos achados laboratoriais, pacientes com anticorpos antifosfolipídeos apresentam maior risco para eventos tromboembólicos que para hemorrágicos.5 Os ac-ACL são detectados por ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay) e possuem os isotipos IgG, IgM e IgA. O IgG apresenta forte associação com trombose.7,8 O presente trabalho tem como objetivo avaliar se existe relação entre a presença de ac-ACL (IgG e IgM) e os níveis de estradiol e prolactina em uma amostra de mulheres em idade reprodutiva com diagnóstico de LES. PACIENTES E MÉTODOS O delineamento deste trabalho é o de um estudo transversal, não controlado. Foram incluídas no estudo 47 pacientes pré-menopáusicas, consultando no Serviço de Reumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), que não estivessem em uso de anticoncepcionais hormonais e com quatro ou mais critérios diagnósticos para LES segundo o American College of Rheumatology.9 Pacientes com alterações em provas de função hepática (TGO, TGP ou LDH), insuficiência renal (índices de creatinina acima de 1,5), alteração de função tireoidiana, presença concomitante de outra doença autoimune ou usuárias de drogas que alterem os níveis circulantes de prolactina foram excluídas do estudo. O grau de atividade do LES foi aferido através do índice de atividade da doença (SLEDAI, do inglês, Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index).10,11 Foi considerado LES ativo quando SLEDAI ≥ 4, e inativo quando SLEDAI < 4. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):456-464 Em todas as pacientes foram realizadas dosagens de estradiol e prolactina séricas, por eletroquimioluminescência (Elecsys, Roche Diagnostics, Mannheim, Alemanha), com sensibilidade analítica de 5,0 pg/mL e 0,047 ng/mL, respectivamente. Os valores de referência para estradiol são entre 10 a 520 pg/mL, e para prolactina entre 6,0 e 29,9 ng/mL. A coleta de amostras de sangue para essas dosagens foram simultâneas àquelas realizadas para os exames utilizados para a obtenção do SLEDAI. A positividade para ac-ACL (IgG e IgM) foi avaliada por enzimaimunoensaio, kit Anticardiolipina Hemagen® (Hemagen Diagnostics, Columbia). Valores inferiores a 10 U GPL para IgG e 10 U MPL para IgM são considerados negativos. A sensibilidade relativa do teste é de 95%, e a especificidade de 100% (com concordância de 98% se comparado com o kit de referência fornecido pelo Antiphospholipid Standardization Laboratory). Com base nessas análises, as pacientes foram estratificadas em dois grupos: ac-ACL presentes ou ac-ACL ausentes no soro (IgG ou IgM). No mesmo dia da coleta foi realizada entrevista sobre a história mórbida pregressa e os antecedentes gineco-obstétricos. Adicionalmente, foi feita revisão de prontuário para verificação da presença de diagnóstico prévio de SAF e história de comprometimento de órgãos-alvo. O trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa e Ética em Saúde do HCPA (GPPG 04-215), e foi obtido consentimento pós-informado por escrito de todas as pacientes. Análise estatística Foram descritas as variáveis categóricas pela frequência absoluta e frequência relativa percentual e as variáveis quantitativas por média ± desvio-padrão quando sua distribuição fosse simétrica, ou pela mediana e intervalo interquartil quando assimétrica. Para comparar variáveis com distribuição simétrica entre categorias de variáveis dicotômicas foi usado o teste t de Student, e para aquelas com distribuição assimétrica utilizou-se o teste de Mann-Whitney. O grau de significância aceito foi de 95% (Pα ≤ 0,05). A análise dos dados foi realizada utilizando-se o programa SPSS v.14.0 (Chicago, IL, EUA). RESULTADOS A amostra foi constituída por 47 mulheres pré-menopáusicas com idade média de 30,8 ± 8,12 anos, com diagnóstico de LES. 461 Tiskievicz et al. Tabela 1 Características das pacientes com LES, estratificadas segundo presença ou ausência de ac-ACL (IgG ou IgM) ac-ACL positivo (n = 9) ac-ACL negativo (n = 38) P Idade (anos) 29,75 (3,30) 32,36 (7,56) 0,51a Tempo de doença (anos) 7,0 (8,52) 7,21 (4,70) 0,10a Menarca (anos) 11,75 (2,06) 12,82 (1,58) 0,79a Anti-DNA 1/40 (0-1/200) 0 (0-0) 0,49b SLEDAI 4 (2-9) 2 (0-7) 0,193b Prolactina (ng/mL) 10,68 (8,43-14,04) 13,38 (9,13-20,27) 0,43b (a) Média ± DP; Teste t de Student. (b) Mediana (intervalo IQ); Teste de Mann-Whitney. DISCUSSÃO Neste estudo procuramos correlacionar a presença de ac-ACL, frequentemente encontrados em pacientes com LES e associados à presença de eventos trombóticos e SAF, com os níveis 462 500 96 400 90 300 E2 Entre as participantes do estudo, nove (19,1%) apresentavam positividade para ac-ACL no soro (IgG e/ou IgM). A maioria das pacientes apresentava LES em remissão ou com atividade leve, como pode ser observado pelos escores do SLEDAI (Tabela 1). A Tabela 1 apresenta os dados da amostra das pacientes estudadas, estratificados pela presença ou não de ac-ACL IgG e/ou IgM. Foram avaliados fatores que poderiam influenciar nos níveis de estrogênio. Os grupos foram similares com relação à idade, idade da menarca e ao tempo de doença. Além disso, não houve diferença entre os grupos quanto à atividade lúpica estimada pelo SLEDAI ou presença de anti-DNA. Os níveis de prolactina também foram semelhantes entre os grupos (P = 0,43). A Figura 1 mostra que as pacientes do grupo com ac-ACL presentes tiveram níveis de estradiol significativamente mais baixos que o grupo com anticorpos ausentes: 46,8 (21,0-72,1) versus 122,3 (64,8-172,7) pg/mL, respectivamente (P = 0,004). Não houve diferença significativa nos níveis de estradiol entre as pacientes que coletaram amostras de sangue durante a fase folicular precoce do ciclo menstrual (até o oitavo dia do ciclo) e as que coletaram em outras fases do ciclo menstrual (P = 0,737). Nenhuma das pacientes da amostra tinha história atual ou pregressa de infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC). Não foram encontradas, também, associações entre os níveis de estradiol e presença de vasculite, nefrite ou outras alterações vasculares associadas à SAF. * 23 200 100 0 -100 N= 9 38 positivo negativo Anticorpo anticardiolipina Figura 1 Estradiol sérico em mulheres pré-menopáusicas com ac-ACL positivos ou negativos. de estradiol e prolactina em um grupo de mulheres em idade reprodutiva. Nossos resultados evidenciam que, na amostra estudada, a presença de ac-ACL no soro esteve associada a níveis mais baixos de estradiol. Esse resultado diverge, em parte, da noção de que níveis de estrogênio mais elevados costumam estar associados à produção de autoanticorpos.12 Essa observação é relevante, tendo em vista que tanto deficiência em estrogênios quanto ac-ACL estão relacionados com risco Rev Bras Reumatol 2011;51(5):456-464 Prolactina, estradiol e anticorpos anticardiolipina em amostra de mulheres pré-menopáusicas com lúpus eritematoso sistêmico: estudo-piloto para doença aterosclerótica. Até o momento, a associação entre hipoestrogenismo e presença de ac-ACL em mulheres pré-menopáusicas com LES ainda não havia sido descrita. É amplamente reconhecido que a oxidação da LDL (do inglês, low-density lipoprotein) tem papel importante na aterogênese.13 Estudos recentes têm sugerido que a produção de ac-ACL está relacionada com a exposição a antígenos expressos em células endoteliais em processo de apoptose, bem como com a exposição à LDL oxidada.14 Um estudo publicado por Tuominen et al.15 evidencia que a oxidação do LDL também induz resposta imune a epítopos de cardiolipina oxidada. Alguns autores sugerem que a aterosclerose e a autoimunidade sejam eventos intrinsecamente correlacionados.14 Alguns estudos indicam que o estrogênio endógeno, ao contrário do exógeno, possa diminuir a apoptose das células endoteliais, levando a um efeito cardiovascular protetor.12,16 Nesse sentido, um trabalho publicado em 200817 investigou o efeito in vitro do estrogênio na apoptose de células endoteliais em cultura, demonstrando que o estrogênio inibe, embora de forma incompleta, a apoptose induzida por TNF-α e por LDL oxidada. Dessa forma, uma possível explicação para a associação de baixos níveis de estradiol e presença de ac-ACL seria o aumento de ativação e apoptose endotelial provocado pelos baixos níveis de estrogênio endógeno, levando ao aumento de exposição a antígenos do endotélio e mesmo subendoteliais, como a LDL oxidada. Apesar de se tratar de uma observação original, a revisão da literatura inclui algumas evidências indiretas sobre associação entre estrógenos, SAF e risco cardiovascular. Em 2005, Jara et al.18 publicaram um estudo que compara, pela primeira vez, as diferenças clínicas entre homens e mulheres com SAF no momento do diagnóstico e durante o acompanhamento. Não foi observada diferença entre os gêneros quanto à trombose arterial e venosa ou nos níveis de ac-ACL. No entanto, a incidência de AVC foi maior em mulheres que em homens (31,5% e 10%, respectivamente). Embora a incidência de doença aterosclerótica em mulheres aumente na pós-menopausa com relação ao período da menacme,19 no estudo citado as pacientes eram jovens, mas não tiveram proteção em relação aos homens quando do surgimento de AVC – segundo o autor, provavelmente devido a um possível hipoestrogenismo associado à SAF.18 Existem alguns relatos sobre o efeito da administração exógena de estrogênios. Em um estudo publicado em 2004, Todorova et al.20 investigaram a presença de ac-ACL (IgG e IgM) durante o uso de terapia hormonal por um grupo de mulheres pós-menopáusicas saudáveis, sem história clínica de eventos trombóticos anteriores. As pacientes foram divididas Rev Bras Reumatol 2011;51(5):456-464 em dois grupos: um grupo-controle e um grupo que utilizou terapia hormonal contendo 2 mg de 17-β estradiol mais 1 mg de acetato de noretisterona por seis meses. Não houve mudança significativa na prevalência de ac-ACL positivos no grupo-controle durante os seis meses de acompanhamento. No grupo que utilizou terapia hormonal, os níveis de ac-ACL IgM aumentaram durante o curso da terapia hormonal, sendo a mudança significativa após o terceiro mês de tratamento, ocorrendo uma redução dos níveis deste anticorpo no sexto mês de tratamento, mas sem retorno aos níveis basais.20 Nessa mesma direção, um estudo em animais utilizando ratos C57BL/6 sem doença autoimune21 mostrou que os animais tratados com estrogênio tiveram aumento na expressão de ac-ACL IgG e IgM. Por outro lado, evidências esparsas citadas em artigo de revisão22 indicaram que em chinesas pós-menopáusicas tratadas com derivado de estradiol os níveis de ac-ACL IgG diminuíram e os de HDL (do inglês, high-density lipoprotein) aumentaram. Dessa forma, pode-se especular que os efeitos dos estrogênios sobre a expressão dos anticorpos antifosfolipídeos podem ser dependentes de sua concentração, etnia, origem (endógena vs. exógena) e do estado de ativação endotelial.23 É importante salientar que, no presente trabalho, a diferença nos níveis de estradiol entre os grupos com e sem ac-ACL positivos foi independente das concentrações de prolactina sérica. Hiperprolactinemia é um achado relativamente comum em pacientes com LES e pode induzir à menor secreção ovariana de estradiol através de mecanismos centrais comuns de regulação (via dopamina e hormônio liberador de gonadotrofina hipotalâmicos). A ausência de hiperprolactinemia em nossas pacientes deve-se, provavelmente, à baixa atividade lúpica no momento de sua inclusão no estudo;24,25 porém, mais importante, demonstra que a associação observada entre menores concentrações de estradiol e maior frequência de ac-ACL não foi contaminada por alterações relacionadas com a prolactina. CONCLUSÃO Observou-se que em pacientes lúpicas pré-menopáusicas a presença de anticorpos antifosfolipídeos esteve associada a níveis circulantes mais baixos de estradiol, sem correlação com os níveis de prolactina. Para explicar a associação inversa entre os níveis de estradiol e a presença de ac-ACL, podemos especular que com a diminuição dos níveis de estrogênio há um aumento da apoptose, com consequente exposição a antígenos que aumentam a expressão de ac-ACL. Essa observação, se confirmada em outros estudos, levanta questões interessantes 463 Tiskievicz et al. sobre a inter-relação entre estrogênios, endotélio e autoimunidade, com impacto potencial no risco de tromboses e de doença cardiovascular. Assim, estudos longitudinais são necessários para avaliar se níveis reduzidos de estradiol em mulheres com LES no menacme podem ser considerados marcadores de risco para aterosclerose e AVC, independente de SAF. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. Yacoub Wasef SZ. Gender differences in systemic lupus erythematosus. Gend Med 2004; 1(1):12-7. 2. de Carvalho JF, do Nascimento AP, Testagrossa LA, Barros RT, Bonfá E. Male gender results in more severe lupus nephritis. Rheumatol Int 2010; 30(10):1311-5. 3. Zandman-Goddard G, Peeva E, Shoenfeld Y. Gender and autoimmunity. Autoimmun Rev 2007; 6(6):366-72. 4. Cutolo M, Brizzolara R, Atzeni F, Capellino S, Straub RH, Puttini PC. 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Rev Bras Reumatol 2011;51(5):456-464 ARTIGO ORIGINAL Estudo da frequência dos alelos de HLA-DRB1 em pacientes brasileiros com artrite reumatoide Magali Justina Gómez Usnayo1, Luis Eduardo Coelho Andrade2, Renata Triguenho Alarcon3, Juliana Cardoso Oliveira4, Gustavo Milson Fabrício Silva4, Izidro Bendet5, Rufus Burlingame6, Luis Cristóvão Porto7, Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro8 RESUMO Os alelos HLA-DRB1, que codificam uma sequência de aminoácidos (QKRAA/QRRAA/RRRAA) nas posições 70 a 74 da terceira região hipervariável da cadeia β1 do gene DRB1, denominada epítopo compartilhado (EC), estão associados a maior suscetibilidade e gravidade para artrite reumatoide (AR) em diversas populações. Objetivo: Determinar a frequência dos alelos HLA-DRB1 em pacientes brasileiros com AR, e sua associação a fator reumatoide (FR) e anticorpos antipeptídeos citrulinados (ACPA). Material e métodos: Foram incluídos 412 pacientes com AR e 215 controles. A tipificação HLA-DRB1 foi realizada pela reação em cadeia da polimerase (PCR) usando primers específicos e hibridização com oligonucleotídeos de sequência específica (SSOP). A pesquisa de ACPA foi determinada pela técnica de ELISA, e a do FR por nefelometria. Para análises estatísticas foram utilizados os testes do qui-quadrado e t de Student e a regressão logística. Resultados: Alelos HLA-DRB1*04:01, *04:04 e *04:05 associaram-se à AR (P < 0,05)); a despeito do amplo intervalo de confiança, vale a pena ressaltar a associação observada entre o alelo DRB1*09:01 e a doença (P < 0,05). Alelos HLA-DRB1 EC+ foram observados em 62,8% dos pacientes e em 31,1% do grupo-controle (OR 3,62; P < 0,001) e estiveram associados a ACPA (OR 2,03; P < 0,001). Alelos DRB1-DERAA mostraram efeito protetor para AR (OR 0,42; P < 0,001). Conclusão: Em uma amostra de pacientes brasileiros com AR de etnia majoritariamente mestiça, alelos HLA-DRB1 EC+ estiveram associados à suscetibilidade à doença e à presença de ACPA. Palavras-chave: HLA-DRB1, epítopo compartilhado, artrite reumatoide, polimorfismo gênico, imunogenética. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A artrite reumatoide (AR) é uma doença sistêmica crônica, caracterizada pelo acometimento inflamatório da membrana sinovial das articulações, levando à destruição óssea e cartilaginosa. Sua prevalência na população adulta mundial é de 0,5% a 1%, e no Brasil é de 0,46%.1 Apresenta pico de incidência entre a quarta e a sexta décadas, e é duas a três vezes mais frequente em mulheres que em homens.2 Embora sua etiologia permaneça desconhecida,3 vários estudos sugerem que uma combinação de fatores genéticos e ambientais esteja envolvida. O fator genético contribui com cerca de 60% da suscetibilidade para AR.4 Embora o papel da hereditariedade não esteja completamente compreendido, Recebido em 19/6/2011. Aceito, após revisão, em 21/6/2011. Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse. Comitê de Ética: CEP-HUPE 2169. Apoio financeiro: Centro de Estudos em Reumatologia Pedro Ernesto – CERPE. Disciplina de Reumatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto – UERJ. 1. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ 2. Professor-Associado da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 3. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Reumatologia da UNIFESP 4. Biólogo-Assistente do Laboratório de Histocompatibilidade e Criopreservação da UERJ e Doutorando do Programa de Pós-graduação em Biologia Humana e Experimental da UERJ 5. Consultor Científico de Imunologia do Sérgio Franco Medicina Diagnóstica – DASA 6. Cientista sênior da INOVA Diagnostics, Inc. San Diego, California, EUA 7. Professor Titular do Departamento de Histologia e Embriologia e Coordenador do Laboratório de Histocompatibilidade e Criopreservação da UERJ 8. Professor Adjunto da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ Correspondência para: Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro. Boulevard 28 de Setembro, 77 – sala 333 – Vila Isabel. CEP: 20551-030. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Telefone: +55 21 2868-8216. Email: [email protected] 474 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):465-483 Estudo da frequência dos alelos de HLA-DRB1 em pacientes brasileiros com artrite reumatoide o fator de risco predominante, responsável por 30% a 50% do componente genético, parece estar ligado aos antígenos leucocitários humanos (HLA, do inglês, human leukocyte antigen). O HLA localiza-se no complexo principal de histocompatibilidade (MHC, do inglês, major histocompatibility complex) presente no braço curto do cromossoma 6 (6p21.3).5 Um grupo de alelos do lócus HLA-DRB1 (DRB1*01:01, DRB1*01:02, DRB1*04:01, DRB1*04:04, DRB1*04:05, DRB1*04:08, DRB1*04:10, DRB1*10:01, DRB1*14:02) codifica uma sequência de aminoácidos compartilhada (QKRAA/QRRAA/RRRAA, onde Q = glutamina; K = lisina; R = arginina e A = alanina), localizada no sulco de ligação ao peptídeo, nas posições 70 a 74 da terceira região hipervariável da molécula HLA-DR, sequência esta denominada de epítopo compartilhado (EC).6 Acredita-se que o EC esteja envolvido na patogênese da AR, por servir de local de ligação no processo de apresentação de peptídeos artritogênicos para as células T CD4+ envolvidas na resposta imunoinflamatória dessa doença. Além disso, o EC pode estar envolvido no processo de indução de algumas células B a diferenciarem-se em plasmócitos, levando à formação dos anticorpos antipeptídeos citrulinados (ACPA, do inglês, anti-citrullinated peptides antibody).7 Além do seu papel na suscetibilidade para AR, alelos que contêm as sequências do EC (principalmente homozigotos) estão associados às formas mais graves da enfermidade e às manifestações extra-articulares,8 bem como à presença de doença erosiva.9,10 Estudos realizados em diversos grupos étnicos mostraram a existência de variações consideráveis com relação à associação dos alelos de HLA-DRB1 com a suscetibilidade à AR.11 Alelos HLA-DRB1*04:01 e *04:04 estão associados à suscetibilidade à doença em indivíduos caucasianos do norte da Europa e dos Estados Unidos;12 o DRB1*04:05 em coreanos, japoneses e chineses;13,14 o DRB1*01:01 e o *10:01 em gregos, espanhóis e judeus israelenses;15,16 o DRB1*14:02 em índios nativos americanos, peruanos17,18 e equatorianos;19 o DRB1*04:04 em colombianos e argentinos.20,21 No Brasil, Bertolo et al.22 observaram associação da AR ao DRB1*01:01 e *01:02 em 65 pacientes caucasianos. Mais recentemente, Louzada-Junior et al.23 encontraram associação da doença aos alelos DRB1*04:01, *04:04, *04:05, *01:01 e *10:01 em 140 pacientes, de maioria étnica caucasiana. Em contrapartida, os alelos HLA-DRB1, com uma sequência de aminoácidos comum, DERAA (D = ácido aspártico, E = ácido glutâmico, R = arginina, A = alanina), expressa nos alelos DRB1*01:03, *04:02, *11:02, *11:03, *13:01, 13:02 e *13:04, parecem estar associados a menor risco para o desenvolvimento da AR, independentemente da presença do EC. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):465-483 A presença desses alelos parece também ser protetora contra doença erosiva grave, mesmo em pacientes com ACPA.24,25 Os principais marcadores imunológicos da AR, fator reumatoide (FR) e ACPA, aparentemente também estão envolvidos na patogênese da sinovite reumatoide. A presença de títulos elevados de ambos foi associada à doença mais agressiva e erosiva.26,27 Alguns estudos em pacientes com AR têm mostrado resultados contraditórios com relação à associação do EC e à positividade do FR.28,29 Ao mesmo tempo, parece haver uma associação dos alelos EC+ apenas em pacientes com AR que apresentam ACPA positivos,30 e que essa associação seria mais intensa com ACPA que com a própria AR.31 Tal associação sugere que os alelos EC poderiam influenciar a apresentação do antígeno levando à produção de ACPA. Mais recentemente, foi observado que o risco conferido pelo tabagismo, principal fator ambiental, é particularmente elevado nos indivíduos que possuem alelos HLA-DR EC+ com ACPA.32 Tendo em conta a diversidade dos resultados da literatura referentes à associação de alelos HLA-DRB1 à AR em diferentes etnias, o objetivo do presente estudo foi determinar a associação entre esses alelos e a AR, incluindo a presença de FR e/ou ACPA em uma população de pacientes brasileiros altamente miscigenados. MATERIAL E MÉTODOS Pacientes e controle Nosso estudo foi tipo caso-controle, em que foram incluídos pacientes com AR. Todos preencheram pelo menos quatro dos sete critérios para classificação diagnóstica da AR estabelecidos pelo American College of Rheumatology (ACR).33 Os pacientes selecionados não apresentavam outras doenças autoimunes e eram acompanhados regularmente nos ambulatórios de AR das disciplinas de Reumatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), e do Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), de outubro de 2007 a agosto de 2009. No grupo-controle foram incluídos indivíduos doadores voluntários de medula óssea, de campanhas de doação realizadas em diferentes bairros do Rio de Janeiro, de maio de 2008 a novembro de 2009. A faixa etária dos doadores foi de 18 a 55 anos, eram de ambos os gêneros e não apresentavam queixa atual ou passada de artrite. Também não foram incluídas pessoas com história familiar de AR ou outras doenças autoimunes em parentes de primeiro grau. Foram selecionados os maiores de 30 anos, para minimizar o viés de análise quanto ao possível diagnóstico futuro dessa doença neste grupo. 475 Usnayo et al. Após serem informados sobre a natureza do estudo e terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os participantes foram submetidos a uma entrevista clínica, com ficha padronizada para os dois grupos. Foram registrados dados demográficos para ambos os grupos, além de características clínicas para o grupo dos pacientes. Ambos os grupos tiveram amostra de sangue coletada para tipificação do HLA. O grupo de pacientes foi submetido, também, à detecção de autoanticorpos (FR e ACPA). Os grupos foram pareados para gênero e etnia. A atribuição da origem étnica foi realizada pelo mesmo investigador, após solicitar aos pacientes e doadores voluntários dados sobre sua ascendência. Foi considerado de etnia negra ou caucasiana aquele indivíduo com os quatro avôs com ascendência negra ou caucasiana, respectivamente, e mestiço quando pelo menos um dos avôs era de etnia diferente. Não foram incluídos descendentes de asiáticos, com a finalidade de evitar viés de seleção. Em ambos os grupos foram excluídos os indivíduos que não possuíam quantidade de DNA ou soro suficientes para uma adequada análise da tipificação do HLA ou dosagem dos autoanticorpos. Não foram incluídas também pessoas cuja tipificação mostrou resultado ambíguo. Tipificação HLA-DRB1 Os alelos HLA-DRB1 foram determinados para todos os pacientes com AR e controles. A tipificação HLA foi realizada pela reação em cadeia da polimerase (PCR) usando primers específicos e hibridização com oligonucleotídeos de sequência específica ((SSOP, do inglês, sequence-specific oligonucleotide probe) (One Lambda Inc., Canoga Park, CA, EUA). Definição dos alelos HLA-DRB1 de risco para AR Todo indivíduo com tipificação para os alelos HLA-DRB1*01:01, *01:02, *04:01, *04:04, *04:05, *04:08, *04:10, *10:01 e *14:02 foi considerado portador do epítopo compartilhado (EC+), podendo ser em uma dose (EC+/-) ou dose dupla (EC+/+). Associações de risco para AR entre alelos HLADRB1 foram realizadas a partir de combinações genotípicas estabelecidas na ausência de EC (-/-), na presença de uma dose do EC (+/-) ou de dose dupla do EC (+/+). A associação do HLA-DRB1 com as características sorológicas nos pacientes com AR também foi realizada. Definição dos alelos HLA-DRB1 de proteção para AR Todo indivíduo com tipificação para os alelos HLA-DRB1*01:03, *04:02, *11:02, *11:03, *13:01, *13:02 e *13:04 foi definido 476 como portador da sequência DERAA (protetora), podendo ser em uma dose ou em dose dupla. Os indivíduos cuja tipificação compreendia alelos não pertencentes à sequência do EC ou à sequência DERAA foram definidos com X, podendo estar em uma dose ou em dose dupla. Assim, formaram-se seis grupos de indivíduos para análise, de acordo com a presença dos alelos DRB1: Grupo A: dose dupla (homozigotos) para EC (EC/EC); Grupo B: dose única (heterozigoto) alelo EC (EC/X); Grupo C: dose única de EC e de DERAA (EC/DERAA); Grupo D: ausência de EC e de DERAA (X/X); Grupo E: dose única de DERAA (DERAA/X); Grupo F: dose dupla de DERAA (DERAA/DERAA). Determinação de FR e ACPA A detecção do ACPA foi realizada empregando o QUANTA Lite ® de 2ª geração CCP ELISA (INOVA Diagnostics, Inc – San Diego, EUA) de acordo com as instruções do fabricante. A quantificação de FR IgM foi realizada pela técnica de nefelometria (Dade Behring Marburg GmbH – Alemanha). Para o FR IgM foram considerados positivos títulos > 20 UI/mL, e elevados quando > 100 UI/mL. Para o ACPA foram considerados positivos títulos > 20 U/mL, e elevados quando > 60 U/mL. Análise estatística Os dados foram analisados utilizando o programa Epi Info 6. A análise da associação entre as variáveis categóricas foi feita pelo teste do qui-quadrado (com correção de Yates) ou teste exato de Fisher. As variáveis quantitativas com distribuição normal foram testadas utilizando-se teste t de Student para amostras independentes ou Mann-Whitney e análises de variância. Valores de P < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Análise de regressão logística foi utilizada para categorizar o risco de associação dos alelos HLA-DRB1. RESULTADOS Foram incluídos no estudo 412 (95%) dos 430 pacientes com AR e 215 (74%) dos 290 controles doadores voluntários de medula óssea. As características de gênero e etnia foram similares em ambos os grupos (P = 0,722 e P = 0,552). Os demais dados demográficos, clínicos e laboratoriais dos pacientes com AR e do grupo-controle encontram-se descritos na Tabela 1. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):465-483 Estudo da frequência dos alelos de HLA-DRB1 em pacientes brasileiros com artrite reumatoide Associação de grupos alélicos HLA-DRB1 com AR *09 (OR = 5,19) e *14 (OR = 2,26) estiveram associados à suscetibilidade à AR (P < 0,05), enquanto os alelos DRB1*11 (OR = 0,45) e *13 (OR = 0,53) estiveram associados à proteção ao desenvolvimento da AR (P < 0,05). De forma semelhante, quando realizamos a tipificação dos alelos HLA-DRB1 por alta A Tabela 2 mostra a distribuição das frequências de grupos alélicos do HLA-DRB1 e a associação à suscetibilidade e proteção para AR entre 412 pacientes com AR e 215 voluntários do grupo-controle. Alelos HLA-DRB1*04 (OR = 2,69), Tabela 1 Caracterização demográfica e clínico-laboratorial de pacientes com AR e grupo-controle Variável AR (n = 412) Controle (n = 215) P Idade (média ± DP, anos) 51,8 ± 11,5/52,5 42,6 ± 5,4 < 0,001 Gênero feminino (%) 376 (90,8) 198 (92,1) 0,722 Etnia 0,552 Mestiços (%) 272 (66) 147 (68,4) Brancos (%) 111 (27) 58 (27) Negros (%) 29 (7) 10 (4,7) Tempo de doença (média ± DP, anos) 9,2 ± 7,5 — FR+ (%) 257 (62,5) — Titulação do FR (média ± DP, UI/mL) 288 ± 668 — ACPA+ (%) 294 (71,3) — TTitulação do ACPA (média ± DP, U/mL) 135 ± 51,5 — AR: artrite reumatoide; ACPA: anticorpo antipeptídeo citrulinado; FR: fator reumatoide; DP: desvio-padrão. Tabela 2 Frequências dos grupos alélicos do HLA-DRB1 (baixa resolução) em pacientes com AR e grupo-controle Grupo alélico AR = 412, n(%) Controle = 215, n(%) OR 95% IC P *01 113 (14) 45 (10,5) 1,36 0,93-2,00 NS *03 73 (9) 54 (12,5) 0,68 0,46-1,00 NS *04 186 (22,5) 42 (10) 2,69 1,86-3,92 0,001 *07 79 (9,5) 52 (12) 0,77 0,52-1,14 NS *08 38 (5) 20 (5) 0,99 0,55-1,79 NS *09 29 (3,5) 3 (1) 5,19 1,50-21,49 0,004 *10 27 (3) 14 (3) 1,01 0,50-2,04 NS *11 53 (6) 57 (13) 0,45 0,30-0,68 0,001 *12 12 (1,5) 9 (2) 0,69 0,27-1,79 NS *13 85 (10) 77 (18) 0,53 0,37-0,75 0,001 *14 38 (5) 9 (1) 2,26 1,04-5,09 0,038 *15 64 (8) 43 (10) 0,76 0,50-1,16 NS 1,29 0,61-2,80 NS *16 27 (3) 11 (2,5) TOTAL 824 430 AR: artrite reumatoide; OR: razão de risco; NS: não significante. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):465-483 477 Usnayo et al. Tabela 3 Frequência alélica do HLA-DRB1 em pacientes com AR e grupo-controle Alelos HLA-DRB1 AR = 824, n(%) Controle = 430, n(%) OR 95% IC P *01:01 68 (8,3) 26 (6) 1,40 0,86-2,29 NS *01:02 41 (5 ) 17 (4) 1,27 0,69-2,36 NS *01:03 4 (0,5) 2 (0,5) 1,04 0,16-8,22 NS *03 73 (8,8) 54 (12,5) 0,68 0,46-1,00 NS *04:01 41 (5) 8 (1,9) 2,76 1,23-6,44 0,010 *04:02 14 (1,7) 5 (1,2) 1,47 0,49-4,70 NS *04:03 9 (1,1) 5 (1,2) 0,94 0,29-3,23 NS *04:04 42 (5) 6 (1,4) 3,80 1,53-10,0 0,002 *04:05 48 (5,8) 10 (2,3) 2,60 1,25-5,53 0,007 *04:06 3 (0,4) 1 (0,2) 1,57 0,15-39,2 NS *04:07 7 (0,8) 3 (0,7) 1,22 0,28-5,97 NS *04:08 12 (1,5) 0 (0,0) ND ND NS *04:10 3 (0,4) 0 (0,0) ND ND NS *04:11 7 (0,8) 4 (0,9) 0,91 0,24-3,72 NS *07 79 (9,6) 52 (12,1) 0,77 0,52-1,14 NS *08 38 (4,6) 20 (4,7) 0,99 0,55-1,79 NS *09:01 29 (3,5) 3 (0,7) 5,19 1,50-21,49 0,004 *10:01 27 (3,3) 8 (1,9) 1,79 0,77-4,31 NS *11 53 (6,4) 57 (13,2) 0,45 0,30-0,68 0,001 *12 12 (1,4) 9 (2,1) 0,69 0,27-1,79 NS *13 85 (10,3) 77 (17,9) 0,53 0,37-0,75 0,001 *14:01 20 (2,4) 6 (1,4) 1,76 0,66-4,92 NS *14:02 18 (2,2) 3 (0,7) 3,18 0,88-13,63 NS *15 64 (7,8) 43 (10) 0,76 0,50-1,16 NS *16 27 (3,3) 11 (2,6) 1,29 0,61-2,80 NS AR: artrite reumatoide; OR: razão de risco; NS: não significante. resolução (Tabela 3), a análise das frequências alélicas mostrou que os alelos *DRB1*04:01 (OR = 2,76), *04:04 (OR = 3,80), *04:05 (OR = 2,60) e *09:01 (OR = 5,19) estiveram associados à suscetibilidade à AR (P < 0,05). Associação dos alelos HLA-DRB1 do EC na suscetibilidade à AR A Tabela 4 mostra a distribuição de pacientes com AR e indivíduos do grupo-controle de acordo com a presença dos alelos HLA-DRB1 EC+. Observamos maior frequência de genótipos heterozigotos (51%) que homozigotos (11%) no grupo de pacientes, estando ambos associados à 478 suscetibilidade à AR (OR = 2,90, P < 0,001 e OR = 2,27, P < 0,001, respectivamente). Por fim, observamos frequência aumentada do EC no grupo de pacientes com AR (62,8%) quando comparados com os controles (31,1%), conferindo um OR = 3,59 (P = 0,05). A análise de regressão logística dos dados dos pacientes com AR e grupo-controle com genótipos homozigotos e heterozigotos HLA-DRB1 com EC+ e DRB1 sem EC- mostrou risco aumentado para a doença de 3,86 vezes mais entre pacientes que apresentam genótipos homozigotos (IC 95% 1,84-8,24; P < 0,001), e de 3,54 vezes mais entre os que apresentam genótipos heterozigotos (IC 95% 2,40-5,21; P < 0,001). Rev Bras Reumatol 2011;51(5):465-483 Estudo da frequência dos alelos de HLA-DRB1 em pacientes brasileiros com artrite reumatoide Tabela 4 Especificidades individuais de HLA-DRB1 associados à AR entre brasileiros de acordo com genótipos relacionados à presença do EC EC e genótipo AR = 412, n(%) Controle = 215, n(%) OR 95% IC P Alelos EC+/EC- 210 (51) 56 (26) 2,90 1,99-4,23 < 0,001 *01:01 48 (11,6) 18 (8,3) 1,44 0,79-2,65 0,257 *01:02 32 (7,7) 11 (5,1) 1,56 0,74-3,37 0,280 *04:01 23 (5,5) 6 (2,7) 2,06 0,78-5,74 0,167 *04:04 27 (6,5) 4 (1,8) 3,70 1,21-12,54 0,017 *04:05 35 (8,4) 7 (3,2) 2,76 1,15-6,94 0,020 *04:08 8 (1,9) — NS — 0,092 *04:10 3 (0,7) — NS — 0,519 *10:01 21 (5) 7 (3,2) 1,60 0,63-4,20 0,392 *14:02 13 (3,1) 3 (1,3) 2,30 0,61-10,28 0,289 Alelos EC+/ EC+ 45 (11) 11 (5) 2,27 1,11-4,77 0,023 *01:01/*01:01 1 (0,2) 1 (0,4) NS NS NS *01:02/*01:02 1 (0,2) 1 (0,4) NS NS NS *04:01/*04:01 1 (0,2) — NS NS NS *04:04/*04:04 3 (0,7) — NS NS NS *04:05/*04:05 1 (0,2) — NS NS NS *14:02/*14:02 1 (0,2) — NS NS NS *01:01/*04:01 8 (1,9) 2 (0,9) 2,11 0,41-14,50 0,532 *01:01/*04:04 3 (0,7) — NS NS NS *01:01/*04:05 3 (0,7) 2 (0,9) NS NS NS *01:01/*10:01 2 (0,5) — NS NS NS *01:02/*04:01 2 (0,5) — NS NS NS *01:02/*04:04 3 (0,7) 1 (0,9) NS NS NS *04:01/*04:05 3 (0,7) 1 (0,9) NS NS NS *04:01/*10:01 2 (0,5) — NS NS NS *04:05/*10:01 2 (0,5) — NS NS NS Outros 9 (2,2) 3 (1,3) 1,58 0,39-7,43 0,705 Total EC+ 255 (62,8) 67 (31,1) 3,59 2,49-5,17 < 0,001 AR: artrite reumatoide; EC+: epítopo compartilhado positivo; EC-: epítopo compartilhado negativo; OR: razão de risco; NS: não significante. Associação dos alelos HLA-DRB1-DERAA na proteção ao desenvolvimento da AR Avaliando a influência da presença de alelos DERAA, observamos que 79 (19%) pacientes com AR e 78 (36%) controles possuem os alelos de HLA-DRB1 codificando DERAA, o que indica que sua presença confere proteção para AR (OR = 0,42; IC 95% 0,28-0,61; P < 0,001). Rev Bras Reumatol 2011;51(5):465-483 O efeito de alelos DERAA na ausência de alelos EC foi avaliado comparando os grupos D (X/X) e E (X/DERAA) mais o grupo F (DERAA/DERAA). Indivíduos com DERAA positivo tiveram menor risco para desenvolver AR (OR = 0,56; IC 95% 0,34-0,92; P = 0,021). A comparação entre os grupos B (EC/X) e C (EC/DERAA) revelou que, na presença de um alelo EC, a codificação de alelos DERAA conferiu menor suscetibilidade para AR, embora sem significância estatística (OR = 0,60; IC 95% 0,28-1,29; P = 0,216) (Tabela 5). 479 Usnayo et al. Tabela 5 Frequências de genótipos HLA-DRB1 de suscetibilidade (EC) e proteção (DERAA) em pacientes com AR e grupo-controle Grupo Genótipo HLA-DRB1 AR = 412, n(%) Controle = 215, n(%) A EC/EC 45 (10,9) 11 (5,1) B EC/X 175 (43,2) 42 (19,5) C EC/DERAA 35 (7,7) 14 (6,5) D X/X 110 (26,6) 84 (39,1) E X/DERAA 43 (10,4) 57 (26,5) F DERAA/DERAA 4 (0,9) 7 (3,3) Alelos EC são HLA-DRB1 *01:01, *01:02, *04:01, *04:04, *04:05, *04:08, *10:01 e *14:02. Alelos DERAA são HLA-DRB1 *01:03, *04:02, *11:02, *11:03, *13:01, *13:02 e *13:04. Alelos X são todos os outros alelos HLA-DRB1. OR, IC 95% e valor P dos seguintes dados: Grupo B comparado ao grupo C: OR 0,60; IC 95% 0,28-1,29; P = 0,216. Grupo D comparado aos grupos E e F: OR 0,56; IC 95% 0,34-0,92; P = 0,021. Grupo A mais B comparado ao grupo D: OR 3,17; IC 95% 2,05-4,90; P = 0,00. Tabela 6 Frequência de alelos HLA-DRB1 EC e autoanticorpos em 412 pacientes com AR Autoanticorpos EC+, n(%) EC-, n(%) Fator reumatoide Positivo 165 (40,04) 92 (22,33) Negativo 91 (22,08) 64 (15,53) Positivo 197 (47,81) 97 (23,54) Negativo 59 (14,32) 59 (14,32) ACPA OR 95% IC P 1,26 0,82-1,94 0,313 2,03 1,28-3,31 0,001 EC+: epítopo compartilhado positivo; EC-: epítopo compartilhado negativo; ACPA: anticorpos antipeptídeo citrulinado; OR: razão de risco. Associação entre alelos HLA-DRB1 de suscetibilidade (EC) e presença de autoanticorpos DISCUSSÃO Os pacientes com AR apresentaram FR positivo em 62,3% (n = 257) e ACPA positivo em 71,3% (n = 294) dos casos, dos quais 237 (57,5%) dos pacientes foram positivos para ambos os autoanticorpos e somente 57 pacientes (13,8%) foram positivos apenas para o ACPA. Observamos também uma associação significativa entre FR e ACPA (OR = 20,79; IC 95% 11,49-37,97; P < 0,001). Expressavam FR+ e alelos HLA-DRB1 EC+ 165 (40,04%) pacientes, e 197 (47,81%) expressavam ACPA+ e alelos HLA-DRB1 EC+. Associação significativa foi observada somente para alelos EC com ACPA (Tabela 6). Os níveis séricos do FR para o grupo de pacientes com genótipos EC homozigotos, heterozigotos e sem o EC foram 177,7 ± 286 UI/mL, 205,3 ± 695 UI/mL e 157,1 ± 328 UI/mL, respectivamente. Os níveis séricos médios para o ACPA, seguindo a mesma ordem do FR, foram 131,3 ± 66 U/mL, 102,8 ± 71 U/mL e 83,3 ± 73 U/mL, respectivamente. Estudos genéticos realizados inicialmente em gêmeos e posteriormente em familiares demonstraram uma predisposição familiar para AR, representando 60% do risco total para o desenvolvimento da doença na população.4 Diversos estudos demonstraram que o fator genético mais importante associado à suscetibilidade da AR é a presença do HLA-DRB1 do MHC, descoberto inicialmente por Stastny et al.34 e posteriormente organizado na hipótese do EC por Gregersen et al.6 Técnicas modernas como as empregadas em estudos de genoma completo (GWAS, do inglês, genome-wide association studies) e marcadores genéticos de polimorfismo de único nucleotídeo (SNP, do inglês, single nucleotide polymorphism) confirmam a associação significante e preponderante desses alelos com a AR. No entanto, é importante ressaltar que a associação da AR ao HLA-DRB1 e a hipótese do EC não explicam toda a suscetibilidade genética conferida pelo HLA. Outros genes do HLA, sem EC, tais como os alelos HLA-DRB1*03:01, DRB1*07:01 e DRB1*09:01, embora com frequência menor, também foram associados à maior suscetibilidade para a AR.35,36 480 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):465-483 Estudo da frequência dos alelos de HLA-DRB1 em pacientes brasileiros com artrite reumatoide Um segundo gene associado à doença é a proteína tirosina fosfatase N22 (PTPN22, do inglês, protein tyrosine phosphatase), presente em 8% dos pacientes com AR.32 Em menor proporção, foram descritas associações a determinados alelos do sinal transdutor e ativador de transcrição 4 (STAT4, do inglês, signal transducer and activator of transcription 4), do antígeno 4 dos linfócitos T citotóxicos (CTLA-4, do inglês, cytotoxic T-lymphocyte antigen), do fator inibitório de migração de macrófagos (MIF, do inglês, macrophag emigration inhibitory factor) e da peptidilarginina deaminase 4 (PADI4, do inglês, peptidylarginine deiminase type IV).37 No presente estudo observamos que 90,8% dos pacientes eram mulheres, semelhante à proporção encontrada no estudo realizado por Bertolo et al.22 em 2001 (84,6%) e por LouzadaJunior et al.23 em 2008 (77,8%). A influência da etnia é ponto fundamental quando se avalia a associação dos genes HLA com doenças, especialmente com AR. Além de ser um sistema altamente polimórfico, distintos alelos são associados à AR em diferentes populações. Dessa forma, ao estudar uma população altamente miscigenada como a brasileira, as associações tradicionais de determinadas etnias poderiam não ser verificadas. No intuito de controlar essa variável, todo estudo de associação HLA e doença necessita que os indivíduos-controle sejam oriundos do mesmo estrato sociogeográfico dos pacientes, a fim de preservar as influências sociais e demográficas em ambos os grupos. Nosso estudo, além de avaliar uma amostra significativa de pacientes com AR (n = 412), também tipificou indivíduos saudáveis (n = 215), todos provenientes da mesma região geográfica e estrato social. Além disso, houve predomínio de mestiços, seguido de brancos e negros, configurando-se uma amostra altamente miscigenada (descendentes principalmente de portugueses, africanos, indígenas, italianos, espanhóis e alemães), que acreditamos refletir, em parte, a própria população brasileira. Em princípio, a idade em estudos genéticos não teria influência na suscetibilidade. Porém, em virtude da presença de alelos HLA-DRB1 com EC+ entre 12,5% e 35%23,38 da população sadia e da incidência maior da AR entre 30 e 55 anos,2 tentamos evitar viés de análise quanto ao diagnóstico no grupo-controle. Por isso, decidimos incluir em nosso grupo-controle indivíduos com idade mais avançada. Com relação à associação do HLA-DRB1 com a doença, observamos frequência aumentada dos alelos HLA-DRB1*04:01, *04:04 e *04:05 e associação positiva com a suscetibilidade à AR. Este resultado está, em parte, de acordo com os observados por Louzada-Junior et al.23 na população brasileira predominantemente caucasiana, na qual, além da associação aos alelos citados anteriormente, também foi encontrada associação ao Rev Bras Reumatol 2011;51(5):465-483 alelo HLA-DRB1*01:01. Por outro lado, difere da observada por Bertolo et al.,22 que também analisaram populações de origem caucasiana e observaram associação significativa somente com alelos HLA-DRB1*01 (OR = 2,8). Assim como observado por Louzada-Junior et al.,23 o alelo HLA-DRB1*14:02 mostrou tendência de associação à AR, embora de forma não significativa (OR = 3,18; IC 95% 0,88-13,63; P = 0,086). É possível que estudos com maior número de indivíduos possam mostrar que essa associação seja estatisticamente significante. Em um estudo com população mestiça peruana (n = 65) essa associação entre o alelo HLA-DRB1*14:02 e a AR foi observada (OR = 2,74).18 A presença dos alelos HLA-DRB1*09 em 6,7% dos pacientes com AR e 1,3% dos controles, predominante em descendentes de negros e indígenas, mostrou associação significativa nos genótipos heterozigotos desses alelos (OR = 5,19; IC 95% 1,5021,49; P = 0,004). Não obstante o amplo intervalo de confiança observado, este alelo foi pela primeira vez associado à suscetibilidade à AR na população brasileira. Essa mesma associação (HLA-DRB1*09 e AR) também foi observada em pacientes chilenos com AR, em 1990.39 Por outro lado, estudo realizado no Japão com 852 pacientes com AR encontrou associação com a doença apenas no genótipo HLA-DRB1*09:01 homozigoto.36 Semelhante aos estudos de Vignal et al.35 (OR = 5,04) e Balsa et al.38 (OR = 1,8) incluindo população etnicamente homogênea, também encontramos associação do conjunto de alelos HLA-DRB1 EC+ com a AR (OR = 3,59). Este resultado é distinto ao descrito no estudo realizado por Teller et al.40 incluindo pacientes com AR e controles hispano-americanos, no qual não foi observada associação desses alelos com a doença, o que sugere que a hipótese do EC provavelmente não poderia ser aplicada em estudos de população não miscigenada. No presente estudo pode-se observar frequência aumentada de genótipos EC heterozigotos (51%) quando comparados aos pacientes com AR e controle com genótipos EC homozigotos (11%). Em estudo realizado por del Rincon et al.41 foram observados genótipos EC heterozigotos em 52% dos pacientes com AR, e EC homozigotos em 22%. Entretanto, Balsa et al.38 encontraram que 29,8% dos pacientes eram heterozigotos e 14% eram homozigotos. Neste estudo, após análise de regressão logística dos genótipos homozigotos e heterozigotos HLA-DRB1 com EC+, observamos que pacientes que apresentam EC, independente de serem homozigotos (OR = 3,86) ou heterozigotos (OR = 3,54), apresentam risco aumentado, mas de magnitude semelhante (OR semelhantes) para o desenvolvimento da AR. Este resultado se contrapõe ao de del Rincon et al.,41 no qual a análise de 141 pacientes mexicanos com AR mostrou maior risco para genótipos EC 481 Usnayo et al. homozigotos (OR = 21,53) quando comparados com genótipos EC heterozigotos (OR = 1,84). Com relação aos alelos HLA-DRB1 protetores para AR, observamos que alelos HLA-DRB1 codificadores da sequência de aminoácidos DERAA estão associados a menor risco de desenvolver AR (OR = 0,42), semelhante ao observado por Louzada-Junior et al.23 em 2008 (OR = 0,49). Carrier et al.25 avaliaram pacientes com poliartrite de início recente e obsevaram que os alelos DERAA não estavam associados à produção de autoanticorpos, bem como também mostrou-se efeito protetor para o desenvolvimento da AR (OR = 0,30). Mais recentemente, Balsa et al.38 relataram que esses alelos conferem proteção para AR apenas com ACPA circulante (OR = 0,58). Outro estudo mostrou que alelos DERAA, além de conferir efeito protetor para AR, estariam associados à enfermidade menos grave.24 Observamos maior frequência de FR (62%) e ACPA (71%) positivos quando comparados com grupo de pacientes brasileiros com AR inicial,42 cujas frequências eram em torno de 50%. Tal resultado pode ser justificado devido ao nosso grupo de pacientes apresentar maior tempo de doença (em torno de nove anos). Alelos HLA-DRB1 com EC foram relacionados com a positividade do FR e do ACPA, embora só a associação com a presença do ACPA tenha se mostrado significante (Tabela 6). Irigoyen et al.,29 em 2005, observaram forte associação do ACPA a alelos EC, independentemente da presença do FR (OR = 5,8; IC 95% 4,1-8,3; P < 0,001 e OR = 3,1; IC 95% 1,8-5,3; P < 0,001). Semelhante ao observado por Balsa et al.,38 este estudo mostrou que genótipos HLA-DRB1 EC homozigotos apresentaram níveis séricos do ACPA mais elevados quando comparados aos genótipos heterozigotos e aos dos pacientes sem o EC. Em contraste, os níveis séricos de FR não diferiram em pacientes com e sem alelos EC. Observamos que 88,8% de 27 pacientes com alelo HLA-DRB1*09 apresentaram ACPA e 85% apresentaram FR, sugerindo que outros mecanismos não EC estariam implicados no risco genético para o desenvolvimento de FR e ACPA. Em síntese, este estudo, com amostra populacional predominantemente mestiça e mais representativa do povo brasileiro, evidenciou que os alelos HLA-DRB1*04:01, *04:04 e *04:05 associaram-se à suscetibilidade aumentada para AR, destacando-se também a associação ao alelo DRB1*09 nesses pacientes. Nossos resultados corroboram a associação entre alelos DRB1 EC e a suscetibilidade à AR e ao ACPA, previamente documentada em estudos com amostras populacionais geneticamente homogêneas. Além disso, mostramos que a presença do EC, quer em dose única ou dupla, comportou-se como fator de risco independente para a doença, bem como que a presença de 482 alelos DERAA apresentaram efeito protetor. Ademais, os alelos HLA-EC estiveram associados a maior positividade e maiores níveis séricos de ACPA. Embora as diretrizes para o diagnóstico da AR estabelecidas pela Sociedade Brasileira de Reumatologia em 201143 recomendem que a pesquisa do HLA-EC não deva ser ainda um exame de rotina diária ao atendimento de pacientes com suspeita de AR, devido ao seu custo elevado, nosso estudo corrobora sua importância para o estabelecimento de fatores de risco e de proteção ao desenvolvimento da AR. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Senna ER, de Barros AL, Silva EO, Costa IF, Pereira LV, Ciconelli RM et al. Prevalence of rheumatic diseases in Brazil: a study using the COPCORD approach. J Rheumatol 2004; 31(3):594-7. Pinheiro GRC. Artrite reumatoide. In: Moreira C, Pinheiro GRC, Marques Neto JF (eds.). Reumatologia Essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2009. p. 338-54. Hochberg MC, Silman AJ, Smolen JS, Weinblatt ME, Weisman MH. Rheumatology. 4ed. Philadelphia: Mosby; 2008. MacGregor AJ, Snieder H, Rigby AS, Koskenvuo M, Kaprio J, Aho K et al. 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Sabe-se, atualmente, que a prática de atividade física promove inúmeros benefícios ao paciente com osteoporose, osteoartrite, lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica, miopatias idiopáticas inflamatórias, fibromialgia e artrite reumatoide. Dessa forma, o exercício físico tem sido considerado ferramenta valiosa no tratamento do paciente reumático. Os efeitos terapêuticos do treinamento físico em doenças reumatológicas pediátricas também têm sido alvos recentes de investigação. Em conjunto, os estudos têm revelado grande potencial terapêutico do exercício para pacientes com artrite idiopática juvenil, lúpus eritematoso sistêmico juvenil, dermatomiosite juvenil, fibromialgia juvenil e outras causas de dor crônica. Esta revisão narrativa tem como objetivos familiarizar o reumatologista pediátrico ao campo da ciência do exercício, discutir os potenciais benefícios do exercício físico na reumatologia pediátrica, com ênfase nas perspectivas desse promissor campo de atuação clínica e científica, e apresentar modelos práticos de exame de pré-participação e contraindicações ao exercício físico. Palavras-chave: aptidão física, atividade motora, reumatologia, criança. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO Hipócrates, há 2.400 anos, afirmou: “O que é utilizado desenvolve-se, o que não o é, desgasta-se... se houver alguma deficiência de alimento e exercício, o corpo adoecerá”. As proféticas palavras do “pai da medicina” têm ganhado respaldo científico cada vez mais denso. Estudos epidemiológicos demonstram que a inatividade física aumenta substancialmente a incidência relativa de doença arterial coronariana (45%), infarto agudo do miocárdio (60%), hipertensão arterial (30%), câncer de cólon (41%), câncer de mama (31%), diabetes mellitus tipo II (50%) e osteoporose (59%).1 Evidências também indicam que a inatividade física é independentemente associada a mortalidade, obesidade, maior incidência de queda e debilidade física em idosos, dislipidemia, depressão, demência, ansiedade e alterações do humor.2-6 Em populações pediátricas, o sedentarismo também é considerado o principal responsável pelo aumento pandêmico na incidência de obesidade juvenil. Além disso, recentes achados sugerem que a inatividade física é um componente agravante do estado geral de saúde em crianças e adolescentes acometidos por várias doenças, incluindo as cardiovasculares, renais, endocrinológicas, neuromusculares e osteoarticulares.7 Diante do quadro apresentado, torna-se evidente que a prática de exercícios físicos é uma medida terapêutica de suma relevância, considerada como tratamento de primeira escolha Recebido em 18/1/2011. Aprovado, após revisão, em 01/7/2011. Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse. Suporte Financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (Grant 2010/51428-2 para Hamilton Roschel), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (Grant 300248/2008-3 para Clóvis Artur Silva) e Federico Foundation (para Clóvis Artur Silva). Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo – USP. 1. Professor Doutor da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo – USP 2. Médico-Assistente da Disciplina de Reumatologia da USP; Pós-doutorado 3. Médica-Assistente do Hospital das Clínicas da USP; Médica Pediatra e de Medicina do Esporte 4. Pesquisador-Colaborador da Disciplina de Reumatologia da USP; Doutor em Educação Física 5. Médica-Assistente da Unidade de Reumatologia Pediátrica, Instituto da Criança, da Faculdade de Medicina da USP; Doutorado em Ciências Médicas 6. Pós-graduanda em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da USP; Nutricionista 7. Professor-Colaborador da Unidade de Reumatologia Pediátrica, Instituto da Criança, da Faculdade de Medicina da USP; PhD em Pediatria Correspondência para: Bruno Gualano. Av. Prof. Mello Moraes, 65 – Butantã. CEP: 05508-030. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 490 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):484-496 Efeitos terapêuticos do treinamento físico em pacientes com doenças reumatológicas pediátricas em diversas doenças crônicas, tais como diabetes mellitus tipo II e hipertensão arterial. De fato, o papel do exercício nos adultos com doenças reumatológicas também tem sido estudado. Sabe-se, atualmente, que a prática de atividade física promove inúmeros benefícios ao paciente com osteoporose,8 osteoartrite,9 lúpus eritematoso sistêmico,10 esclerose sistêmica,11 miopatias idiopáticas inflamatórias,12 fibromialgia13 e artrite reumatoide,14 com raros relatos de efeitos adversos. Dessa forma, o exercício físico tem sido considerado uma ferramenta valiosa e segura no tratamento do paciente com doença reumática. Os efeitos terapêuticos do treinamento físico em doenças reumatológicas pediátricas também têm sido alvos recentes de investigação.15 Em conjunto, os trabalhos têm revelado grande potencial terapêutico do exercício para pacientes com lúpus eritematoso sistêmico juvenil (LESJ), dermatomiosite juvenil (DMJ), fibromialgia juvenil (FMJ) e artrite idiopática juvenil (AIJ).7,15 Contudo, o número de estudos controlados e com grandes amostras ainda é limitado. Além disso, questões como “qual o melhor tipo de treinamento?” ou “o exercício afeta o curso natural da doença?” ainda precisam ser apropriadamente respondidas. Nesta breve revisão narrativa nosso objetivo será discutir os potenciais benefícios do exercício físico na reumatologia pediátrica, com ênfase nas perspectivas desse promissor campo de atuação clínica e científica. Além disso, introduziremos conceitos clássicos de treinamento físico, com o intuito de familiarizar o reumatologista pediátrico à terminologia da ciência do exercício. CONCEITOS E TERMINOLOGIAS DA CIÊNCIA DO EXERCÍCIO O glossário a seguir engloba adaptações de definições clássicas de fisiologia do exercício e treinamento desportivo.16 Atividade física – Movimento corporal produzido pela contração da musculatura esquelética e que implica gasto energético acima dos valores basais. Exercício físico – Sequência planejada e estruturada de movimentos com o objetivo de promover a melhora ou a manutenção de uma capacidade física específica. O exercício físico está inserido no contexto de atividade física. Esporte – Fenômeno cultural caracterizado pela competição. Ao contrário do senso comum, nem sempre a prática esportiva é saudável, haja vista a alta incidência de lesões osteomioarticulares em atletas de alto nível. Assim, a prática de determinadas modalidades esportivas pode ser limitada Rev Bras Reumatol 2011;51(5):484-496 ao paciente pediátrico com doença crônica (para revisão, ver Morris).17 Treinamento físico – Sequência de exercícios organizados ao longo de um período de tempo com o objetivo de promover aumento do desempenho físico. Condicionamento físico – Engloba os conceitos de condicionamento aeróbio, condicionamento neuromuscular e flexibilidade. Condicionamento aeróbio – Também denominado condicionamento cardiorrespiratório ou resistência aeróbia. Refere-se à capacidade do sistema circulatório e respiratório em fornecer oxigênio durante um exercício físico prolongado. A medida mais utilizada para representar o condicionamento aeróbio é o consumo máximo de oxigênio (VO2 máx), que pode ser mensurado através de calorimetria indireta ou estimado através de testes de campo. Condicionamento neuromuscular – Está relacionado com a capacidade máxima do indivíduo em se opor a uma resistência externa (força máxima) ou de manter a produção de força submáxima por um período prolongado de tempo (resistência de força). Flexibilidade – Refere-se à capacidade de movimentar uma articulação em amplitudes aumentadas. Os exercícios de alongamento são utilizados para melhorar a flexibilidade de um indivíduo. O bom desenvolvimento da flexibilidade está ligado à promoção e manutenção da funcionalidade. Exercício aeróbio – Exercício desempenhado em intensidade submáxima, permitindo a manutenção do esforço por períodos prolongados (> 10 min). É caracterizado pela realização de contrações de um mesmo grupo muscular em caráter rítmico e repetido. Exemplos incluem natação, ciclismo, caminhada e corrida de média e longa duração. Quando realizado em intensidade e frequência adequadas, promove ganhos no condicionamento aeróbio. Intensidade do treinamento aeróbio – A intensidade do exercício aeróbio pode ser prescrita a partir de uma fração com relação a uma capacidade máxima do indivíduo (p. ex., percentual do VO2 máx ou percentual da frequência cardíaca máxima [FC máx] do indivíduo). O exercício é classicamente descrito como moderado quando a intensidade é ajustada para 40%-60% do VO2 máx (50%-70% da FC máx), e intenso quando a intensidade é > 60% do VO2 máx (> 70% da FC máx). Exercício de força ou treinamento de força – Exercício que utiliza resistência externa (sobrecarga) para produzir adaptações neuromusculares. Os exemplos mais comuns são os exercícios de levantamento de peso, conhecidos popularmente como musculação. Os exercícios de força podem ser estáticos (ou isométricos) ou dinâmicos (ou isotônicos). Contrações 491 Gualano et al. Tabela 1 Exame de pré-participação em programas de exercício físico e esporte para crianças e adolescentes com doença reumatológica pediátrica Anamnese O que avaliar? Sintomas e doenças atuais Dor articular, lombalgia, fadiga, asma, diabetes mellitus, hipertensão arterial e baixa massa óssea Medicamentos Anti-infl amatórios não hormonais, glicocorticoides, imunossupressores e imunobiológicos Antecedentes pessoais Lesões osteomioarticulares, doenças e cirurgias prévias Antecedentes familiares Doença cardiovascular, morte súbita e osteoporose Exame físico O que avaliar? Geral Peso, estatura, índice de massa corpórea (IMC) e composição corporal Cardiopulmonar Sopros cardíacos, arritmias e hipertensão arterial e broncoespasmo Musculoesquelético Escoliose, hiperlordoses lombar e cervical, diferença de comprimento de membros inferiores, joelhos (valgo, varo e recurvatum), pés (normais, cavos ou planos), encurtamentos e hipotrofi as musculares, mobilidade articular (hipermobilidade ou deformidade), alterações na marcha (hiperpronação ou supinação durante a marcha) Adaptado de Rice46 e Garrick47. musculares isométricas referem-se àquelas em que a resistência externa se iguala à força interna (produzida pelos músculos), de modo que não há movimento articular. Contrações musculares concêntricas referem-se àquelas em que a força interna supera a resistência externa. As contrações excêntricas referem-se àquelas em que a resistência externa supera a força interna. Intensidade do treinamento de força – A intensidade pode ser definida como alta quando a resistência externa é ≥ 75% da carga que pode ser “levantada” uma única vez (≥ 75% de 1-RM [uma repetição máxima]), e moderada se a resistência externa situa-se entre 50%-74% de 1-RM. Exame de pré-participação – É uma consulta médica que inclui extensa anamnese clínica e exame físico detalhado, incluindo a avaliação osteoarticular e postural. O objetivo desse exame minucioso é detectar qualquer alteração física que contraindique ou limite a prática de exercício físico. A Tabela 1 apresenta exemplo de anamnese que pode ser empregada pelo reumatologista pediátrico em um exame de pré-participação. REPOUSO OU ATIVIDADE FÍSICA: O QUE É MELHOR PARA SEU PACIENTE? Apesar do vasto corpo de conhecimento indicando que o exercício físico é capaz de prevenir e tratar a maioria das doenças crônicas – ao passo que o sedentarismo é o principal fator de risco que as predispõe –, é relativamente comum observar a recomendação de repouso a pacientes com doenças reumatológicas como forma de evitar a atividade da doença ou o desgaste articular.12 A eficácia de tal medida tem sido questionada. De fato, há evidências de que pacientes com artrite reumatoide engajados em programas de exercícios físicos regulares 492 apresentam menor frequência de dor e de rigidez articular e melhor desempenho em atividades da vida diária quando comparados a seus pares fisicamente inativos.18 Nas últimas décadas, crianças e adolescentes têm-se tornado cada vez mais sedentários. Concomitantemente, tem-se observado um aumento substancial na incidência de doenças crônicas pediátricas, tais como obesidade juvenil, hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo II e asma.19 De fato, especula-se que a inatividade física esteja intimamente relacionada a dislipidemia, resistência à insulina, baixa massa óssea, fraqueza e atrofia musculares, ganho de adiposidade, aumento de pressão arterial, baixa qualidade de vida e autoestima reduzida.19 Os pacientes reumatológicos pediátricos apresentam diversas manifestações clínicas, como fadiga, dor crônica, rigidez, sinovite e deformidades articulares, que predispõem ao estilo de vida sedentário.7 Dessa forma, configura-se um perigoso círculo vicioso, no qual os sintomas apresentados pelos pacientes levam à inatividade física que, por sua vez, agrava o quadro clínico dos mesmos. Nesse contexto, o exercício físico torna-se a única estratégia capaz de romper tal círculo.7 Por isso médicos, enfermeiros e profissionais de educação física são fortemente encorajados a recomendar atividade física para pacientes com doenças reumatológicas pediátricas. O mesmo papel cabe aos pais, que tendem a superproteger seus filhos acometidos por doenças crônicas isolando-os do convívio social e, dessa forma, predispondo-os a um estilo de vida sedentário. Mesmo diante de uma doença ativa, estudos em adultos têm indicado que o exercício físico – devidamente adaptado ao paciente – pode ser seguro e eficaz.20 Não há razão para acreditar que em crianças a resposta seja diferente. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):484-496 Efeitos terapêuticos do treinamento físico em pacientes com doenças reumatológicas pediátricas Tabela 2 Contraindicações à prática de exercícios físicos para crianças e adolescentes com doença reumatológica pediátrica 1 - Febre 2 - Anemia 3 - Insuficiência renal aguda 4 - Cardite, serosites e resposta isquêmica ao teste de esforço* 5 - Arritmias e hipertensão arterial não controladas 6 - Desnutrição grave com perda maior que 35% do peso corporal *É permitido exercício cuja intensidade seja 10% abaixo do limiar de isquemia. Em caso de deformidades articulares, artrite ou miosite aguda, os exercícios devem ser adaptados de modo a resguardar a articulação e o grupamento muscular afetados. Indubitavelmente, os benefícios da atividade física compensam sobremaneira os efeitos deletérios da inatividade física e, salvo em algumas condições resumidas na Tabela 2, o paciente com doença reumatológica pediátrica deve realizar exercícios físicos. EVIDÊNCIAS PARA PRESCRIÇÃO DE EXERCÍCIOS EM DOENÇAS REUMATOLÓGICAS PEDIÁTRICAS A seguir descrevemos as manifestações clínicas e os déficits de capacidade física apresentados por pacientes com AIJ, DMJ, LESJ e FMJ e outras causas de dor musculoesquelética idiopática crônica, que constituem o referencial teórico para o emprego do exercício físico como agente terapêutico em doenças reumatológicas pediátricas. Os resultados de estudos clínicos envolvendo exercício nas doenças mencionadas anteriormente também serão analisados. Artrite idiopática juvenil Há evidências de que pacientes com AIJ poliarticular – mas não oligoarticular – possuem redução nas capacidades aeróbia e anaeróbia.21 Além disso, tem-se demonstrado que crianças com AIJ apresentam baixa força isométrica com relação a seus pares saudáveis.22 Acredita-se que a redução na força, frequentemente observada em AIJ, esteja relacionada com o quadro de atrofia muscular que, por sua vez, está associado à artrite localizada, ao uso crônico de glicocorticoides e ao desuso. Takken et al.23 também observaram associação positiva entre a capacidade anaeróbia e a função muscular em pacientes com AIJ, sugerindo que o descondicionamento físico afeta as atividades cotidianas nessa doença. Estudos envolvendo programas de exercício físico têm produzido resultados bem satisfatórios em pacientes com AIJ. Em recente revisão, Klepper15 demonstrou que os benefícios mais importantes relatados foram aumento de força e de Rev Bras Reumatol 2011;51(5):484-496 flexibilidade e melhora em dor, rigidez articular e qualidade de vida. Os protocolos de treinamento físico variaram em intensidade (60%-70% da FC máx), duração (30-60 minutos), frequência (1-3 sessões por semana), composição (treinamento de força, aeróbio, flexibilidade, modalidades esportivas ou a combinação dos anteriores) e seguimento (6-20 semanas). Interessante notar que os exercícios físicos em meio aquático promovem benefícios semelhantes aos realizados na superfície.24 Da mesma forma, programas de alta e baixa intensidade parecem ser igualmente efetivos e seguros.25 De fato, não há relatos de eventos adversos decorrentes do treinamento físico em pacientes com AIJ, e estes devem ser estimulados. Dermatomiosite de início juvenil Pacientes com DMJ frequentemente apresentam grande intolerância ao esforço físico.26,27 Há diversos fatores que podem explicar esse achado, dentre os quais se destacam: aumento das concentrações musculares de citocinas inflamatórias, inflamação sistêmica e dos capilares que irrigam o musculoesquelético, hipoatividade, e uso crônico de glicocorticoides, que, sabidamente, comprometem a síntese proteica e aumentam o acúmulo de gordura corporal.27 Além disso, estudos com espectroscopia por ressonância magnética têm indicado anormalidades bioenergéticas (p. ex., redução de 35%-40% nas concentrações intramusculares de fosforilcreatina) em crianças com DMJ.28 Em adultos com dermatomiosite o treinamento aeróbio e de força é capaz de aumentar a força e a função muscular, o condicionamento aeróbio e a massa magra tanto em pacientes com a doença controlada quanto naqueles em atividade.12 A despeito do potencial terapêutico do exercício em DMJ, não há estudos controlados. Nosso grupo recentemente demonstrou que uma criança com DMJ crônica respondeu a programa supervisionado de treinamento de força combinado a aeróbio de maneira similar à sua irmã gêmea homozigótica saudável.29 Nesse estudo, a paciente apresentou melhoras clinicamente significantes nas forças dinâmica e isométrica, além de aumento no condicionamento aeróbio. Embora o treinamento físico tenha sido incapaz de reverter por completo os déficits de capacidade física, essa foi a primeira evidência, de nosso conhecimento, de que o exercício regular pode ser efetivo e bem tolerado por uma criança com DMJ. Certamente, trata-se de intervenção promissora que carece de investigações adicionais. Lúpus eritematoso sistêmico de início juvenil Pacientes com LESJ comumente apresentam intolerância ao esforço, fraqueza muscular e fadiga exacerbada quando 493 Gualano et al. comparados a seus pares saudáveis.7,30 Além disso, obesidade, dislipidemia, resistência à insulina e baixa massa óssea são características prevalentes nessa doença.7,31 Tendo em vista o amplo espectro de ação do exercício físico, torna-se plausível especular que essa estratégia possa melhorar força, tolerância ao esforço, condicionamento aeróbio, composição corporal e qualidade de vida em pacientes com LESJ. Surpreendentemente, entretanto, não há trabalhos controlados confirmando essa possibilidade. Nosso grupo tem investigado os efeitos do treinamento aeróbio em crianças e adolescentes com LESJ. Um dos pacientes mereceu destaque, pois também fora diagnosticado com síndrome antifosfolípide (SAF, com tromboses venosa profunda de membro inferior e de veia cava), secundária ao LESJ e em uso de anticoagulação com warfarin. O paciente em questão foi submetido a treinamento aeróbio, intensamente supervisionado, ao longo de três meses. Um aspecto relevante observado evolutivamente foi benefício substancial no condicionamento aeróbio, com aumento no VO2 máx, maior tolerância ao esforço e melhor economia de corrida. Além disso, o treinamento também beneficiou qualidade de vida, funcionalidade e autoestima do paciente. Embora o sangramento induzido por trauma fosse uma preocupação constante ao longo do treinamento, é importante salientar que nenhum efeito adverso foi documentado. Estudo prospectivo com população expressiva de LESJ está em andamento. Fibromialgia de início juvenil e outras causas de dor musculoesquelética idiopática crônica Pacientes com FMJ podem apresentar dor crônica difusa, distúrbios do sono, ansiedade crônica, tensão, cefaleia, fadiga e baixa qualidade de vida.32,33 Novamente, é possível especular que programa regular de treinamento físico possa melhorar função muscular, dor, qualidade do sono e qualidade de vida nessa doença. Encontramos apenas um estudo conduzido com essa população. Stephens et al.34 investigaram eficácia e exequibilidade de um programa de treinamento físico em crianças e adolescentes com FMJ ao longo de 12 semanas. Os pacientes foram aleatoriamente indicados a um programa de treinamento aeróbio de alta ou baixa intensidade. Ambos os grupos apresentaram melhoras na função muscular, nos sintomas inerentes à doença, na qualidade de vida e na dor, embora os pacientes submetidos ao treinamento mais intenso tenham experimentado ganhos em maior número de parâmetros clínicos. Esses achados confirmam os benefícios esperados do treinamento físico em FMJ e reforçam a necessidade de novos estudos nessa área. 494 Hipoteticamente, o treinamento físico também poderia ser terapêutico em outras causas de dor musculoesquelética idiopática, não inflamatória e crônica. Um exemplo é a dor relacionada ao uso prolongado de computadores e videogames, conhecida nos adultos como lesões de esforços repetitivos (LER) ou distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (DORT). Com o advento da informatização, crianças e adolescentes têm passado cada vez mais tempo diante de aparelhos tecnológicos. Como consequência, tornam-se indivíduos fisicamente inativos, mais propensos a dor crônica, tendinites e síndrome miofascial.33 A prática regular de atividade física, o fortalecimento muscular e a flexibilidade articular poderiam ao menos atenuar esses sintomas. Outra possível causa de dor musculoesquelética é a hipermobilidade articular (HA). A associação da HA com dor e/ou lesões do sistema musculoesquelético constitui a síndrome de hipermobilidade articular benigna (SHAB), não relacionada com entidades congênitas, como síndrome de Marfan e síndrome de Ehlers-Danlos. Um estudo realizado pelo nosso grupo em uma escola de São Paulo encontrou prevalência de SHAB de 10% em adolescentes.32 É interessante notar que diversos estudos35-38 – embora não todos39 – sugerem que pacientes com SHAB podem apresentar menores níveis de atividade física e de tolerância ao esforço, fraqueza muscular, distúrbios neuromusculares e retardo no desenvolvimento motor, quando comparados a seus pares saudáveis. Nesse contexto, evidências recentes40,41 têm indicado que a combinação de exercícios de força dinâmicos e isométricos promovem ganhos de propriocepção, força, equilíbrio, função muscular, redução de dor e melhora na qualidade de vida em pacientes com SHAB. Esses dados sugerem que a prática de atividade física pode ser de grande valia para esses pacientes, porém novos estudos controlados com populações maiores são necessários para confirmar esses achados iniciais. PERSPECTIVAS E CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo das últimas décadas, a taxa de sobrevivência e o prognóstico de pacientes com doenças reumatológicas pediátricas têm melhorado sobremaneira. Todavia, tem crescido a preocupação com os eventos adversos de curto, médio e longo prazos – decorrentes do tratamento farmacológico ou da doença per se – que afetam negativamente a capacidade física e a qualidade de vida dos pacientes.31,42,43 Frente ao imenso potencial terapêutico do exercício físico no tratamento dessas doenças, chega a surpreender o limitado número de estudos existentes. Dessa forma, há diversas hipóteses que precisam ser mais bem investigadas. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):484-496 Efeitos terapêuticos do treinamento físico em pacientes com doenças reumatológicas pediátricas Em primeiro lugar, há clara necessidade de realização de ensaios clínicos aleatorizados destinados a investigar os efeitos terapêuticos do exercício em todas as doenças reumatológicas pediátricas, incluindo desfechos robustos, como qualidade de vida, e seguimentos longos (p. ex., > 1 ano). Além disso, cabe destacar que a presença de grupo-controle é de suma importância. O curso natural instável de muitas doenças reumatológicas pediátricas, aliado às alterações de composição corporal e capacidade física peculiares ao processo de maturação sexual na puberdade, podem levar a uma interpretação equivocada de dados. É muito improvável que um único tipo de exercício promova os maiores benefícios para todos os pacientes reumatológicos pediátricos. Tomando-se como exemplo a literatura reumatológica adulta, sabe-se que o treinamento de força de alta intensidade resulta em maiores ganhos de força e massa magra em pacientes com miopatias idiopáticas inflamatórias,12 ao passo que o treinamento aeróbio de baixa intensidade produz melhores resultados clínicos em pacientes fibromiálgicos.44 Empiricamente, tem-se recomendado o treinamento isométrico em detrimento do dinâmico, com o intuito de evitar dano articular. Contudo, tal recomendação não encontra embasamento científico; de fato, o segundo tipo de treinamento poderia ser até mesmo superior ao primeiro no que tange ao desempenho funcional nas atividades da vida diária. Portanto, devem-se explorar os tipos ideais de treinamento para as doenças reumatológicas pediátricas, tendo em mente as manifestações clínicas e as limitações funcionais inerentes a cada uma delas. Por fim, conforme destacado em recente revisão,45 o treinamento físico regular é capaz de atenuar a inflamação sistêmica em doenças crônicas. Os possíveis efeitos anti-inflamatórios do exercício poderiam ser de grande valia em doenças reumatológicas pediátricas, possivelmente reduzindo o número e/ou as doses de drogas imunossupressoras. A despeito das limitações encontradas na literatura, já existe um corpo de conhecimento suficiente para considerar o exercício físico como agente terapêutico em doenças crônicas reumatológicas. Clinicamente, a compreensão da ciência do exercício torna-se tarefa fundamental para o reumatologista pediátrico, que passa a ter em mãos uma valiosa ferramenta terapêutica. No que tange à pesquisa científica, abre-se uma nova e promissora avenida de investigação a ser explorada. Tecnológico – CNPq (Grant 300248/2008-3 para CAS) e Federico Foundation (para CAS). REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. AGRADECIMENTOS Este estudo teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (Grant 2010/51428-2 para HR), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Rev Bras Reumatol 2011;51(5):484-496 Katzmarzyk PT, Janssen I. The economic costs associated with physical inactivity and obesity in Canada: an update. Can J Appl Physiol 2004; 29(1):90-115. Gregg EW, Pereira MA, Caspersen CJ. Physical activity, falls, and fractures among older adults: a review of the epidemiologic evidence. J Am Geriatr Soc 2000; 48(8):883-93. Grundy SM, Cleeman JI, Merz CN, Brewer HB, Jr., Clark LT, Hunninghake DB et al. Implications of recent clinical trials for the National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III guidelines. Circulation 2004; 110(2):227-39. Lautenschlager NT, Almeida OP. Physical activity and cognition in old age. Curr Opin Psychiatry 2006; 19(2):190-3. Manini TM, Everhart JE, Patel KV, Schoeller DA, Colbert LH, Visser M et al. 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Rev Bras Reumatol 2011;51(5):484-496 ARTIGO DE REVISÃO Expressão de proteínas reguladoras do complemento CD55, CD59, CD35 e CD46 na artrite reumatoide Amanda Kirchner Piccoli1, Ana Paula Alegretti2, Laiana Schneider3, Priscila Schmidt Lora4, Ricardo Machado Xavier5 RESUMO A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune, associada à sinovite poliarticular inflamatória, que acomete principalmente as articulações periféricas. Cerca de 1% da população mundial é afetada, sendo duas a três vezes mais prevalente em mulheres. Apresenta patogênese complexa e multifatorial. A sinóvia das articulações afetadas é infiltrada por linfócitos T e B, macrófagos e granulócitos. A sinóvia reumatoide adquire características proliferativas, formando o pannus, e invade a cartilagem articular e o osso, levando à destruição da arquitetura normal da articulação e à perda de função. A diminuição da expressão de proteínas reguladoras do complemento (PCR) parece desempenhar papel importante na atividade da AR, associada ao agravamento dos sintomas clínicos. A superativação do sistema complemento (SC) é a causa da exacerbação da doença em vários modelos de doenças autoimunes. O presente artigo tem por objetivo revisar os principais aspectos relacionados à regulação do SC na AR, a fim de propiciar melhor compreensão do potencial papel desse sistema na fisiopatologia e na atividade da doença. Palavras-chave: artrite reumatoide, proteínas do sistema complemento, ativação do complemento. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. ARTRITE REUMATOIDE A artrite reumatoide (AR) é uma doença crônica de caráter inflamatório que acomete, predominantemente, articulações diartrodiais e estruturas periarticulares, podendo adquirir caráter sistêmico. A AR acomete cerca de 1% da população mundial, afetando duas a três vezes mais as mulheres.1 A etiologia da doença ainda não está completamente esclarecida. Entretanto, sabe-se que fatores ambientais e genéticos contribuem para o desenvolvimento da AR. Nos estágios precoces da doença há proliferação e edema das células na camada sinovial, com infiltração de células B e T, macrófagos e granulócitos. A sinóvia torna-se densa, e a articulação edemaciada e dolorosa. Com a progressão, a proliferação sinovial leva à formação do pannus, tecido com características invasivas da cartilagem articular e do osso. A destruição da articulação é irreversível. Osteoclastos reabsorvem o osso; há liberação de enzimas proteolíticas, como metaloproteinases, agrecanases e catepsinas, responsáveis pela destruição de constituintes da matriz extracelular, incluindo proteoglicanos do osso e cartilagem.2 A neovascularização da camada sinovial circundante à articulação e do pannus é evidente.3 Como resultado, a cartilagem e o osso perdem sua arquitetura normal e função, tornando a articulação deformada, instável, dolorosa e inflamada.4 A hiperplasia sinovial é uma característica marcante desses pacientes, com membranas proeminentes e projeções Recebido em 15/03/2011. Aprovado, após revisão, em 16/06/2011. Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse. Suporte Financeiro: FIPE-HCPA. Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA. 1.Mestranda em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Biomédica do Serviço de Patologia Clínica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA 2.Mestre em Ciências Médicas pela UFRGS; Farmacêutico Bioquímico do Serviço de Patologia Clínica do HCPA 3.Graduanda em Biomedicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA; Estagiária do Serviço de Patologia Clínica do HCPA 4.Mestre em Ciências Médicas pela UFRGS; Pesquisadora do Serviço de Reumatologia do HCPA 5.PhD Professor, Departamento de Reumatologia do HCPA/UFRGS; Professor da Faculdade de Medicina da UFRGS; Chefe do Serviço de Reumatologia do HCPA Correspondência para: Ricardo Machado Xavier, PhD. Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Serviço de Reumatologia. Rua Ramiro Barcelos, 2350, sala 645 – Santana. CEP: 90035-003. Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2011;51(5):497-510 503 Piccoli et al. de vilosidades na sinóvia. A presença de autoanticorpos, como o fator reumatoide (FR) e o anticorpo contra proteínas citrulinadas no soro, confere caráter autoimune à doença. A característica sistêmica é dada pelo acometimento potencial de múltiplos órgãos, que pode ter associação com a presença desses autoanticorpos; porém, esse mecanismo ainda não está bem elucidado.1 SISTEMA COMPLEMENTO O sistema complemento (SC) é composto por receptores e reguladores ligados à membrana celular e diversas proteínas plasmáticas que interagem com células e mediadores do sistema imune (Figura 1).5 Compreendem mais de 30 proteínas que agem em sinergia para promover inflamação e dano direto a células, a microrganismos e a tecidos identificados como anormais por um anticorpo específico. A maioria das proteínas é sintetizada no fígado; entretanto, células mieloides, fibroblastos, células epiteliais e endoteliais podem produzi-las.6 As evidências na literatura sugerem que o SC tem a capacidade de desempenhar função imunorregulatória importante através do seu papel na imunidade humoral, modulação da imunidade de células T e regulação da tolerância para antígenos próprios nucleares. Apesar de ser bem reconhecido por seu papel altamente eficiente na defesa contra patógenos como bactérias, células infectadas por vírus e parasitas, o SC também vem chamando a atenção dos pesquisadores pelo seu potencial de dano às células do próprio organismo, por ser um sistema complexo composto por diversas moléculas efetoras e receptoras que estão envolvidas em múltiplas respostas imunológicas.7 A cascata do complemento (CC) pode ser dividida em quatro fases principais: ativação inicial do complemento, ativação e amplificação da C3 convertase, ativação da C5 convertase e formação do complexo de ataque à membrana celular (MAC – do inglês, membrane attack complex). Uma vez ativada, a CC gera moléculas efetoras que interagem com receptores celulares de maneira indiscriminada. Entretanto, a progressão da cascata é regulada por múltiplas moléculas reguladoras e inibidoras em todos os níveis da cascata.7 Ativação inicial do complemento O complemento é ativado por três diferentes vias. A via alternativa é espontaneamente e constantemente ativada na membrana celular, no plasma e em outros fluidos. A via clássica é desencadeada por um anticorpo ligado ao antígeno-alvo. A via da lectina é iniciada através da ligação da lectina ligadora de manose, um componente solúvel do organismo, com carboidratos presentes na superfície do microrganismo-alvo. Em 2006, Huber-Lang et al.8 relataram uma via adicional de ativação do complemento independente da ação da C3, mediada pela ação da trombina sobre a C5 convertase. Outras rotas de ativação do Figura 1 O complemento pode ser ativado através da via clássica, da via das lectinas e da via alternativa. O componente C1 é composto de C1q, C1r e C1s e reconhece o imunocomplexo ligado à membrana celular. A lectina ligante da manose (MBL) reconhece certos carboidratos na membrana de alguns patógenos específicos, e o C3b reconhece carboidratos presentes na membrana dos patógenos. Todas as vias de ativação originam a formação de C3 e C5 convertases, que geram anafilatoxinas C3a e C5a, a opsonina C3b e o MAC. O C3b também amplifica a via alternativa. Figura adaptada de Kemper.5 504 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):497-510 Expressão de proteínas reguladoras do complemento CD55, CD59, CD35 e CD46 na artrite reumatoide Tabela 1 Principais funções inibidoras das proteínas reguladoras do complemento CD55/CD59 Proteína Função regulatória do complemento CD55 Inibe a clivagem de C3 e C5 através da inibição da formação de novas C3 e C5 convertases, além de acelerar a degradação destas enzimas pré-formadas. CD59 Interfere diretamente na estruturação do MAC através de sua incorporação física ao complexo em formação, impedindo a ligação das unidades de C9 ao complexo C5b-8. CD46 Liga-se às opsoninas C3b e C4b, agindo como cofator na sua degradação proteolítica através da serina-protease fator I. CD35 Interage com o C3b e C4b para promover a fagocitose mediada por neutrófilos. Atua como cofator para inativar o C3b e o C4b a iC3b e iC4b através do fator I. complemento ocorrem através de proteases, como a plasmina, a calicreína plasmática e a elastase, que clivam e ativam C3.9 A ativação de cada uma dessas vias resulta na primeira enzima da cascata, a C3 convertase. C3 convertase e amplificação A C3 convertase cliva o componente central do complemento C3 em C3a, um peptídeo anafilático e antimicrobiano, e na opsonina C3b. Nas vias clássica e da lectina, a C3 convertase é formada por um fragmento de C4b e C2a (C4b2a), ao passo que na via alternativa o C3b e o fator Bb fazem parte desta enzima (C3bBb).9 A clivagem é seguida por uma reação de amplificação que gera convertases de C3 adicionais, levando ao depósito de mais C3b nas proximidades de onde são geradas.9 Os fragmentos de C3b revestem superfícies microbianas ou restos celulares em processo apoptótico e sinalizam essas partículas para rápida fagocitose. Na superfície da membrana das células próprias intactas, sob condições normais, o depósito de C3b é prevenido pelas proteínas reguladoras do complemento (PCR), que impedem a progressão da cascata. Subsequentemente, o C3b é inativado e degradado. Seus produtos de degradação intermedeiam outras importantes funções efetoras.7,9 C5 convertase Se a ativação progride, uma nova enzima é gerada – a C5 convertase (C4b2a3b para as vias clássica e da lectina, e C3bBbC3b para a via alternativa). Esta enzima cliva C5, liberando o poderoso peptídeo anafilático C5a e o fragmento indutor da fase terminal, C5b.7,9 Formação do MAC O C5b recruta os componentes C6, C7, C8 e C9 para a superfície-alvo. A mudança de conformação dessas proteínas solúveis e hidrofílicas e sua agregação induzem a formação de um complexo, em que a unidade funcional é um poro inserido na bicamada fosfolipídica que interfere na propriedade de Rev Bras Reumatol 2011;51(5):497-510 permeabilidade seletiva da membrana, permitindo a entrada de água, íons e pequenas moléculas para o citosol, levando à lise celular.10 Estudos recentes têm reportado funções adicionais ao MAC, incluindo atividade estimulatória sobre as células T helper e na ativação plaquetária.11,12 Em uma reação inflamatória aguda, o complemento atua em todas as fases: através da ativação de mediadores pró-inflamatórios, produção de peptídeos anafiláticos, componentes citolíticos e antimicrobianos, no recrutamento de células e na indução de respostas efetoras. Apresenta ainda outras atividades biológicas no organismo, como opsonização e fagocitose, solubilização e remoção de imunocomplexos (IC) e de células apoptóticas, ação como interface entre a imunidade inata e adaptativa. Participa também da angiogênese, da mobilização de células progenitoras hematopoéticas, da regeneração tecidual e do metabolismo de lipídeos. Esses efeitos ocorrem através da ligação dos produtos de ativação com receptores de membrana específicos presentes em diferentes tipos de células.9 Proteínas reguladoras do complemento CD55, CD59, CD46 e CD35 Para prevenir a lesão mediada pelo complemento, as células normais possuem mecanismos regulatórios constituídos por proteínas categorizadas em duas grandes classes: solúveis nos líquidos biológicos, como a properdina e o fator H, e ancoradas à membrana celular, como o CD55 (ou fator acelerador de degradação – DAF, do inglês, decay-accelerating factor), o CD59 (ou inibidor da lise de membrana ou protectina – MIRL, do inglês, membrane inhibitor of reactive lysis), o CD46 (ou proteína cofator de membrana – MCP, do inglês, membrane cofactor protein) e o CD35 (ou receptor do complemento tipo 1 – CR1) (Tabela 1).13 As proteínas reguladoras ancoradas à membrana celular controlam as três vias de ativação do complemento. Já os reguladores solúveis são mais específicos e controlam ou a via alternativa ou a via clássica ou a da lectina, agindo quase exclusivamente sobre C3 ou C4. Nesta revisão abordaremos, 505 Piccoli et al. exclusivamente, as proteínas reguladoras ancoradas à membrana celular. O mecanismo de ação e a maneira como essas proteínas se fixam na membrana celular são diferentes entre si. O CD55 impede a clivagem de C3 e C5 através da inibição da formação de novas convertases de C3 e C5, além de acelerar a degradação dessas enzimas pré-formadas.14 A proteína CD59 interfere diretamente na estruturação do MAC através de sua incorporação física no complexo em formação, impedindo a ligação das unidades de C9 ao complexo C5b-8.15 Já o CD46 e o CD35 atuam na inativação de C3b e C4b. O CD35 atua também no processamento e na limpeza dos IC.13 O CD55 é uma glicoproteína globular ancorada à membrana pelo glicosilfosfatidilinositol (GPI).13 É expressa em diferentes tipos celulares e encontrada sob forma solúvel na lágrima, saliva, urina, líquido sinovial, líquor e plasma.16 Em adição à sua função de regulação do complemento, atua como modulador negativo da resposta da célula T17 e parece proteger as células contra a lise mediada por células matadoras naturais (NK – natural killers).18 Na mucosa epitelial, o CD55 regula o movimento dos neutrófilos através das camadas do epitélio.19 Atua ainda como ligante de adesão intercelular, interagindo com CD97 nos leucócitos,20 e como receptor para certos vírus e microrganismos.21 O CD59 é também uma glicoproteína globular ancorada à membrana pela GPI. Pelo fato de desempenhar papel crucial na prevenção de danos às células próprias pela deposição inapropriada do MAC, esta proteína é amplamente expressa na maioria dos tecidos e em todas as células circulantes, como na sinóvia, nos eritrócitos e leucócitos. Seu papel na regulação do complemento é bem definido. Entretanto, têm-se evidenciadas propriedades de sinalização celular devido à sua localização dentro das camadas de lipídeos – centrais para a formação da sinapse imunológica.22 O CD59 parece estar envolvido na adesão e ativação das células T,23 ativação de neutrófilos via tirosina quinase24 e na indução da morte celular.25 Além do mais, Omidvar et al.,26 avaliando o significado do CD59 nas células-alvo na modulação da citotoxicidade, encontraram uma suscetibilidade aumentada das células-alvo que expressavam CD59 à lise mediada por células NK. O MCP, ou CD46, é uma proteína transmembrana expressa em todas as células, exceto nos eritrócitos.13 Sua função primordial é proteger as células autólogas do ataque do complemento, através da degradação de C3. Liga-se às opsoninas C3b e C4b, agindo como cofator em sua degradação proteolítica através da serina-protease fator I.13 Além de seu papel na imunidade inata, o CD46 também regula a resposta imune adquirida. A coestimulação de células T CD4+ com CD46 induz à proliferação 506 dessas células e à diferenciação a uma classe específica de células T reguladoras, chamadas de Tr127 e caracterizadas pela expressão de interferon γ (IFNγ), interleucina 10 (IL10) e outras moléculas.28 Alterações nas moléculas de superfície durante a apoptose, pela perda de CD46 e CD59, permitem a morte celular devido à ativação do complemento e consequente opsonização por C3b e C4b, seguida pela fagocitose.7 O CD46 é um receptor para uma lista crescente de patógenos humanos, como herpes vírus humano 6, vírus do sarampo, Streptococcus pyogenes, adenovírus, Neisseria sp.29-31 A ubiquidade da expressão de superfície, a atividade regulatória e a sinalização celular contribuem para o CD46 ser alvo de múltiplos patógenos.32 A formação e o acúmulo de IC é um dos mecanismos imunes que ocorrem na AR e nas demais doenças autoimunes. Em condições fisiológicas, esses complexos podem ser removidos da corrente sanguínea através de receptores do complemento (CR), como o CD35. O CD35 é uma glicoproteína transmembrana de cadeia simples33 que interage com o C3b e o C4b para promover a fagocitose mediada por neutrófilos, e age como cofator para inativar o C3b e o C4b a iC3b e iC4b através do fator I.34 É expresso em diferentes tipos celulares, tais como eritrócitos, células mieloides e linfoides.35 Sua função biológica varia conforme a célula em que é expresso. Nas células fagocíticas, o CD35 medeia adesão e ingestão de partículas revestidas por C3b e C4b, enquanto nos linfócitos B e células dendríticas foliculares promove a localização e o processamento do antígeno.36 Em humanos, 90% do total de CD35 é encontrado nos eritrócitos, onde liga-se a microrganismos ou IC opsonizados por C3b ou C4b, processando e transportando-os, através de fagócitos, até o fígado e o baço.37 Microrganismos como Leishmania, micobactérias e o HIV, ao tornarem-se revestidos por C3b, utilizam o CD35 para entrar na célula hospedeira.38 Mais recentemente, CD35 em eritrócitos não infectados por Plasmodium falciparum foi identificado como sendo receptor para os infectados.39 A relevância das PRC em humanos pode ser vista em estudos da doença hemolítica adquirida, a hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), na qual mutações adquiridas na célula-tronco hematopoética dão origem a uma linhagem de células com bloqueio precoce da síntese de âncoras de GPI – responsáveis por manter dezenas de proteínas com funções específicas aderidas à membrana plasmática, entre elas CD55, CD59 e CD46. A falência em sintetizar uma molécula madura de GPI gera ausência de todas as proteínas de superfície normalmente ancoradas por ela.40 Há poucos relatos na literatura sobre o perfil de expressão normal dessas proteínas nas células sanguíneas. Em 2001, Rev Bras Reumatol 2011;51(5):497-510 Expressão de proteínas reguladoras do complemento CD55, CD59, CD35 e CD46 na artrite reumatoide Oelschlaegel et al.41 analisaram, por citometria de fluxo (CF), amostras de 52 doadores de sangue saudáveis e obtiveram um valor de referência de 3% de deficiência de CD55/CD59 nos eritrócitos e granulócitos circulantes. Christmas et al.42 relataram alterações nos níveis de expressão das proteínas regulatórias CD46, CD55 e CD59 em monócitos e subpopulações de linfócitos após ativação com fito-hemaglutinina (FHA) e lipopolissacarídeos (LPS). Apenas os monócitos apresentaram uma elevação uniforme dos reguladores após ativação com FHA e, com exceção do CD46, usando os LPS. Esses dados reforçam o conceito de que a regulação da expressão destas proteínas regulatórias não é coordenada e nem uniforme nas diferentes subpopulações leucocitárias.43 Papel do complemento e das proteínas CD55/CD59/CD46/CD35 na AR Na AR, a ativação do complemento ocorre inicialmente pela via clássica, devido à presença de autoanticorpos, IC e células apoptóticas na articulação. Tem-se evidenciado também o envolvimento da via alternativa devido à presença de fragmentos Bb no líquido sinovial. Esta via pode tornar-se ativa através do FR tipo Imunoglobulina A (IgA), presente em alguns pacientes com AR e/ou colágeno tipo-II, específico para a cartilagem, o qual é exposto como resultado da proteólise durante o curso da doença. Níveis elevados de produtos de ativação do complemento, como o MAC, liberação de anafilatoxinas C3a e C5a e o aumento do consumo de C3 e C4 podem ser detectados no líquido sinovial. Portanto, a superativação do SC e a ausência ou diminuição na expressão de PCR são fatores que contribuem para a exacerbação da doença.1 Possivelmente, para controlar a excessiva ativação do complemento na articulação, o tecido sinovial expressa as PRC. Análises da expressão das PRC na sinóvia reumatoide revelaram aumento de CD5544 e diminuição do CD59 quando comparada com a sinóvia não inflamada.45 Esses achados sugerem que o CD59 possa ser a chave da proteção da membrana sinovial, e sua perda poderia estar associada à maior suscetibilidade ao dano pelo MAC. Williams et al.46 investigaram o papel do CD59 na proteção do tecido articular em modelo murino de artrite induzida por antígeno (AIA). Nesse estudo foi observado que camundongos com deficiência em CD59 apresentaram maior deposição de MAC e maior dano articular com relação aos controles CD59+. Para confirmar se a exacerbação da doença era devido à ausência de CD59 na articulação, esses autores reconstituíram a expressão de CD59 utilizando CD59 membrana-alvo recombinante (sCD59-APT542). Com isso, foi observada melhora no grupo tratado com sCD59-APT542 com relação ao grupo que Rev Bras Reumatol 2011;51(5):497-510 recebeu CD59 recombinante não alvo (sCD59). Dessa forma, o estudo demonstrou que o MAC é um dos maiores efetores do dano articular no modelo AIA. Já um estudo realizado por Hoeck et al.47 avaliando a deleção de CD55 e/ou D97 identificou que camundongos com deficiência de CD55 apresentam redução na atividade da AR, diferente do que ocorre em outras doenças em que essa deficiência parece ser um agravante. O CD55, presente nos sinoviócitos tipo fibroblastos (SF), liga-se ao receptor helicoidal de adesão, CD97, presente nos macrófagos que estão migrando para a articulação, exacerbando a inflamação. Segundo os autores, camundongos deficientes em CD55, CD97 ou que obtiveram o bloqueio da interação utilizando um anticorpo anti-CD97 apresentaram diminuição da atividade da artrite. Análises realizadas em articulações reumatoides revelaram ser um ambiente hipóxico, relacionado com a proliferação das células sinoviais e aumento da demanda metabólica, combinados a oclusões periódicas nos microvasos e ciclos de hipóxia-reoxigenação. Kinderlerer et al.48 reportaram que as estatinas têm, além de efeitos anti-inflamatórios na AR, efeitos citoprotetores, destacando melhora na regulação da expressão das PRC e aumento da expressão de CD59 nas células endoteliais em situações de hipóxia após o uso de atorvastatina, prevenindo, assim, a deposição de C3, C9 e a lise celular. Na AR a inflamação não é restrita à articulação, mas ocorre de forma sistêmica. Em 1992, Gadd et al.49 observaram um significativo aumento na expressão de CD35 nos monócitos do sangue periférico (SP) de pacientes com AR com relação aos controles. Em contraste a esses dados, a expressão de CD35 nos monócitos do líquido sinovial (LS) foi significativamente menor que a dos monócitos do SP. Segundo os autores, esses dados indicam mudança sistêmica no imunofenótipo dos monócitos de pacientes com AR, permitindo assim o recrutamento aos locais de inflamação. Torsteinsdóttir et al.,50 ao avaliar a ativação dos monócitos do SP de pacientes com AR, identificaram, por CF, uma elevada expressão de CD35 nessas células com relação aos controles, estando em concordância com o encontrado nos trabalhos de McCarthy et al.51 e Gadd et al. 49 Após quatro a seis semanas de tratamento com baixas doses de prednisolona, a expressão foi normalizada. Segundo os autores, os monócitos dos pacientes com AR mostraram sinais de ativação na circulação periférica, relacionada com adesão e fagocitose e consequente infiltração da sinóvia. A infiltração da sinóvia por leucócitos envolve, além de células mononucleares, neutrófilos. Jones et al.,52 com o objetivo de verificar se alterações na expressão de certas proteínas atuam na migração dos neutrófilos para a articulação e na sua 507 Piccoli et al. subsequente ativação e capacidade de sobreviver ao ataque do complemento, avaliaram a expressão de CD59, CD55, CD46 e CD35 nos neutrófilos do SP e LS em pacientes com AR e indivíduos saudáveis. Os autores identificaram expressão diminuída nos neutrófilos do SP dos pacientes com relação à dos controles de CD55, CD46 e CD35, e nenhuma diferença significativa para CD59. Os neutrófilos do LS expressaram significativamente mais CD55 e CD35 em comparação com neutrófilos do SP; a expressão de CD46 foi menor e na de CD59 não houve diferença entre os grupos. Segundo os autores, a diferença na expressão dessas moléculas conduz ao aumento na adesividade, resistência ao complemento e maior capacidade dos neutrófilos na remoção de IC. Não está claro se essas alterações contribuem com a doença ou são consequência do estado inflamatório crônico. Entretanto, os dados sugerem que as PRC possam atuar sistematicamente para suprimir a atividade da doença associada à descontrolada ativação do complemento na AR, semelhante ao que ocorre em outras doenças autoimunes, conforme revisado por Alegretti et al.53 Anticorpos produzidos nas doenças autoimunes se ligam a antígenos de superfície celular ou formam IC após a ligação com antígenos circulantes. Estes IC tendem a se depositar em órgãos, com subsequente ativação do SC, causando danos aos tecidos. Apesar da reconhecida ação efetora do complemento no dano aos órgãos em doenças autoimunes, pouco se conhece sobre o mecanismo das PRC na modulação da gravidade desse dano.13 Alguns estudos em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) têm demonstrado diminuição dessas PCR e uma possível associação com a presença de citopenias nesses pacientes. Richaud-Patin et al.54 demonstram uma redução na intensidade de expressão de CD55 e CD59 na membrana de eritrócitos de pacientes lúpicos com anemia hemolítica autoimune (AHAI) secundária. O mesmo foi observado nos linfócitos dos pacientes com linfopenia quando comparados com os controles.55,56 CONCLUSÃO Poucos estudos sobre o perfil de expressão de proteínas reguladoras do complemento CD55, CD46, CD35 e CD59 em pacientes com AR são encontrados na literatura, e alguns são controversos. A deficiência adquirida ou a superexpressão dessas proteínas em algumas doenças autoimunes parecem estar associadas à atividade da doença. Na AR, a maioria dos estudos demonstra que o CD35 está aumentado nos monócitos 508 do sangue periférico, e apenas um estudo descreveu redução de CD55, CD35 e CD46 nos neutrófilos do SP. As principais hipóteses descritas nesses estudos, com o intuito de explicar as alterações na expressão dessas moléculas, estão vinculadas à ação principal como inibidoras da ativação exacerbada do complemento, às funções imunorregulatórias ou de adesão celular, aos fatores estimulatórios ou inibitórios que regulam sua expressão, ou até mesmo à presença de enzimas específicas que clivam a ligação dessas proteínas na membrana da célula. O padrão de expressão das PCR em pacientes com AR ainda não está bem estabelecido. Definir esse padrão de expressão é importante para a avaliação do seu potencial significado no desenvolvimento do processo inflamatório ou de citopenias nesses pacientes, bem como para otimizar o uso de terapias de depleção celular que envolvam ativação do SC, como por exemplo, terapias anti-CD20. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. Okroj M, Heinegård D, Holmdahl R, Blom AM. Rheumatoid arthritis and the complement system. Ann Med 2007; 39(7):517-30. 2. Lark MW, Bayne EK, Flanagan J, Harper CF, Hoerrner LA, Hutchinson NI et al. Aggrecan degradation in human cartilage. Evidence for both matrix metalloproteinase and aggrecanase activity in normal, osteoarthritic, and rheumatoid joints. J Clin Invest 1997; 100(1):93-106. 3. Szekanecz Z, Gáspár L, Koch AE. Angiogenesis in rheumatoid arthritis. Front Biosci 2005; 10:1739-53. 4. Smolen JS, Steiner G. Therapeutic strategies for rheumatoid arthritis. Nat Rev Drug Discov 2003; 2(6):473-88. 5. Kemper C, Atkinson JP. 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Rev Bras Reumatol 2011;51(5):497-510 RELATO DE CASO Flegmasia cerúlea dolens em paciente com lúpus eritematoso sistêmico no puerpério remoto José Marques Filho1 RESUMO As manifestações vasculares no lúpus eritematoso sistêmico não são raras, e grande parte dos casos está associada à presença de anticorpos antifosfolípides. A flegmasia cerúlea dolens é uma incomum e grave complicação de trombose venosa profunda de membros inferiores, com altas taxas de morbimortalidade. Encontramos na literatura apenas dois casos de flegmasia cerúlea dolens associados à síndrome antifosfolípide, e não encontramos relatos associados ao lúpus eritematoso sistêmico. Relatamos um caso de flegmasia cerúlea dolens, com rápida evolução para óbito, em paciente com lúpus eritematoso sistêmico no puerpério remoto. Palavras-chave: lúpus eritematoso sistêmico, período pós-parto, tromboflebite. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, de natureza autoimune, que pode afetar múltiplos sistemas e órgãos. O comprometimento vascular, tanto venoso quanto arterial, não é raro e grande parte está associado à presença de anticorpos antifosfolípides. Além disso, gravidez e puerpério reconhecidamente aumentam os riscos de eventos tromboembólicos. Portanto, pacientes grávidas e portadoras de LES representam um grupo com alto risco para fenômenos tromboembólicos. Esse risco aumenta potencialmente na presença de anticorpos antifosfolípides.1 Pacientes portadoras de LES devem ser monitoradas de forma cuidadosa durante a gravidez e o puerpério, devido à alta probabilidade de surtos de reativação da doença. Além disso, não raro, é na gravidez, e principalmente no puerpério, que aparecem os primeiros sintomas dessa complexa doença que, ainda hoje, desafia pesquisadores na elucidação de suas múltiplas manifestações. O puerpério, definido como o período desde a dequitação da placenta até o retorno da função reprodutora da mulher, tem duração variável, e em geral é classificado como imediato (até 10 dias), tardio (até 45 dias) e remoto (após 45 dias).2 Relatamos um caso fulminante de grave trombose venosa profunda (TVP) de membro inferior em paciente portadora de LES no puerpério remoto. RELATO DE CASO Paciente com 31 anos de idade, cor parda, em tratamento para LES diagnosticado quatro anos antes da atual internação, com manifestações articulares, cutâneas, hematológicas, renais e de sistema nervoso central (psicose lúpica). Apresentou no início do quadro altos títulos de anticorpos anti-DNA dupla hélice (anti-dsDNA) e negatividade para anticoagulante lúpico e anticorpos anticardiolipinas em todas as ocasiões em que foram pesquisados, além de ausência de história de eventos tromboembólicos. Recebido em 24/07/2010. Aprovado, após revisão, em 01/07/2011. O autor declara a inexistência de conflitos de interesse. Santa Casa de Misericórdia de Araçatuba. 1. Mestre em Bioética; Especialista em Reumatologia; Especialista em Clínica Médica; Doutorando em Bioética Correspondência para: José Marques Filho. Rua Silva Jardim, 343 – Centro. CEP: 16010-340. Araçatuba, SP, Brasil. E-mail: fi[email protected] 514 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):511-516 Flegmasia cerúlea dolens em paciente com lúpus eritematoso sistêmico no puerpério remoto Foi admitida no setor de emergência no terceiro mês de puerpério, com febre, fadiga intensa há 10 dias, apresentando-se ao exame físico em mal estado geral, descorada, com instabilidade hemodinâmica e dor e edema em membro inferior esquerdo. Tratava-se de paciente com história de três gestações, sendo as duas primeiras anteriores ao diagnóstico de LES, todas com realização de cesarianas. Não apresentava antecedentes de perdas fetais ou episódios de trombose venosa ou arterial. Em nenhuma das três gestações houve quaisquer intercorrências clínicas com a gestante ou com os recém-nascidos. A última gestação não foi planejada, mas ocorreu em período de mais de um ano de remissão do LES, época em que a paciente fazia uso de azatioprina 100 mg/dia (suspensa quando da notícia da gravidez), sulfato de hidroxicloroquina 400 mg/ dia e baixas doses de prednisona. Durante a gestação foi mantida somente com prednisona 10 mg/dia, não apresentando nenhuma complicação. O parto foi cirúrgico, sem complicações para a paciente ou para o recém-nascido. Após alta da maternidade, não compareceu às consultas agendadas para controle no puerpério. Três meses depois, deu entrada no setor de emergência e foi rapidamente transferida para a Unidade de Terapia Intensiva. Apresentava-se em mal estado geral, descorada, febril, com instabilidade hemodinâmica e queixando-se de dor, aumento de volume importante e empastamento em panturrilha esquerda, pulsos presentes, simétricos, sem cianose. Foram feitas as hipóteses de atividade lúpica e TVP em membro inferior esquerdo. O hemograma de entrada demonstrou hemoglobina de 7,0 g/dL, hematócrito de 21%, leucócitos totais de 8.600/mm3, plaquetas de 2.000/mm3, creatinina de 2,2 mg/dL, FAN positivo 1/640 padrão homogêneo, anti-dsDNA positivo 1/80. Não foram pesquisados outros autoanticorpos, níveis de complemento e anti-B2GP1. Urina tipo I com proteinúria, hematúria e cilindrúria, com pesquisa de dímero D positiva. Ecocardiograma sem alterações, e raio x de tórax normal. Pesquisa de anticoagulante lúpico e anticorpos anticardiolipinas negativos. A paciente foi tratada com reposição de volume, drogas vasoativas, antibioticoterapia, heparinização e pulsoterapia com metilpredinisolona. Evoluiu com instabilidade hemodinâmica persistente, piora do estado geral, aumento importante da dor e edema em todo o membro inferior esquerdo, cianose no pé esquerdo e surgimento de flictenas com conteúdo sero-hemorrágico e piora progressiva da perfusão. Feito o diagnóstico de flegmasia cerúlea dolens (FCD) e indicada trombectomia venosa com cateter de Fogart. No entanto, não foi possível realizá-la, devido à rápida piora do quadro clínico. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):511-516 A paciente evoluiu com dispneia súbita, parada respiratória e óbito cerca de 12 horas após sua admissão no hospital, provavelmente por embolia pulmonar. Não foi realizada autopsia. DISCUSSÃO A TVP é uma das doenças vasculares mais comuns. É caracterizada por edema do membro associado a comprometimento do fluxo capilar, elevando a pressão no membro afetado, podendo levar à hipertensão venosa e, mais raramente, à isquemia do membro. As complicações mais comuns incluem insuficiência venosa crônica e síndrome pós-flebítica. Outras complicações muito mais raras, porém dramáticas, são flegmasia alba dolens (FAD) e FCD, ambas podendo evoluir para quadro de gangrena úmida.3 A FAD ocorre durante a gravidez, em membros inferiores, evoluindo com palidez intensa do membro (“branco como leite”). Sua fisiopatologia é complexa, mas basicamente o edema do membro leva a um aumento da pressão dos tecidos moles, com consequente aumento da pressão em capilares. A isquemia ocorre apenas se houver prejuízo ao fluxo capilar.4 A FCD é uma séria e rara complicação da TVP íleofemoral. Sua incidência, igual em ambos os gêneros, é mais comum após a sexta década de vida, ocorrendo mais frequentemente em membros inferiores, embora possa, em 5% dos casos, ocorrer em membros superiores.4 As afecções mais frequentemente associadas à FCD são as neoplasias malignas e a insuficiência cardíaca grave;5 porém, outras afecções são descritas mais raramente, como a síndrome antifosfolípide primária,6-8 a cateterização de veia femoral, o aneurisma de aorta abdominal e situações de hipercoagulabilidade,8 e, ainda em uma situação mais rara, a síndrome da trombose trombocitopênica induzida por heparina.9 Os casos de FCD associada ao anticoagulante lúpico descritos na literatura6-8 são casos de síndrome antifosfolipíde primária, sem critérios para diagnóstico de LES, ambos com trombose profunda de membros inferiores e boa evolução ao tratamento clínico. Na FCD, a trombose venosa íleofemoral extensa causa praticamente oclusão venosa total. O membro torna-se isquêmico, extremamente doloroso e cianótico (sinal patognomônico). A estase completa do fluxo venoso leva a edema grave, podendo ocorrer interrupção do fluxo arterial, resultando em gangrena. A FCD apresenta altas morbidade e mortalidade, com necessidade de amputação do membro em muitos casos. Essa condição enquadra-se no conceito descrito na literatura como “doença venosa crítica”,5 que implica intervenções mais 515 Marques Filho agressivas em fases precoces da doença, visando evitar complicações maiores, tais como gangrena e embolia pulmonar. Apesar de relatos de regressão da FCD utilizando somente heparina, parece consensual na literatura que uma terapia mais agressiva melhora o prognóstico dos pacientes. Diversas modalidades de intervenção são descritas, como a trombectomia venosa cirúrgica, as fasciotomias, a colocação de filtro em veia cava inferior e a utilização de trombolíticos.5 No presente caso, embora o diagnóstico de FCD tenha sido realizado precocemente, é provável que a gravidade do quadro clínico do LES tenha colaborado para a rápida evolução desfavorável. A associação da atividade inflamatória da doença de base às alterações hormonais do puerpério foi fator que, certamente, contribuiu para a ocorrência da TVP, evoluindo de forma catastrófica para FCD e óbito. 2. REFERENCES 9. REFERÊNCIAS 1. 516 Guaio CRDC, Grando PED, Carvalho JF. Estudo comparativo entre a síndrome antifosfolípide primária e a secundária – características clínicas e laboratoriais em 149 pacientes. Rev Bras Reumatol 2008; 48(6):329-34. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Montenegro CAB, Resende Filho J. Obstetrícia fundamental. 11ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. Perkins JMT, Magee TR, Galland RB. 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Discutem-se as possibilidades diagnósticas para este caso de monoartrite, bem como as patologias associadas às infecções causadas por esse microrganismo de interesse para o reumatologista, e a possível implicação da reação da articulação ao ácido hialurônico como possível fator predisponente do derrame articular. Palavras-chave: artrite infecciosa, Streptococcus bovis, hepatite C, cirrose hepática, ácido hialurônico. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO Dor acompanhada de sinais inflamatórios e derrame articular em uma única articulação induzem à prática de punções e infiltrações sem definição prévia do diagnóstico de monoartrite. Esse procedimento impede o diagnóstico etiológico, além de causar complicações e dificultar o tratamento. Apesar do avanço dos métodos diagnósticos em reumatologia, definir a causa da monoartrite continua sendo um dos grandes desafios da especialidade. A conclusão diagnóstica acaba quase sempre dependendo da evolução e do aparecimento de outros sinais e sintomas, principalmente quando o estudo adequado do líquido sinovial não é realizado. A artrite infecciosa deve sempre ser considerada como diagnóstico diferencial da monoartrite, especialmente quando o paciente está na faixa etária de maior predisposição, tem doença articular preexistente e comorbidades que favorecem a contaminação articular. É descrito um caso de artrite infecciosa por Streptococcus bovis (S. bovis) em joelho com alteração degenerativa sintomática, não responsiva ao tratamento após múltiplas artrocenteses, infiltrações com ácido hialurônico e corticosteroides. O paciente apresentava cirrose secundária à infecção por hepatite C. RELATO DE CASO Homem de 69 anos de idade, com cirrose hepática e antecedente de hepatite C adquirida pós-transfusão, sem outras comorbidades. Relatava história de três meses de dor e inchaço de joelho esquerdo de início agudo, tendo sido submetido à punção articular com retirada de grande quantidade de líquido de cor clara. Cinco dias após a punção houve recidiva do inchaço, quando procurou ortopedista que diagnosticou osteoartrite de joelho e administrou ácido hialurônico (hilano G-F 20), obtendo relativa melhora por alguns dias. Contudo, após 15 dias houve recidiva do derrame articular, quando então foi Recebido em 03/08/2010. Aprovado, após revisão, em 01/07/2011. O autor declara a inexistência de conflitos de interesse. Instituto de Doenças Reumáticas de Santo André. 1. Postdoctoral Fellowship na University of California, Los Angeles, EUA – UCLA Correspondência para: Ernesto Dallaverde Neto. Instituto de Doenças Reumáticas de Santo André. Rua Gastão Vidigal, 48 – Vila Bastos. CEP: 09041-181. Santo André, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 520 Rev Bras Reumatol 2011;51(5):517-523 Artrite séptica por Streptococcus bovis em paciente com cirrose hepática devido ao vírus da hepatite C – relato de caso e revisão de literatura Figura 1 Monoartrite de joelho, com sinais inflamatórios. submetido à terceira artrocentese sem administração do produto e foi solicitada ressonância magnética. Este exame mostrou alterações degenerativas tricompartimentais, lesão tendinosa insercional e espessamento do ligamento cruzado anterior. Após cinco dias, observou-se novo derrame articular, sendo submetido à quarta artrocentese e à segunda infiltração de ácido hialurônico. Passadas três semanas, após ter sido submetido a quatro punções articulares, procurou outro ortopedista que procedeu artrocentese com infiltração de corticosteroide de depósito e indicou avaliação reumatológica. A avaliação reumatológica ocorreu três dias após a infiltração por corticosteroide, tendo sido encontrado aumento de volume do joelho esquerdo com limitação de flexão a 90º, sinais inflamatórios discretos e derrame articular de pequeno volume. Exames complementares confirmaram discreta manifestação inflamatória e alterações laboratoriais compatíveis com hepatite crônica. Radiografias digitais das articulações dos ombros, mãos, punhos e joelhos revelaram quadro compatível com osteoartrite de mãos e joelhos, exibindo lesões degenerativas tricompartimentais sem calcificações. Por ocasião do retorno, o paciente relatou piora do inchaço encontrado na visita anterior, sem dor e sem outras manifestações clínicas. Foi submetido à punção articular, com saída de 30 mL de líquido sinovial de aspecto compatível com classe II, com 39.000 céls/mm³, das quais 87% leucócitos polimorfonucleares, 8% linfócitos e 5% monócitos e ausência de cristais. O estudo bacterioscópico e a cultura foram negativos. O hemograma apresentava hemoglobina Rev Bras Reumatol 2011;51(5):517-523 13,7 g%, hematócrito 40,6 com 3.900 glóbulos brancos com 50% de neutrófilos, 5,5% de eosinófilos, 0,9% de basófilos, 36,9% de linfócitos e 6,7% de monócitos e 113.000 plaquetas. A velocidade de hemossedimentação era de 23 mm na primeira hora, e a proteína C-reativa negativa. Houve nova recidiva de derrame 24 horas após a punção, em grande quantidade, doloroso, acompanhado de sinais inflamatórios exuberantes (rubor e calor) e febre de 38,4ºC (Figura 1). Na punção articular obteve-se 60 mL de líquido sinovial, com aspecto de classe III, com baixa viscosidade, sugerindo processo infeccioso. O diagnóstico clínico foi artrite infecciosa, e o paciente foi internado e tratado com antibioticoterapia endovenosa com cefatriaxona 2 g associada à oxacilina 2,0 g diárias. Durante o período que esteve internado, submeteu-se o paciente a três outras punções articulares e a uma lavagem articular com soro fisiológico. A cultura da primeira amostra antes da introdução da antibioticoterapia identificou S. bovis. Com este achado o paciente foi submetido à ecocardiografia, com resultado dentro da normalidade e sem vegetações. Foi solicitado também antígeno carcinoembrionário (CEA) com valor de 1,6 ng/mL, e o estudo endoscópico do aparelho digestivo (alto e baixo) não mostrou alterações sugestivas de doença maligna ou mesmo pólipos. Após 10 dias de tratamento ainda havia aumento de volume articular não doloroso, e o exame ultrassonográfico mostrou aumento de volume pela presença de derrame anecoide com septações delgadas e material ecogênico espesso. Os antibióticos foram mantidos por duas semanas, com o enfermo hospitalizado. Devido à persistência da sinovite residual sem indícios de derrame articular, a antibioticoterapia foi mantida por mais 10 dias no domicílio. Após 15 dias da alta hospitalar o paciente retornou ao consultório sem limitações de movimento ou sinais inflamatórios. DISCUSSÃO Tratando-se de monoartrite, é fundamental a realização de anamnese completa que aborde os hábitos do paciente, o comprometimento da pele e o histórico de queixas genitourinárias e digestivas, assim como a ocorrência de comorbidades. História pregressa de envolvimento articular e da coluna devem ser detalhadas. No diagnóstico diferencial das monoartrites incluiu-se artrite psoriásica, espondiloartropatias com ou sem manifestações intestinais, doenças por deposição de cristais, artrite infecciosa, além de doença degenerativa primária ou secundária. Crises inflamatórias no joelho com grande volume de líquido intra-articular em paciente idoso com diagnóstico 521 Dallaverde Neto radiológico de osteoartrite são típicas de portadores de doença por deposição de pirofosfato. Entretanto, para confirmar esse diagnóstico é necessário identificar cristais de birrefringência fracamente positiva no líquido sinovial, ação nem sempre fácil justamente pela característica de refringência desse cristal. O fato de não terem sido encontrados cristais no líquido sinovial do paciente não afasta a possibilidade de pseudogota, embora a ausência de sinais radiológicos sugestivos tornasse essa hipótese pouco provável. Da mesma forma, considerando as peculiaridades da gota em idosos, esse diagnóstico também poderia ter sido considerado, e seria confirmado apenas com o encontro de cristais de monourato de sódio no líquido sinovial. Foi apontada também a hipótese de reação adversa ao ácido hialurônico (hilano G-F 20), especialmente considerando-se que as infiltrações foram feitas na presença de derrame. Embora considerado seguro, pode causar dor e edema no local infiltrado, reações geralmente descritas como leves, que desaparecem espontaneamente ou com terapia tópica. Contudo, tais reações podem persistir por até três semanas, muitas vezes necessitando de aspiração e infiltração com corticosteroide. O diagnóstico diferencial de artrite séptica deve ser sempre considerado. A incidência de artrite infecciosa ocasionada por infiltração intra-articular é estimada em um caso para cada 17.000 a 50.000 infiltrações, podendo ser subaguda ou insidiosa, ocorrendo de semanas até três meses após o procedimento, sendo mais frequente em pacientes com doença articular prévia. O Staphylococcus aureus é a bactéria mais comumente encontrada na artrite séptica do adulto, tanto na forma primária quanto na que segue a trauma ou a injeções intra-articulares. A artrite séptica, pelas potenciais morbidade e mortalidade estimadas em 11%,1 impõe rapidez do diagnóstico e tratamento. Por essa razão, o tratamento com antibióticos deve ser iniciado por ocasião da suspeita clínica. No presente caso, portanto, a conduta foi prescrição de antibióticos que atuam nessa bactéria e em outros potenciais agentes causadores, como patógenos Gram-negativos e oportunistas, antes mesmo do conhecimento do resultado da cultura. O doente apresentava ainda, como fator agravante, presença de doença debilitante, como a cirrose hepática. O S. bovis é um enterococo considerado o microrganismo mais frequente entre os estreptococos do grupo D, e é classificado em tipos I e II. O tipo I, mais virulento, está mais associado a endocardite (94%) e carcinoma de cólon (71%), enquanto o tipo II está associado nas frequências de 18% e 17% com as complicações citadas. Infecções menos comuns causadas pelo S. bovis incluem meningite, septicemia neonatal, peritonite espontânea, osteomielite vertebral e artrite infecciosa sem, no entanto, apresentar características particulares. 522 O S. bovis é causa frequente de endocardite e tem sido relacionado com doenças intestinais, principalmente ao carcinoma do cólon,2,3 embora também esteja associado a outras neoplasias do aparelho digestivo e mesmo a doenças não malignas, como colangite, pólipos e doenças inflamatórias intestinais. O porquê dessa associação não está bem definido, embora existam várias teorias. Sugere-se que o microrganismo seja por si só carcinogênico,4 assim como seus 12 antígenos proteicos, causando a progressão de uma lesão pré-neoplásica existente5 por meio do desencadeamento de resposta inflamatória, proliferação e transformação celular.6 Também, com certa frequência, está associado à doença hepática crônica ou cirrose.7,8 A porta de entrada para o S. bovis é o trato gastrointestinal, urinário, vias biliares ou orofaringe. O encontro do S. bovis na cultura do líquido sinovial obriga a pesquisa que exclui a ocorrência de outras possíveis comorbidades, como lesões neoplásicas do aparelho digestivo, além de endocardite bacteriana. A associação com doenças hepáticas crônicas ou cirrose contribui para o aumento da taxa de mortalidade.9 Infecções por S. bovis em articulações são raras, e a exemplo do caso aqui relatado, os pacientes descritos por Grant,10 Marín11 e Calderón12 não desenvolveram endocardite e não foram encontradas neoplasias concomitantemente. Um quarto caso foi descrito13 sem comprometimento do endocárdio, mas associado a carcinoma de sigmoide, e dois outros de infecção tardia, que se seguiram à artroplastia de joelho associados a carcinoma do cólon ascendente14 e do sigmoide.15 Um quinto caso sem endocardite e/ou carcinoma do cólon foi relatado em paciente de 76 anos de idade submetido à artroplastia de joelho quatro meses antes, em uso de prednisona 50 mg/dia para tratamento de mieloma múltiplo.16 Osteomielite vertebral em associação a pólipos em cólon e bacteremia pelo S. bovis também já foram descritos.17 Em nosso meio, Genta et al.18 descreveram um caso de bacteremia pelo S. bovis com endocardite, adenocarcinoma de cólon, abscesso esplênico e espondilodiscite. Em uma revisão utilizando o MEDLINE e as bases do LILACS e SciELO, não encontramos descrição de comprometimento articular por essa bactéria, sendo este o primeiro caso de artrite séptica de joelho pelo S. bovis em nosso meio, sem endocardite e sem estar associado à neoplasia intestinal. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. Grupta MN, Sturrock RD, Fiels MA. A prospective 2-year study of 75 patients with adult-onset septic arthritis. Rheumatology (Oxford) 2001; 40(1):24-30. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):517-523 Artrite séptica por Streptococcus bovis em paciente com cirrose hepática devido ao vírus da hepatite C – relato de caso e revisão de literatura 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Klein RS, Catalano MT, Edberg SC, Casey JI, Steigbigel NH. Streptococcus bovis septicemia and carcinoma of the colon. Ann Intern Med 1979; 91(4):560-2. Gold JS, Bayar S, Salem RR. Association of Streptococcus bovis bacteremia with colonic neoplasia and extracolonic malignancy. Arch Surg 2004; 139(7):760-5. 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A AT é a terceira vasculite mais frequente da infância.1 A maioria dos pacientes diagnosticados é mulher na terceira década de vida;1 contudo, há descrições da doença em crianças tão jovens quanto sete meses de idade.2 O diagnóstico de AT baseia-se nos critérios diagnósticos da EULAR/PRINTO/PRES, que compreendem: anormalidades angiográficas, alterações de pulsos arteriais periféricos, diferença da pressão arterial (PA) sistólica dos quatro membros, hipertensão arterial, sopro de grande artéria e provas de fase aguda elevadas.3 O tratamento requer uso dos corticosteroides, que podem ser associados a imunossupressores ou a agentes biológicos. Alguns casos beneficiam-se com a intervenção cirúrgica. 1 Apesar do reconhecimento crescente do número de casos de AT em crianças e adolescentes, a descrição da doença nessa população ainda é escassa e pouco difundida em nosso meio.4 Por conseguinte, descrevemos os casos de três pacientes com AT diagnosticados segundo critérios estabelecidos3 atendidos no ambulatório de Reumatologia Pediátrica do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes da Universidade Federal do Espírito Santo (HUCAM/UFES) no período de dezembro de 2007 a janeiro de 2010. Os dados foram obtidos mediante revisão dos prontuários, após consentimento informado. RELATO DE CASO Caso 1 Paciente do gênero feminino, 15 anos, admitida em outubro de 2007 com queixa de fadiga, cefaleia e claudicação intermitente de membros superiores (MMSS) há um ano, com sintomas atribuídos à anemia crônica. Ao exame físico: MMSS com pulsos periféricos não palpáveis e PA nos mesmos inaudível, PA sistêmica aferida em membros inferiores (MMII) de 220/110 mmHg à direita e 160/90 mmHg à esquerda e presença de sopro carotídeo bilateral. Exames laboratoriais Recebido em 27/09/2010. Aprovado, após revisão, em 01/07/2011. Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse. Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. 1. Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES 2. Aluno de graduação em Medicina da UFES Correspondência para: Ana Karina Soares Nascif. Departamento de Pediatria – Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (HUCAM). Avenida Marechal Campos, 1468 – Maruípe. CEP: 29042-715. Vitória, ES, Brasil. Telefone: +55 27 3335-7167. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2011;51(5):524-530 527 Nascif et al. com evidência de atividade inflamatória, e exames de imagem sugestivos de AT. Em dezembro de 2007, devido ao acometimento arterial extenso e à gravidade clínica, optou-se por pulsoterapia mensal com metilprednisolona (MTP), associada à pulsoterapia com ciclofosfamida (CFA) e prednisona oral 1 mg/dia, além de anti-hipertensivos. A paciente não apresentou resposta à imunossupressão instituída, sendo modificada por metotrexato subcutâneo (MTX SC) 25 mg/semana aliado ao corticoide oral. Devido à persistência dos sintomas e da hipertensão arterial após 18 meses do início da terapêutica, foi prescrito infliximabe (5 mg/kg/dose), no total de seis infusões. Após início de terapia biológica, a paciente evoluiu com remissão dos sintomas, sendo possível a redução progressiva do corticoide oral, mantendo-se, entretanto, hipertensão arterial sistêmica (HAS) a despeito do uso de cinco anti-hipertensivos. A Caso 2 Paciente do gênero feminino, 16 anos, admitida em junho de 2009 com queixa de fadiga há cinco anos, anemia crônica e hipertensão arterial recém-diagnosticada. Teve diagnóstico ecocardiográfico prévio de coarctação de aorta (CoAo). Ao exame físico: HAS com diferença de PA entre os membros (MM) – membro superior direito (MSD) 180/130 mmHg, membro superior esquerdo (MSE) 160/120 mmHg e MMII 200/140 mmHg e sopro carotídeo e abdominal. Os exames laboratoriais evidenciaram aumento de velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C-reativa (PCR); os exames de imagem sugeriram AT e excluíram CoAo. Prescreveu-se pulsoterapia mensal com MTP e prednisona oral 1 mg/kg/dia, associados a anti-hipertensivos. Em novembro de 2009, devido à hipertensão arterial de difícil controle, foi submetida a angioplastia transluminal percutânea com colocação de stent em artéria renal esquerda e embolização de aneurisma com micromolas fibradas. As imagens antes e após o procedimento estão mostradas na Figura 1. Após o procedimento, foi suspensa a pulsoterapia e associou-se MTX SC 25 mg/semana, permitindo redução gradual da corticoterapia oral. A paciente evoluiu com redução parcial da PA, mantendo uso de quatro classes de anti-hipertensivos. Caso 3 Paciente do gênero feminino, iniciou queixas diárias de cefaleia e dor abdominal aos 8 anos de idade, com diagnóstico prévio presuntivo de enxaqueca abdominal. Aos 10 anos foi encaminhada ao Serviço de Reumatologia devido a hipertensão arterial e achado ecográfico de aneurisma de aorta ascendente. 528 B Figura 1 Arteriografia convencional da paciente do caso 2. (A) Artéria renal esquerda tortuosa com área de estenose (seta preta) e aneurisma (seta branca). (B) Fluxo em artéria renal e ramo restaurado após colocar stent e embolização do aneurisma. Ao exame físico: HAS, diferença significativa de PA entre MMSS (170/100 mmHg em MSE e 150/90 mmHg em MSD), pulso radial de amplitude reduzida à esquerda e sopro diastólico em foco aórtico. Exames laboratoriais com aumento de provas inflamatórias; os exames de imagem realizados sugerem AT. Iniciada pulsoterapia com MTP associada à prednisona oral 1 mg/kg/dia e, posteriormente, pulsoterapia com CFA devido à Rev Bras Reumatol 2011;51(5):524-530 Arterite de Takayasu na infância e na adolescência: relato de três casos Tabela 1 Provas de atividade inflamatória e achados radiológicos Caso 1 Caso 2 Caso 3 VHS ao diagnóstico 107 mm/1ª hora 51 mm/1ª hora 77 mm/1ª hora PCR ao diagnóstico 74,2 mg/L 14 mg/L 13,2 mg/L VHS após tratamento 6 mm/1ª hora 28 mm/1ª hora 17 mm/1ª hora PCR após tratamento Negativo 5,7 mg/L Negativo Exames de imagem Arteriografia convencional abdominal: oclusão de artérias subclávias e estenose extensa de carótidas; aorta torácica pérvia com segmento estenosado em terço proximal de aorta descendente, aorta abdominal pérvia com artéria renal direita afilada. Angiotomografia abdominal: estenose renal bilateral, aneurisma em artéria renal esquerda, estenose em aorta abdominal infrarrenal, aneurisma em aorta abdominal infrarrenal. Angiotomografia abdominal: aneurisma em aorta ascendente e em artéria renal direita. Arteriografia renal: aneurisma e oclusão parcial de artéria renal direita. VHS: velocidade de hemossedimentação; PCR: proteína C-reativa. resposta parcial ao corticoide. Paciente evoluiu com remissão parcial dos sintomas, porém desenvolveu síndrome de Cushing exógena com HAS refratária ao uso de cinco medicações anti-hipertensivas, optando-se por manutenção da terapêutica imunossupressora com MTX SC 25 mg/semana. A Tabela 1 descreve as provas de atividade inflamatória (ao diagnóstico e após o tratamento) e achados radiológicos das pacientes ao diagnóstico. DISCUSSÃO A AT é pouco descrita na faixa etária pediátrica, especialmente em nosso meio. Na literatura internacional, um artigo de revisão recente apresentou o total de 241 casos publicados de AT na faixa etária pediátrica.5 Até o momento temos conhecimento de 21 casos pediátricos publicados no Brasil.5-9 Descrevemos neste relato de caso três pacientes, o que corresponde a 14,2% dos casos nacionais publicados. Devido à inespecificidade das manifestações clínicas iniciais, à evolução insidiosa e à necessidade do exame físico cardiovascular minucioso, acredita-se que muitos casos não são diagnosticados ou são suspeitados tardiamente.10 Todas as pacientes relatadas receberam diagnóstico inicial de patologias diferentes da AT: anemia crônica, CoAo e enxaqueca abdominal, após um, dois e cinco anos do início dos sintomas. Na infância, a cefaleia é o sintoma inicial inespecífico mais frequente da AT, ocorrendo em 31% dos casos.1,10 Nossos três casos apresentaram cefaleia, reforçando a inclusão da AT no diagnóstico diferencial etiológico. Duas pacientes relataram fadiga, condizente com a literatura1 e corroborando para necessidade de valorização desta queixa. Uma paciente relatou claudicação de MMSS, que é altamente específica de AT.3 Dor Rev Bras Reumatol 2011;51(5):524-530 abdominal ocorre em 5% a 50% dos casos,10 e foi relatada em nossa paciente mais jovem. A hipertensão arterial é o achado mais comum no exame físico na criança e no adolescente com AT (82,6%), o que frequentemente levanta a suspeita diagnóstica.10 Todas as pacientes eram hipertensas ao diagnóstico, o que levou ao encaminhamento de duas delas. Na literatura, a prevalência desses achados varia amplamente, ocorrendo em 5% a 58% dos pacientes, provavelmente devido ao pequeno número de casos publicados. As provas de atividade inflamatória estão elevadas na maioria dos casos,3,10 semelhante aos nossos resultados. O achado das provas elevadas, associado ao quadro clínico, embasou a solicitação dos exames de imagem e auxiliou no diagnóstico das nossas pacientes. A aparência característica da angiografia é o envolvimento difuso da aorta. A lesão mais comumente encontrada é a estenose (53%), seguida da oclusão (21%) e do aneurisma (10%). As artérias mais afetadas são as renais (73%).10 Nossos casos são condizentes com a literatura: duas pacientes tinham associação de estenose, oclusão e aneurisma, e uma paciente tinha estenose e oclusão difusa da aorta. Todas apresentavam acometimento de artéria renal. O tratamento da AT consiste na prescrição de corticosteroides, que podem ser associados, inicialmente ou durante a evolução, à CFA ou ao MTX nos casos de doença progressiva, e aos agentes biológicos nos casos resistentes. A intervenção cirúrgica pode ter bons resultados nos casos de hipertensão renovascular grave.1,10 Todas as pacientes receberam tratamento inicial com corticosteroides, posteriormente associados ao MTX. Apenas o caso 2 não recebeu CFA, pois foi submetida ao procedimento endovascular. O caso 1 recebeu infliximabe devido à resistência aos imunossupressores. Todas as nossas 529 Nascif et al. pacientes evoluíram com boa resposta à terapêutica e normalização das provas inflamatórias, mantendo HAS a despeito do uso de anti-hipertensivos. A descrição de casos raros, como os relatados neste artigo, possibilita melhor conhecimento da AT na infância pelos pediatras e reumatologistas, permitindo o diagnóstico precoce e melhores resultados terapêuticos. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 530 Cassidy JT, Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB. Textbook of Pediatric Rheumatology. 5ed. Philadelphia: Elsevier; 2005. Gronemeyer PS, deMello DE. Takayasu’s disease with aneurysm of right common iliac artery and iliocaval fistula in a young infant: case report and review of the literature. Pediatrics 1982; 69(5):626-31. Ozen S, Pistorio A, Iusan SM, Bakkaloglu A, Herlin T, Brik R et al. EULAR/PRINTO/PRES criteria for Henoch-Schönlein purpura, childhood polyarteritis nodosa, childhood Wegener granulomatosis and childhood Takayasu arteritis: Ankara 2008. Part II: Final classification criteria. Ann Rheum Dis 2010; 69(5):798-806. 4. Kostic D, Barros FSC, Ribeiro CT, da Silva JDM, Campos LMA, Aykawa NE et al. Arterite de Takayasu em uma lactente com história de dois familiares acometidos. Pediatria (São Paulo) 2010; 32(1):63-6. 5. Campos LM, Castellanos AL, Afiune JY, Kiss MH, Silva CA. Takayasu’s arteritis with aortic aneurysm associated with Sweet’s syndrome in childhood. Ann Rheum Dis 2005; 64(1):168-9. 6. Castellanos AZ, Campos LA, Liphaus BL, Marino JC, Kiss MH, Silva CA. Takayasu’s arteritis. An Pediatr (Barc) 2003; 58(3):211-6. 7. Ultachalk F, Terreri MT, Len C, Hatta FS, Lederman H, Hilário MO. Arterite de Takayasu na infância: estudo clínico e angiográfico de cinco casos. Rev Bras Reumatol 2000; 40(4):189-95. 8. Hilário MO, Terreri MT, Prismich G, Len C, Kihara EN, Goldenberg J et al. Association of ankylosing spondylitis, Crohn’s disease and Takayasu’s arteritis in a child. Clin Exp Rheumatol 1998; 16(1):92-4. 9. Mesquita ZB, Sacchetti S, Andrade OVB, Mastrocinque TH, Okuda EM, Bastos W et al. Arterite de Takayasu na infância: revisão da literatura a propósito de seis casos. J Bras Nefrol 1998; 20:263-75. 10. Brunner J, Feldman BM, Tyrrell PN, Kuemmerle-Deschner JB, Zimmerhackl LB, Gassner I et al. Takayasu arteritis in children and adolescents. Rheumatology (Oxford) 2010; 49(10):1806-14. Rev Bras Reumatol 2011;51(5):524-530 CARTA AOS EDITORES A presença da reumatologia brasileira no GRAPPA (Group for Research and Assessment of Psoriasis and Psoriatic Arthritis) © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Prezados Editores, No sentido de pontuar a participação brasileira no GRAPPA, enviamos a carta a seguir: A artrite psoriásica (APs) passou a ser identificada como entidade específica após os estudos de Verna Wright em Leeds, no Reino Unido. Já no final da década de 1950, Verna entendia que artrite erosiva na ausência de fator reumatoide sérico associado a intensa atividade inflamatória constituía uma condição clínica distinta da artrite reumatoide e da osteoartrite.1 Alguns anos depois, John Moll, também de Leeds, juntamente com Verna Wright, estabeleceu através de sua clássica publicação os critérios de classificação da APs, incorporando os cinco diferentes tipos de apresentação clínica da doença.2 É interessante destacar que Verna criou a unidade de reumatologia de Leeds em 1964, onde os estudos de APs se firmaram, e faleceu em 1988, tendo sido figura marcante do Congresso Brasileiro de Reumatologia em Belo Horizonte, em 1980, a convite do Prof. Paulo Madureira. Junto com a evolução dos conhecimentos epidemiológicos e fisiopatológicos, cresceu o conceito de “doença psoriásica” como condição inflamatória sistêmica caracterizada por manifestações clínicas envolvendo diferentes órgãos e associada à comorbidades específicas, como diabetes mellitus e hipertensão. Portanto, e diante da necessidade de aumentar a interação e a compreensão da APs do ponto de vista não apenas reumatológico – mas também dermatológico –, reuniões multidisciplinares tornaram-se realidade e estimularam a criação do GRAPPA – Group for Research and Assessment of Psoriasis and Psoriatic Arthritis, ou Grupo para Pesquisa e Avaliação de Psoríase e de Artrite Psoriásica – em 2003.3 O GRAPPA é uma organização internacional com objetivos educacional, científico e sem fins lucrativos, que promove a cooperação de diversas disciplinas médicas. Atualmente, agrega cerca de 320 pesquisadores de destaque e líderes de opinião dentre reumatologistas, dermatologistas, radiologistas, Rev Bras Reumatol 2011;51(5):531-534 geneticistas, epidemiologistas, representantes de pacientes e da indústria biofarmacêutica, com cerca de 60% dos integrantes estabelecidos fora da América do Norte. A primeira reunião oficial do GRAPPA foi realizada em agosto de 2003 em Nova Iorque, quando prioridades iniciais de pesquisa foram estabelecidas. Para alcançar seus objetivos e metas, o GRAPPA criou comissões responsáveis por áreas distintas e relevantes à abordagem do paciente com psoríase (PSo) e APs, como as de Avaliação de Articulações Periféricas, Avaliação da Coluna Vertebral, Publicações, Imagem, Website, Instrumentos de Avaliação Clínica, Qualidade de vida/Função/Inclusão, Governança, Histologia/Imuno-histoquímica e Diretrizes do Tratamento. A identificação de biomarcadores e de instrumentos clínicos adequados para avaliação de pacientes com APs, validados para a prática clínica e para estudos clínicos, é fundamental e mandatória; biomarcadores preditores de envolvimento articular em pacientes com PSo e de dano articular na APs estão sendo desenvolvidos em conjunto pelo GRAPPA e pelo OMERACT (Outcome Measures in Rheumatology Clinical Trials), além de instrumentos específicos para diagnóstico, acompanhamento e tratamento, indispensáveis na abordagem do paciente com “doença psoriásica”. Várias atividades têm sido realizadas pelo GRAPPA: publicações, revisões baseadas em evidências, priorização de domínios de investigação e pesquisa por consenso finalizado pelo OMERACT, lançamento de intranet, que possibilita comunicação e publicações, reuniões internacionais de dermatologia e reumatologia, reuniões periódicas em vários países. Projetos de pesquisa com colaboração internacional estão em andamento, abordando aprimoramento e validação de medidas de desfecho para APs, desenvolvimento de instrumentos para avaliar qualidade de vida, função e inclusão, padronização das avaliações histológica e imuno-histoquímica de pele e membrana sinovial, atualização dos critérios de classificação para APs (CASPAR), imagem, impacto socioeconômico e efeito da 533 CARTA AOS EDITORES terapia, produção de vídeo na web para treinamento e projeto de medidas de avaliação de desfechos e resposta. Dentre as metas para o futuro, o GRAPPA pretende criar redes de comunicação entre seus membros, a indústria, as ligas de atendimento e agências reguladoras, promover reuniões e comunicação na intranet para compartilhar conhecimentos, desenvolver e realizar pesquisas em colaboração, educação e outros projetos, desenvolver e validar critérios para definir APs, revisar, desenvolver e validar medidas de desfecho eficazes e viáveis para avaliação de APs e PSo, promover registros de pacientes, trabalhar com representantes de pacientes para educação e sensibilização do público, trabalhar com representantes das companhias farmacêuticas para gerar e realizar pesquisas sobre terapias eficazes, trabalhar com representantes das agências reguladoras para estabelecer diretrizes adequadas para aprovação de novas terapias, trabalhar com outras organizações profissionais, como o American College of Rheumatology, a American Academy of Dermatology e o OMERACT para motivar o conhecimento acerca da APs e da PSo nas referidas disciplinas, definir diretrizes de tratamento para as autoridades governamentais e outras partes interessadas. De fato, nos últimos anos o GRAPPA tem atuado de maneira extraordinária no sentido de promover encontros educacionais e científicos que facilitam o desenvolvimento e a difusão de informação sobre PSo e APs, entre diferentes especialistas médicos que atuam nestas áreas, como nós reumatologistas e dermatologistas. Dessa forma, tem sido possível intensificar pesquisa, diagnóstico, acompanhamento e tratamento da PSo e da APs. Recentemente, em setembro de 2010, graças aos esforços de membros brasileiros do grupo e à ampla receptividade da Sociedade Brasileira de Reumatologia, foi possível realizar a primeira reunião do GRAPPA na América Latina (GRAPPA CBR 2010), durante o XXVIII Congresso Brasileiro de Reumatologia em Porto Alegre, RS, que congregou, entre nós brasileiros, vários participantes, além dos 10 palestrantes estrangeiros convidados. A partir desse evento formou-se um grupo brasileiro dentro do GRAPPA, coeso e reconhecido, que já participa de alguns dos projetos desenvolvidos. Atualmente, esse grupo está definindo metas de trabalho para o futuro que permitam uma participação mais ativa dentro do GRAPPA em 534 harmonia com a comissão de espondiloartrites da Sociedade Brasileira de Reumatologia. A efetivação desses eventos e de estudos conjuntos entre nós reumatologistas e outros especialistas e profissionais que desejam contribuir para a PSo e a APs visa fornecer evidências científicas para avanços no manejo clínico e terapêutico, tornando possível melhorar a qualidade de vida e o prognóstico dos portadores de APs. Nesse sentido, reuniões sistemáticas conjuntas devem tornar cada vez mais sólida a presença da reumatologia brasileira no âmbito do GRAPPA em nível mundial, que conta com a participação de três dermatologistas (Flávia Lisboa, Marcia Ramos-e-Silva e Cid Sabbag) e oito reumatologistas brasileiros (nós sete, autores desta carta, e Roberto Acayaba de Toledo). Como membros, participamos de várias reuniões anuais e somos incentivados a fazer parte de projetos e comissões específicas. Cláudia Goldenstein-Schainberg Professora-Colaboradora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP Roberto Ranza Professor da Residência em Reumatologia da Universidade Federal de Uberlândia – UFU Rubens Bonfiglioli Professor-Assistente de Reumatologia da Pontifícia Universidade Católica – PUC-Campinas Sueli Carneiro Professora Adjunta da Faculdade de Ciências Médicas – UERJ Dermatologista e Reumatologista do Hospital Universitário – UFRJ Docente de Pós-graduação em Ciências Médicas – UERJ, e Medicina – UFRJ Valderilio F. Azevedo Professor-Assistente em Reumatologia da Universidade Federal do Paraná – UFPR José Goldenberg Professor Livre-Docente de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP Hospital Israelita Albert Einstein Morton Scheinberg Professor Livre-Docente em Imunologia – USP Rev Bras Reumatol 2011;51(5):531-534