LEITE O LEITE: INGREDIENTE IMPRESCINDÍVEL PARA UM BOM SORVETE SORVETES & CASQUINHAS © Adelaideis... | Dreamstime.com O leite é uma emulsão de gordura, estabilizada em um soro que contém, em solução: um açúcar - a lactose -, proteínas, sais minerais e pequena quantidade de vários produtos, tais como lecitina, uréia, ácido cítrico, ácido láctico, ácido acético, vitaminas, enzimas, etc. 37 LEITE SORVETES & CASQUINHAS HISTÓRICO 38 O uso do leite como alimento remonta a mais de 3.500 anos antes de Cristo e ao longo dos tempos as mais diversas etnias e culturas o aproveitaram de diferentes maneiras. Nas proximidades de Ur, uma cidade da Mesopotâmia localizada a cerca de 160 km da grande Babilônia, junto ao rio Eufrates, habitada na Antigüidade pelos Caldeus e que, de acordo com o livro de Génesis, foi a terra natal de Abraão, patriarca dos hebreus, foram descobertos baixorelevos datando de 3.100 e 3.500 a.C. mostrando a ordenha de duas vacas e a fabricação de manteiga. Essas operações eram realizadas pelos sacerdotes do templo de Ninhursag, deusa da terra e da fertilidade na mitologia sumeriana. Esses baixo-relevos foram obras dos Sumérios que invadiram a Caldéia entre 4.000 e 5.000 a.C., o que permite supor que as práticas leiteiras desse povo ainda seriam mais antigas. Alimento por excelência, o leite era usado também pelas antigas civilizações como medicina e cosmético. Hipócrates de Cós, que viveu na Grécia de 460 até 377 a.C., considerado como pai da medicina, costumava receitar o leite fresco de vaca como antídoto eficaz nos casos de envenenamento. Misturado com outras substâncias, tais como vinho, água e mel, era indicado na cura de inflamações, febre e doenças da garganta. No Império Romano consideravase que o leite possuía propriedades rejuvenescedoras. Durante grande parte da Idade Media, o rebanho era habitualmente usado para arrastar instrumentos de lavoura ou para a produção de carne; o leite era considerado um produto secundário. Basicamente, era um meio de subsistência para ser vos e artesãos. O leite que sobrava do consumo direto era transformado em manteiga ou queijo, como meio de evitar perdas e de conservar as propriedades nutricionais desse alimento. Mesmo após a expansão das atividades comerciais e mercantis, que se iniciou em torno do século XIII, o leito continuou sendo um produto de baixo consumo, já que somente podia ser conser vado durante algumas poucas horas. Assim, enquanto ocorria uma gradativa mudança da sociedade humana, transformando as pequenas aldeias em grandes cidades, começavam a aparecer p ro b l e m a s d e a b a s t e c i m e n t o em produtos frescos para essa crescente população urbana. É neste quadro que se chegou ao século XIX, quando teve início a Revolução Industrial. O crescimento da população urbana, o desenvolvimento dos meios de transportes e o aumento do rebanho leiteiro trouxeram novas perspectivas para a produção e distribuição do leite. Porém, embora a demanda estivesse aparecendo, o problema do abastecimento continuava sem solução, ou seja, o sistema de transporte de produtos frescos não estava adequado e os progressos alcançados ainda não conseguiam ampliar o seu período de conservação. A ordenha também continuava sendo manual, realizada nos próprios estábulos, enquanto que os processos de engarrafamento continuavam com deficiências de higiene. As melhorias só começaram a aparecer na metade do século XIX, com as descobertas do francês Louis Pasteur que foram a primeira vitória da ciência contra a ação de toxinas e microrganismos potencialmente patógenos e permitiram, ademais, conser var por mais tempo as propriedades nutritivas e digestivas dos alimentos. O tratamento térmico (pasteurização) do leite cru, o desnatamento mecânico (separadores centrífugos) e o desenvolvimento das técnicas de resfriamento dos alimentos, somados a outros avanços técnicos, permitiram que se chegasse ao fim do século XIX com uma melhoria sensível, acompanhada de grandes modificações da produção industrial de leite e seus derivados. O setor leiteiro alcançou, assim, um grau elevado de expansão e desenvolvimento a partir do século XX, quando começou a destinarse grandes extensões de terra exclusivamente para a produção leiteira, tanto na Europa como nos Estados Unidos. A Primeira Guerra Mundial colocou em evidência que grande parte dos soldados apresentava condições nutricionais deficientes. Isso gerou uma maior tomada de consciência que, uma vez o conflito acabado, deu lugar a um importante movimento a favor de uma boa alimentação; neste movimento global deu-se maior ênfase à necessidade de se ter uma alimentação mais higiênica e saudável. E assim foi! Depois da Segunda Guerra houve nova revolução tecnológica no setor visando aumentar os níveis da p ro d u t i v i d a d e l e i t e i r a . E s s e s avanços, por sua vez, estimularam a construção de novas plantas fabris, multiplicando as possibilidades de industrialização do leite. A partir de então, os processos tecnológicos foram se aperfeiçoando até chegar ao atual estágio de desenvolvimento no qual está a indústria leiteira mundial. Nas últimas décadas, a inovação industrial e os avanços científicos têm permitido chegar a desenvolvimentos muito significativos, convertendo os produtos lácteos em bens de consumo de fácil acesso para grande parte da população; hoje, o leite e seus derivados ocupam um lugar privilegiado no consumo de produtos naturais nas grandes cidades. O Quadro 1 apresenta a composição do leite. CONSERVAÇÃO DO LEITE O leite é um alimento de sabor tão delicado e facilmente alterável que muitos métodos de conservação não podem ser aplicados sem modificá-lo desfavoravelmente ou, no melhor dos casos, sem convertêlo em um alimento diferente. A simples fervura (ebulição do LEITE QUADRO 2 - COMPOSIÇÃO DO LEITE PASTEURIZADO Quadro I - Esquema dos componentes constituintes do leite Componentes do leite Componentes naturais Componentes não naturais Composição por 100g de porção comestível Água 88,8g Energia 61,1kcal Energia Majoritários: - Água - Lipídios - Proteína - Carboidrato (lactose) Minoritários: - Sais - Ácido cítrico - Enzimas - Vitaminas leite) ou seu aquecimento com vapor fluente destrói todos os micróbios, com excessão dos esporos, mas origina também modificações no leite, com perda de seu aspecto geral, palatabilidade, digestibilidade e valor nutritivo. O método de conservação do leite mais utilizado é a pasteurização. Tr a t a - s e d e u m p ro c e s s o d e aquecimento que inativa as fosfatases (enzimas encontradas no leite que não é submetido a nenhum tratamento térmico), reduz o número total de bactérias e destrói as patogênicas, como o bacilo tuberculoso, as salmonelas, as bruxelas e os estreptococos, entre outras. Existem três tipos de pasteurização: - Pasteurização lenta: na qual utiliza-se temperaturas menores durante maior intervalo de tempo. Este tipo é melhor para pequenas quantidades de leite, por exemplo o leite de cabra. A temperatura utilizada é de 65°C durante 30 minutos. - Pasteurização rápida: na qual utiliza-se altas temperaturas durante curtos inter valos de tempo. É mais utilizada para leite de saquinho, do tipo A, B e C. A temperatura utilizada é de 75˚C durante 15 a 20 segundos e, em seguida, é resfriado rapidamente a 3ºC para garantir a conservação do produto. Este tipo de pasteurização é freqüentemente denominado HTST (High Temperature and Short Time), alta temperatura e curto tempo. - Substâncias estranhas - Antibióticos - Inseticidas - Águas residuais - Restos de produtos de limpeza - Pasteurização muito rápida: na qual as temperaturas utilizadas vão de 130˚C a 150˚C, durante 3 a 5 segundos. Este tipo é mais conhecido como UHT (Ultra High Temperature) ou longa vida. Mais uma vez, a finalidade da pasteurização é destruir os patógenos que podem estar presentes leite e, conseqüentemente, melhorar a sua conservação. Esses objetivos são alcançados pela pasteurização sem alterar sabor, aspecto geral, valor nutritivo e comportamento de sua gordura. O Quadro 2 apresenta a composição do leite pasteurizado. A pasteurização deve destruir todas as leveduras e mofos e a maioria das formas bacterianas vegetativas presentes no leite. No congelamento, os sorvetes e outras sobremesas lácteas são congelados durante a fase de produção, conservando o produto a temperaturas baixas em estado congelado, o que torna impossível a multiplicação microbiana. A carga microbiana dos ingredientes (leite, creme, açúcar, ovos, estabilizantes e substâncias aromáticas e colorantes), junto com a contaminação que ocorre durante sua elaboração, irá determinar o número e tipo ou classe de gérmens existentes na massa (mix) e no produto final depois de pasteurizado e congelado. Tanto para o leite quanto para os seus derivados, recomendase o uso de temperaturas de refrigeração enquanto são 256kJ Nitrogênio total 0,52g Nitrogênio protéico 0,50g Hidratos de carbono 4,5g Lipídios totais 3,5g Ácidos graxos saturados 21g Ácidos graxos monoinsaturados 1,1g Ácidos graxos poliinsaturados 0,16g Colesterol 14,5mg Fibra 0g Cálcio 120mg Magnésio 11,6mg Ferro 0,04mg Iodo 9,2mcg Zinco 0,41mg Vitamina B1 (tiamina) 0,03mg Vitamina B2 (riboflavina) 0,19mg Niacina (ácido nicotínico) 0,27mg Ácido fólico 5,5mcg Vitamina B12 (cianocobalamina) 0,44mcg Vitamina B6 (piridoxina) 0,05mg Vitamina C (ácido ascórbico) 1,0mg Vitamina A (equivalente de retinol) 30,3mcg Vitamina D3 0,03mcg Vitamina E 0,09mg armazenados na f á b r i c a , n a s operações de manuseio para expedição, durante a expedição e transporte e nos próprios lugares de consumo. Em outras palavras, a refrigeração deve ser permanente, da fábrica até a mesa. O Quadro 3 mostra as diferenças entre o leite pasteurizado e o leite longa vida. SORVETES & CASQUINHAS Composição do leite 39 LEITE 40 © Margaryta | Dreamstime.com SORVETES & CASQUINHAS O leite é um alimento de sabor tão delicado e facilmente alterável que muitos métodos de conservação não podem ser aplicados sem modificá-lo desfavoravelmente ou, no melhor dos casos, sem convertê-lo em um alimento diferente. LEITE Leite pasteurizado Leite longa vida Aquecimento 72ºC a 75ºC 130ºC a 150ºC Resfriamento 2ºC a 4ºC 32ºC Bactérias Eliminação das patogênicas, mantendo-as do grupo acidificantes, tornando visível a deterioração, quando mal conservado (azeda). Eliminação total, leite estéril, quando há falha no processo, poderá manter algum tipo de bactéria que poderá provocar distúrbios no organismo, pois só será percebido quando ingerido. Vitaminas Mantém maior quantidade de vitaminas do que o leite longa vida. Destrói parte de algumas vitaminas importantes (complexo B). Conservação Em geladeira até 10ºC - por ser um produto fresco. Temperatura ambiente. Validade Até quatro dias dependendo da qualidade da matéria-prima e conservação no mercado. De três a quatro meses. OS GLUCÍDIOS DO LEITE No leite existe pequena quantidade de glicose (uma aldose composta de seis átomos de carbono) de aproximadamente 0,10% em massa, o que faz com que sua presença não implique em maior valor nutricional. Em contrapartida, existe a lactose; quimicamente, trata-se de um carboidrato composto por duas unidades de monossacarídeos que se libertam ao serem submetidas a hidrólise, pela lactase. Assim, tecnicamente, a lactose é um dissacarídeo constituído por uma unidade de D-galactose e uma unidade de D-glucose com ligação glicosídica b(1,4), como mostra a estrutura da figura abaixo. Apresenta fórmula molecular C12H22O11. A lactose faz parte da composição do leite, com 37 a 54g/litro. O leite humano contém de 6% a 8% e, o de vaca, em média, de 4% a 6%. Este dissacarídeo se origina na glândula mamária e proporciona um suave sabor doce ao leite, sendo que seu poder edulcorante é 5 a 6 vezes menor que o da sacarose. A levedura não a fermenta, mas pode ser adaptada para fazê-lo. Lactobacilos a transformam em ácido lático. A síntese da lactose ocorre a partir de um sistema formado por duas enzimas que convertem a galactose em lactose: a alfalactoalbumina e, principalmente, a GALT ou galactose-1-fosfato uridil transferase. O percentual de proporção entre as duas formas isoméricas α e β da lactose varia entre o leite de vaca e o leite humano, sendo 40% para α e 60% para β, no leite de vaca, e 15 % para α e 85 % para β, no leite humano. É por esta razão que são chamados leites modificados para lactantes; os fabricantes tentam imitar essas proporções já que a β-galactose apresenta efeito positivo sobre a flora intestinal. A presença de lactose pode originar problemas, seja do ponto de vista nutricional (intolerância a lactose) ou por sua incidência tecnológica (higroscopicidade dos leites em pó, cristalização da lactose nos leites concentrados, e em cremes gelados). A 0ºC uma solução de lactose, em equilíbrio, contém aproximadamente 38% de α-lactose e 62% de β-lactose; a solubilidade do conjunto sobe para 11,9g/litro (enquanto que a solubilidade da α-lactose é, a 0ºC de 5g/l e da β-lactose de 45g/l). A lactose pode ser eliminada do soro lácteo pelo uso de uma coluna de Sephadex (gel dextran). OS LIPÍDIOS DO LEITE A quantidade de lipídios do leite varia entre 2,8% e 5%, aproximadamente, em função da raça do animal e de seu estado SORVETES & CASQUINHAS QUADRO 3 - DIFERENÇAS ENTRE O LEITE PASTEURIZADO E O LEITE LONGA VIDA 41 LEITE Qual é a influência da lactose na fabricação de sorvetes e sobremesas geladas? O açúcar altera a formação dos cristais de gelo de duas maneiras: diminuindo o ponto de congelamento da água e ajudando a manter os cristais de gelo de tamanho pequeno. Quando se usa leite ou creme em uma massa para sorvete ocorre uma adição extra de açúcar, na forma de lactose. A quantidade desse dissacarídeo que pode ser adicionada à massa deve ser limitada, devido a sua baixa solubilidade e sua tendência a precipitar-se. Quando se usa uma alta proporção de sólidos de leite secos, em sobremesas congeladas, é provável que ocorra certa arenosidade (cristais de lactose). Uma sobremesa congelada contém mais açúcar do que simplesmente sugere sua doçura, devido ao efeito da baixa temperatura sobre os corpúsculos gustativos. SORVETES & CASQUINHAS nutricional. Os lipídios do leite de vaca são constituídos, principalmente, por triglicerídeos (de 97% a 99% dos lipídios totais); o r e s t o c o n s i s t e , s o b r e t u d o, em fosfolipídeos e esteróis, especialmente colesterol. Os triglicerídeos contêm principalmente ácidos graxos saturados (60% a 70%), dos quais uma proporção importante é de ácidos graxos com ponto de fusão elevado (ácido palmítico, ácido esteárico), como também de ácidos graxos de cadeia curta ( b u t í r i c o, c a p r o í c o , c á p r i c o e caprílico), sendo esses dois primeiros arrastáveis por vapor de água, propiciando o clássico aroma que se percebe quando se ferve o leite. Mesmo assim, os triglicerídeos contêm de 25% a 30% de ácidos monoinsaturados e de 2% a 5% de ácidos poliinsaturados. Os lipídios do leite se sintetizam, em parte, na glândula mamária. O leite de vaca apresenta uma relação de ácidos graxos saturados/ 42 ácidos graxos insaturados muito mais elevada do que o alimento ingerido pelo animal; isso se explica pelo fato dos ácidos graxos não saturados se hidrolisarem no aparelho digestivo da vaca, sob a influência de bactérias. Os líquidos, fosfolipídeos e esteróis do leite estão, na sua quase totalidade, nos glóbulos de gordura. A gordura do leite encontra-se em suspensão, formando milhares de glóbulos, com uma média de 3μm a 4μm de diâmetro, embora possa variar de 0,1μm a 25μm. Quando o l e i t e é d e i x a d o e m r e p o u s o, esses glóbulos sobem para a superfície, formando uma capa de nata. Os glóbulos são protegidos por membranas, evitando assim ataques enzimáticos. Por centrifugação separa-se também a gordura do leite, com o que é possível obter dois produtos: leite desnatado e nata para diversos usos (fabricação de manteiga, nata preparada, etc.). Em um mililitro de leite podem haver de 3 a 4 bilhões de glóbulos de gordura. Quando não se quer que eles subam à superfície, procedese à homogeneização do leite, processo que consiste em dividir cuidadosamente esses glóbulos, de maneira que fiquem mais tempo em suspensão. Esse tratamento reduz o diâmetro dos glóbulos a um décimo do normal. A membrana que rodeia os glóbulos de gordura é muito rica em lipídios polares, tais como os mono e diglicérideos, ácidos graxos livres, esteróis e fosfolipídeos. Esses últimos são constituídos, em cerca de 90%, por lecitina e esfingomielina. A membrana também contém glicolípideos, carotenos, lipoproteínas, assim como outras proteínas, especialmente enzimas. A matéria graxa do leite, tal como o que ocorre com as outras gorduras, é sujeita a diversos tipos de alterações, em particular a lipólise e a oxidação. No leite, a lipólise e a oxidação apresentam um certo antagonismo, no sentido de que as condições que favorecem a primeira são, as vezes, desfavoráveis a segunda, e inversamente. A lipólise é realizada pelas lípases do leite ou lípases bacterianas. Sua intensidade varia com a estação, a alimentação dos animais e até de um animal para outro. A oxidação atua principalmente nas ligações duplas dos ácidos graxos não saturados dos fosfolipídeos da membrana dos glóbulos de gordura. Como a lipólise, também varia em função da estação e da alimentação do animal; de forma geral, os leites produzidos no inverno parecem ser mais sensíveis do que os leites de verão. O método de conservação do leite mais utilizado é a pasteurização. Trata-se de um processo de aquecimento que inativa as fosfatases, reduz o número total de bactérias e destrói as patogênicas, como o bacilo tuberculoso, as salmonelas, as bruxelas e os estreptococos, entre outras. LEITE Fatores que interferem na formação de cristais de gelo em sobremesas CONGELADAS Um determinado número de ingredientes usados na produção de sobremesas congeladas, que não tem efeito nenhum sobre o ponto de congelamento da mistura, ajudam a manter os cristais de gelo de pequeno tamanho. Supostamente, essas substâncias agem dessa forma por atuarem como barreiras mecânicas no depósito das moléculas de água nos cristais de gelo. Ao diminuir o calor, as moléculas de água se movimentam de forma suficientemente lenta para unirem-se as moléculas de água já imobilizadas no estado cristalino, porém, são incapazes de fazê-lo na presença de uma molécula ou partícula estranha. Assim, um cristal de gelo já existente tornar-se maior com a incorporação de mais moléculas de água na sua superfície, formando novos cristais. É assim que se formam mais cristais (e menores) na presença de substâncias de interferência. Uma dessas substâncias é a gordura trazida pelo leite ou pelo creme de leite adicionada à massa. Mantendo todas as condições e outros fatores/ingredientes iguais, um sorvete feito com creme de leite com 18% de gorduras lácteas, apresentará cristais menores (de textura mais fina) do que um produto congelado produzido com um leite integral com um menor conteúdo de gorduras. O leite e o creme homogeneizados são até mais efetivos para limitar o tamanho dos cristais de gelo, devido ao número muito maior de glóbulos de gordura formados como resultado da homogeneização. As sobremesas congeladas produzidas com leite evaporado terão uma textura mais fina do que aqueles fabricados com leite normal. Em parte, esse efeito parece ser devido ao fato da gordura ter sido homogeneizada. A gordura ainda influi na textura do sorvete de outra maneira. Em dois produtos congelados com cristais de gelo do mesmo tamanho, aquele com maior conteúdo de gordura terá uma textura mais fina. Esse fenômeno se atribui ao efeito lubrificante das gotas de gordura sobre os cristais de gelo. O SISTEMA PROTÉICO DO LEITE As proteínas do leite podem ser classificadas em quatro grupos, de acordo com suas propriedades físico-químicas e estruturais: - caseínas; - proteínas do soro; - proteínas das membranas dos glóbulos de gordura; - enzimas e fatores de crescimento. As proteínas do leite constituem ingredientes dos mais valorizados pelas suas excelentes propriedades nutritivas, tecnológicas e funcionais. Suas propriedades nutritivas e tecnológicas derivam da composição em aminoácidos que atendem à maioria das exigências fisiológicas do ser humano e de suas propriedades físico-químicas, que proporcionam propriedades funcionais de grande i n t e r e s s e t e c n o l ó g i c o, c o m o solubilidade, absorção e retenção de água e de gordura, capacidade emulsificante e estabilidade das emulsões, capacidade espumante e estabilidade de espuma, geleificação, formação de filmes comestíveis e biodegradáveis, formação de micropartículas, melhoria nas propriedades sensoriais e na aceitação dos produtos. Do ponto de vista nutritivo e industrial, as proteínas do leite de mais ampla aplicação e valor econômico são as caseínas e as proteínas do soro. A concentração de proteína total e a relação entre caseína e proteína de soro são muito variáveis entre as espécies. No leite de vaca, a relação é de aproximadamente Ingredientes Conteúdo de proteínas Propriedades Aplicações Leite em pó desnatado 33,9% a 35,6% Emulsificação, mistura com água, macio. Variedade de produtos lácteos, misturas secas, pão, confeitaria. Caseinatos 89% a 84% Emulsificação superior, mistura com água, molhos. Produtos cárneos, produtos lácteos e de panificação, sopas. Soro em pó 2,5% a 13,1% Textura macia, absorção do meio. Produtos lácteos e panificação, confeitaria, produtos cárneos, bebidas, molhos, temperos. Concentrados protéicos de soro 34% a 50% Boa solubilidade e emulsificação. Substitui o leite em pó desnatado, produtos de panificação, iogurte, queijos. Concentrados protéicos de soro 50% a 65% Gelatinização, mistura de água. Misturas secas, temperos de pasteles, temperos, queijos. Concentrados protéicos de soro 70% a 80% Emulsificação, gelatinização, mistura de recobrimentos batidos. Produtos cárneos, pasta, sustitutos de gordura, água. Proteína de soro 90%+ Aumento das propriedades acima mencionadas. Bebidas, fórmulas para crianças. Lactoferrina 98% Antimicrobial Fórmulas para crianças, bebidas funcionais. SORVETES & CASQUINHAS QUADRO 4 - CARACTERÍSTICAS DAS PROTEÍNAS DO LEITE 43 LEITE 44 formam uma família de proteínas com características diferentes (αS0 a αs5). Dentro de cada grupo de caseínas aparecem ainda variantes genéticas; são mutações que ocorreram na estrutura primária das caseínas em que um ou mais aminoácidos foram substituídos por outros na seqüência primária da cadeia polipeptídica. Quando as caseínas se coagulam, as outras proteínas ficam em solução, conjuntamente com a lactose e sais minerais, para constituir o chamado lactossoro ou soro lácteo. A fração caseínica compreende vários tipos de moléculas, das quais 50% aproximadamente é de α-caseínas, 30% de β-caseína, 15% de κ-caseína e 5% de γ-caseína. Esses compostos podem se separar por ultra-centrifugação, a fração caseínica total se precipita por diminuição do pH do leite até 4,7 aproximadamente. As proteínas remanescentes no soro de leite apresentam excelente composição em aminoácidos, alta digestibilidade e biodisponibilidade de aminoácidos essenciais, portanto, elevado valor nutritivo. Em contrapartida, apresentam também excepcionais propriedades funcionais de solubilidade, formação e estabilidade de espuma, e m u l s i b i l i d a d e , g e l e i f i c a ç ã o, formação de filmes e cápsulas protetoras. Constituem um grupo © Robynmac | Dreamstime.com SORVETES & CASQUINHAS 80% para caseína e 20% para as proteínas do soro, ao passo que no leite humano essa relação é inversa. O Quadro 4 apresenta as principais características das proteínas do leite. As caseínas (fosfoproteínas) representam, como mencionado acima, 80% das proteínas do leite de vaca; o resto é constituído por β-lactoglobulina (em torno de 10% das proteínas totais), α-lactoalbumina (em torno de 2% das proteínas totais) e pequenas quantidades de diversas proteínas (enzimas, imunoglobulinas, etc.). As caseínas são classificadas em quatro subgrupos: caseínas α, β, κ e γ, sendo que as caseínas α LEITE QUADRO 5 - DISTRIBUIÇÃO DAS PRINCIPAIS PROTEÍNAS DE SORO DO LEITE BOVINO E HUMANO Proteínas de soro (g/l) Leite bovino Leite humano Proteínas totais 5,6 5,0 b-lactoglobulina 3,23 Desprezível a-lactalbumina 1,2 2,8 Albumina sérica bovina (BSA) 0,4 0,6 Imunoglobulinas 0,7 1,0 Lactoferrina 0,1 0,2 Lisozima bastante diversificado de proteínas com características estruturais bem diferentes. As quantidades relativas das principais proteínas dos soros de leite bovino e humano são mostradas no Quadro 5. A quantidade total dessas proteínas, nos dois tipos de soro, não difere muito, porém a distribuição é muito diferente. No soro de leite bovino predomina a β-lactoglobulina, que praticamente não ocorre no Desprezível 0,4 lactosoro do leite de vaca. Sua composição em aminoácidos é bem conhecida e se sabe que existem, no mínimo, quatro variantes genéticas que se distinguem pela substituição de determinados aminoácidos na cadeia protéica. Incide nos tratamentos tecnológicos do leite; de fato, sua desnaturalização por aquecimento reduz o risco de coagulação do leite durante a esterilização. calor e à ação química ou enzimática. Entre as funções biológicas da lactoferrina está a capacidade de fixação de Fe +3 . Em virtude da sua habilidade de quelar o Fe +3, exerce atividade bacteriostática contra organismos patogênicos dependentes do leite, bem como no intestino de animais que ingerem o leite. Em nível intestinal, a lactoferrina exerce ainda função imunoestimulatória e age como fator de crescimento e maturação dos enterócitos. As imunoglobulinas constituem uma família de proteínas de elevado peso molecular e que apresentam propriedades físicas, químicas e imunológicas diversas. As imunoglobulinas ocorrem no soro sangüíneo e em outros fluidos corporais. Aparecem em elevada concentração no colostro e servem para transmitir imunidade passiva aos recém-nascidos. Todas as imunoglobulinas são monômeros ou polímeros formados por unidades de quatro cadeias polipeptídicas. Três classes de imunoglobulinas leite humano. Todas as demais proteínas listadas no Quadro 4 ocorrem em maior concentração no soro de leite humano do que no bovino. Por ser a β-lactoglobulina a proteína mais abundante no soro de leite bovino e também a mais alergênica e antigênica, pode causar alergia em segmentos mais sensíveis da população, principalmente crianças. A α-lactalbumina (α-L A), albumina de soro bovino (BSA), imunoglobulinas (Igs), lactoferrina (Lf) e lisozima (LZ), predominam no soro de leite humano, sendo as proteínas que oferecem maior proteção à saúde. A β-lactoglobulina tem presença desprezível no leite humano e é a proteína mais abundante no A α-lactoalbumina é uma das proteínas do sistema lactosesintetase presente nas células das glândulas mamárias. Em conjunto, provocam a união da glicose com a galactose, assegurando a síntese da lactose. É insolúvel a pH entre 4 e 5,5; de ambos os lados dessa faixa, a molécula sofre modificações de conformação, rápida ou lenta, reversíveis ou não, que conduzem a diversas formas polimerizadas. A lactoferrina é uma glicoproteína que liga fortemente dois moles de ferro por mole de proteína (86,1 kDa), apresentandose com uma cor salmão-vermelho, quando em solução. Sem o ferro ligado à apolactoferrina em solução, apresenta-se incolor. Com o ferro ligado, apresenta resistência ao (Ig) foram identificadas em bovinos: IgG (G1 e G2), IgA e IgM. Todas são encontradas no soro sangüíneo e no leite bovino. As lactoperoxidases representam de 0,5% a 1,0% do total das proteínas do soro de leite. Catalisam a decomposição do peróxido de hidrogênio na presença de um doador de hidrogênio ou de um componente oxidável. Trata-se de uma hemoproteína com peso molecular de 77 kDa. Funciona no leite como um inibidor de bactérias, particularmente de Salmonela e Streptococcus patogênicos na presença de peróxido e tiocianato, ambos presentes no leite. A lactoperoxidase é também um bom indicador da correta pasteurização, pois sua atividade deve permanecer, SORVETES & CASQUINHAS Do ponto de vista nutritivo e industrial, as proteínas do leite de mais ampla aplicação e valor econômico são as caseínas e as proteínas do soro. 45 LEITE QUADRO 6 - Composição em sais minerais dos leites de vaca, ovelha e cabra (em miligramas/100gramas) Sais minerais Leite de vaca Leite de ovelha Leite de cabra Cálcio 120-140 150-200 110-160 Sódio 45-70 30-50 40-50 Potássio 140-175 180-190 160-200 Cloro 100-110 80-100 120-170 Fósforo 78-100 120-140 100-120 Magnésio 10-15 10-15 10-20 em boa parte, após a pasteurização adequada do leite. É uma enzima muito abundante no leite de vaca, mas no leite humano sua presença é quase indetectável. Forma parte de um sistema defensivo que permite a formação, no próprio leite ou no trato digestivo, de substâncias com grande poder antimicrobiano. As outras enzimas do leite são as fosfatases alcalinas, as lipases, as proteases, as oxidases das xantinas e as oxidases sulfidrílicas. A digestibilidade real das proteínas do leite é muito alta em adultos (0,97 igual as proteínas do ovo) e ligeiramente menor nas crianças, entre 0,90 e 0,93, dependendo da idade. O leite é também rico em aminoácidos essenciais e seu NPU (Net Protein QUADRO 7 - VITAMINAS DOS LEITES BOVINO E HUMANO SORVETES & CASQUINHAS Conteúdo 46 IDR (mg/dia) Vitamina Bovino Humano Lactantes Adultos Vitamina A 0,4 0,6 0,48 1* Caroteno 0,2 0,4 - - Vitamina D 0,0006 0,0006 0,01 0,05 Vitamina E 0,98 6,64 3 10 Tiamina 0,44 0,16 0,3 1,4 Riboflavina 1,75 0,35 0,4 0,6 Niacina 0,94 1,47 6 18 Ácido pantotênico 3,46 1,84 2 - Piridoxina 0,64 0,1 0,3 2,2 Biotina 0,031 0,008 0,035 - Ácido fólico 0,05 0,05 0,03 0,4 Cianocobalamina 0,0043 0,0003 0,0005 0,003 Vitamina C 21,2 43 35 60 Colina 121 90 - - Mio-inositol 50 330 - - IDR: ingestão diária recomendade *Equivalentes de retinol, 1ug retinol - 6mg de b-caroteno Utilization ou Utilização Líquida da Proteína) para crianças de 3 a 7 anos, quando representa 3% da energia total da dieta, é de 0,81. MINERAIS E VITAMINAS DO LEITE Poucos alimentos, dentro dos que comumente formam a dieta cotidiana, são tão ricos em minerais como o leite, em quantidade e variedade. Esses minerais se encontram, na maioria, em forma de sais. Deve-se mencionar a existência de uma substância, o ácido cítrico, em quantidades que oscilam entre 0,2% e 0,4% em massa, o qual forma sais muito solúveis e de assimilação fácil, tornando sua presença neste alimento de particular importância. Existe no leite na forma de citrato tricálcico, tripotássico e trimagnésico. Outros sais presentes no leite, tais como cloreto de sódio e de potássio, e vários fosfatos (monopotássico, dipotássico, monomagnésico, monocálcico e tricálcico) são de extrema importância, tanto para a alimentação, como pelo papel desenvolvido na coagulação do leite. O Quadro 6 mostra a composição dos sais minerais nos leites de vaca, ovelha e cabra. O leite contém vitaminas hidrossolúveis e lipossolúveis, porém em quantidades que, se comparadas com as necessidades diárias recomendadas, não trazem um grande aporte. Dentre as h i d ro s s o l ú v e i s , d e s t a c a - s e a ribflavina e, nas lipossolúveis, a vitamina A. O Quadro 7 apresenta as vitaminas contidas nos leite bovino e humano. Existe uma multiplicidade de outros compostos naturais no soro que, embora sem valor nutricional, são importantes do ponto de vista higiênico e bromatológico. Ainda se considera natural que o leite contenha quantidades minúsculas de uréia, creatina, ácido úrico, aminoácidos livres e amoníaco, que provêm do sangue do animal. EJG:A68# 6FJ6A>969: 9DA:>I:8DB BJ>IDB6>H :8DCDB>6#