Proclamada em 15 de novembro de 1889, a República nascia no Brasil como resultado de um movimento de cúpula, como uma espécie de "revolução pelo alto" controlada desde o primeiro momento pelos militares e pelas elites agrárias. Dessa forma, o novo regime não se preocupou em promover mudanças, mesmo que superficiais, na estrutura econômica do país. A grande propriedade rural monocultora e voltada para a exportação foi mantida como base da economia e não foi feita nenhuma tentativa de reforma agrária. Ao mesmo tempo, conservou-se a estrutura política sustentada no mandonismo dos coronéis do interior e das oligarquias agrárias. Por toda parte, o traço distintivo da jovem República continuou sendo a exclusão social, política e econômica de grande parte da população. 1. O Governo Provisório Proclamada a República, os líderes do movimento compuseram um Governo Provisório, sob a chefia do marechal Deodoro da Fonseca, um antigo monarquista e amigo de dom Pedro II. Deodoro compôs então seu ministério com civis e militares de destaque no movimento republicano, como Quintino Bocaiúva (Relações Exteriores) e Benjamin Constant (Guerra). Além deles, havia ex-monarquistas, como Rui Barbosa (Fazenda), e representantes da poderosa aristocracia cafeeira de São Paulo, como o fazendeiro Campos Sales (Justiça). Em linhas gerais, como era de esperar, o ministério representava as principais elites econômicas e políticas do país. As medidas iniciais do Governo Provisório foram publicadas no Diário Oficial do dia 16 de novembro de 1889. O país passava a ser uma República Federativa com o nome de Estados Unidos do Brasil e as províncias eram transformadas em estados. Poucos dias depois, o Estado foi separado da Igreja e o regime adotou uma nova bandeira, com o lema positivista Ordem e progresso. Ao mesmo tempo, para elaborar uma Constituição de caráter republicano, o governo convocou eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte. No comando da política econômica, a principal preocupação de Rui Barbosa era promover a industrialização do país, o que só seria possível se houvesse recursos para investir na produção. Como faltava dinheiro, a saída era o governo criar linhas de crédito e aumentar o volume de papel-moeda em circulação. Por isso, em janeiro de 1890, Rui Barbosa deu início a uma política financeira que permitia a alguns bancos emitir dinheiro quase sem controle estatal. Essa política possibilitou maior volume de negócios em todo o país: apenas no ano de 1890, fundaram-se 313 novas empresas. A maioria delas, porém, tinha como meta a venda de ações para obter lucros rápidos e fáceis no mercado financeiro. Entre 1890 e 1891, o aumento da quantidade de dinheiro em circulação provocou inflação e febre especulativa na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Essa febre recebeu o nome de encilhamento, pois lembrava a jogatina das corridas de cavalo. Não demorou muito para que uma séria crise econômica abalasse o país. No início de 1891, além da inflação, ocorreu acentuada queda no preço das ações, causando prejuízos e falências. A política de emissão de dinheiro e a expansão do crédito, que caracterizaram o encilhamento, duraram dois anos, até o início do governo de Floriano Peixoto, que assumiu o compromisso de estabilizar a moeda. 2. A República da espada Convocada logo nos primeiros dias do novo regime, a Assembleia Constituinte só deu início a seus trabalhos em novembro de 1890. Três meses depois, a Constituição, inspirada na Carta norte-americana, estava pronta. Revisado por Rui Barbosa, o texto constitucional instituía uma República federativa presidencialista, delegando maior autonomia aos estados. Em 24 de fevereiro de 1891, depois de votada pela Assembleia, a Constituição republicana entrou em vigor. No dia seguinte, a Assembleia elegeu o marechal Deodoro da Fonseca presidente da República. Para a vicepresidência foi eleito outro militar, o marechal Floriano Peixoto. Segundo a Constituição, os presidentes seguintes deveriam ser escolhidos por voto direto, podendo participar das eleições apenas homens com mais de 21 anos e alfabetizados. A seguir, a Assembleia Constituinte transformou-se em Congresso Nacional, constituído pelo Senado e pela Câmara dos Deputados. O voto na Monarquia e na República Durante a Monarquia. as eleições eram indiretas e censitárias. Os eleitores de primeiro grau, com renda anual de 100 mil-réis, elegiam os eleitores de segundo grau, que deviam ter uma renda de 200 mil-réis anuais. Estes últimos elegiam deputados e senadores. Em 1881, a Câmara aprovou uma reforma eleitoral que proibiu o voto ao analfabeto e eliminou o eleitor de primeiro grau. Com isso, a eleição passou a ser direta, mas o requisito de renda foi estabelecido em 200 mil-réis (anteriormente exigido do eleitor de segundo grau); a idade mínima continuava sendo 25 anos. Com essas exigências, no final do Império, o número de eleitores havia caído para menos de 1% da população. A Constituição da República (1891), ao baixar a idade mínima para 21 anos e eliminar a exigência de renda, aumentou o número de eleitores, que passou para 2% da população (na eleição presidencial de 1894). Contraditoriamente, a Constituição republicana exigia que o eleitor fosse alfabetizado, mas não garantia a todos o ensino público e gratuito. Desde o início de seu governo, Deodoro enfrentou forte oposição no Congresso. Os parlamentares acusavam-no de autoritário e, em agosto de 1891, tentaram aprovar uma lei limitando os poderes da Presidência. Em 3 de novembro, Deodoro fechou o Congresso e decretou estado de sítio. Essa reação autoritária desencadeou uma rebelião liderada pelo almirante Custódio de Melo (Revolta da Armada). Com os navios de guerra apontando seus canhões para a cidade do Rio de Janeiro, os revoltosos exigiam a renúncia do presidente. Sem apoio suficiente e disposição para reagir, Deodoro deixou o cargo em 23 de novembro de 1891. Empossado na Presidência, o marechal Floriano Peixoto entregou o ministério da Marinha a Custódio de Melo e tentou governar com o apoio do Partido Republicano Paulista, o PRP. O clima político, no entanto, não era de conciliação. Floriano contava com a simpatia de setores radicais e nacionalistas das camadas médias urbanas, mas era considerado autoritário pelas elites rurais. Em fevereiro de 1893, a crise entrou em sua fase mais aguda, com a eclosão da Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul. Os rebeldes exigiam o afastamento do governador gaúcho, o positivista Júlio de Castilhos, e a diminuição dos poderes do presidente, com a instituição do parlamentarismo. Sete meses depois de iniciada a Revolução Federalista, o almirante Custódio de Melo, que nesse meio tempo havia se afastado do ministério e de Floriano, declarou-se novamente em estado de rebelião. O marechal precisava apagar, agora, dois focos de incêndio: a rebelião dos gaúchos e a 2ª Revolta da Armada, na baía de Guanabara. Para neutralizar a força de seus adversários, Floriano passou a acusá-los de monarquistas. Dessa forma, conseguiu o apoio do Exército, do PRP e dos presidentes (atuais governadores) dos estados. Ao mesmo tempo, mobilizou grande parte da população carioca. Em abril de 1894, a Revolta da Armada foi sufocada, e no ano seguinte, já sob o governo do paulista Prudente de Morais, a Revolução Federalista chegou ao fim. 3. Oligarquias e coronelismo A forma federativa de República, instituída pela Constituição de 1891, criou de fato um sistema de governo descentralizado, fortalecendo os poderes estaduais e municipais, que ficaram com uma série de atribuições. Com a entrada em vigor do novo texto constitucional, os estados puderam eleger seus presidentes e passaram a contar com uma legislação própria, que tornava possível a criação de impostos, a manutenção e o controle das forças policiais e o estabelecimento de um poder judiciário de abrangência estadual. No entanto, essa forma descentralizada não garantia uma democracia representativa. Na prática, havia mecanismos que favoreciam as elites agrárias regionais, que se sentiam livres para aumentar ainda mais seu poder. O sistema eleitoral, por exemplo, funcionava como mecanismo de legitimação do poder local. Tratava-se de um sistema viciado: o voto não era secreto e o partido no poder controlava as eleições. Nesse esquema, a pessoa tinha de votar em determinado candidato, pois podia sofrer sérias represálias caso se negasse. Era o chamado "voto de cabresto". Em todos os estados, quem formava a base das oligarquias eram os chefes políticos locais, em geral grandes fazendeiros ou comerciantes, que controlavam o processo eleitoral em cada região, os chamados coronéis. Esse termo vinha da antiga Guarda Nacional. Controlando a política local, o coronel tinha influência determinante sobre a nomeação do delegado e do juiz e sobre a eleição do prefeito. Na maioria dos municípios, esses cargos eram exercidos por seus parentes, amigos ou afilhados políticos, quando não por ele próprio. Dessa forma, o poder pessoal do coronel, decorrente da sua condição de grande proprietário, se sobrepunha aos poderes institucionais. As pessoas eram forçadas a manter com ele uma relação de estreita dependência, pois precisavam de seus favores e de sua influência. Tanto que, ao se identificar, elas costumavam dizer: "Sou gente do coronel fulano ou sicrano". Os coronéis dominam a cena O coronelismo tem sido entendido como uma forma específica de poder político brasileiro, que floresceu durante a Primeira República, e cujas raízes remontam ao Império; já então os municípios eram feudos políticos que se transmitiam por herança – herança não configurada legalmente, mas que existia de maneira informal. Uma das grandes surpresas dos republicanos históricos, quase imediatamente após a proclamação da República, foi a persistência desse sistema, que acreditavam ter anulado com a modificação do processo eleitoral. A Constituição Brasileira de 1891 outorgou o direito de voto a todo cidadão brasileiro ou naturalizado que fosse alfabetizado; assim, pareciam extintas as antigas barreiras econômicas e políticas, e um amplo eleitorado poderia teoricamente exprimir livremente sua escolha. Todavia, verificou-se desde logo que a extensão do direito de voto a todo cidadão alfabetizado não fez mais do que aumentar o número de eleitores rurais e citadinos, que continuaram obedecendo aos mandões já existentes. A base da antiga estrutura eleitoral se alargara, porém os chefes políticos locais e regionais se mantiveram praticamente os mesmos, e continuaram elegendo para as Câmaras, para as presidências dos Estados, para o Senado, seus parentes, seus aliados, seus protegidos. De onde a exclamação desiludida de muito republicano histórico: "Esta não é a República dos meus sonhos!". Ainda hoje no Brasil, práticas como o clientelismo, a troca de favores e o mandonismo, características do coronelismo, são comuns. A compra do voto com cesta básica, material de construção etc. — e a distribuição de cargos a apadrinhados dos políticos influentes, por exemplo — fazem parte da cultura local de muitos municípios do país. O "café com leite" No início da República, não existiam partidos políticos nacionais. O que havia eram agremiações regionais, independentes umas das outras, como o Partido Republicano Mineiro (PRM), o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e o Partido Republicano Paulista (PRP). Embora todos se denominassem republicanos, não faziam parte de um partido nacional, com um programa único e uma só política. Também não havia partidos de oposição. As lutas políticas entre os diferentes setores das elites estaduais se davam no próprio partido republicano local. A única exceção era o Rio Grande do Sul, onde a oposição se articulava em torno dos federalistas, que enfrentaram o governo de Júlio de Castilhos, entre 1893 e 1895. Em 1922, os federalistas gaúchos se juntaram a outras correntes de oposição e criaram a Aliança Libertadora, que passou a se chamar Partido Libertador a partir de 1928. Nos primeiros anos da República, o poder central foi exercido por dois marechais, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Com a eleição de Prudente de Morais em 1894, as elites agrárias de São Paulo, por intermédio do PRP ganharam força e passaram a controlar o poder. A partir da presidência de Campos Sales (1898-1902), o PRP se uniu aos republicanos de Minas Gerais, estado mais populoso do país e com maior número de eleitores. Assim nasceu a chamada política do "café com leite", por meio da qual a oligarquia mineira e a paulista passaram a se revezar no poder até 1930. A alternância das duas maiores oligarquias no governo foi aprovada pelas elites dos outros estados, em função das vantagens que oferecia. Para que os políticos desses estados não se sentissem afastados do poder, Campos Sales instituiu, por volta de 1900, a chamada política dos governadores. Tratava-se de um pacto de governabilidade, pelo qual o poder central se comprometia a apoiar os grupos dominantes nos estados, desde que estes lhe dessem sustentação no Congresso Nacional. Para garantir seu funcionamento, havia as Comissões de Verificação de Poderes, uma na Câmara dos Deputados e outra no Senado. Não havia na época uma justiça eleitoral como a que temos atualmente. Quem determinava se um deputado ou senador recém-eleito podia tomar posse no cargo eram as respectivas comissões de verificação de poderes, controladas pelo governo. Se o parlamentar eleito por um estado fosse de oposição ao governo desse estado, corria o risco de não ser empossado pela Comissão de Verificação de Poderes. Dizia-se nesse caso que ele havia sido "degolado". Os dois mecanismos de poder — a aliança do café com leite e a política dos governadores — se complementavam e vigoraram até a Revolução de 1930. Durante esse período, sofreram apenas duas interrupções. A primeira, em 1910, quando o PRP apoiou a candidatura de Rui Barbosa à Presidência, na Campanha Civilista. Nessa ocasião, os partidos republicanos de Minas e do Rio Grande do Sul apoiaram o marechal Hermes da Fonseca. Eleito presidente, ele promoveu a derrubada de algumas oligarquias estaduais no Nordeste, por meio de uma aliança entre tropas do Exército e forças populares. Essa política, conhecida como salvações nacionais, foi aplicada em Pernambuco, na Bahia, no Ceará e em Alagoas. Em todos esses estados, os presidentes foram depostos e substituídos por militares fiéis ao marechal. A segunda interrupção do grande pacto entre as oligarquias ocorreu em 1930, quando os mineiros se aliaram novamente aos gaúchos para derrubar, com o apoio popular, o governo de Washington Luís, membro do PRP. Por todas as características analisadas neste capítulo, o regime republicano extinto com a Revolução de 1930 ficou conhecido como República oligárquica, República dos coronéis, ou República do café com leite. Mais tarde, ele seria chamado também de Primeira República, ou República Velha.