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Classificação do artigo 25 nov 2014
O Globo ELENILCE BOTTARI elenilce@ oglobo.com. br
Santo chá
Número de religiões que usam ayahuasca se multiplica no Rio, que já tem 30
igrejas
“Minha vida mudou tanto que até troquei de profissão”
Guilherme Alves
Músico e instrutor de ioga
Fiéis da Arca da Montanha Azul se reúnem num casarão em Laranjeiras. Cariocas buscam cada vez
mais rituais da prática religiosa que, assim como o Santo Daime, gira em torno do chá ayahuasca, que
promete até a cura de doenças. Sexta­feira, 22h. O psicólogo Philippe Bandeira de Mello, fundador do
Círculo Holístico Arca da Montanha Azul, inicia a palestra para um público de 80 pessoas, todas vestidas de
branco, descalças e acomodadas no salão de cerca de cem metros quadrados de um casarão em
Laranjeiras. Ele vai explicar o que é o chá ayahuasca (mais conhecido como santo­daime), sua
importância e possíveis efeitos no organismo. O culto do Arca — uma nova linha fundada a partir da
Barquinha, uma religião amazônica em que os fiéis bebem o santo­ daime — propõe a comunhão entre as
pessoas em busca de autoconhecimento e paz. Mas muitas não estão ali para cuidar das aflições da alma.
Depois de décadas sendo vista, pelos de fora das seitas, apenas como bebida alucinógena, a ayahuasca se
tornou alvo de estudos e vem sendo procurada também por pacientes em busca de tratamento para
doenças como depressão, alcoolismo, dependência química, Aids e câncer. Passados 30 anos da chegada
da primeira igreja de santo­daime ao Rio, as religiões que usam ayahuasca se multiplicaram — hoje, são
pelo menos 30 centros espalhados pelo estado.
PEDRO KIRILOS
Bebida psicotrópica da América do Sul, utilizada em rituais de crenças ancestrais por muitas tribos
indígenas da Amazônia, a ayahuasca é obtida pela fervura da casca do cipó Banisteriopsis caapi misturada
com folhas de Psycotria (tipo de arbusto). No Rio, ficou conhecida a partir dos anos 80, quando chegaram
por aqui os primeiros centros de religiões espíritas oriundas do Acre — o Santo Daime, a União do Vegetal
e a Barquinha.
Embora os dados oficiais não revelem aumento do número de adeptos no estado (segundo o Censo
IBGE 2010, o Rio tem 598 fiéis do Santo Daime e 355 da União do Vegetal, não havendo registros de
seguidores da Barquinha), só na Zona Sul funcionam pelo menos cinco centros, em bairros como
Copacabana, Laranjeiras, Santa Teresa e São Conrado. Embora os rituais reúnam pessoas de todas as
idades, a maior procura continua sendo de jovens. Como aconteceu no caso do músico e instrutor de ioga
Guilherme Alves. Morador de Ipanema, ele conta que, aos 21 anos, designer formado, procurava um
caminho espiritual, por se sentir deslocado. Cinco anos depois, acredita ter se encontrado através do chá:
— Eu vinha numa busca espiritual através da escola, dos livros. Eu já tinha uma profissão, trabalhava
com design e fotografia, mas me sentia isolado. Foi quando ouvi falar do Arca. Foi muito mais do que eu
esperava. Eu já tocava instrumento musical desde os 10 anos, mas acho que meu lado artístico estava
adormecido. Foi como um despertar. Saí de lá (do Arca) com uns 15 itens do que precisava mudar na
minha vida. E fiz o dever de casa. Minha vida mudou tanto que até troquei de profissão. Hoje trabalho
com música e com ioga, e não me sinto isolado, desconectado do mundo — contou Guilherme, que até
hoje participa dos cultos do Arca.
Adepto do Centro Eclético da Fluente Luz Universal, no Recreio dos Bandeirantes, Demétrio Oliveira
conta que, na época do primeiro contato com o daime, já tinha uma filha, mas não uma profissão
definida.
— A ayahuasca mudou minha vida. Torneime um artesão e trabalho com bambu. Além disso, há
alguns anos descobri um enorme câncer no estômago. Fui operado e me retiraram um tumor de uns dez
quilos. Minha doença não tem cura, mas estou bem. Faço controle com quimioterapia e com ayahuasca.
Não tenho depressão ou ansiedade, e acho que a ayahuasca ajuda muito nisso. Não trata o câncer, mas
me ajuda a enfrentá­lo — afirmou.
“FUI RELIGADO NUMA REALIDADE NORMAL”
Já o protético Daniel Devusk conta que procurou o Círculo Holístico Arca da Montanha Azul, em
Laranjeiras, para se tratar da dependência química e alcoólica.
— O primeiro contato que tive com o álcool foi aos 6 anos. Antes dos 16, fui internado pela primeira
vez para tratamento de dependência de cocaína. Tive inúmeras idas e vindas. Fui para o Alcoólicos
Anônimos, para o Dependentes Químicos, nada funcionou. Até que um tio que tinha o mesmo problema
me levou para o Arca, onde eu conheci a ayahuasca. A impressão que tenho é que fui desconectado
daquela vida que eu levava e religado numa realidade normal, tranquila. Não tenho mais vontade nem de
beber e nem de usar drogas. A minha vida se normalizou, reconquistei minha família. Continuo
frequentando o centro, mas há uns três meses sequer tomo chá. Estou completando cinco anos com o
organismo limpo — contou Daniel, para quem o uso da ayahuasca para fins terapêuticos deveria ser
regulamentado e mais bem divulgado.
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