o jardineiro xp*** 10/2/06 16:09 Page 13 O JARDINEIRO S urgiu do nada, como o manto rubro das papoilas na Primavera; com umas sandálias de couro e um longo cajado de madeira de carvalho. Deambulou pelas praças e pelo mercado, a perguntar se alguém estava disposto a vender-lhe um terreno espaçoso. E encontrou o seu lugar nos arredores da aldeia, junto de um regato cantarolador com reflexos dourados. Construiu uma cabana. E à sua volta um jardim, grande como os sulcos do vento; bordado com heras, clematites, passionárias e madressilvas; salpicado de açucenas, violetas, lírios e pensamentos. — 13 — o jardineiro xp*** 10/2/06 16:09 Page 14 E sentou-se à porta do seu jardim, oferecendo a sua beleza e a sua paz a todo aquele que as quisesse gozar. Disse-lhes que aquele jardim era o jardim da vida, e que a porta estaria sempre aberta para todo aquele que quisesse encontrar a paz. Os pássaros e os esquilos fizeram ninhos nas suas árvores, as fadas e os elfos procuraram refúgio entre as suas plantas, e os homens encontraram abrigo para o seu coração entre as suas flores. E o jardineiro dedicou-se a cuidar de plantas e árvores, esquilos e pássaros, fadas, elfos e homens. — 14 — o jardineiro xp*** 10/2/06 16:09 Page 15 OS CANTOS DE DEUS N ão é de estranhar que os seus vizinhos achassem o jardineiro um tanto ou quanto esquisito. Viam-no falar muitos dias com as plantas, acariciá-las e tratá-las com carinho. E por outro lado, não ganhava dinheiro com elas, o que aquelas pessoas achavam ainda mais estranho. – Porque é que acaricias e falas com as tuas plantas, se elas não são capazes de sentir a tua mão nem de te ouvir? – acabou por lhe perguntar um dos seus vizinhos. – E como sabes que não me sentem nem me ouvem? – respondeu o jardineiro. O vizinho ficou perplexo. — 15 — o jardineiro xp*** 10/2/06 16:09 Page 16 – Homem, toda a gente sabe que as plantas não são capazes… – A maioria dos homens também não sente nem ouve Deus – interrompeu-o o jardineiro –, e mesmo assim Deus não deixa de nos falar e cuidar de nós. O vizinho sentia-se cada vez mais confuso. E, sentindo-se um tanto incomodado, voltou a perguntar: – E como é que sabes que Deus existe? Eu nunca o vi, nem nunca o ouvi. Nem sequer notei esses cuidados de que falas. O jardineiro baixou o olhar com tristeza e ficou calado; e quando o vizinho já pensava que não ia conseguir responder-lhe, olhou-o nos olhos com ternura, e disse-lhe: – Nas noites de luar só te dás conta de que os grilos cantam quando se calam, e é o silêncio que te alerta para a presença dessa vida escondida. Deus nunca deixou de nos cantar, nunca deixou de nos falar e mimar, e é por isso que a maioria dos homens não se apercebem das Suas carícias. — 16 — o jardineiro xp*** 10/2/06 16:09 Page 17 «Se Deus deixasse de cantar, logo a seguir seria demasiado tarde para nos darmos conta de que estava ali.» E, a sorrir, acrescentou: – Mas não te preocupes. Deus nunca deixará de cantar. – Sendo assim, nunca poderemos convencer-nos de que Deus existe – respondeu o vizinho, com um sorriso triunfante. O jardineiro desatou a rir, e poisando a mão no ombro do vizinho, disse-lhe: – Passa-se o mesmo com os grilos… Se fizeres silêncio dentro de ti, o silêncio revelar-te-á os cantos de Deus. — 17 — o jardineiro xp*** 10/2/06 16:09 Page 18