Boletim Técnico
ano 2 | número 6 | julho de 2014
DOENÇA DE ALZHEIMER: Aplicação clínica
da dosagem de biomarcadores no liquor
Demência é uma síndrome clínica caracterizada por declínio das
funções cognitivas, envolvendo um ou mais domínios, como
aprendizado, memória, linguagem, atenção, cognição social e
funções e habilidades executivas. Os déficits devem ser acentuados
o bastante de forma a interferir com as atividades cotidianas e a
independência do paciente.1
As principais síndromes demenciais são a Doença de Alzheimer
(DA), demência com corpos de Lewy, degeneração lobar
frontotemporal, demência vascular e demência associada à Doença
de Parkinson. Destas a DA é a forma mais comum, sendo
responsável por 60 a 80% dos casos de demência em pacientes
idosos.1
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA DOENÇA DE ALZHEIMER
Clinicamente, a DA se manifesta como um distúrbio cognitivo
caracterizado por déficit precoce de memória episódica que evolui
de forma gradual e progressiva ao longo de uam período de no
mínimo 6 meses.2 Este déficit deve ser compatível com síndrome
amnéstica do tipo hipocampal, identificada por meio de teste de
recordação livre tardia de lista de palavras, sentenças ou objetos.
Entretanto, a acurácia dos testes clínicos para o diagnóstico da DA é
limitada, com sensibilidade variando de 71% a 88% e especificidade
variando de 44% a 71%, quando se considera o diagnóstico
histopatológico como padrão ouro.3
A histopatologia da DA é caracterizada pela deposição extracelular
de agregados da proteína β-amiloide com a formação de placas
neuríticas, e pela deposição intracelular de agregados da proteína
tau fosforilada. A proteína tau tem como função a estabilização dos
microtúbulos. Na DA ocorre hiperfosforilação da proteína tau, com
consequente dissociação da proteína dos microtúbulos e
agregação da proteína tau fosforilada sob a forma de filamentos
helicoidais pareados insolúveis. Por fim, os filamentos helicoidais se
organizam sob a forma de emaranhados neurofibrilares
intracelulares (ENF).2,4
ANÁLISE DOS BIOMARCADORES NO LÍQUOR NA DOENÇA DE
ALZHEIMER
As proteínas β-amiloide, tau total e tau fosforilada podem ser
quantificadas no líquido cefalorraquidiano (LCR). Na DA, estes
biomarcadores
apresentam
uma “assinatura
patológica”
característica que inclui a diminuição da proteína β-amiloide (Aβ),
principal componente das placas neuríticas, e o aumento das
proteínas tau total (T-tau) e tau-fosforilada (P-tau), devido à
degeneração neuronal associada ao acúmulo intracelular de ENF.3,4
Este perfil de diminuição da concentração da proteína Aβ associada
ao aumento da concentração de T-tau ou P-tau permite o
diagnóstico diferencial entre a DA e outras formas de demência com
sensibilidade e especificidade em torno de 90% a 95% (Tabela 1).3,4
Tabela 1: Perfil de alteração das proteínas Aβ1-42, T-tau e P-tau nas principais síndromes demenciais, utilizando-se
como referência pacientes com queixa subjetiva de comprometimento da memória (Schoonenboom e cols.)
DOENÇA
Aβ1-42
T-tau
P-tau
QSCM
Referência
Referência
Referência
Alzheimer
↓↓
↑↑
↑↑
DLFT
↓
↑
=
DCL
↓
↑
↑
Demência vascular
↓
=
=
Creutzfeldt-Jakob
=
↑↑↑
↑
Transtornos psiquiátricos
=
=
=
QSCM = Queixa subjetiva de comprometimento da memória; DLFT = Degeneração lobar frontotemporal;
DCL = Demência com corpos de Lewy. ↓↓ redução acentuada em comparação com QSCM e outras demências;
↑↑ aumento acentuado em comparação com QSCM e outras demências;
↓ redução acentuada em comparação com QSCM; ↑ aumento acentuado em comparação com QSCM;
= semelhante a QSCM; ↑↑↑ extremamente aumentado comparado aos demais grupos.
A diminuição dos níveis de Aβ e, posteriormente, o aumento dos
níveis de T-tau e P-tau, precedem as manifestações clínicas da DA
por anos, ou seja, naqueles pacientes que irão evoluir com DA, os
biomarcadores já podem estar alterados nas fases pré-clínica e
pré-demencial da doença.2,3,4 Desta forma, nos pacientes com
comprometimento cognitivo leve (CCL), a detecção de um perfil de
alteração dos biomarcadores no LCR compatível com a assinatura
patológica da DA sinaliza alta probabilidade de evolução para DA
no futuro.2,3,4
A revisão das recomendações sobre os exames complementares
empregados para o diagnóstico clínico da DA no Brasil, propõe que
“A dosagem do peptídeo β-amiloide 1-42 e das proteínas tau e
tau-fosforilada no LCR, pode ser empregada em protocolos de
pesquisa ou em ensaios clínicos terapêuticos. Na prática clínica, seu
uso pode contribuir para maior precisão diagnóstica da DA, tanto na
fase demencial quanto na fase de comprometimento cognitivo
leve”.3
Recentemente o International Working Group (IWG) for New
Research Criteria for the Diagnosis of Alzheimer Disease publicou
novos critérios diagnósticos para a DA (IWG-2), abrangendo as
formas típica, atípica, com patologia mista e pré-clínica.4 Ainda que
destinados primariamente à classificação de pacientes envolvidos
no contexto de pesquisa, os novos critérios diagnósticos IWG-2
permitem que a doença seja diagnosticada com base em
manifestações clínicas específicas juntamente com evidência in
vivo da patologia própria da DA. A demonstração de níveis
diminuídos de Aβ, associados a níveis aumentados de T-tau ou P-tau
no LCR constitui evidência in vivo da patologia da DA (assinatura
patológica da DA).4
DEFINIÇÃO DOS VALORES DE REFERÊNCIA E INTERPRETAÇÃO
DO RESULTADO DOS BIOMARCADORES NO LÍQUOR PARA
DOENÇA DE ALZHEIMER
O Hermes Pardini realiza a dosagem das proteínas β-amiloide
(peptídeo 1-42, Aβ1-42), tau total e tau fosforilada (na posição 181
treonina) no LCR pelo método ELISA (INNOGENETICS, Bélgica). Os
ELISAS INNOGENETICS utilizam anticorpos monoclonais que
garantem alta sensibilidade e especificidade analítica. São os testes
comerciais para determinação de biomarcadores da DA mais
amplamente avaliados em estudos clínicos internacionais e
nacionais.
O laudo do Hermes Pardini contempla o resultado isolado de cada
biomarcador, bem como o resultado dos índices IAT (INNOTEST
amiloide tau index) e T-tau/Aβ1-42. Os resultados dos
biomarcadores devem sempre ser avaliados em conjunto, para a
caracterização da assinatura patológica da DA. Como o IAT
(Aß1-42/(240 + 1.18xT-tau)) e a razão T-tau/Aβ1-42 incorporam
simultaneamente os resultados das dosagens da proteínas Aβ1-42 e
T-tau, os mesmos apresentam melhor desempenho diagnóstico
para a DA do que o resultado isolado de cada biomarcador.5-8
Um dos fatores que impactam a aplicação clínica dos
biomarcadores da DA é a variabilidade dos resultados: estudos de
proficiência
demonstraram
coeficientes
de
variação
intra-laboratorial de 5% a 19% e inter-laboratorial de 20% a 30%.5
Esta variabilidade é decorrente tanto de fatores pré-analíticos,
como os procedimentos adotados na coleta, processamento e
armazenamento das amostras de LCR, quanto de fatores analíticos,
como variabilidade entre lotes diferentes dos kits.
Para assegurar maior reprodutibilidade dos resultados dos
biomarcadores da DA, três medidas devem ser adotadas pelos
laboratórios que realizam os testes: (1)padronização dos
procedimentos pré-analíticos segundo as recomendações da
Alzheimer`s
Biomarkers
Standardization
Initiative9;
(2)estabelecimento/validação de valores de referência (VR)
próprios, devido à impossibilidade de aplicar VR universais para os
biomarcadores 5-8; (3) participação em estudos de controle externo
da qualidade.5
O Hermes Pardini definiu VR com sensibilidade diagnostica > 85%,
avaliando amostras de LCR de pacientes com DA e outras
patologias, como degeneração lobar frontotemporal e
comprometimento cognitivo leve, provenientes de centro de saúde
terciário (Tabela 2). Os VR individuais das proteínas Aβ1-42, T-tau e
P-tau podem ser diferentes dos praticados por outros laboratórios
clínicos ou de pesquisa.6,7,8,10 Porém, os VR dos índices IAT e T-tau/Aβ
1-42 foram idênticos aos descritos por Duits e colaboradores, os
quais avaliaram duas coortes independentes envolvendo 2827
pacientes.6 Neste último estudo, ambos os índices apresentaram
desempenho diagnóstico similar, com sensibilidade de 93% e
especificidade de 83%, superiores ao de cada biomarcador isolado.
Tabela 2: Valores de referência dos biomarcadores para o diagnóstico da doença de Alzheimer.
VR
Aβ1-42
T-tau
P-tau
IAT
T-tau/Aβ1-42
< 700 ng/L
> 350 ng/L
> 52 ng/L
> 1,0
> 52,0
Na prática clínica, a dosagem dos biomarcadores da DA no LCR
pode ser útil para o diagnostico diferencial da demência ou do
comprometimento cognitivo leve. No entanto, a interpretação dos
resultados biomarcadores deve ser criteriosa e correlacionada com
o quadro clínico, visto que variáveis pré-analiticas e analíticas
podem influenciar o seu desempenho diagnostico.4
· Referências:
1· Thomas J Grabowski, Jr. Clinical manifestations and diagnosis of Alzheimer disease.
UpToDate.
7· Dumurgier J, et al. Intersite variability of CSF Alzheimer's disease biomarkers in
clinical setting. Alzheimers Dement. 2013 Jul;9(4):406-13.
2· Blennow K, et al. Clinical utility of cerebrospinal fluid biomarkers in the diagnosis of
early Alzheimer's disease. Alzheimers Dement. 2014 May 2. [Epub ahead of print]
Review.
8· Vos SJ, et al. Variability of CSF Alzheimer's Disease Biomarkers: Implications for Clinical
Practice. PLoS One. 2014 Jun 24;9(6):e100784.
3· Dubois B, et al. Advancing research diagnostic criteria for Alzheimer's disease: the
IWG-2 criteria. Lancet Neurol. 2014 Jun;13(6):614-29.
4· Caramelli P, et al. Doença de Alzheimer: exames complementares. Dement
Neuropsychol 2011 June;5(Suppl 1):11-20.
5· Mattsson N, et al; Alzheimer's Association QC Program Work Group. CSF biomarker
variability in the Alzheimer's Association quality control program. Alzheimers Dement.
2013 May;9(3):251-61.
9· Vanderstichele H, et al. Standardization of preanalytical aspects of cerebrospinal fluid
biomarker testing for Alzheimer’s disease diagnosis: a consensus paper from the
Alzheimer’s Biomarkers Standardization Initiative. Alzheimers Dement 2012;8:65–73.
10· Mulder C, et al. Amyloid-beta(1-42), total tau, and phosphorylated tau as
cerebrospinal fluid biomarkers for the diagnosis of Alzheimer disease. Clin Chem 2010;
56: 248–253.
11· Schoonenboom NS, et al. Cerebrospinal fluid markers for differential dementia
diagnosis in a large memory clinic cohort. Neurology. 2012 Jan 3;78(1):47-54.
6· Duits FH, et al. The cerebrospinal fluid "Alzheimer profile": Easily said, but what does it
mean? Alzheimers Dement. 2014 Apr 7 [Epub ahead of print]
BRITO, Fabiano de Almeida
Médico com Residência em Patologia Clínica e Reumatologia na UFMG.
Mestre em Patologia pela UFMG.
Médico da Assessoria Científica do Hermes Pardini
[email protected]
Hermes Pardini
Rua Aimorés, 66 · Funcionários · Belo Horizonte/MG · Cep:30140-920 · Tel.: (31) 3228-6200
Acesse www.hermespardini.com.br para baixar este e os demais Boletins Técnicos.
Download

DOENÇA DE ALZHEIMER