ATUALIZAÇÃO
Sulfato de Magnésio nas Síndromes
Hipertensivas da Gestação:
Efeitos Hemodinâmicos Maternos e Fetais
Magnesium Sulfate in Hypertensive Disorders of Pregnancy:
Maternal and Fetal Hemodynamic Effects
Alex Sandro Rolland de Souza
Carlos Noronha Neto
Melania Maria Ramos Amorim
Isabela Cristina Coutinho
Centro de Atenção à Mulher – Setor de Medicina Fetal do Instituto Materno Infantil
Prof. Fernando Figueira (SEMEFE – IMIP)
Resumo
Introdução
As síndromes hipertensivas constituem um grupo de
intercorrências clínicas que com grande freqüência
complicam a gravidez. Acometem cerca de 10%
das gestações, encontrando-se entre as principais
causas de morte materna e com elevada taxa de
morbimortalidade perinatal no mundo, oscilando
entre 5 e 20%. O sulfato de magnésio é a droga de
escolha para profilaxia e tratamento das convulsões
eclâmpticas, e seus efeitos benéficos em termos de
prevenção das crises convulsivas e redução da morte
materna foram já demonstrados em ensaios clínicos
bem controlados. Sugere-se que o magnésio possa
ainda exercer um importante papel na regulação
da pressão sangüínea por modulação da reatividade
do tono vascular e da resistência periférica total.
Entretanto, o papel desses efeitos no tratamento dos
distúrbios hipertensivos da gravidez não foi ainda
elucidado. Desta forma, a presente revisão tem como
objetivo descrever os mecanismos de ação do sulfato
de magnésio e avaliar seus possíveis efeitos sobre
a circulação materno-fetal. Até o momento não foi
encontrada nenhuma evidência de que o sulfato de
magnésio possa acarretar benefícios hemodinâmicos
para a mãe e o feto, existindo muitas controvérsias
na literatura.
As síndromes hipertensivas constituem um
grupo de intercorrências clínicas que com grande
freqüência complicam a gravidez, em todo mundo.
Sua incidência varia entre 2 e 8% das gestações nos
países desenvolvidos, podendo no Brasil chegar a
10% ou mais (Nascimento et al., 2001). Encontramse entre as principais causas de morte materna
no Brasil (Costa et al., 2002; Vega et al., 2003) e a
terceira causa no mundo, cursando ainda com elevada taxa de morbimortalidade perinatal, oscilando
entre 5 e 20%. Esses altos índices de mortalidade
decorrem de uma gama de complicações, como
eclampsia, descolamento prematuro de placenta,
síndrome HELLP, tromboembolismo, hemorragia
cerebral, coagulação intravascular disseminada,
entre outras (Report of the National High Blood
Pressure Education Program, 2000).
Em São Paulo, Brasil, no ano de 1999, observou-se que as síndromes hipertensivas encontravamse como a primeira causa de morte materna, seguida
por hemorragia e infecções (Vega et al., 2003). Da mesma forma, no Recife, observou-se que a hipertensão
foi responsável por 23,8% das mortes maternas no
período de 1994-2000 (Costa et al., 2002).
Uma importante medida que revolucionou
o tratamento das pacientes com eclampsia foi a
administração do sulfato de magnésio, inicialmente utilizado em 1906, através de injeção intratecal
PALAVRAS-CHAVE: Pré-eclampsia. Sulfato de
magnésio. Dopplervelocimetria.
)HPLQD - Setembro 2006 vol. 34 nº 9
e posteriormente, em 1920, por via intravenosa e
intramuscular, sendo descrito seu uso clínico pela
primeira vez em 1925 por Lazard. Diversas instituições em todo o mundo passaram a adotar protocolos
baseando-se no uso de sulfato de magnésio, que se
difundiu a partir da década de 50, quando Pritchard,
1955, introduziu o regime para tratamento de
eclampsia no Parkland Memorial Hospital. A
droga tanto pode ser administrada por via intravenosa como intramuscular, sendo que a maioria
das instituições prefere a via intravenosa para
dose de ataque e manutenção, por ser menos
dolorosa e permitir a rápida interrupção da infusão em caso de manifestações de toxicidade
(Santos et al., 2004).
Em mulheres com eclampsia, há vários
anos já se demonstrou a efetividade da droga
em termos de redução do risco de recorrência e
de morte materna, tanto em relação à fenitoína
como ao diazepam (Eclampsia Trial, 1995). Estão
disponíveis três revisões sistemáticas da Biblioteca Cochrane, comparando sulfato de magnésio
com fenitoína, diazepam e coquetel lítico (Duley
e Henderson-Smart, 2005; Duley e Gulmezoglu,
2005). Em todas essas, verifica-se nítida superioridade do sulfato de magnésio, reduzindo tanto o
risco de convulsões como de morte materna, com
melhores resultados para o concepto (redução
do risco de depressão respiratória e internação
em UTI).
Por outro lado, nos casos de pré-eclampsia,
vêm se acumulando evidências dos efeitos benéficos do sulfato de magnésio para prevenção da
eclampsia e redução do risco de morte materna. O
Magpie Trial (MAGnesium Sulphate for Prevention
of Eclampsia), em 2002, foi um grande estudo multicêntrico internacional envolvendo 175 hospitais
e 10.141 mulheres nos quatro continentes em 33
países, incluindo o Brasil, comparando o sulfato
de magnésio versus placebo. Observou-se que a
utilização do sulfato de magnésio nas pacientes
com pré-eclampsia grave reduz o risco de convulsões (RR 0,42; IC 95% 0,23-0,76), da mesma forma
que nas pacientes com pré-eclampsia não grave
(RR 0,42; IC 95% 0,26-0,67). A revisão sistemática
da Biblioteca Cochrane apontou uma redução em
torno de 50% do risco de eclampsia e uma provável
redução do risco de morte materna, embora não
se tenha demonstrado melhora do prognóstico
neonatal (Duley et al., 2005).
Cumpre, entretanto, ressaltar que, apesar do
uso consagrado na prática clínica e corroborado
por diversos ensaios clínicos e revisões sistemáticas indicando sua efetividade e segurança
tanto para prevenção como para tratamento das
convulsões eclâmpticas, pouco se conhece ainda
a respeito de sua homeostase, transporte e mecanismos reguladores. A magnitude dos efeitos
hemodinâmicos para o binômio mãe-feto também
persiste por ser esclarecida.
Tendo em vista a ampla utilização do sulfato
de magnésio nas pacientes com pré-eclampsia/
eclampsia e a importância de um melhor conhecimento dos aspectos farmacológicos da droga,
realizamos uma revisão da literatura sobre os
efeitos hemodinâmicos do magnésio na circulação
materno-fetal.
Mecanismos de Ação
O magnésio é o mais abundante e importante cátion bivalente intracelular, com uma variedade de funções (Standley & Standley, 2002; Touyz,
2003; Wallace, 2003). Dentre elas, o magnésio tem
um importante papel na regulação da pressão
sangüínea por modulação da reatividade do tono
vascular e da resistência periférica total (Standley & Standley, 2002; Touyz, 2003; Wallace, 2003;
Landau et al., 2004). Desta forma, alguns estudos
clínicos e epidemiológicos sugerem o potencial
benefício da suplementação com o magnésio na
prevenção da hipertensão (Touyz, 2003). Entretanto, este efeito ainda permanece controverso
na literatura, apesar da recomendação do Sixth
Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation and Treatment
of High Blood Pressure para manter uma dieta
adequada do magnésio.
O magnésio entra na célula através do gradiente de concentração e sai por transporte ativo.
Os mecanismos para a entrada celular não estão
determinados, mas os canais e/ou transportadores podem ser importantes neste processo. Esses
canais já foram identificados em alguns tecidos
animais, porém ainda não foram determinados nas
células vasculares (Touyz, 2003).
Quanto aos mecanismos de saída da célula,
alguns têm sido propostos, como a troca de Na+–
Mg2+, na qual o sódio entra na célula e o magnésio
sai. Este transporte do magnésio sódio-dependente
é inibido pelo transporte Na+–H+ e pelas trocas
Na+–Ca2+ (Touyz, 2003).
O aumento da concentração do magnésio
extracelular causa vasodilatação e atenua os agonistas que induzem a vasoconstricção, enquanto
concentrações diminuídas causam vasoconstricção
e potencializam os agonistas que causam vasoconstricção. O mecanismo exato deste processo é
incerto, mas provavelmente é influenciado pelas
concentrações de Ca2+, que é o maior determinante
)HPLQD - Setembro 2006 vol. 34 nº 9
da contração do músculo liso vascular. Extracelularmente o magnésio atua inibindo o transporte
transmembrana do cálcio, diminuindo a entrada do
cálcio e a conseqüente diminuição da ação contrátil
dos agentes vasoativos, ou intracelularmente atua
como um antagonista do cálcio, modulando a ação
vasoconstrictora (Touyz, 2003).
Outra influência do magnésio sobre o tono
vascular e a reatividade pode também estar associada ao efeito sobre a atividade na bomba de
Na+/K+ ATPase, a qual regula o transporte de
Na+ e K+ e a formação do AMP e GMP cíclico,
importantes fatores de modulação da vasodilatação (Touyz, 2003).
Evidências sugerem que o magnésio também regula o processo de crescimento e diferenciação celular, que podem contribuir para a
remodelação vascular na hipertensão. O aumento
do magnésio extracelular estimula a síntese de
DNA e de proteínas e o metabolismo energético, sugerindo que também sejam importantes
fatores associados promovendo mudanças na
estrutura vascular (Touyz, 2003).
Diante do exposto, tem sido reconhecido que
concentrações extracelulares do magnésio influenciam o fluxo sangüíneo, a reatividade vascular e
a pressão sangüínea nos mamíferos. A hipomagnesemia causa vasoconstricção e hipertensão e o
aumento do magnésio leva ao efeito inverso. Este
mecanismo é sumariado na Figura 1 (Touyz, 2003).
K – aumento;L – diminuição
Figura 1 - Mecanismo vascular por onde a diminuição da concentração do
magnésio intracelular influencia no processo hemodinâmico da patogênese
da hipertensão (adaptado de Touyz, 2003)
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Além da ação direta sobre o músculo liso
vascular, o magnésio também modula a função
endotelial. Assim, já se observou que a infusão de
magnésio intra-arterial aumenta a vasodilatação
endotélio-dependente no antebraço de humanos,
um efeito provavelmente dependente da integridade endotelial. Desta forma, um endotélio intacto
previne contra os efeitos prejudiciais de hipomagnesemia aguda, enquanto no endotélio lesado o
efeito vasodilatador compensatório está ausente e a
diminuição do Mg2+ tem um efeito contrátil direto
sobre o músculo liso vascular (Touyz, 2003).
Tais efeitos são, provavelmente, dose-dependentes e ocorrem por ação direta sobre a vasculatura
(Touyz, 2003; Landau, 2004). Recentemente, demonstrou-se que a infusão parenteral do sulfato de magnésio ocasionava uma vasodilatação na veia dorsal
da mão. Esse efeito foi detectado inicialmente com
doses aproximadamente 1.000 vezes menores que
as doses clinicamente utilizadas na prática clínica
(2 g/h) e sem alterações sistêmicas hemodinâmicas,
demonstrando que o resultado dessa venodilatação
foi provavelmente devido a um efeito local da droga (Landau, 2004). Contudo, já se demonstrou um
efeito inibitório da resposta cardiovascular induzida
pelos receptores N-metil-D-aspartato localizados na
medula rostroventrolateral, sugerindo alguma ação
central (Kagiyama et al., 2001).
Sendo assim, o magnésio é considerado como
um co-fator essencial nas funções enzimáticas, está
envolvido no metabolismo energético celular e é
necessário para o funcionamento da bomba Na+/K+
ATPase. Também atua como antagonista competitivo dos canais de cálcio e tem uma função estrutural
no DNA, RNA e aminoácidos (Standley & Standley,
2002; Wallace, 2003). Além disso, também exerce
efeito antiinflamatório, agindo sobre a diminuição
da produção de superóxidos e promovendo uma
varredura dos radicais livres (Wallace, 2003).
Seus possíveis mecanismos de ação sobre
o relaxamento do músculo liso são: a modulação
do transporte do Ca2+ através dos canais de cálcio
dentro da célula (ação competitiva devido à semelhança do cátion); a redução da ação despolarizante
da acetilcolina; a redução da quantidade de neurotransmissor circulante por efeito diminuído do
cálcio; o envolvimento no relaxamento do músculo
liso mediado por prostaglandinas; e a participação
nas interações do complexo receptor beta-agonista,
proteína G e guanosina-trifosfato (GTP) conduzindo à ativação de adenilciclase (Wallace, 2003).
As possíveis ações do sulfato de magnésio
nas pacientes com pré-eclampsia/eclampsia permanecem ainda por ser completamente desvendadas.
Sabe-se que a hipomagnesemia está relacionada
com maior freqüência ao aumento da pressão san
güínea em gestantes com pré-eclampsia (Standley
& Standley, 2002; Touyz, 2003). Entretanto, já se
descreveu concentração sérica do magnésio aumentada (Touyz, 2003) ou mesmo sem diferença
significativa (Kumru et al., 2003) em mulheres
com pré-eclampsia grave comparadas a gestantes
saudáveis. Razões para estas diferenças não estão
claras, mas a heterogeneidade das populações estudadas pode ser um fator importante.
O mecanismo anticonvulsivante do sulfato
de magnésio ainda não está totalmente elucidado.
Possivelmente, envolve a combinação de várias
ações. Dentre elas, têm sido citadas a estabilização
do potencial das membranas celulares, a vasodilatação cerebral que ocasiona aumento do fluxo
sangüíneo e diminuição da isquemia cerebral, com
redução da concentração de radicais livres. Todos
esses efeitos apontam para uma ação central da
droga, e não para efeitos periféricos de bloqueio
da junção neuromuscular, conforme se aventou no
passado (Wallace, 2003).
A fisiologia das trocas placentárias do magnésio e os seus mecanismos de controles também são
muito pouco entendidos. Tem sido demonstrado que
os níveis de cálcio total, cálcio ionizado e magnésio
estão mais aumentados na circulação fetal que na
materna. Esse gradiente materno-fetal se mantém a
despeito da suplementação de magnésio nas pacientes com pré-eclampsia, sugerindo um transporte
ativo na placenta (Standley & Standley, 2002). Também já foi demonstrada a importância das trocas
Na+–Mg2+ como um mecanismo homeostático no
citotrofoblásto, mantendo os níveis baixos de magnésio intracelular (Standley & Standley, 2002).
Efeitos Hemodinâmicos sobre a Mãe
Diante do exposto acima, observa-se que o
sulfato de magnésio apresenta algum efeito vasodilatador. Além disto, sabe-se que a insuficiente invasão trofoblástica leva a redução da perfusão placentária podendo ocasionar pré-eclampsia/eclampsia
e restrição de crescimento fetal. Então, postula-se
que o sulfato de magnésio possa ter outros efeitos,
que não somente o da prevenção de convulsões nas
gestantes com síndromes hipertensivas.
Diversas ações podem decorrer da vasodilatação ocasionada pela hipermagnesemia sobre
a hemodinâmica materna, como o aumento do
fluxo sangüíneo cerebral, que já foi demonstrado
em ovelhas. Entretanto, em voluntários saudáveis,
não foram observadas alterações nos parâmetros
da dopplervelocimetria na artéria cerebral média
materna (Sherman et al., 2003).
Por outro lado, nas mulheres com préeclampsia, que se associam a vasoespasmo
cerebral, o sulfato de magnésio aumentou o
fluxo sangüíneo nas artérias central da retina e
ciliar posterior (Belfort et al., 1992) e na artéria
cerebral média materna (Belfort & Moise, 1992;
Belfort et al., 1993), todas avaliadas através do
índice de pulsatilidade. Este possível efeito
vasodilatador diminui a isquemia e acarreta
melhora da perfusão, prevenindo o dano celular,
o edema cerebral e as convulsões. Vale destacar que os estudos comparando vários agentes
anticonvulsivantes com o sulfato de magnésio
demonstraram melhores resultados em mulheres com pré-eclampsia/eclampsia, uma vez que
todos os outros agentes estudados não eram
vasodilatadores (Duley et al., 2005).
A resistência vascular (R) é inversamente
proporcional à quarta potência do raio do vaso (r)
(R s1/r4). Então, pequenas mudanças no lúmen do
vaso (raio) poderão causar significativo efeito sobre
a resistência vascular. Desta forma, dos muitos
fatores possivelmente envolvidos na regulação
da resistência vascular, o magnésio pode estar
implicado por causar modificações sobre o lúmen
do vaso (Touyz, 2003).
Cumpre ainda destacar que o magnésio pode
promover redução da pressão arterial, através de
seu efeito sobre o músculo liso vascular (Belfort
et al., 1993). Sendo assim, Belfort et al., (1992) observaram uma diminuição significante da pressão
arterial sistólica após infusão do sulfato de magnésio. Entretanto, este efeito não foi observado sobre
a pressão arterial diastólica (Belfort & Moise, 1992).
Em outro estudo encontrou-se uma tendência à
redução da pressão arterial, porém esta diferença
não foi estatisticamente significante (Belfort et al.,
1992; Belfort et al., 1999).
Em relação à freqüência cardíaca materna,
não foram observadas diferenças significativas
após a infusão do magnésio (Belfort et al., 1992;
Belfort & Moise, 1992; Belfort et al., 1993). Contudo,
em 1999, relatou-se um aumento significante da
freqüência cardíaca materna (Belfort et al., 1999).
Efeitos sobre a Circulação
Uteroplacentenária e Fetoplacentenária
É de fundamental importância avaliar também os possíveis efeitos do sulfato de magnésio
sobre o bem estar fetal. Na artéria renal do feto
não se encontrou diferença significativa do índice
de pulsatilidade, através da dopplervelocimetria,
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depois da utilização de 6 g de sulfato de magnésio
(Belfort et al., 1993).
No mesmo estudo, também não se encontrou diferença estatisticamente significante nos
parâmetros dopplervelocimétricos da artéria cerebral média fetal (Belfort et al., 1993). No entanto,
além de a amostra ter sido pequena (12 pacientes),
também não houve diferenciação entre pacientes
com pré-eclampsia grave ou leve, e possivelmente
muitas destas pacientes apresentavam a forma
leve da doença.
De forma contrária, outro estudo evidenciou
um aumento do índice de pulsatilidade na artéria
cerebral média após a utilização do sulfato de
magnésio, um efeito que persistiu mesmo depois
dos ajustes feitos através da análise de co-variância. Contudo, as pacientes não tinham distúrbios
hipertensivos e estavam em tocólise com sulfato de
magnésio por trabalho de parto prematuro (Keeley
et al., 1993). Os autores ressaltam que esse aumento do índice de pulsatilidade pode ter sido devido
ao trabalho de parto prematuro, ou seja, antes da
infusão do sulfato de magnésio as pacientes já
apresentavam baixo índice de pulsatilidade, devido ao estresse das contrações uterinas, e depois
da inibição com o sulfato de magnésio este índice
aumentou, retornando aos níveis normais.
No modelo utilizando cotilédones placentários de pacientes com pré-eclampsia para estudo
da perfusão fetoplacentária, demonstrou-se uma
redução da perfusão dos cotilédones depois da
utilização do sulfato de magnésio (Kovac et al.,
2003). Em outro modelo, utilizando vasos umbilicais de gestantes saudáveis, ocorreu vasodilatação
dos vasos umbilicais com e sem vasoconstricção
mediada por um análogo do tromboxane A2, após
a utilização do magnésio.
Também se observou um efeito de atenuação da vasoconstricção induzida pelo peróxido
do magnésio sobre a placenta, sendo possível
que este efeito ocorra apenas nas pacientes com
vasoconstricção placentária.
Na artéria umbilical não se encontrou diferença significativa da relação S/D avaliada pela
dopplervelocimetria, depois da utilização de 6 g
de sulfato de magnésio em pacientes com préeclampsia (Belfort et al., 1993). Da mesma forma,
também não se encontrou diferença significante do
índice de pulsatilidade na artéria umbilical. Vale,
porém, destacar que essas pacientes estavam em
tocólise com sulfato de magnésio por trabalho de
parto prematuro (Keeley et al., 1993).
Quanto ao fluxo uteroplacentário, não se
encontrou diferença significativa na média da
relação S/D de ambos os vasos uterinos, depois
)HPLQD - Setembro 2006 vol. 34 nº 9
da administração de 6 g de sulfato de magnésio
(Belfort et al., 1993). Entretanto, uma diminuição
do índice de pulsatilidade foi encontrada na média
das duas artérias uterinas e em ambas, quando
analisadas separadamente, mas apenas foi significante na artéria uterina direita e na média das
duas artérias. Essa diferença parece não ter sido
relacionada à lateralidade da placenta e mantevese estatisticamente significativa mesmo depois
da análise de co-variância. As pacientes avaliadas
também estavam recebendo sulfato de magnésio
para a inibição do trabalho de parto prematuro
(Keeley et al., 1993).
Estudos recentes sugerem que mulheres
com pré-eclampsia apresentam uma diminuição da
capacidade plástica das hemácias e que depois da
administração do sulfato de magnésio há uma melhora desta plasticidade, podendo melhorar o aporte
de oxigênio para o feto (Schauf et al., 2004).
Tentando justificar a melhora do aporte de
oxigênio para o feto após a utilização do sulfato de
magnésio nas gestantes com pré-eclampsia, um
estudo descreveu um aumento do volume de fluxo
sangüíneo na artéria uterina de 5,09 mL/s para
10,02 mL/s após 24 h de tratamento (p = 0,0002).
Contudo, não houve diferença significativa na
avaliação de outros parâmetros como a velocidade
de fluxo sangüíneo sistólica, diastólica e o índice
de resistência nesse mesmo vaso. Isto pode ser
explicado porque o índice de resistência é um parâmetro matemático calculado pela relação entre a
velocidade de fluxo sangüíneo sistólico e diastólico.
Desta forma, se ambos os parâmetros se elevam, o
efeito no índice de resistência será nulo (Schauf
et al., 2004).
Em outra direção, quando se analisou a freqüência cardíaca fetal não se encontrou diferença
significante antes e depois da utilização do sulfato
de magnésio (Belfort et al.,1993; Hiett et al., 1995).
Já se identificou, todavia, uma diminuição da
variabilidade de curta duração da freqüência cardíaca fetal (short-term variation) e diminuição da
quantidade de acelerações fetais. Entretanto, esses
achados não se associam com o pior prognóstico
perinatal (Hiett et al., 1995).
Alguns estudos epidemiológicos sugeriram
um efeito protetor do sulfato de magnésio na
redução da incidência de paralisia cerebral em
recém-nascidos de muito baixo peso. Entretanto,
este papel neuroprotetor é incerto e diversas controvérsias existem em relação aos efeitos neonatais
da utilização do sulfato de magnésio durante a
gestação. Já se observou tanto uma diminuição
da perfusão cerebral como ausência de efeitos
sobre essa circulação nas primeiras horas de vida
em neonatos de gestantes que utilizaram o sulfato
de magnésio para a inibição do trabalho de parto
prematuro. Uma recente revisão da Biblioteca
Cochrane (Crowther et al., 2005) mostrou ausência
de efeitos benéficos neonatais quando o sulfato
de magnésio foi usado como droga tocolítica, sugerindo ainda um incremento do risco de morte
perinatal (RR 2,8; IC 95% 1,20-6,62).
Considerações Finais
As síndromes hipertensivas constituem um
conjunto de entidades fisiopatológicas de grande
interesse para a comunidade médica e a população,
devido às graves repercussões materno-fetais. Atualmente, a utilização do sulfato de magnésio para
a profilaxia de convulsões em gestantes com préeclampsia grave/eclampsia já está bem documentada na literatura, sendo ainda objeto de estudos
futuros para os casos de pré-eclampsia leve.
O sulfato de magnésio ocasiona vasodilatação por modulação da reatividade do tono vascular
e da resistência periférica total. A hipomagnesemia
causa vasoconstricção e hipertensão e o aumento
do magnésio leva ao efeito inverso. Este possível
efeito provavelmente ocorre em todo o sistema vascular. Pode ocorrer redução da resistência vascular
decorrente administração do sulfato de magnésio,
promovendo a queda dos níveis tensionais, porém
esse efeito pode ser transitório, e não existem
evidências apoiando sua utilização crônica e/ou
profilática com essa finalidade.
Abstract
Hypertensive disorders are frequent complications
during pregnancy. They affect about 10% of pregnancies and are leading causes of maternal death
and perinatal morbidity and mortality. Magnesium
sulfate is the drug of choice for prophylaxis and
treatment of eclamptic seizures and its beneficial effects on preventing convulsions and reducing maternal mortality were demonstrated in well-controlled
trials. In addition, studies suggest that magnesium
can have an important role in regulating arterial
blood pressure by modulating vascular tonus reactivity and total peripheric resistance. Notwithstanding, the impact of these effects on the treatment of
hypertensive disorders of pregnancy have not been
elucidated. Indeed, the objective of been this review
is to describe the magnesium sulfate action mechanisms and to evaluate its possible effects in maternal
and fetal circulation. At this moment no evidence of
beneficial maternal or fetal hemodynamic effects of
magnesium sulfate has been demonstrated and this
issue remains controversial.
KEYWORDS: Preeclampsia. Magnesium sulfate.
Dopplervelocimetry.
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Efeitos Hemodinâmicos Maternos e Fetais