Porque me amo...
“Allahu Akbar” (“Alá é o maior”) é a frase que todo muçulmano repete na
maioria das circunstâncias da fé deles; em momentos de sofrimento, gratidão,
necessidade, celebração. É também a frase de desafio nos lábios dos
terroristas quando entregam a vida pela causa de Alá. Por isso, ela carrega
uma conotação aterradora. São as duas palavras que você não quer ouvir
alguém gritando quando está num avião em pleno voo ou numa praça lotada
de gente em Israel.
As duas religiões monoteístas, o judaísmo e o islamismo, parecem ser muito
semelhantes. Alá é todo-poderoso como Jeová, é onisciente, onipresente,
criador de tudo, senhor da história. A grande diferença entre os dois é a
vulnerabilidade. Enquanto Jeová se mostra vulnerável, conhecível, e procura
a intimidade de seus servos, Alá é impessoal, inescrutável, isolado dos seres
humanos, impossível de ser conhecido de forma pessoal. Só a menção da
possibilidade de conhecer ou desenvolver algum tipo de relacionamento com
Alá que não seja o da submissão cega soa como heresia para os seguidores do islamismo.
Jeová, no entanto, fez-se pessoal a ponto de materializar-se em forma humana várias vezes no Antigo
Testamento e de encarnar-se como o Messias no Novo Testamento para a terceira grande religião
monoteísta, o cristianismo. Esta capacidade de pessoalização do Criador carrega consigo uma implicação
filosófica que talvez seja a maior diferença entre a religião judaico-cristã e todas as outras religiões do
planeta.
Enquanto todos os outros deuses, inclusive Alá, se relacionam com as comunidades que os servem e
naturalmente com as estruturas de poder destas comunidades, o Deus judaico-cristão se relaciona também
com os indivíduos. Ele define para os seus servos uma ação coletiva, os convoca à solidariedade e ao amor
ao outro, mas no contexto do valor pessoal que ele lhes dá. O Deus cristão ama comunidades porque elas se
constituem de indivíduos. Ele fala a nações, profetiza contra e a favor de reinos, clãs, famílias extensas (“a
casa de...”), mas no meio delas escolhe Davi, Moisés, Paulo, Priscila.
Porque valoriza indivíduos, o Deus judaico-cristão propõe a moral do outro. O que você quer que lhe façam,
faça-o aos outros. Respeite, coopere, ame, sacrifique-se, mas faça tudo isso porque você como indivíduo tem
valor intrínseco, inalienável, insubstituível. Nisto o cristianismo concorda com a ideologia política e
econômica que propõe que a força gravitacional da sociedade deve ser o autointeresse do indivíduo, que
para isso deve ser livre para alcançar, lutar, caminhar em direção à felicidade pessoal. Aqui muitos vão parar
de ler -- “Esta mulher deve estar falando heresia. Como assim felicidade pessoal?”.
Não existe a moralidade verdadeira sem o valor individual. Se tenho valor, tenho direito a ser feliz. Embora
Jesus não nos prometa felicidade, nos permite buscá-la. Aquele que me consola no sofrimento, me alimenta
na fome, me ampara no cansaço, me empurra para frente no desânimo, é também o que me pede que eu me
sacrifique por ele e pelo outro. Porém ele não pede este sacrifício como Alá o requer dos seus devotos. Alá
pede-lhe a anulação pessoal, Jesus pede-lhe a entrega. Alá pede-lhe a morte porque não o vê como
indivíduo, não o valoriza como pessoa, usa-o apenas como uma peça num grande quebra-cabeças; e você
sabe disso, mas não tem alternativa. Se não obedecer, será fulminado. Jeová, o Messias, pede-lhe sacrifício
do interesse pessoal, ensina a generosidade, ensina a entrega, mas não o anula, não o coage, não o fulmina.
Espera em amor que você faça a melhor escolha. O indivíduo tem valor, portanto a vida tem valor. Ele não
lhe pede a morte nem a de seus semelhantes. Se vier a morte no serviço, ele a recebe com ternura, mas sem
prazer, porque é o Deus da vida e não o da destruição e da dor.
Este Deus, ao me ver como sou, em minha individualidade, ensina-me a amar-me. Porque me amo, posso
amar meu semelhante.
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Porque me amo