1º Ten Al MANOEL ANTUNES DA SILVA PAUL PREVENÇÃO DO CÂNCER DE PRÓSTATA RIO DE JANEIRO 2008 1° Ten Al MANOEL ANTUNES DA SILVA PAUL PREVENÇÃO DO CÂNCER DE PRÓSTATA Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Saúde do Exército, como requisito parcial para aprovação no Curso de Formação de Oficiais do Serviço de Saúde, especialização em Aplicações Complementares às Ciências Militares. ORIENTADOR: DR JERÔNIMO ORTIZ TATIM P324p Paul, Manoel Antunes da Silva. Prevenção do câncer de próstata. /. - Manoel Antunes da Silva Paul. / Rio de Janeiro, 2008. 40 f. ; 30 cm. Orientador: Jerônimo Ortiz Tatim Trabalho de Conclusão de Curso (especialização) – Escola de Saúde do Exército, Programa de Pós-Graduação em Aplicações Complementares às Ciências Militares.) Referências: f. 39-40. 1. Próstata - Câncer. I. Tatim, Jerônimo Ortiz. II. Escola de Saúde do Exército. III. Título. CDD 616.65 RIO DE JANEIRO 2008 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, médico urologista Jerônimo Ortiz Tatim, pela amizade e disponibilidade. À minha esposa, Mariana, pelo apoio e compreensão. RESUMO O câncer de próstata (CaP) é o terceiro câncer mais comum em homens no mundo, com taxas de incidência e mortalidade que variam muito entre os diferentes países. Desde o início dos anos noventa, novos testes de rastreamento e o progresso nos tratamentos têm sido associados com dramáticas mudanças na incidência, estágio do diagnóstico e mortalidade desta doença. Embora as causas específicas do início e da progressão do CaP não sejam ainda conhecidas, evidências consideráveis sugerem que fatores genéticos e ambientais têm seu papel na evolução desta doença. Estudos epidemiológicos clássicos e moleculares têm identificado alguns potenciais fatores de risco associados com o desenvolvimento do CaP: idade, hereditariedade, raça, andrógenos, dieta, peso e tabagismo. O diagnóstico histológico do CaP é feito, na maioria dos casos, por biópsia prostática com agulha. O CaP raramente causa sintomas até se tornar avançado. Assim, a suspeita de CaP que resulta em indicação de biópsia prostática é quase sempre suscitada por anormalidades encontradas ao toque retal ou pela elevação do antígeno prostático específico (PSA) sérico. O tratamento do CaP é realizado por prostatectomia radical, radioterapia ou terapia hormonal, de acordo com a idade do paciente e o estágio da doença. Por fim, a meta a longo prazo do entendimento dos fatores de risco e das bases moleculares do CaP é explorar as informações para desenvolver estratégias racionais para prevenir a doença. Algumas estratégias de prevenção são a intervenção dietética (gordura, derivados da soja, licopeno, selênio, vitaminas, chá verde), quimioprevenção (antiandrógenos) e exercícios físicos. Palavras-chave: Câncer. Próstata. Prevenção. ABSTRACT Prostate cancer (PCa) is the third most common cancer in men worldwide, with incidence and mortality rates that very markedly among different countries. Since the early 1990s, new screening tests and improved treatments have been associated with dramatic shifts in the incidence, stage at diagnosis and mortality of this disease. Although the specific causes of PCa initiation and progression are not get known, considerable evidence suggests that both genetics and environment play a role in the evolution of this disease. Classic and molecular epidemiology studies have identified a number of potential risk factors associated with development of PCa: age, heredity, race, androgen, diet, weight and smoking. The histologic diagnosis of PCa is made, in the majority of cases, by prostate needle biopsy. PCa rarely causes symptoms until it is advanced. Thus, suspicion of PCa resulting in a recommendation for prostatic biopsy is most often raised by abnormalities found on digital rectal examination or by serum prostate specific antigen (PSA) elevations. The treatment of PCa is made by radical prostatectomy, radiation therapy or hormonal therapy, according with age of the patient and staging of disease. Finally, the long-term goal of understanding the risk factors and molecular basis for PCa is to exploit the information to develop rational strategies to prevent this disease. Some strategies of prevention are dietary intervention (fat, soy isoflavones, lycopene, selenium, vitamins, green tea), chemoprevention (antiandrogens) and physical exercises. Keywords: Cancer. Prostate. Prevention. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................ ..................................................................... 08 2. BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR DO CÂNCER ........................................... 09 2.1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 09 2.2. DNA, RNA E PROTEÍNAS ............................................................................................ 09 2.2.1. Uma Breve Revisão ..................................................................................................... 09 2.2.2. Além da Estrutura Gênica .......................................................................................... 11 2.3. GENÉTICA DO CÂNCER .............................................................................................. 11 2.3.1. Alterações Genéticas Somáticas e Germinativas ...................................................... 11 2.3.2. Genes Associados ao Câncer ....................................................................................... 12 2.3.3. Alterações Epigenéticas do Câncer ............................................................................ 13 3. MARCADORES TUMORAIS ......................................................................................... 15 3.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 15 3.2. ANTÍGENO PROSTÁTICO ESPECÍFICO .................................................................... 16 4. FATORES DE RISCO PARA O CÂNCER DE PRÓSTATA ....................................... 18 4.1. IDADE .............................................................................................................................. 18 4.2. HEREDITARIEDADE ..................................................................................................... 18 4.3. ANDRÓGENOS ............................................................................................................... 18 4.4. FATORES RACIAIS E DIETA ....................................................................................... 19 4.5. TABAGISMO ................................................................................................................... 19 5. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DO CÂNCER DE PRÓSTATA ........................ 20 6. PREVENÇÃO DO CÂNCER DE PRÓSTATA .............................................................. 21 6.1. ORIENTAÇÃO DIETÉTICA E COMPORTAMENTAL ............................................... 21 6.2. PADRÃO ALIMENTAR E DISTRIBUIÇÃO MUNDIAL ............................................ 22 6.3. METODOLOGIA, INQUÉRITO ALIMENTAR E SUAS LIMITAÇÕES .................... 22 6.4. ALIMENTOS E COMPOSTOS QUE DIMINUEM OS RISCOS DE CARCINOGÊNESE ......................................................................................................... 24 6.4.1. Frutas e Hortaliças ...................................................................................................... 24 6.4.2. Tomate e Licopeno ....................................................................................................... 25 6.4.3. Soja ................................................................................................................................ 27 6.4.4. Vitamina A (beta-caroteno) ........................................................................................ 28 6.4.5. Vitamina E (alfa-tocoferol) ......................................................................................... 28 6.4.6. Vitamina C (ácido ascórbico) ..................................................................................... 29 6.4.7. Selênio ........................................................................................................................... 30 6.4.8. Chá Verde ..................................................................................................................... 30 6.4.9. Antiandrógenos (Quimioprevenção) .......................................................................... 31 6.5. EXERCÍCIOS FÍSICOS ................................................................................................... 31 6.6. ALIMENTOS E HÁBITOS QUE AUMENTAM OS RISCOS DE CARCINOGÊNESE ......................................................................................................... 32 6.6.1. Carne e Gorduras Saturadas ...................................................................................... 32 6.6.2. Leite e Derivados .......................................................................................................... 33 6.6.3. Tabagismo ..................................................................................................................... 33 6.6.4. Obesidade ...................................................................................................................... 34 6.6.5. Exposição Ocupacional ............................................................................................... 34 7. RASTREAMENTO DO CÂNCER DE PRÓSTATA .................................................... 7.1. DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS ........................................................................... 7.2. FAIXA ETÁRIA E INTERVALO ENTRE AS AVALIAÇÕES .................................... 7.3. INSTRUMENTOS USADOS .......................................................................................... 7.4. RESULTADOS DE RASTREAMENTOS ...................................................................... 36 36 36 37 37 8. CONCLUSÃO ................................................................................................................... 38 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 39 1 INTRODUÇÃO O câncer de próstata (CaP) é um fato da maior importância em termos de saúde pública, especialmente em países ocidentais. É o sexto câncer mais comum no mundo (em número de casos novos), o terceiro mais comum em homens e a neoplasia mais comum em homens europeus, americanos e de algumas partes da África. No Brasil, representa o segundo câncer mais comum em homens, superado apenas pelos tumores de pele não-melanomas, e o segundo em mortalidade, precedido apenas pelo câncer de pulmão (SOUTO; RHODEN, 2004). Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), são estimados 47.280 casos novos com 14.000 mortes por CaP para 2008, com uma incidência de 52 casos novos para 100.000 homens (INCA, 2008). Portanto, cosiderando-se que o CaP ocorre exclusivamente em homens e que a população de militares brasileiros é, na sua grande maioria, composta por indivíduos do sexo masculino, justifica-se a importância do estudo desta patologia. Desde o início dos anos noventa, novos testes de rastreamento e o progresso nos tratamentos têm sido associados com dramáticas mudanças na incidência, estágio do diagnóstico e mortalidade desta doença. Maiores avanços na biologia molecular e na epidemiologia têm trazido novas noções na etiologia e na biologia do CaP. Estes avanços prometem transformar o entendimento desta patologia e, provavelmente, levarão a novos e melhores caminhos para prevenir e tratar o CaP em um futuro próximo. O objetivo do presente trabalho é realizar uma revisão bibliográfica atualizada sobre o CaP, abordando prevenção e rastreamento da doença, além de aspectos gerais pertinentes, como biologia celular e molecular do câncer, marcadores tumorais, diagnóstico e tratamento. 2 BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR DO CÂNCER 2.1 INTRODUÇÃO A medicina contemporânea vem sendo revolucionada pela aplicação dos conhecimentos oriundos dos laboratórios de biologia celular e molecular. Entre as diversas disciplinas médicas, a oncologia vem sendo provavelmente a principal responsável e a maior beneficiária desses conhecimentos. Os cinqüenta anos que separam a descrição da estrutura química do ácido desoxirribonucléico (DNA), por Watson e Crick, e o seqüenciamento completo do genoma humano, por grupos de colaboradores internacionais (VENTER et al, 2001), permitiram avanços científicos e tecnológicos que começam a ter aplicação prática na uro-oncologia. Em geral, as bases moleculares hoje permitem definir o câncer não como uma única doença, mas sim como um grupo heterogêneo de entidades patológicas que têm em comum o desequilíbrio entre proliferação e morte celular, sendo este desequilíbrio o resultado de inúmeras alterações genéticas e epigenéticas, a maioria delas de caráter somático (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 2.2 DNA, RNA E PROTEÍNAS 2.2.1 Uma Breve Revisão O chamado “dogma central da biologia molecular” sustenta o conceito do fluxo de informação biológica dentro da célula, segundo o qual a informação genética armazenada na seqüência de ácidos nucléicos do DNA é transmitida ao ácido ribonucléico (RNA) e às proteínas. O DNA tem a capacidade de se auto-replicar, no caso da divisão celular, e também de servir como molde para a síntese de RNA, no processo da transcrição gênica. Uma das formas de RNA, denominada RNA mensageiro, é o principal responsável pelo processo de tradução ou síntese protéica, que ocorre no âmbito dos ribossomos e que permite a produção dos verdadeiros efetores das funções celulares, as proteínas. O DNA é o substrato estrutural do gene, cuja definição é funcional. Ou seja, o gene é um segmento de DNA com função de síntese protéica. Apesar disso, recomenda-se atenção para o seguinte fato: em alguns casos, é comum referir-se a genes, ou ao nível de expressão gênica, quando, na verdade, o experimento utilizado serviu para quantificar RNA ou proteínas. Assim, o próprio conceito de gene vem sendo usado na literatura de uma forma menos rigorosa, para fazer referência aos três componentes funcionais de um gene (o DNA, o RNA e a proteína). Atualmente, sabe-se que o genoma humano é formado por aproximadamente trinta mil genes. Entretanto, o processo de síntese protéica é capaz de gerar um número muito maior de proteínas. Em outras palavras, não há uma correspondência exata entre o número de genes e de proteínas. Atribuise essa falta de correspondência numérica ao processo de splicing alternativo, segundo o qual um mesmo gene dá origem a diferentes proteínas. Isso ocorre porque a estrutura do gene é composta por segmentos que codificam proteínas (os éxons) e elementos reguladores (os íntrons). No momento da transcrição, são os éxons que servem de molde para a síntese de RNA, já que os íntrons sofrem splicing, ou seja, são “recortados”, enquanto os éxons são combinados seqüencialmente. Entretanto, um mesmo gene pode usar diferentes combinações de éxons no momento da transcrição. Esse fenômeno, denominado splicing alternativo, permite combinações diferentes de éxons, o que leva à formação de diferentes transcritos de RNA e, conseqüentemente, de proteínas com seqüências de aminoácidos distintas entre si. Evidentemente, esse fenômeno não é casual, ocorrendo de acordo com estímulos específicos que variam conforme a situação metabólica e genética da célula. Outro aspecto da transcrição gênica que merece menção é a especificidade dos genes que são transcritos num determinado tipo de célula. Embora o genoma seja o mesmo em todas as células nucleadas do organismo, os tipos celulares diferem entre si, e acredita-se que isso se deva a diferenças quantitativas e qualitativas na expressão de genes. Alguns genes, que codificam proteínas estruturais comuns a diversos tipos de célula, são expressos na maioria das células do organismo. Este é o caso, por exemplo, do gene para a actina, proteína estrutural que entra na composição do citoesqueleto. Outros genes são expressos em apenas alguns tecidos. A título de exemplo pode-se citar o antígeno prostático específico (PSA), cujo gene, embora presente no genoma de todas as células, é expresso apenas no tecido prostático. Os mecanismos que fazem com que a expressão de alguns genes ocorra em apenas alguns tipos de células são ainda pouco compreendidos, mas acredita-se que essa especificidade seja devida, ao menos em parte, a fenômenos epigenéticos, vistos a seguir (FERREIRA; ROCHA, 2004; VOGELSTEIN; KINZLER, 1997). 2.2.2 Além da Estrutura Gênica A seqüência de ácidos nucléicos, que compõem o DNA, representa o aspecto central da biologia celular, já que a diferença entre os indivíduos, a capacidade de auto-replicação das células e até mesmo a diferença entre as células normais e neoplásicas devem-se, em grande parte, à estrutura dos genes. Assim, mutações, polimorfismos gênicos, deleções e outras alterações da estrutura do DNA são responsáveis pela síntese de diferentes proteínas e, conseqüentemente, pela existência de diferentes células e de diferentes indivíduos. Em outras palavras, alterações genotípicas condicionam diferenças fenotípicas. Entretanto, sabe-se atualmente que a seqüência de ácidos nucléicos não é o único determinante da função gênica. Outros mecanismos bioquímicos são tão importantes quanto a seqüência genética propriamente dita. Esses mecanismos, denominados epigenéticos, podem ser responsáveis por variações fenotípicas na presença de um mesmo genótipo. Curiosamente, os mecanismos epigenéticos também são herdados na divisão celular e através das gerações (WEINBERG, 2006). 2.3 GENÉTICA DO CÂNCER 2.3.1 Alterações Genéticas Somáticas e Germinativas Um dos termos que mais causa confusão quando se fala em biologia molecular de câncer é a palavra genético, cujo emprego é feito, com freqüência, de maneira imprecisa. Evidentemente, tudo que diz respeito aos genes é genético, mas, com freqüência, emprega-se o termo como sinônimo de hereditário. Na verdade, nem tudo o que é genético é hereditário, e nem tudo o que é hereditário é genético. Já foi visto anteriormente que algumas alterações epigenéticas – portanto, não genéticas – são hereditárias. Da mesma forma, grande parte das alterações genéticas detectadas no câncer é adquirida durante a vida do indivíduo, provavelmente pela exposição prolongada a agentes carcinogênicos. Assim, fala-se em alterações genéticas germinativas e somáticas. As alterações germinativas estão presentes desde a concepção do indivíduo, sendo encontradas em todas as suas células (obviamente, o caso de um indivíduo mosaico seria uma notável exceção). Por outro lado, as alterações somáticas ocorrem apenas em determinadas células e tecidos (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). Hoje em dia, sabe-se que o câncer é essencialmente um conjunto de doenças genéticas somáticas, já que em aproximadamente 90% dos casos as alterações genéticas ocorreram em células somáticas do indivíduo. Em apenas 5% a 10% dos casos de câncer as alterações genéticas são do tipo germinativo, ou seja, foram herdadas pelo indivíduo. Nesses casos, é costumeiro falar-se em genes de alto risco, cuja existência é postulada ou comprovada por estudos de epidemiologia genética. A proporção de casos devida a alterações germinativas varia de tumor para tumor e conforme a composição étnica de uma população. No câncer de próstata (CaP), por exemplo, estimase que entre 5% e 10% dos casos sejam devidos a genes de alto risco, com mutações ou outras alterações germinativas. Por outro lado, no câncer de bexiga a proporção de casos devida a alterações germinativas é menor que 1% (VOGELSTEIN; KINZLER, 1997). O reconhecimento da proporção de casos devida a alterações germinativas não implica, necessariamente, a descoberta dos genes responsáveis. No caso do CaP, por exemplo, diversos genes de alto risco já foram implicados, e outros talvez venham a ser identificados no futuro (RUBIN; DE MARZO, 2004). 2.3.2 Genes Associados ao Câncer Dos cerca de trinta mil genes que compõem o genoma humano, apenas algumas centenas foram implicadas na patogenia do câncer. De maneira simplificada, essas centenas de genes podem ser divididas em três grupos funcionais: os oncogenes, os genes supressores de tumores e os genes de reparo do DNA. Alterações nesses genes podem ser somáticas ou germinativas, sendo as primeiras muito mais freqüentes que as últimas. Oncogenes são genes cuja função se encontra aumentada em tumores. Em condições normais, os oncogenes codificam proteínas que participam de processos de replicação celular. Até há pouco tempo, era freqüente referir-se a esses genes como proto-oncogenes, para diferenciá-los dos oncogenes propriamente ditos, aqueles genes cuja função está aumentada apenas em tumores. Atualmente, muitos empregam a denominação oncogene de maneira indistinta no caso do gene normal e do gene encontrado no tumor que pode diferir do gene normal de forma qualitativa ou quantitativa. A principal diferença qualitativa é a mutação, que muitas vezes leva à síntese de uma proteína anômala, com função aumentada. Este é o caso, por exemplo, da mutação da proteína Ras, que ocorrem em alguns casos de CaP. A diferença quantitativa é freqüentemente devida à amplificação gênica, que faz com que uma célula apresente múltiplas cópias do mesmo gene. Este é o caso do gene HER-2 no câncer de bexiga. Genes supressores de tumores são genes que, em condições normais, codificam proteínas que modulam o processo de divisão celular. Nos tumores, a função dos oncogenes está diminuída, seja por alterações qualitativas ou quantitativas. A principal alteração qualitativa num gene supressor de tumor é a mutação, que muitas vezes leva à síntese de uma proteína anômala, com função alterada. Este é o caso, por exemplo, da mutação do gene p53 em alguns casos de CaP. Outra alteração freqüente é a metilação, fenômeno que faz com que o gene fique silenciado, deixando de ser expresso na célula em questão. Isso pode ocorrer, por exemplo, com o gene INK4A/p16 no CaP. A alteração quantitativa mais comum em genes supressores de tumores é a deleção do próprio gene, como ocorre com o retinoblastoma em alguns casos de CaP. Genes de reparo do DNA são genes que, em condições normais, codificam proteínas capazes de consertar erros que podem ocorrer durante o processo de divisão celular. Em vários tipos tumorais a função dos genes de reparo do DNA está diminuída, em geral por mutações, que muitas vezes levam à síntese de uma proteína anômala, com função reduzida (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 2.3.3 Alterações Epigenéticas do Câncer Conforme visto anteriormente, os mecanismos epigenéticos acarretam diferenças fenotípicas na expressão de genes, quando se comparam células ou indivíduos distintos, mesmo que eles tenham a mesma estrutura genotípica. Uma das alterações moleculares mais prevalentes no câncer é a metilação de regiões promotoras de genes supressores de tumores; além disso, o câncer é caracterizado pela desmetilação de genes comumente metilados em células normais. Em urooncologia, as alterações no padrão de metilação gênica vêm gerando interesse crescente, especialmente no caso do CaP, cuja progressão se associa com a metilação de diversos genes. Além disso, as alterações no padrão de acetilação de histonas também vêm sendo consideradas como um alvo terapêutico em oncologia, já que algumas drogas são capazes de inibir as histonas desacetilases. Assim, o estudo desse padrão de acetilação vem gerando interesse no caso do CaP, podendo essas alterações modificar a função do receptor de andrógenos (DOBOSY et al, 2007). 3 MARCADORES TUMORAIS 3.1 INTRODUÇÃO O termo marcador tumoral refere-se a qualquer parâmetro bioquímico cuja detecção em tecido ou líquido biológico possa indicar a presença de um tumor. Essas substâncias podem ser produzidas diretamente pelas células tumorais ou por outras células do organismo em resposta à presença de um câncer. Os marcadores tumorais podem ser utilizados no rastreamento, no diagnóstico, na monitorização da resposta terapêutica ou na avaliação prognóstica dos tumores. Embora níveis anormais de um determinado marcador tumoral possam sugerir a presença de um tumor, raramente uma alteração isolada em um marcador tumoral é suficiente para o diagnóstico de câncer. Portanto, os marcadores tumorais geralmente são utilizados em conjunto com outros exames diagnósticos, como exames de imagem e biópsia de tecidos, para confirmar a presença de uma neoplasia maligna. Os marcadores tumorais também podem ser utilizados para avaliação da resposta do paciente ao tratamento. A diminuição ou retorno aos níveis normais indicam uma boa resposta à terapia, enquanto o aumento progressivo indica o contrário. Após o término do tratamento, a determinação do nível de um marcador específico pode ser utilizada para detectar a recorrência tumoral (STURGEON, 2002). A utilidade diagnóstica de um marcador tumoral depende da prevalência da doença no grupo populacional considerado e do desempenho (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 3.2 ANTÍGENO PROSTÁTICO ESPECÍFICO desse marcador como teste diagnóstico O antígeno prostático específico (PSA) é uma glicoproteína produzida pelo epitélio prostático, encontra-se em altas concentrações no fluído seminal (1 milhão ng/mL) e apresenta a função de liquefazer o coágulo seminal. O exato mecanismo pelo qual o PSA ganha acesso à circulação sangüínea permanece desconhecido. O PSA foi identificado no tecido prostático humano em 1970, foi purificado e caracterizado em 1979 e detectado no soro em 1980. Quando o PSA foi introduzido na prática clínica em 1988, o seu impacto no manejo do câncer de próstata (CaP) não foi totalmente compreendido. Após mais de uma década de sua introdução, pode-se afirmar que o tratamento do CaP divide-se em duas fases: a era pré-PSA e a era pós-PSA. Apesar de suas limitações, o PSA continua sendo o marcador tumoral de maior utilidade em toda a oncologia nos dias de hoje. A produção de PSA é “próstata-específica”, mas não “câncer-específica”. Conseqüentemente, a principal limitação do PSA como marcador tumoral é a sobreposição de valores dessa substância em pacientes com hiperplasia prostática benigna (HPB) e com CaP. Entretanto, o PSA produzido pelo CaP é encontrado no soro em quantidades até 10 vezes maiores por grama de tecido prostático do que aquele produzido por HPB. Os níveis de PSA podem estar temporariamente alterados em conseqüência de tratamentos farmacológicos, doenças geniturinárias ou manipulações urológicas. Após seis meses de uso de finasterida, o nível de PSA diminui aproximadamente pela metade, e esse fator deve ser considerado durante o rastreamento de pacientes para CaP. Por outro lado, o uso de bloqueadores alfaadrenérgicos não parece alterar o valor de PSA de maneira significativa. Em homens com mais de 50 anos, observou-se um aumento discreto, 40% em média, do níveis de PSA uma hora após ejaculação. Os valores de PSA podem estar bastante aumentados durante um episódio de prostatite aguda, e de maneira menos importante durante prostatite subclínica e retenção urinária. A massagem prostática e a biópsia de próstata por agulha podem acarretar um aumento de até duas e seis vezes no nível do PSA, respectivamente. Por sua vez, os estudos não demonstraram efeito do toque retal, do cateterismo uretral e da cistoscopia sobre o PSA. O tempo para o retorno do PSA aos níveis normais depende da sua meia-vida (2 a 3 dias) e do que causou a sua elevação temporária. Portanto, é. prudente esperar entre 4 e 6 semanas após a resolução de um evento incitador para utilizar o PSA em alguma decisão clínica (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). A disseminação do uso do PSA no rastreamento de câncer de próstata é responsável, em grande medida, pelo "aumento" da incidência da doença e pelas mudanças no seu perfil nas últimas décadas. Apesar de ser uma doença diretamente relacionada à idade, o CaP vem acometendo indivíduos mais jovens nos últimos 20 anos, passando de doença do idoso para doença do homem maduro. Outra modificação se refere ao estadiamento, com o aumento do diagnóstico de tumores em estádios mais precoces (MAKINEN et al, 2003). As recomendações atuais sugerem que homens com mais de 50 anos de idade realizem exames periódicos anuais de toque retal e dosagem de PSA. À medida que o conhecimento sobre a biologia do CaP avança, espera-se que novos e melhores marcadores para esse tumor sejam identificados. Esses potenciais marcadores poderão substituir ou complementar o PSA. Entretanto, apesar de suas limitações, o PSA permanece como o melhor marcador tumoral disponível para o rastreamento, avaliação prognóstica e acompanhamento de pacientes com CaP (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 4 FATORES DE RISCO PARA O CÂNCER DE PRÓSTATA 4.1 IDADE O envelhecimento é o maior fator de risco conhecido para o câncer de próstata (CaP). Aos 50 anos, até 30% dos homens podem ter o CaP diagnosticado. Conforme se envelhece, a incidência aumenta; após os 80 anos de idade, mais de 70% dos homens apresentam um foco neoplásico em sua glândula, durante necropsias (JÚNIOR et al, 2008). 4.2 HEREDITARIEDADE Homens com um parente de primeiro grau acometido pelo CaP apresentam risco três a quatro vezes maior de desenvolver a doença. Quando há dois familiares acometidos, o risco chega a ser 9,5 vezes maior. Quanto maior o número de familiares acometidos, maior é o risco de desenvolver a doença, principalmente se o diagnóstico nos familiares ocorrer em idade precoce (menos de 55 anos) (JÚNIOR et al, 2008). 4.3 ANDRÓGENOS Há mais de um século, sabe-se que alguns tumores apresentam o seu crescimento influenciado pela presença de hormônios esteróides sexuais. No campo da uro-oncologia, Huggins e Hodges relataram, em 1941, que a maioria dos pacientes com CaP avançado apresentava regressão clínica importante após orquiectomia bilateral ou após administração de estrógenos. Três décadas após o descobrimento dos receptores de hormônios esteróides sexuais, ocorreu um grande avanço no entendimento do seu mecanismo de ação. Nos casos em que a célula tumoral depende da ação hormonal para sobreviver, a ablação androgênica induz a apoptose, motivo pelo qual funciona como tratamento antineoplásico (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 4.4 FATORES RACIAIS E DIETA Os afro-americanos são os que apresentam as maiores incidências da doença, superando a dos demais grupos étnicos norte-americanos (hispânicos e caucasianos). No estado de São Paulo, um estudo recente demonstrou que os negros se apresentam ao diagnóstico com doença mais avançada e em maiores estádios, em relação aos brancos e amarelos. Nos países ocidentais, verifica-se maior incidência de CaP, onde predomina a ingesta de gorduras saturadas, derivados do leite e cálcio e carne vermelha. Em contrapartida, nos países asiáticos em que predomina a ingesta de antioxidantes naturais, como raízes, vegetais de cores amarela, verde e vermelha, chá verde e gorduras insaturadas, como ômega-3, encontrada em peixes, a incidência é bastante reduzida. Pacientes com elevado índice de massa corpórea, embora tenham risco menor de desenvolver o CaP, em virtude de seus níveis de antígeno prostático específico (PSA) serem menores que o da população normal, têm maior chance de desenvolverem neoplasias mais agressivas que os demais (JÚNIOR et al, 2008). 4.5 TABAGISMO O tabagismo é um fator de risco comum para câncer de pulmão, bexiga e outros carcinomas epiteliais. Existe uma pequena concordância sobre o papel do tabagismo com o risco de CaP. Estudos prospectivos positivos e negativos têm sido relatados (WALSH et al, 2002). 5 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DO CÂNCER DE PRÓSTATA A história médica contribui pouco para o diagnóstico de câncer de próstata (CaP) em estágios iniciais. Somente após um logo período de evolução, pode produzir sintomas principalmente por extensão local do tumor ou pelo aparecimento de metástases. Sintomas de obstrução do trato urinário inferior, hematúria e hemospermia podem estar associados ao desenvolvimento de um CaP. De outra forma, metástases podem produzir dor óssea, fraturas ósseas patológicas, edema dos membros inferiores e da genitália externa, anemia, anorexia, astenia e emagrecimento. Deste modo, deve-se dar ênfase ao diagnóstico precoce, fase em que geralmente são assintomáticos. O exame digital da próstata (toque retal) é um dos principais métodos para o diagnóstico do CaP, muito embora isoladamente possua limitações. Associado ao antígeno prostático específico (PSA), o toque retal é uma arma importante para a indicação de ultrassom trans-retal com biópsia de próstata . Este tem sido o método de escolha para a amostragem do tecido prostático na suspeita de um tumor maligno de próstata (SOUTO; RHODEN, 2004). Quanto ao tratamento do CaP, este deve ser individualizado e baseado na agressividade potencial do tumor, no estadiamento clínico, nas condições clínicas gerais do paciente, na sua expectativa de vida e nas preferências do paciente e do médico. As principais modalidades de tratamento são o acompanhamento vigilante, a prostatectomia radical, a radioterapia externa, a braquiterapia, a terapia hormonal e a quimioterapia (JÚNIOR et al, 2008). 6 PREVENÇÃO DO CÂNCER DE PRÓSTATA 6.1 ORIENTAÇÃO DIETÉTICA E COMPORTAMENTAL Cada vez mais, sabemos que a forma com que nos alimentamos e hábitos que adquirimos influenciam na saúde e no aparecimento e evolução de doenças. Alguns tumores podem ser prevenidos por intervenções dietéticas e comportamentais, enquanto outros são influenciados quase exclusivamente por fatores genéticos ou fatores ambientais não modificáveis. Por exemplo, a utilização de substâncias como o tabaco e bebidas alcoólicas, a exposição solar e a dieta estão relacionadas com o desenvolvimento de algumas neoplasias. As pessoas podem mudar seus hábitos para reduzir o risco de câncer, e isso não é diferente quando falamos em tumores urológicos, especialmente no câncer de próstata (CaP) (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). Alguns fatores de risco para o desenvolvimento de neoplasia urogenital já foram bem estabelecidos, entre eles a criptorquidia no câncer de testículo e o tabagismo no câncer de bexiga. No entanto, o aparecimento das neoplasias envolve diversos fatores, muitos dos quais ainda estão sendo estudados. Entre os mais importantes e que têm merecido grande atenção estão os fatores dietéticos e sua influência em todos os estádios do câncer. A nutrição pode prevenir, alterar a progressão e, em alguns casos, reverter o processo canceroso (WALSH et al, 2002). Atualmente, já foi demonstrado que a imunidade do indivíduo pode ser influenciada pela ingestão de alimentos que aumentam a atividade das células natural killer, que possuem a função de bloquear a atividade de bactérias e vírus. Processos álgicos e inflamatórios podem ser minimizados, e o enriquecimento da dieta com certos nutrientes reduz os efeitos dos radicais livres, capazes de afetar o material genético das células corporais. A dieta e os hábitos podem interferir de maneira muito significativa na vida das pessoas, e deveriam ser mais valorizados, mesmo dentro de uma abordagem especializada. Porém, o aconselhamento de dieta não está presente de forma contundente durante a formação do médico e tampouco durante a consulta urológica. A seguir veremos, de maneira objetiva, as evidências atuais acerca da dieta nos processos de iniciação, desenvolvimento e desfecho dos cânceres urológicos. Com isso, podemos orientar inicialmente os pacientes, esclarecer as dúvidas mais comuns do consultório de urologia e também atuar na prevenção primária (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 6.2 PADRÃO ALIMENTAR E DISTRIBUIÇÃO MUNDIAL Os diferentes hábitos de vida e dieta contribuem para os diferentes níveis de incidência e prevalência dos diversos tipos de câncer no mundo. Estudos populacionais revelam que as maiores taxas de incidência de neoplasias estão concentradas nos países mais desenvolvidos. Isso pode ser explicado, em parte, pela maior longevidade das populações desses países. Entretanto, fatores dietéticos também podem ser responsáveis pelas diferenças de incidência. Países como os Estados Unidos possuem uma população com altas taxas de obesidade, sedentarismo e ingestão de gorduras saturadas, além de produtos industrializados, carentes de nutrientes. A dieta moderna, composta por alimentos refinados através de produtos químicos, é considerada, por alguns, a maior responsável pelo desenvolvimento de neoplasias. Estudos sugerem que mais de 80% dos tumores ocorrem por resultado de baixa qualidade nutricional, hábitos de vida (tabagismo e alcoolismo, entre outros), ingesta de produtos químicos e outros fatores ambientais. De acordo com a Fundação Mundial de Pesquisa em Câncer (World Cancer Research Fund - Londres/lnglaterra), se houvesse uma redução da ingestão de gorduras saturadas e estímulo para consumo maior de vegetais e produtos integrais, manutenção de peso ideal para sexo/faixa etária e prática regular de atividade física, o risco de câncer poderia ser reduzido em até 40% (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 6.3 METODOLOGIA, INQUÉRITO ALIMENTAR E SUAS LIMITAÇÕES Para identificar possíveis fatores de risco presentes na dieta e hábitos de vida na etiologia do câncer numa população, o melhor desenho metodológico é de estudo do tipo coorte, com grande tamanho de amostra e longo tempo de seguimento. Idealmente essas coortes ou grupo de pessoas, assim como seus hábitos de vida e alimentação, seriam registrados de maneira fidedigna desde o nascimento; após o seguimento por várias décadas, poder-se-iam comparar os hábitos e dietas de pessoas que desenvolveram algum tipo específico de doença, no caso o câncer, com pessoas que não desenvolveram tais doenças, identificando os fatores de risco mais prováveis. No entanto, coortes de alta qualidade, sem perda significativa de seguimento de pacientes, são muito raras. Alguns países desenvolvidos possuem um bom registro de bases populacionais que dão origem a muitos estudos retrospectivos. Porém, na maioria dos países, como no Brasil, essas bases de dados estão apenas iniciando e provavelmente demorarão décadas para serem confiáveis e representativas para análise. Mais freqüentes do que os estudos de coorte, são os estudos do tipo caso-controle, que são mais simples, rápidos e de menor custo. Porém, esse tipo de estudo deve ter seus resultados sempre avaliados com maior cautela, já que são retrospectivos e sujeitos a maior quantidade de viéses do que os estudos de coorte. Diferentemente, quando queremos avaliar uma intervenção, como é o caso da suplementação da dieta com algum nutriente, o desenho de estudo mais adequado para avaliar sua eficácia é o estudo randomizado controlado, também com tamanho de amostra e tempo de seguimento suficientes para minimizar as possibilidades de viéses que comprometam a conclusão do estudo. Outra grande limitação que pode levar a viéses é a escolha do inquérito alimentar. Como dependem, na maioria das vezes, das informações dadas e lembradas pelos sujeitos da pesquisa e da habilidade do entrevistador de estimar a quantidade de alimento consumido, os inquéritos alimentares estão muito sujeitos a informações imprecisas. Além disso, esses levantamentos freqüentemente focam em nutrientes de maneira isolada, sendo que o padrão de consumo sempre é uma combinação de compostos. Considerando que outros fatores não-dietéticos promotores de neoplasia podem ocorrer simultaneamente, isso soma ainda dificuldades na identificação dos fatores de risco. Assim, com tantas variáveis concomitantes, é sempre importante analisar com cuidado a classificação de um alimento como carcinogênico ou anti-carcinogênico. Apesar disso tudo, o inquérito alimentar ainda é considerado um instrumento de grande valia, pois permite avaliar o padrão alimentar e a variação temporal em diferentes populações. Foi através de questionários alimentares que se verificou que a incorporação da dieta ocidental em povos migrantes trouxe conseqüências negativas e que podem ser observadas no desenvolvimento de diversas patologias, incluindo as neoplasias urológicas (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). A seguir, avaliaremos os principais componentes relacionados à dieta e aos hábitos de vida, que têm sido foco de estudo para identificação de fatores de risco que podem ser relevantes para ajudar o profissional a atuar preventivamente ou modificar o prognóstico dos pacientes portadores de tumores urológicos. 6.4 ALIMENTOS E COMPOSTOS QUE DIMINUEM OS RISCOS DE CARCINOGÊNESE 6.4.1 Frutas e hortaliças A cada dia, ganham mais atenção do público, e espaço na mídia, as recomendações para o consumo de maior diversidade de frutas, verduras e legumes, criação de uma rotina de exercícios físicos e cultivo de hábitos de vida saudáveis para se manter a saúde. No entanto, somente uma pequena parcela da população consegue seguí-las. São necessários acesso a informações, tempo e condição financeira para que se tenha um estilo de vida próximo do ideal. A maior parte da população ainda é significativamente influenciada pela cultura do fast-food, consumindo porções cada vez maiores de carne, gordura animal e produtos industrializados. Esses hábitos ruins estão sendo incorporados rapidamente pelos países ocidentais, levando a um aumento de doenças graves como obesidade, doenças cardiovasculares e neoplasias (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). Até o momento, as pesquisas têm demonstrado de forma convincente que dietas ricas em frutas e vegetais protegem contra diversas doenças, incluindo alguns tipos de neoplasias urológicas. A variedade de compostos, vitaminas e minerais ingeridos numa dieta bem planejada só traz benefícios ao organismo. O benefício da dieta com pouca proteína animal e gordura se mostra mais evidente no CaP, o mais incidente entre os homens, e tem efeito positivo, porém mais discreto, nos outros tumores urológicos. Uma dieta rica em vegetais e frutas reduz tanto o risco para o desenvolvimento do CaP como também possivelmente desacelera a progressão da doença já instalada (KOLONEL et al, 2000). Porém, a falta de benefício da dieta rica em frutas e verduras em alguns tipos de neoplasias urológicas não exclui a possibilidade de que a baixa ingestão desses alimentos causaria um aumento de riscos. De maneira indireta, os estudos confirmam que a dieta predominantemente vegetariana deveria ser um hábito adotado pela maioria da população mundial. Analisando um pouco mais a fundo, os vegetarianos sempre defenderam que a exclusão de carne da dieta seria muito mais saudável do que a dieta onívora. Porém, o debate acerca dos benefícios da dieta vegetariana muitas vezes transcende às questões científicas. Muitos de seus praticantes o fazem por outras razões além das nutricionais, como religião, moral e respeito aos seres vivos. Dietas vegetarianas têm sido associadas a menores riscos de doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e obesidade, entre outros. Acredita-se que isso ocorre pelas menores quantidades de gordura, proteína e colesterol ingeridas, e maiores quantidades de fibras, vitaminas, minerais e substâncias antioxidantes presentes na dieta, em comparação com a alimentação com grandes quantidades de carne. No entanto, não devemos nos esquecer que seus defensores também costumam ser contra o tabagismo, o consumo de álcool, o uso de drogas e o sedentarismo, apoiando um estilo de vida harmonioso do corpo com o ambiente. Podemos supor que são estas atitudes que, provavelmente, contribuem para diminuir o risco de diversas doenças. As dietas ricas em frutas e verduras nos fazem pensar nas vantagens da dieta vegetariana para a saúde em geral, bem como para a redução do risco de câncer e de outras doenças igualmente debilitantes. Porém, com a vida moderna e cheia de estresses, e com tempo limitado para uma alimentação regular, há o risco de uma dieta totalmente vegetariana não fornecer todos os nutrientes necessários, se não for bem planejada. A aplicação de uma mudança de estilo de vida, com a adoção de dieta vegetariana, também tem sido avaliada nos estudos clínicos, e os resultados têm sido bastante animadores no campo urológico. Em pacientes que possuem CaP recorrente, a mudança para uma dieta baseada em produtos de origem vegetal e medidas de redução do estresse parecem influenciar positivamente na evolução da doença, desacelerando o processo de crescimento tumoral. Para aqueles que gostam de carne e escolhem seguir uma dieta onívora, é importante ter em mente que, se ela for balanceada, a possibilidade de efeitos benéficos para a saúde é mantida da mesma maneira (ORNISH et al, 2005). 6.4.2 Tomate e Licopeno Com tantos estudos avaliando dietas ricas em verduras e frutas e demonstrando resultados bastante otimistas, têm sido realizadas tentativas para a identificação e isolamento de alguns de seus compostos mais eficazes. O tomate é um fruto que vem atraindo muita atenção e tem sido estudado na prevenção de doenças cardiovasculares, no controle de dislipidemias e diabetes, e em diversos tipos de câncer. O licopeno é um carotenóide presente em grandes quantidades no tomate, mas também está presente em ricas quantidades em outras frutas como goiaba, melancia e mamão papaia. Ele possui atividade antioxidante potente, maior que a do alfa e do beta-caroteno, pois não é convertido em vitamina A quando ingerido. Estudos iniciais sugeriram que tomates industrializados na forma de molho ou pasta de tomate constituem uma fonte mais rica em licopeno do que suco ou fruta crua, porque o seu aquecimento no processo de cozimento permite que o organismo o absorva mais rapidamente. O risco de CaP é freqüentemente associado com níveis elevados de fator de crescimento insulina-like-1 (IGF-l) e redução da proteína ligadora de IGF-3 (IGFBP-3). O licopeno demonstrouse capaz de aumentar significativamente os níveis de IGFBP-3 e reduzir a expressão do receptor de IGF-l, além de possuir a propriedade de reduzir a proliferação de células neoplásicas e induzir sua apoptose. Assim, havia uma grande expectativa em relação à capacidade do licopeno em prevenir o CaP (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). Diversos estudos de caso-controle e prospectivos têm sido realizados para avaliar se a presença de licopeno na dieta está associado ao risco para o CaP. Em uma metanálise, não foi detectado benefício clínico do licopeno na dieta como um fator protetor para o desenvolvimento de neoplasia de próstata. Recentemente, mais um estudo prospectivo foi publicado, e também não se evidenciaram diferenças significativas no risco de CaP relacionado com alto consumo de licopeno (KIRSH et al, 2006). Esse é um exemplo de que a alimentação balanceada contendo cinco ou mais porções diárias de frutas e verduras variadas é mais eficaz do que a ingestão de grandes quantidades de um tipo particular de alimento ou suplemento, como ocorre também com o caso de algumas vitaminas. Da mesma forma, esse exemplo ilustra uma situação freqüente em epidemiologia do câncer: estudos observacionais sugerem que determinados hábitos alimentares reduzem o risco de câncer, mas estudos de intervenção não comprovam essa redução. Postula-se que isso se deva à diferença entre o consumo de certas substâncias benéficas como parte de um hábito de vida e o consumo de doses "farmacológicas" da substância, de maneira mais artificial. No primeiro caso, o indivíduo tem um hábito de vida saudável, e a substância protetora é apenas um marcador para esse hábito de vida, em geral adotado desde a infância e a adolescência da pessoa. No segundo caso, indivíduos de todos os tipos, incluindo aqueles com piores hábitos de vida, tentam, a partir da idade adulta, e por período relativamente curto de tempo, ingerir quantidades aumentadas da substância protetora, muitas vezes sem sucesso (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 6.4.3 Soja Avaliações epidemiológicas identificaram que povos orientais como os do Japão e da China possuem baixas incidências de alguns tipos de neoplasias urogenitais, como a de próstata. Uma das teorias está baseada nas características da dieta típica oriental, com altas quantidades de soja e seus derivados, que foram incluídos nos hábitos alimentares desses povos há mais de cinco mil anos. Os efeitos da soja na saúde das pessoas são atribuídos a um de seus componentes, as isoflavonas, que também são chamadas de fitoestrógenos por possuírem uma fraca atividade estrogênica. Pesquisadores acreditam que as isoflavonas contidas na soja possuem um papel na redução do risco de câncer, como observado entre os japoneses e chineses. Isso também é conseqüência de resultados de experimentos em modelos laboratoriais e animais e de estudos populacionais que demonstraram que as isoflavonas da soja possuem o potencial de reduzir o risco de alguns tumores, incluindo os de mama, próstata e cólon (WROCLAWSKI; GLINA, 2007; WALSH et al, 2002). Vários estudos clínicos foram realizados avaliando o papel da isoflavona derivada da soja no risco de CaP e, nos últimos anos, duas metanálises foram publicadas com resultados semelhantes. Esses estudos demonstraram a redução de risco estimado global em quase 30% para o desenvolvimento de CaP (YAN; SPITZNAGEL, 2005). O consumo do grão de soja é geralmente considerado seguro. Efeitos colaterais são raros, mas ocasionalmente podem ocorrer problemas gastrintestinais como epigastralgia, amolecimento das fezes e diarréia. Como fonte protéica, a soja é considerada mais saudável do que a carne e ajuda na perda de peso. Atualmente, a soja está sendo aplicada clinicamente como redutor de colesterol, de níveis pressóricos e para alívio de sintomas do c1imatério e osteoporose. Assim, o consumo de soja e seus derivados, como o tofu e o missô, deveriam ser estimulados e introduzidos de maneira contundente nos hábitos alimentares dos povos ocidentais, de preferência o mais precocemente possível na vida dos indivíduos, para otimizar seus benefícios ao longo da vida (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 6.4.4 Vitamina A (beta-caroteno) O beta-caroteno é um carotenóide que está presente em diversas frutas e vegetais, conferindo a elas as cores amarela e vermelha. Este é convertido em vitamina A pelo organismo após sua ingestão. Com função antioxidante, muitos pesquisadores acreditam que o beta-caroteno possui propriedades para prevenir o aparecimento de neoplasias. A suplementação de vitamina A ou do beta-caroteno tem sido estudada como possível redutor de risco em tumores urológicos. É importante ressaltar que, como a vitamina A é um composto lipossolúvel, esta se acumula no fígado, e altas doses podem levar a efeitos tóxicos. Um estudo de suplementação da vitamina foi suspenso precocemente após terem sido detectados aumentos do risco de neoplasia de pulmão em pacientes de alto risco (fumantes), do número de eventos cardiovasculares e das taxas de mortalidade global. Apesar de pesquisas pré-clínicas terem tido resultados positivos, os estudos epidemiológicos vêm trazendo resultados conflitantes entre os tumores urológicos. Alguns estudos mostraram que a suplementação de beta-caroteno pode reduzir em até 32% o risco de CaP em pacientes com baixos níveis séricos desta vitamina (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 6.4.5 Vitamina E (alfa-tocoferol) A vitamina E é um nutriente essencial para o funcionamento do organismo, participando na construção de vários componentes celulares. Na verdade, ela representa um grupo de compostos, dentre eles o alfa-tocoferol. As maiores fontes de vitamina E são os óleos vegetais, verduras de folhas verdes, frutas secas, cereais, carne, gema de ovo, gérmen de trigo e produtos de trigo integral. Assim como a vitamina A, a vitamina E age como um antioxidante bloqueando a ação dos radicais livres que lesam as células. Existem estudos sobre a vitamina E como proteção para infarto do miocárdio, redução de processos inflamatórios como artrites, aceleração de cicatrização de queimaduras e redução de progressão de doenças neurológicas degenerativas (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). Uma metanálise de 38 estudos sobre os efeitos das vitaminas C e E foi publicada em 2006 e concluiu que, apesar de efeitos positivos isolados, a análise global dos dados chegou a resultados pessimistas, pois não foram detectados efeitos na prevenção ou tratamento de câncer (COULTER et al, 2006). Seus efeitos na etiologia e evolução dos tumores urológicos também têm sido avaliados. Não há estudos avaliando o papel da vitamina E isoladamente na prevenção das neoplasias urológicas, aparecendo nas pesquisas sempre na forma de associação com outras vitaminas e minerais. Alguns estudos mostram potenciais efeitos positivos da vitamina E na redução do risco de câncer renal e CaP em tabagistas, enquanto que outros mostram que há possível associação da vitamina E com a redução do risco de neoplasias urogenitais (WALSH et al, 2002). Alguns estudos têm focado no papel da vitamina E no mecanismo de neurotoxicidade periférica induzida pela cisplatina, uma droga quimioterápica freqüentemente usada no tratamento dos tumores de bexiga e testículo. Em pequenos estudos randomizados, a vitamina E tem se mostrado efetiva e segura em reduzir a incidência e gravidade do quadro neurológico associado com o uso da cisplatina (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 6.4.6 Vitamina C (ácido ascórbico) A vitamina C é encontrada em abundância em frutas cítricas, vegetais de folhas verdes, batatas, morango e pimentões. Muitos estudos têm demonstrado ligação entre o consumo de alimentos ricos em vitamina C e a redução do risco de câncer. No entanto, o consumo excessivo (maior que 2 g/dia) pode causar cefaléia, dores abdominais, diarréia, náusea, pirose e, possivelmente, cálculos renais (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). Existem estudos que não mostraram benefício para a suplementação combinada de vitamina E, vitamina C, beta-caroteno, selênio e zinco para prevenção do CaP. Em pacientes com CaP não tratado, a suplementação de vitaminas E e C com a coenzima Q 10 também não parece ser eficaz, assim como a presença de vitamina C na dieta não confere proteção ao aparecimento de neoplasias de bexiga e rins. Embora o grande consumo de suplementos de vitamina C esteja consagrado pela população, esta prática não é isenta de risco. Além disso, a vitamina C encontrada naturalmente nas frutas e vegetais parece ser mais eficaz do que na forma de suplementação (COULTER et al, 2006). 6.4.7 Selênio O selênio é encontrado naturalmente nos alimentos de origem animal, frutos do mar, carnes, cereais e, principalmente, na castanha do Pará, que o possui em altos teores. O selênio é um metal pesado encontrado no solo em todo o mundo. Sua quantidade varia de uma região para outra, e isto influencia diretamente na quantidade de selênio disponível nos alimentos produzidos. Plantas e organismos microscópicos convertem o selênio em compostos orgânicos, incluindo o selenometione, que é a maior fonte de selênio nos alimentos. Esse mineral tem se mostrado promissor em prevenir o início e a progressão de diversas neoplasias. As necessidades de selênio em seres humanos variam de 40 a 55µg ao dia, com uma tolerância máxima de 400µg ao dia. Sinais de intoxicação incluem unhas deformadas, vômito, fadiga, dormência ou perda de controle dos membros, queda de cabelo, dentes e unhas. Doses excessivas são potencialmente fatais. Em contrapartida, a deficiência de selênio na dieta pode causar cardiopatias, dores musculares e envelhecimento precoce. O foco das pesquisas tem se concentrado nas aplicações clínicas do selênio no CaP. A suplementação de selênio para pacientes que possuem baixo nível basal desse mineral parece ter um efeito protetor para o aparecimento do câncer (CLARK et al, 1998). No entanto, nem todos os estudos são concordantes em seus resultados, e diante dos efeitos colaterais associados à intoxicação por selênio, deve-se ter cautela em indicar a suplementação deste mineral com o intuito de prevenir neoplasia (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 6.4.8 Chá verde Outra diferença entre as dietas do Ocidente e do Oriente é o grande consumo de chá verde. Este fato também poderia explicar, em parte, a baixa incidência de CaP clinicamente significante em países asiáticos, visto que sua composição contém polifenóis (flavonóides), que são substâncias dotadas de atividades anticarcinogênicas (WALSH et al, 2002; KOFF et al, 2005). 6.4.9 Antiandrógenos (Quimioprevenção) O uso de finasterida para prevenir CaP é controvertido, pois ela causa elevação da testosterona circulante e isso poderia ocasionar progressão de lesões pré-malignas ou tumores latentes, não identificados no início do tratamento. Um estudo prospectivo randômico recente sugere que a finasterida ao final de um ano pode acelerar a conversão de neoplasia intraepitelial prostática (PIN) em câncer invasivo, pois 30% dos pacientes usando a droga desenvolveram CaP, comparado com apenas 4% dos não tratados. Estes dados devem ser interpretados com cuidado, pois muitos indivíduos têm PIN ao início do tratamento. Por isso, apenas os resultados de estudos futuros podem dirimir estas dúvidas (WALSH et al, 2002; KOFF et al, 2005). Um novo inibidor da 5 alfa-redutase, a dutasterida, vem sendo utilizado no tratamento da hiperplasia prostática benigna (HPB) e seu potencial na prevenção do CaP está sendo testado em estudo prospectivo randômico (KOFF et al, 2005). 6.5 EXERCÍCIOS FÍSICOS Estudos recentes evidenciaram provável redução no risco de CaP em pacientes com atividade física regular. Os benefícios da atividade física regular no risco de doença cardíaca são indiscutíveis, por isso as mudanças no estilo de vida podem ser benéficas, não apenas na prevenção do CaP, mas para a saúde geral do indivíduo. Recomenda-se uma atividade moderada por trinta minutos em quatro dias por semana, buscando-se atingir o peso ideal para a altura (KOFF et al, 2005). 6.6 ALIMENTOS E HÁBITOS QUE AUMENTAM OS RISCOS DE CARCINOGÊNESE 6.6.1 Carne e Gorduras Saturadas Quando o assunto é carne, não há dúvidas de que os hábitos alimentares da sociedade moderna a incorporaram em excesso. Os povos ocidentais de países desenvolvidos comem uma média de 70g de proteína animal diariamente, num total de 107g de proteínas ou mais. Comparando com os povos asiáticos, que ingerem em média um total de 56g de proteína, sendo que apenas 8g vêm de fontes animais, podemos afirmar que os povos ocidentais nutrem uma paixão por carne, influenciando os hábitos alimentares mundiais nas últimas décadas. A carne, principalmente a bovina, contém quantidades importantes de gordura do tipo saturada, que pode estar relacionada com o aumento de risco de câncer urogenital, bem como de outras doenças. Além disso, o modo de preparo da carne pode adicionar maior risco, já que, quando cozida em altas temperaturas, libera aminas heterocíclicas como benzopirenos e piridinas, que em modelos animais levaram a um maior risco de aparecimento de certos tipos de neoplasias, incluindo CaP. O boi é exposto a pesticidas, resíduos de organofosforados na sua dieta, contaminação viral e bacteriana, assim como a antibióticos e hormônios indutores de crescimento e lactação. Tudo isso se reflete na carne e na saúde de quem a consome sistematicamente. Estudos de base populacional têm mostrado uma associação positiva entre alguns tipos de carne, método de cozimento, quantidade de gorduras saturadas na dieta e o aumento de riscos de CaP, bexiga e rim. Ainda não se sabe ao certo se isto seria conseqüência da carne per se ou das substâncias liberadas quando a carne é submetida ao aquecimento. É possível que aprender a não depender somente de fontes animais para fornecimento de proteínas e seguir o exemplo dos povos orientais que mantêm o hábito de ingerir pequenas quantidades de proteína animal, dando preferência a carnes brancas e pobres em gordura, poderia levar a expectativa de vida dos povos ocidentais para um novo patamar (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 6.6.2 Leite e Derivados O leite de vaca é uma das principais bebidas consumidas no mundo, possuindo um status de alimento básico. A principal justificativa para incentivar o consumo diário de leite de vaca é a quantidade de cálcio que contém. No entanto, na forma integral, o leite tem alta quantidade de gordura, colesterol e proteína, é pobre em carboidratos e não possui fibras. Uma infinidade de produtos populares é fabricada utilizando-se o leite: queijos, iogurtes, manteiga, creme de leite, sorvetes, fórmulas lácteas para bebês, sendo todos eles consumidos em larga escala em muitos países ocidentais. Entidades internacionais de nutrição vêm recomendando maior consumo de leite e derivados entre as crianças e adolescentes devido às suas maiores necessidades nutricionais e maior taxa de crescimento; mesmo para adultos, ainda se recomendam três copos de leite ao dia. Existem indícios de que o consumo de laticínios não é desprovido de risco: os mesmos foram identificados como possíveis fatores de risco para o aparecimento de CaP e testículo. As taxas de incidência e mortalidade dessas duas neoplasias se correlacionam com países que possuem maior consumo desses alimentos. Todas as campanhas e recomendações de consumo de leite perdem seu sentido quando as pesquisas demonstram tantas desvantagens, promovendo problemas como doenças cardíacas, alergias e até mesmo câncer. A julgar pelas informações científicas disponíveis, ideal seria que reduzíssemos ou parássemos totalmente o consumo de leite e seus derivados quando atingíssemos a idade adulta, e não aumentássemos, como vem sendo estimulado. Evidentemente, outras fontes de cálcio seriam necessárias, especialmente em mulheres (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 6.6.3Tabagismo Alguns hábitos são consagrados como fatores de risco para o aparecimento de câncer urológico. O tabagismo é reconhecido como a principal causa de neoplasia de bexiga, responsável por volta de 50% dos casos nos países desenvolvidos. Existe forte ligação entre a quantidade e duração do consumo de fumo com sua incidência e mortalidade. Outros tumores urológicos possuem relação causal com o uso de tabaco. Tanto o tabagismo ativo quanto o passivo estão ligados a um maior risco de câncer renal, e talvez CaP (WROCLAWSKI; GLINA, 2007; WALSH et al, 2002). O tabagismo é alvo ideal para campanhas de promoção de saúde, pois seu uso depende exclusivamente da escolha de seus consumidores. Porém, hábitos são muito difíceis de mudar. Saber como mudar e realmente fazê-lo são duas condições distintas. Apesar dos inúmeros estudos científicos divulgados pela mídia e de avisos do Ministério da Saúde contidos nas embalagens, milhões de brasileiros continuam a acender o cigarro todos os dias (WROCLAWSKI; GLINA, 2007). 6.6.4 Obesidade A prevalência de obesidade tem crescido de maneira assustadora em todo mundo, levando a um aumento de várias doenças associadas, como hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares. Além dessas doenças de alta morbidade e mortalidade, recentemente os estudos epidemiológicos têm identificado a associação entre obesidade e risco de neoplasias. No caso do CaP, essa ligação parece ser bastante complexa, sem uma fisiopatogenia esclarecida e com resultados intrigantes. A obesidade parece contribuir de forma independente para um maior risco de CaP agressivo, de estádio mais avançado, maior escore de Gleason e maior mortalidade. Paralelamente, a obesidade reduz o risco de neoplasias menos agressivas, de baixo grau. Esses achados parecem refletir a ação indireta da obesidade, ou seja, sua capacidade de alterar as características do tumor já estabelecido (AMLING, 2005). 6.6.5 Exposição Ocupacional Além da alimentação, o ambiente que rodeia os indivíduos pode expor o organismo a substâncias carcinogênicas. Não há ocupação ou agente ocupacional com forte associação com risco de neoplasia de próstata. O contato com herbicidas e pesticidas agindo como modificadores hormonais pode influenciar o risco, porém ainda permanece especulativo. O cádmio, presente em inseticidas e pesticidas, foi considerado como fator de risco durante muito tempo, mas não existem evidencias epidemiológicas claras até o momento. Parece mais claro o aumento de risco de neoplasia de próstata entre os trabalhadores metalúrgicos e aqueles expostos a hidrocarbonos aromáticos, entre eles bombeiros, operadores de estação de força, trabalhadores da área de fundações, de malha ferroviária, limpadores de chaminés e operadores de máquinas pesadas (PARENT; SIEMIATYCKI, 2001). 7 RASTREAMENTO DO CÂNCER DE PRÓSTATA 7.1 DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS Rastreamento é a avaliação periódica e sistemática de uma população pertencente a uma determinada faixa etária com o objetivo de detectar doença curável, em homens com boa expectativa de vida saudável. Quanto às características de um rastreamento adequado, deve haver alto nível de evidências indicando redução de mortalidade e morbidade obtidas com o rastreamento e este deve ser clínica, social e eticamente aceitável pelos profissionais de saúde e pelo público. Além disso, os benefícios do rastreamento devem superar os danos físicos e psicológicos causados pelos testes, pelos procedimentos diagnósticos e pelo tratamento, economicamente os custos devem ser compatíveis com os benefícios obtidos e o tratamento para a doença rastreada deve ser eficaz (KOFF et al, 2005). 7.2 FAIXA ETÁRIA E INTERVALO ENTRE AS AVALIAÇÕES A idade de início do rastreamento ainda não foi precisamente definida. A maioria dos autores indica 50 anos, apesar de haver referências a 45 e a 55 anos. Homens de raça negra ou que tenham dois ou mais parentes de primeiro grau afetados devem ser avaliados a partir de 40 anos (JÚNIOR et al, 2008). A idade limite superior deve corresponder a homens com expectativa mínima de vida de 10 anos. A idade máxima avaliada varia de 69 anos a indefinida. A maioria dos autores sugere 69 a 74 anos. O intervalo de tempo entre os exames deveria ser o mais longo possível sem prejuízo da taxa de detecção de câncer curável para otimizar a relação custo/benefício. A avaliação anual é indicada na maioria dos trabalhos, inclusive pela American Cancer Society. Entretanto, há indícios de que o intervalo pode ser de dois anos para homens com antígeno prostático específico (PSA) inicial menor que 2,0 ng/ml. Trabalhos em andamento avaliam dois, três e até quatro anos de intervalo (KOFF et al, 2005). 7.3 INSTRUMENTOS USADOS Desde o início dos procedimentos de rastreamento, no final dos anos oitenta, estudou-se o comportamento de PSA, toque retal e ultrassom trans-retal. O toque retal é familiar a todo urologista e apresenta uma coincidência de indicação ou não de biópsia de 84% entre examinadores diferentes. O PSA teve seu uso clínico introduzido em 1989 e provocou grande alteração no diagnóstico precoce da doença. Vários limites de PSA foram estudados. Inicialmente foi usado 4,0 ng/ml, que é a recomendação do fabricante. O seu emprego isolado tem sensibilidade maior do que toque retal e ultrassom trans-retal. A análise de variações do PSA como densidade, velocidade e ajuste à idade não mostrou vantagens quando comparadas ao PSA de 4,0 ng/ml. Toque retal, PSA e ultrassom trans-retal foram combinados de várias formas possíveis. Toque retal mais PSA foram tão confiáveis quanto e significativamente mais baratos do que ultrassom trans-retal mais PSA e hoje são considerados métodos complementares entre si que permitem a detecção adequada de homens com câncer de próstata (CaP) (KOFF et al, 2005). 7.4 RESULTADOS DE RASTREAMENTOS Ao longo de diferentes rastreamentos, observou-se diminuição da incidência de PSA maior que 4,0 ng/ml, diminuição no índice de detecção de CaP, diminuição na proporção de CaP clinicamente avançado, diminuição na taxa de indicação de biópsia de próstata, diminuição na proporção de CaP de alto grau entre os operados, aumento na taxa relativa de sobrevida por CaP, diminuição na mortalidade por CaP e que o estadiamento patológico mostrou 3% de CaP clinicamente não importantes (KOFF et al, 2005). 8 CONCLUSÃO Pelo que foi exposto nesta revisão bibliográfica, conclui-se que o câncer de próstata é uma doença masculina freqüente, de origem multifatorial (fatores genéticos e ambientais), geralmente assintomática, passível de cura através do diagnóstico e tratamento precoces, que apresenta possibilidades prováveis de ser prevenida, principalmente por intervenção dietética e exercícios físicos, e cujo rastreamento é acessível, por PSA e toque retal. Não há um levantamento geral sobre a incidência e a prevalência do câncer de próstata no meio militar brasileiro. Pode-se inferir que sejam semelhantes às estatísticas da população masculina em geral. Todavia, levando-se em consideração o que foi relatado no presente trabalho, principalmente sobre prevenção primária do câncer de próstata, pode-se suspeitar que, na população masculina militar, a freqüência desta patologia seja menor. Isto porque os indivíduos selecionados para ingressarem no Exército são, em princípio, saudáveis, dotados de boa forma física e estimulados, constantemente, a manterem atividade física regular e dieta balanceada. Obviamente, nem sempre estes cuidados são devidamente seguidos. Por outro lado, a possibilidade de diagnóstico precoce, através do rastreamento do câncer de próstata, deva ser maior no meio militar, considerando-se que o acesso às consultas médicas e aos exames é mais fácil do que, por exemplo, no serviço público de saúde, do qual depende a maioria da população. REFERÊNCIAS AMLING CL. Relationship between obesity and prostate cancer. Curr Opin Urol 2005. CLARK LC, DALKIN C, KRONGRAD A, et al. Decreased incidence of prostate cancer with selenium supplementation: results of a double-blind cancer prevention trial. Br J Urol 1998. COULTER ID, HARDY ML, MORTON SC, et al. Antioxidants vitamin C and vitamin E for the prevention and treatment of cancer. J Gen Intern Med 2006. DOBOSY JR, ROBERTS JL, FU VX, et al. The expanding role of epigenetics in the development, diagnosis and treatment of prostate cancer and benign prostatic hyperplasia. J Urol 2007. FERREIRA CG, ROCHA GC. Oncologia Molecular. São Paulo: Atheneu, 2004. 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