Revista Brasileira de Ensino de F sica, vol. 22, no. 2, Junho, 2000 285 Efeito Pelicular (On the Skin Eect) Ren^e Robert Departamento de Eletricidade, Universidade Federal do Parana Caixa Postal 19047, Curitiba Pr, 81531-990 Recebido em 2 de setembro, 1999 Usando as equac~oes de Maxwell, apresenta-se o efeito pelicular para condutores com uma geometria simples, onde as equac~oes s~ao facilmente resoluveis. Apresentam-se as principais caractersticas deste efeito para o regime senoidal permanente e para o regime transiente. Using the Maxwell's equations, the skin eect is shown for a simple geometry where the mathematical solutions are easy. The main characteristics of this eect, are shown in the sinusoidal and transient state. I Introduc~ao Quando uma corrente eletrica constante ui em um o condutor homog^eneo, de sec~ao transversal n~ao negligenciavel, ela se distribui uniformemente nesta sec~ao. O mesmo n~ao se pode dizer quando a corrente e alternada, esta n~ao se distribui uniformemente e a distribuic~ao depende da frequ^encia, do campo eletrico, da condutividade eletrica, das dimens~oes e da forma geometrica do condutor. No caso de um condutor de sec~ao transversal circular a densidade de corrente varia ao longo do raio, sendo maxima na superfcie e mnima sobre o eixo. A concentrac~ao de corrente proxima a superfcie do condutor chama-se efeito pelicular ou efeito Kelvin em homenagem a Lord Kelvin, por sua contribuic~ao ao estudo deste efeito em condutores cilndricos (1889)[1]. O efeito pelicular apresenta interesse tecnico e tambem acad^emico, principalmente pelas suas sutilezas. Neste trabalho nosso interesse se restringe ao campo acad^emico pois e rara nos livrostextos[2,3] a exposic~ao deste topico. Existem apenas dois casos cuja soluc~ao analtica e simples: condutores com sec~ao circular e condutores em forma de ta, ambos de comprimento innito. Nos demais casos a unica soluc~ao possvel e obtida atraves de calculo numerico. Em corrente alternada o efeito pelicular imp~oe algumas desvantagens: A resist^encia eletrica efetiva do condutor aumenta em relac~ao a resist^encia medida em corrente constante. Consequentemente havera maior perda sob forma de calor, por unidade de comprimento de condutor, que se o mesmo fosse percorrido por uma corrente eletrica constante. A reat^ancia indutiva interna do con- dutor e igualmente modicada. Em geral na pratica contorna-se este problema usando-se condutores ocos e cabos entrelacados. Em outros casos o efeito pelicular e util, como ocorre em frequ^encias de microonda, tornando possvel o transporte e armazenagem de energia eletromagnetica em guias de onda e cavidades ressonantes sem perda por radiac~ao. O efeito pelicular de~ da sua frequ^encia angular ! pende do campo eletrico E, e da condutividade do condutor[4]. E comum medir o efeito pelicular por uma grandeza metrica chamada de espessura pelicular (skin depth) a qual diminui com o aumento da frequ^encia e da condutividade. Em teorias simples a condutividade do condutor e proporcional ao livre caminho medio ` dos eletrons de conduca~o. Quando < `, a densidade de corrente em um dado ponto n~ao sera determinada simplesmente pela intensidade de campo local e pela condutividade estatica. Nestas condic~oes a teoria classica do efeito pelicular n~ao mais se aplica, e esta situac~ao e chamada de efeito pelicular an^omalo. Com o aumento de frequ^encia outros efeitos tornam-se signicativos, por exemplo, o efeito de relaxac~ao. Os eletrons s~ao submetidos a muitos ciclos do campo eletrico alternado entre duas colis~oes durante o intervalo de tempo medio que permanece na \skin layer". A grosso modo, o campo v^e uma camada de eletrons livres. Aumentando-se ainda mais a frequ^encia atinge-se a frequ^encia de plasma do condutor na qual o metal e transparente. Neste trabalho discutiremos somente o efeito pelicular classico, usando-se as equac~oes de Maxwell. O problema sera analiticamente tratavel, desde que facamos alguma simplicac~oes. Estas simplicac~oes s~ao con- 286 Ren^ e Robert seguidas com as seguintes hipoteses: (a)- Os meios s~ao supostos metalicos, n~ao magneticos, cuja permeabilidade relativa e a permissividade relativa s~ao da ordem da unidade; (b)- Sobre um grande intervalo de frequ^encias o termo da densidade de corrente de deslo~ e pequeno quando comparado com a camento @ D=@t ~ podendo ser ignorado; (c)- A densidade de corrente J, lei de Ohm, J~ = E~ e valida; (d)- as frequ^encias s~ao sucientemente baixas de modo a escaparmos da regi~ao de efeito pelicular an^omalo; (e)- a densidade de carga no condutor e nula, isto e, = 0. E possvel dar uma explicac~ao qualitativa de como ocorre o efeito pelicular. Considere a Fig. 1 onde mostra-se um condutor percorrido por uma corrente I tal que dIdt > 0. Esta corrente gera um campo de induc~ao B~ , cujas linhas de campo s~ao circunfer^encias e ao qual esta associado um campo eletrico E~ , que obe~ E~ = ; @@tB~ . O campo eletrico assim dece a relaca~o r gerado tende a reforcar a corrente proximo a superfcie e enfraquec^e-la no centro. e das relac~oes constitutivas D~ = E~ ; ~ B~ = H; A deduc~ao da equac~ao que explica o efeito pelicular pode ser obtida facilmente a partir das equac~oes de Maxwell[5,6] sob forma diferencial: (1) (2) ~ r~ E~ = ; @@tB (3) ~ r~ H~ = J~ + @@tD (4) (6) ~ J~ = E; (7) Usando as equac~oes (1) a (7) e as hipoteses (a) a (e) chega-se facilmente as seguintes relac~oes: ~ r~ 2E~ = @@tE ; (8) ~ 2 H~ = @ H~ ; (9) r @t ~ r~ 2J~ = @@tJ ; (10) com as quais e possvel resolver o problema do efeito pelicular. As equac~oes (8), (9) e (10) s~ao equac~oes diferenciais a derivadas parciais de segunda ordem do tipo parabolico[7] (equac~ao de difus~ao) cujas tecnicas de soluc~ao s~ao conhecidas. Nosso interesse sera focalizado sobre o efeito pelicular em uma ta metalica de largura 2a, altura b e comprimento L, com a condic~ao de que L >> b >> 2a:. Deste modo despreza-se os efeitos de extremidade e admite-se que a densidade de corrente seja uniforme ao longo de oy porem variando com a abcissa x, como mostra a Fig. 2. Este modelo sera aplicado tanto em regime senoidal permanente como transiente. Figura 1. J indica a corrente no condutor, B o campo magnetico e E o campo eletrico. r~ D~ = r~ B~ = 0 (5) Figura 2. Geometria da ta metalica. 287 Revista Brasileira de Ensino de F sica, vol. 22, no. 2, Junho, 2000 II Efeito pelicular em regime senoidal permanente A aplicac~ao da Eq.(10) a ta metalica, levando em conta as hipoteses feitas anteriormente, leva esta equaca~o a seguinte forma: @ 2 Jz (z; t) = @Jz (x; t) @x2 @t (11) Levando em conta que nos interessa a soluc~ao estacionaria na forma jz (x; t) = jz (x) exp(i!t), onde ! e a frequ^encia angular do campo eletrico senoidal aplicado. Logo, a Eq. (11) se reduz ao seguinte: @ 2 Jz (x) = i!J (x): (12) z @x2 A soluc~ao da equac~ao diferencial (12) pode ser escrita como c 1=2 cosh(2mx) + cos(2mx) Jz (x) = Jz (a) cosh(2ma) + cos(2ma) f(x) ; (a)g; (13) d ; 1=2 onde: m = ! = 1=; tan(x) = tanh(mx) 2 tan(mx), e f(x) ; (a)g a diferenca de fase na densidade de corrente entre o ponto de abcissa x e o ponto de abcissa a em notac~ao fasorial[8]. Nas Figs. 3 e 4 mostram-se, respectivamente, a variac~ao do modulo da densidade de corrente e da diferenca de fase desta em relac~ao a densidade na superfcie ambas para diversos valores do par^ametro m. Para efeito de calculo numerico neste trabalho, a largura foi tomada como a = 0:02 m, a condutividade como = 5; 71 107 S=m (cobre) e a permeabilidade como = 4 10;7 H/m. sendo i a unidade imaginaria, Ze a imped^ancia equivalente e R0 a resist^encia do condutor para corrente eletrica constante. Figura 4. Diferenca de fase entre a densidade de corrente na abcissa x e na abcissa a. Da Eq.(15) obtem-se os valores da resist^encia equivalente e do coeciente de auto-indut^ancia: Figura 3. Modulo da densidade de corrente na sec~ao transversal da ta. senh(2ma) + sen(2ma) Re R0 = ma cosh(2ma) ; cos(2ma) ; (16) O calculo da corrente total I permite determinar a resist^encia equivalente Re e o coeciente de autoindut^ancia Le . Obtem-se ent~ao que !Le = ma senh(2ma) ; sen(2ma) : R0 cosh(2ma) ; cos(2ma) (17) + i)a] ; I = 2bJz (a) tanh[m(1 m(1 + i) Ze = R0m(1 + i)a=tanh[m(1 + i)a]; (14) (15) As Figs. 5 e 6 mostram as variac~oes de Re=R0 e !Le =R0 em func~ao do par^ametro m. Outros topicos podem ser explorados, tais como o calculo dos campos eletrico e magnetico, vetor de Poynting, calor Joule etc. 288 Ren^ e Robert Figura 5. Resist^encia efetiva em func~ao do par^ametro m. III Efeito pelicular em regime transiente Figura 6. Variac~ao da reat^ancia indutiva efetiva em funca~o do par^ametro m. (1) ; Jz (a; 0) = 0; (2) ; Jz (x; t) = Jz (;x; t); (3) ; Jz (x; 1) = Jc : Nesta condic~oes obt^em-se a soluc~ao O problema consiste em resolver a Eq.(11) para o regime transiente. Usa-se a tecnica de separac~ao de variaveis com constante de separac~ao complexa e com as seguintes condic~oes de contorno: c 1 (;1)n h X x i exp(; t); 4J c cos (2n + 1) Jz (x; t) = Jc ; n 2n + 1 2a n=0 (18) d sendo 1 h(2n + 1) i2 ; n = 2a onde n e um numero inteiro. A corrente total R pode ser calculada com auxlio da equac~ao i(t) = b ;aa Jz (x; t)dx obtendo-se " # 1 X ;n t) ; (19) i(t) = Ic 1 ; 82 exp( (2n + 1)2 n=0 sendo Ic = 2abJc: A partir da Eq.(18) calcula-se a resist^encia efetiva que sera fornecida pela equac~ao: R0 Re = (20) P1 exp(;n t) 8 1 ; 2 n=0 (2n+1)2 Nas Figs. 7, 8 e 9 mostra-se respectivamente a variaca~o temporal da densidade de corrente, da corrente e da resist^encia efetiva. IV Discuss~ao e conclus~oes Algumas conclus~oes interessantes podem ser tiradas da teoria exposta. Em regime senoidal permanente conclui-se que: (1) - a densidade de corrente acumulase proximo a superfcie do condutor a medida que o par^ametro m aumenta, ou seja, com o aumento da frequ^encia, da condutividade ou da permeabilidade; (2) - A diferenca de fase entre a densidade de corrente na abcissa x com relaca~o a densidade na superfcie varia com o par^ametro m, podendo mesmo ocorrer que a densidade de corrente instant^anea mude de sentido em pontos da sec~ao transversal; (3) - A resist^encia efetiva cresce com o par^ametro m e tem como consequ^encia o aumento da pot^encia dissipada por efeito Joule, a qual e mnima[9] quando a corrente se distribui homogeneamente sobre a sec~ao transversal; (4) - a medida que o par^ametro m aumenta a auto- indut^ancia do circuito aumenta. Em regime transiente alguns fatos interessantes ocorrem: (1) No incio, a corrente comeca a se estabelecer pela superfcie do condutor e a medida que o tempo ui, esta se distribui paulatinamente da superfcie para o centro, ate que a distribuic~ao de corrente seja uniforme. Obviamente este fen^omeno ocorre de forma mais rapida ou lenta dependendo das caractersticas eletricas do condutor; (2) O condutor apresenta inicialmente uma resist^encia muito grande ate atingir no limite da resist^encia para corrente constante. Este mesmo raciocnio matematico pode ser estendido a uma sec~ao transversal retangular ou circular, embora os calculos sejam mais elaborados. Revista Brasileira de Ensino de F sica, vol. 22, no. 2, Junho, 2000 289 Figura 9. Variac~ao da resist^encia efetiva como funca~o do tempo (a=0,02m e = 7; 71 107 : S/m). Figura 7. Densidade de corrente na sec~ao transversal para t=1s, 1ms, 1. Figura 8. Variaca~o da corrente como funca~o do tempo (a=0,02m e = 5; 71 107 : S/m). 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