USJ
Centro Universitário
Municipal de São José
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ
CURSO DE PEDAGOGIA
KELLI CRISTINA PEREIRA
QUAL O ESPAÇO E O TEMPO OFERECIDOS PARA O BRINCAR NA
EDUCAÇÃO INFANTIL NA REDE PÚBLICA?
São José – SC
2009
2
KELLI CRISTINA PEREIRA
VAMOS BRINCAR?
O ESPAÇO E O TEMPO DO BRINCAR NA
EDUCAÇÃO INFANTIL DA
REDE PÚBLICA
Projeto de Pesquisa apresentado como
requisito parcial para aprovação na disciplina
de TCC Trabalho de Conclusão de Curso, do
Curso de Pedagogia do Centro Universitário
Municipal de São José, sob orientação da
professora Regina Ingrid Bragagnolo.
São José – SC
2009
3
KELLI CRISTINA PEREIRA
VAMOS BRINCAR?
O ESPAÇO E O TEMPO DO BRINCAR NA
EDUCAÇÃO INFANTIL DA
REDE PÚBLICA
Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito
final para a aprovação no Curso de Pedagogia do Centro
Universitário Municipal de São José - USJ.
Avaliado no dia: 09 de Julho de 2009 por:
Prof. MSc. Regina Ingrid Bragagnolo.
Orientadora
Prof. MSc. Evandro Brito.
Membro Examinador
Prof. MSc. Ana Cristina da Costa.
Membro Examinador
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Dedico este trabalho ao meu marido e aos meus pais que
foram testemunha de toda a minha luta, desejo e vontade
em concluir o sonho de minha vida. Que hoje apresento
com orgulho através deste trabalho de conclusão de curso.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a toda a orientação, disponibilidade, atenção, companheirismo da minha
orientadora do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) Regina Ingrid Bragagnolo, que nas
horas em que tudo parecia tão difícil e inalcançável, demonstrou através de palavras, de
incentivo, toda a nossa capacidade para fazer, construir e ir além de nossas expectativas.
Agradeço aos meus pais, que, de certa forma, fizeram toda esta caminhada comigo,
ajudando - me na confecção de maquetes, lanches nas tardes de sábados intermináveis,
fazendo trabalho, buscando e levando para as aulas.
Ao meu marido, por toda a paciência durante quatro anos, ouvindo: “olha, agora não
posso. Tenho que fazer trabalho. Não vai dar para sair, as meninas vêm para fazer trabalho,
trabalho e mais trabalhos”. E pelas palavras dessas três pessoas na hora de muitos choros,
cansaço, irritação, dizendo que sou capaz e que tudo dará certo.
Agradeço à minha companheira inseparável de Magistério, e agora de graduação,
Bianca Aparecida T. Bez Batti, que, com certeza, é um exemplo de vida, não só para mim,
mas para todos que a conhecem. Pelo companheirismo diário de idas e vindas para o trabalho
e faculdade, por estar tão perto, dividindo meus melhores momentos e os mais tristes. A você,
desejo o melhor e meu muito obrigada.
Obrigada, também, ao grupo onde trabalho, na Creche Apam Morro das Pedras, que
acompanharam toda a minha trajetória e cada um, ao seu modo, torceram por mim. São
pessoas muito especiais que contribuíram para a minha formação e ainda contribuem. Pessoas
que conheço há quatro anos, mas que parece que já as conheci de outras vidas, pessoas
marcantes e significativas.
Tenho muito a agradecer aos professores, que passaram durante essa trajetória
acadêmica, nova, para nós, acadêmico (a), aos professores como mestre, pois tudo era um
começo, que agora, com certeza, não terá um fim. A construção desta universidade
possibilitou a realização de muitos sonhos e conquistas que resultará não só no nosso
crescimento pessoal, mas sim, de toda a comunidade josefense, com a formação de
educadores, com uma base educacional de excelência, que, posteriormente, à sua formação,
estarão lecionando, na gestão, orientação, supervisão de centros educacionais, municipais de
São José, e contribuindo, dessa forma, para o mesmo. E, por fim, agradeço aos colegas de
6
classe que muito se dedicaram e se empenharam para sua formação neste curso de graduação
em Pedagogia.
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De tudo ficaram três coisas: a certeza de
que estaremos sempre começando, a
certeza de que é preciso continuar e a
certeza de que seremos interrompidos
antes de terminar. Fazer da interrupção,
um novo caminho, fazer da queda, um
passo de dança, do medo, um ponto, da
procura, um encontro (FERNANDO
SABINO apud COUTINHO, 2002,
p.174).
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RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo descrever qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar
na Educação Infantil da Rede Pública, como estão sendo oferecidas estas brincadeiras aos
pequenos, de que forma essas relações no brincar estão ocorrendo, e como é organizado este
planejar para o brincar no planejamento das professoras e que espaços e tempos estão sendo
proporcionados a esse brincar. Dessa forma, o método desta pesquisa está baseado em uma
pesquisa observação - participante, no qual, o pesquisador, coloca - se na posição de
observador, preocupado em entender o contexto ao qual observa, e estabelecer relações neste
processo, interagindo com as crianças e com os profissionais que dela fazem parte. Os sujeitos
participantes desta pesquisa são vinte crianças de 3 anos, e duas professoras que estão
situadas em uma Instituição de Educação Infantil. Nossos encontros compreenderam o
período de dez dias, do mês de abril, no turno vespertino. Sendo esses encontros, orientados
pelas observações registradas no diário de campo, que, posteriormente, foram utilizadas para
sistematizar e analisar os dados da técnica de categorização, a partir da análise de conteúdo.
Diante disso, percebemos que as brincadeiras ainda perpassam pela centralidade e
direcionamento do adulto e que esta pesquisa poderia ter contribuído de forma mais eficaz e
significativa a este grupo de crianças e professores, se tivesse sido conduzida por uma
pesquisa-ação. Por se tratar de uma pesquisa onde o pesquisador propõe intervenções no meio
observado, contribuindo para o mesmo.
Palavras-chave: Espaço. Tempo. Brincar.
9
SUMÁRIO
1 - INTRODUÇÃO...................................................................................................................10
2 - IDENTIFICAÇÃO DA PROBLEMÁTICA.......................................................................12
3 - IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA.....................................................15
4 - OBJETIVOS........................................................................................................................15
5 - JUSTIFICATIVA................................................................................................................16
6 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................................................18
6.1 - O conceito de infância no transcorrer da história.............................................................18
6.2 - A construção do espaço educacional: Educação Infantil..................................................21
6.3 - Brincar: quando se começou a pensar esse contexto para a vida das crianças e como ele
está hoje?..................................................................................................................................27
6.4 - Espaço e tempo................................................................................................................32
7 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................................................38
7.1 - Tipo de pesquisa..............................................................................................................38
7.2 - Participantes.....................................................................................................................38
7.3 - Instrumento e coleta de dados.........................................................................................39
7.4 - Situação ambiente............................................................................................................40
7.5 - Organização, tratamento e análise dos dados..................................................................44
8 - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS......................................................................45
8.1 – Vamos brincar? Como está ocorrendo este brincar na Instituição de Educação
Infantil......................................................................................................................................46
8.2 – Brincar, puxa, fala, corre e rola: o que isso tem haver com o planejamento das
educadoras?..............................................................................................................................58
8.3 – O que dizem as brincadeiras a partir do olhar das crianças?...........................................64
9 - CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................71
10 - REFERÊNCIAS................................................................................................................75
Apêndice...................................................................................................................................82
Apêndice 1 – Termo de Consentimento....................................................................................83
10
1 INTRODUÇÃO
A problemática desta pesquisa surgiu com inquietações adquiridas ao longo de uma
trajetória de trabalho na área da educação. A temática sobre o brincar, sempre foi algo muito
discutido entre professores, em encontros de formação dos mesmos, mas, nessas falas, algo
faltava e que me interessava muito, e foi neste momento que apareceu a vontade de entender
como está sendo oferecido o brincar na Educação Infantil. Tentando perceber qual o espaço e
tempo oferecido para este brincar.
Este trabalho está organizado a partir dos seguintes capítulos: Introdução, que
compõem a problemática, bem como, a identificação do problema, os objetivos gerais e
específicos, a justificativa, a fundamentação teórica, procedimentos metodológicos, a
descrição e análise dos dados e, por fim, as considerações finais.
A justificativa deste projeto de pesquisa está pautada em um brincar que possibilita o
desenvolvimento infantil, mas para que essa ampliação do conhecimento se dê, é necessário
um espaço e tempo, pensado e planejado para esses pequenos, que constituem sua identidade
e autonomia com a interação com outro criança e com o adulto.
Diante disso, fez - se necessária a pesquisa em uma Instituição de Educação Infantil
como está sendo oferecido este brincar dentro do espaço e tempo deste ambiente pensado para
a criança e em prol da mesma. Assim, observamos nesta pesquisa, como estas brincadeiras
estão sendo proporcionadas a este grupo de crianças de 3 anos, e como as professoras deste
grupo organizam e planejam o brincar para os mesmos, bem como, de que maneira se dá essa
relação: adulto - criança, criança-criança, nas brincadeiras infantis.
A fundamentação teórica, segundo o capítulo deste projeto de pesquisa, abordará o
conceito de infância no transcorrer da história, a contribuição do mesmo para o surgimento
das Instituições de Educação Infantil. Um breve histórico da brincadeira e sua importância
para o desenvolvimento infantil, pautado em um brincar que contempla as múltiplas
linguagens das crianças, suas produções culturais, a interação entre os pares e os adultos. O
último capítulo, faz menção ao olhar atento que devemos ter com o espaço das Instituições de
Educação Infantil, não se remetendo só ao espaço interno, mas a todos os ambientes que
fazem parte deste espaço, desde o parque até o refeitório.
11
O capítulo 7, trata dos procedimentos metodológicos desta pesquisa esta baseado
numa pesquisa, que está baseado em uma pesquisa do tipo etnográfica de observação –
participante, o qual, o pesquisador privilegia a interação com os sujeitos participantes deste
estudo, que é um grupo de vinte crianças de 3 anos e duas professoras. Os instrumentos e
coletas de dados estão catalogados através de um diário de campo que construímos através
das observações realizadas com esse grupo de crianças. A situação ambiente desta Instituição
está descrita desde a primeira visita, ressaltando as descobertas e aprendizados obtidos com
este grupo.
Finalmente, a organização, tratamento e análise dos dados, que foram organizados a
partir de uma pré-análise de textos que, a posteriori, foram explorados e selecionados para a
fundamentação teórica deste projeto. Mediante os dados coletados, criamos categorias de
análise para os registros do diário de campo, pois estes foram analisados com base na
fundamentação teórica desta pesquisa e as impressões da pesquisadora.
Diante disso, esses três capítulos abordaram como está sendo oferecido o brincar para
este grupo de crianças, no que se refere ao espaço e ao tempo, como estas brincadeiras estão
sendo planejadas no dia-a-dia destas educadoras, e como está se dando as relações destas
crianças nas brincadeiras com os pares e com o adulto.
12
2 IDENTIFICAÇÃO DA PROBLEMÁTICA
O ambiente acadêmico nos traz muitos conhecimentos e nos fazem refletir sobre o
vivido e o estudado. E foram entre conversas com professores e profissionais da Educação
Infantil que muitos questionamentos surgiram, e com eles, as inquietações.
Em um encontro de educadores1 conversávamos sobre brincadeira, quando ouvi que
“bebês não sabiam brincar e não brincavam”, mesmo que um adulto lhe oferecesse algum
estímulo. A partir desse dia, comecei a observar o cotidiano que me cerca, e, com isso, a
questionar minhas ações e de outros, a respeito do brincar. Nesse cotidiano, pude perceber
que os professores consideram o brincar muito importante, mas essa fala se torna paradoxal,
pois não observam as interações estabelecidas nas brincadeiras e sua importância para o
desenvolvimento infantil.
Segundo Silva Filho (2008, p.1): O Artigo 31; da Convenção dos Direitos da Criança
da ONU diz o seguinte: “Toda criança tem o direito ao descanso e ao lazer, e a participar de
atividades de jogo e recreação, apropriadas à sua idade, e a participar da vida cultural e das
artes”.
Diante disso, há alguns questionamentos: Será que os professores planejam os momentos
de brincadeiras? Será que há o entendimento de sua importância ou encaram como algo
natural para esse tempo? E o que acontece a partir das interações entre as crianças, será que
precisam ser planejados? Afinal, o que é brincar? É quando manipulamos objetos, como
bonecas, carrinhos? Ou quando se brinca de faz-de-conta? O que as crianças podem nos
revelar sobre o conceito de brincar?
A brincadeira é construída socialmente, e à medida que a sociedade muda, ela também
muda, e a professor (a) precisa ser a mediador (a) nesse processo, proporcionando à criança o
não – vivido, por este ser o mais experiente nesse processo. Mas é notório, em um registro,
que a professora considera importante o brincar, mas não se envolve nas brincadeiras não
interagindo com esses pequenos de maneira que possa contribuir para o desenvolvimento:
Paulo está brincando e a todo o momento ela chega perto da professora I e diz: eu
estou fazendo um bolo para você. E Iara responde: tá já estou indo, vai fazendo. A
menina por muitas vezes procura a professora na tentativa de iniciarem uma
brincadeira juntas, a menina, porém desiste; e vai brincar com outras meninas.
1
Formação de professores.
13
(REGISTRO DA 6ª FASE DO CURSO DE PEDAGOGIA DA ACADÊMICA –
KELLI).
A educadora parece esquecer que as brincadeiras são socialmente construídas e
apreendidas, como relata Wajskop (2007, p.29): “A brincadeira é o resultado de relações
interindividuais, portanto, de cultura. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social.
Aprende-se a brincar”.
Brincar é coisa só de criança? Devemos oferecer brinquedos ou espaços para que
possibilitem às mesmas? As brincadeiras devem ser mediadas ou as crianças preferem brincar
sozinha? Qual o olhar que está sendo direcionado a essas brincadeiras? A brincadeira é uma
fase importante na Educação Infantil, qual seu significado? Então, quando pensamos as
brincadeiras e espaços, a partir das pistas que as crianças nos dão, as brincadeiras se tornam
mais significativas para elas e o aprendizado também, cria-se um sentimento de
pertencimento, de fazer parte de um espaço e de um grupo, ampliando assim, o já
proporcionado anteriormente. Dessa forma, Agostinho nos relata que: “Pensar os espaços das
Instituições de Educação Infantil a partir do que as crianças nos indicam, revoluciona, mexe,
remexe, vira do avesso, desafia-nos em nossa adultez [...]” (AGOSTINHO, 2005, p.68),
possibilita ao educador, entender o universo infantil e permitir que a criança se encontre neste
espaço que é feito para ela.
Como podemos perceber, toda a criança tem o direito de brincar e deve-se levar em
consideração que este momento precisa ser tranqüilo, para que a criança possa vivenciar
experiências com prazer e eficácia. A criança necessita de um tempo e espaço para brincar,
com diversidades de espaços, de tempos, que possam ser explorados, recriados, resignificados
por elas. Conforme Silva Filho (2008, p.2): “A riqueza de oportunidades, seja em relação ao
tempo, seja em relação à variedade do espaço, contribui, decisivamente, para o
desenvolvimento infantil”.
Resgatando os pressupostos da Educação Infantil, vale ressaltar a importância da
organização do espaço, como afirma Faria e Palhares (2000, p.74 e 78):
A organização do espaço físico das Instituições de Educação Infantil deve levar em
consideração todas as dimensões humanas potencializadas nas crianças: o
imaginário, o lúdico, o artístico, o afetivo, o cognitivo, etc. [...] Portanto, o espaço
físico precisa contemplar o convívio/ confronto de crianças de várias idades e de
vários tipos de adultos. Os pais e mães visitarão e observarão o lugar onde seus
filhos permanecerão tantas horas do dia.
É importante salientar que, ao planejar as brincadeiras, não é simplesmente oferecêlas, é preciso a interação entre adulto-criança, criança-criança, a diversidade dos espaços que
14
precisam ser pensados e planejados, os tempos que devem ser diversificados, para que a
criança possa dar asas a sua imaginação e saciar o seu prazer. Segundo Leontiev (1992 apud
GONÇALVES, 2007, p.1):
A criança passa por uma fase na qual quer realizar sozinhas as ações que as
motivam, além disso, busca satisfazer seus desejos imediatamente, crianças
pequenas não conseguem planejar ações para um tempo posterior ao que estão
vivendo, como percebemos na teoria de Vygotsky (1991).
Meninos brincam de lutinha, e meninas de boneca? Isso ainda é regra nas
brincadeiras. As brincadeiras surgem entre as crianças ou há uma mediação dos mais
experientes? O que dizer quando meninas intitulam o rosa é de meninas e o azul de meninos?
As brincadeiras possibilitam um aprendizado a estes pequenos? Brincar é coisa séria
ou é um passatempo? Todos esses questionamentos me fizeram refletir ainda mais, e fazer
com que uma pergunta central perpetuasse: Qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar
na Educação Infantil na Rede Pública?
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3 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
Qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil na Rede Pública?
4 OBJETIVO GERAL
•
Observar o tempo e o espaço de brincar da Educação Infantil na Rede Pública.
4.1 Objetivos Específicos
•
Relatar de que maneira estão sendo oferecidas as brincadeiras para crianças.
•
Verificar se o brincar está organizado nos planejamentos dos professores.
•
Descrever como está se dando as relações entre professor-criança, e entre os pares na
brincadeira.
16
5 JUSTIFICATIVA
Partindo de uma pedagogia da infância e para a infância que traz uma concepção de
criança que cria, recria, ressignifica através das interações com adultos e a troca entre pares,
assim como o olhar de alteridade, colocando - nos no lugar do outro criança e trazendo a ela,
elementos significativos para seu cotidiano.
Foi com esse olhar de alteridade investigativo e utilizando a documentação pedagógica
que pude apropriar-me de momentos ricos, significativos e inesquecíveis da minha trajetória
na Educação Infantil. Ressalto a importância do ato de registrar este processo como uma
documentação, pois os registros nos possibilitam reviver os momentos com um olhar
questionador, reflexivo e atento.
Como afirma Gandini e Goldhaber (2002, p.152): “Toda essa documentação acaba
tornando-se uma fonte indispensável de materiais de que nos utilizamos diariamente, a fim de
poder ‘ler’ e refletir criticamente, de forma individual e coletiva, sobre a experiência que
estamos vivendo e os projetos que estamos explorando”.
E foi nesses registros que encontrei subsídios para pautar meus questionamentos em
torno da temática, brincadeira na Educação Infantil, meus anseios foram muitos: desde ouvir
de colegas, a importância do brincar em suas falas e até a negação ao participar desses
momentos. Em especial, um registro feito no primeiro semestre de 2008, chamou-me muito a
atenção:
Estávamos na sala, lanchando com as crianças, e após o lanche, a professora pediu
que as crianças permanecessem sentadas porque iriam brincar nas mesas. A
professora retira uma caixa do alto do armário com brinquedos, e começa a distribuí
- los às crianças, aleatoriamente. O menino Jânio diz: não quero esse. Ela se vira e
diz: eu escolho, você não tem que querer. (REGISTRO DA ACADÊMICA –
KELLI- 7ª FASE DE PEDAGOGIA)
Nesse dia, muitos questionamentos pairaram em meus pensamentos: Qual a concepção
de criança da professora? Qual a importância do brincar? É uma constante da rotina? Que
espaço é esse que fere o direito da criança brincar, pois estabelece um espaço e tempo para
que isso ocorra e da maneira que o adulto organiza. Como afirma Agostinho (2005, p.66):
A organização de espaços diversos e plurais rompe com a lógica do uniforme, igual,
oportuniza vivências heterogêneas para o grupo de crianças, distanciando-se de uma
perspectiva homogeneizadora que prevê que todos façam a mesma coisa no mesmo
tempo, rompendo assim com práticas adultocêntricas, e com os modelos escolares;
respeita ritmos e escolhas pessoais, enriquecendo as práticas da educação infantil
com atividades significativas e prazerosas para crianças e adultos.
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O registro abaixo, demonstra que os momentos de brincadeiras das crianças eram
sempre pré – determinados pelos mais experientes, mas ao mesmo tempo, era perceptível sua
busca por espaços de faz-de-conta, que lhe proporcionasse momentos lúdicos e de
imaginação. Encontravam meios para driblar as regras estabelecidas como em um registro
que:
A professora oferece novamente os brinquedos às crianças sentadas nas cadeiras e
ela mesma que escolhe os brinquedos das crianças. As crianças aguardavam
sentadas nas cadeiras a sua vez para ir à cama – elástica. Foi quando, de repente, a
professora vai ajudar algumas crianças que estão na cama-elástica a sair e Jânio e
Maria aproveitam para trocarem seus brinquedos debaixo da mesa. Enquanto fazem
isso, as crianças dão muitas risadas. (REGISTRO DA ACADÊMICA – KELLI
7ª FASE DE PEDAGOGIA)
Dessa forma, mais uma vez, as crianças não estão sendo vistas em sua plenitude e seus
direitos não estão sendo assegurados, estas não se sentem pertencentes a este espaço, tendo
que fazer suas brincadeiras escondido dos olhos daqueles que as observam. De acordo com
Agostinho (2005, p. 67): “Vemos que as crianças em sua inteireza, corpo, mente, coração e
alma nos apontaram querer um espaço/lugar de brincadeira, para brincadeira, com
brincadeira, em consonância com o que os estudos vêm indicando para a prática na Educação
Infantil”.
Considerando que essas crianças são capazes de múltiplas relações, de brincar de fazde-conta, de criar e recriar, significando e ressignificando sua própria cultura e vivendo
intensamente suas cem linguagens que se faz necessário investigar: Qual o espaço e o tempo
oferecidos para o brincar na Educação Infantil na Rede Pública?
18
6 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
6.1 O CONCEITO DE INFÂNCIA NO TRANSCORRER DA HISTÓRIA
Para que possamos entender o contexto atual da infância e seu conceito,
precisamos relatar a história da criança, seus sucessos e retrocessos. Diante disso, a história da
escrita determina o fim do período pré-histórico e o começo de uma nova trajetória,
aproximadamente 3500 a.C. É importante destacar que o homem pré – histórico, mesmo
desconhecendo a escrita, tinha a preocupação de passar o conhecimento para os mais jovens,
esse período ficou conhecido pela sua transmissão de conhecimento de geração para geração.
Pode-se perceber que desde essa época há uma preocupação com a educação e o
conhecimento por parte desses educadores. (DORIGO E NASCIMENTO, 2007).
Muito tempo se passou e a visão de primeira infância para crianças de até seis anos era
concebida dentro de casa pelos pais ou familiares responsáveis, nesse período, essas crianças
eram vistas como dependentes frágeis e que necessitavam de cuidados. O período escolar,
nesse momento, era compreendido somente a partir dos 7 anos de idade, onde se
“representaria a passagem para a idade da razão” (KUHLMANN, 1998, p. 16). Então essas
crianças tinham o seu inserimento no meio social com o convívio familiar e outras crianças
aprendendo tudo que necessitaria para a vida adulta.
Depois esse predomínio das crianças na vida doméstica teve outras disposições para
assegurar esses cuidados para com elas, sendo delegadas “mães mercenárias”, a
responsabilidade de cuidar dos mesmos. Em seguida, surge a “roda dos expostos” que se
tornou uma alternativa para os cuidados desses pequenos e o sentimento atribuído a eles era
superficial.
Contudo, um sentimento superficial da criança – a que chamei de “paparicação” –
era reservado á criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela ainda era
uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam com a criança pequena como
um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas
vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer
muito caso, pois outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de
uma espécie de anonimato. (CALDEIRA S/A apud ARIÈS, 1981, p.10).
A infância, ao longo da história, não foi concebida com sentimentos que são
atribuídos hoje, ela passou por mudanças de acordo com a economia, política e a estrutura
19
social. A Idade Média tinha como objetivo o crescimento acelerado das crianças para que elas
se ingressassem na vida adulta logo, então eram mandadas, a partir dos 7 anos, para casas de
outras famílias para aprenderem serviços domésticos, e sua família de origem recebia outras
crianças em seu lugar, estas permaneciam de 14 a 18 anos nessas casas. Esse processo
objetivava desenvolver nas crianças as boas maneiras como forma comum de educação.
(ARIÈS, 1978, p. 154).
Esse afastamento familiar acontecia para que pais e filhos não criassem nenhum
vínculo afetivo. Assim, passado esse estágio, a criança adentrava na vida adulta e começava a
aprender o oficio dos mais velhos e assim, era considerado um adulto em miniatura, pois suas
vestimentas não se diferenciavam dos adultos. Quem sabe a fala de Ariès (apud Kuhlmann
1978, p. 18) quando declara que: “[...] havia uma ausência de sentimento da infância até o fim
do século XVII, quando teria se iniciado uma mudança considerável nesse sentido”, isso tinha
significado nesta conjuntura, pois não se queria ter apego por esses pequenos. Toda essa
trajetória, muda, significativamente, quando a classe nobre resolve se ater aos cuidados de
seus pequenos, iniciando assim, uma aproximação familiar. Isso ocorre na sociedade no
século XVI e XVII. Segundo Kuhlmann (1998, p. 19): “[...] o sentimento da infância iria do
nobre para o pobre”. A partir daí, a criança deixa de ser um adulto em miniatura e passa a ser
visto de acordo com Del Priore (2002, p. 84): “O certo é que, na mentalidade coletiva, a
infância era então, um tempo sem maior personalidade”. Um momento de transição e por que
não dizer, uma esperança [...] designadas nos documentos como “meúdos”, “ingênuos” e
“infantes [...]”. Faz-se necessário relatar e alertar a falta de documentação das classes pobres,
no decorrer da história infantil. Encontram - se muitos escritos e fotografias sobre as famílias
mais nobres e a educação de seus filhos e ele denominada esta perda como o “pensamento
sobre a criança pobre encontra-se emudecido”. (KUHLMANN, 1998, p. 25). Então, devido a
esta lacuna não se pode dizer ao certo se as famílias menos abastadas não tinham os mesmos
cuidados aos seus filhos, pois poucos registros se têm desse período.
Já, no século XVII, há uma afirmação em que não somente os filhos de nobres
recebem “mimos” e “paparicações” os de famílias pobres desse período também recebem tal
tratamento, os “[...] sentimentos da “paparicação” das crianças não se limitava apenas às
crianças bem nascidas, as quais, ao contrário, sob a influência dos moralistas, começavam a
abandoná-la [...] ocorria também entre o povo.” (ARIÈS, 1978, p. 103). Falava – se também
que talvez as crianças pobres tivessem mais carinho de seus familiares do que as crianças
20
nobres, por se tratar de uma educação pautada no “adestramento de instintos”.
(KUHLMANN, 1998, p. 25).
Entretanto, devido à influência dos moralistas que queriam conciliar a doçura e a razão
e tinham como preocupações, a disciplina e a racionalidade dos costumes e denominavam –
se sensíveis às emoções da infância, mas não abriam mão de preservar a disciplina da criança
que o: “O amor de pai devia inspirar-se naquele divino no qual Deus ensinava que amar ‘é
castigar e dar trabalhos nesta vida’. Vícios e pecados, mesmo cometidos por pequeninos,
deviam ser combatidos com açoites e castigos”. (DEL PRIORE, 2002, p. 97). Sendo assim,
as palmatórias e castigos são usadas na educação dos pequenos, em casa, e se estendendo à
escola até o século XVIII.
Ainda no século XVI e XVII, com base no pensamento pedagógico moderno, são
organizadas creches para pequenos, inclusive de classe pobre, a partir dos 2 e 3 anos de idade.
Essas discussões se intensificam com a Revolução Industrial que enfatiza, através de
operários, a importância da educação para os pequenos.
Todo esse resgate histórico serve para entender a evolução do conceito de infância e a
preocupação atual que se tem em proporcionar aos pequenos um aprendizado lúdico, rico em
brincadeiras de faz-de-conta e momentos de contação de história.
Diante desse contexto, faz - se necessário delinear o conceito de infância, o qual vou
me ater e que considero o que engloba as dimensões trazidas por esses pequenos. Relato aqui
uma visão de infância que é vista como um sujeito crítico, criativo, que interpreta e recria
suas vivências através de suas relações com o meio em que vive e é protagonista de suas
ações.
Como afirma Batista, Cerisara, Oliveira e Rivero (2004, p. 3): “[...] são sujeitos
completos em si mesmos, que pensam, se expressam criativamente sobre o espaço
institucional onde são educados e cuidados. São sujeitos conscientes de sua condição e
situação e se expressam de múltiplas formas”.
Cabe aqui também ressaltar que essas crianças as quais me refiro, são crianças que
ressignificam, criam e recriam situações vivenciadas com os adultos e com iguais,
construindo, através dessas vivências, as culturas infantis, enfatizando que elas não são
meramente imitações do universo adulto, pois as crianças constroem seus conceitos e
significados a partir do que vivenciou e vale ressaltar que esta produção cultural não se
remete, exclusivamente, ao universo infantil.
21
Sarmento e Pinto (1997), contam que as culturas infantis não surgem somente no
contexto infantil, este envolve todas as interações sociais vividas pela criança. Enfatizando
esta concepção de cultura, Coutinho (2002, p.111):
Nesse sentido, a criação da cultura infantil parte dos contextos de vida das crianças e
é elaborada a partir dos seus saberes. Essa idéia rompe com o que se defendeu por
muito tempo enquanto capacidade de produção na infância, a imitação. Este fato é
observável nas relações das crianças, no entanto é apenas uma dimensão, já que, ao
se apropriar de um saber, a criança, como todo ser humano em qualquer idade, o
ressignifica, lhe dá sentidos outros que os originais.
Portanto, considerar o percurso histórico do conceito de infância é de extrema
importância para que possamos observar as relações que permeiam as Instituições de
Educação Infantil hoje e como estas vêem, ouvem e interagem com essas crianças.
6. 2 A construção do espaço educacional: educação infantil
O conceito de infância trouxe consigo um olhar a respeito da criança e fez, surgir
preocupações em relação ao cuidado e seu desenvolvimento, que se intensificou devido às
mudanças da sociedade no decorrer da história. Mudanças essas que devem ser expostas para
que possamos entender a construção das Instituições que hoje atendem esses pequenos e de
que forma está se dando esse atendimento.
A Educação no Brasil e sua história têm início em 1549, quando os primeiros
missionários jesuítas desembarcaram em terras brasileiras. Os jesuítas tinham como missão
catequizar os índios, e, posteriormente, estendendo - se a formação dos filhos da elite. Como
relata Dorigo e Nascimento (2007 apud COTRIM e PARISI, 1979, p.260): “Imediatamente,
após a sua chegada como soldados da religião, os jesuítas se lançaram na conquista das almas,
na doutrinação das mentes”. Os padres jesuítas detiveram o monopólio por mais de dois
séculos 1549 a 1759 no que se refere à Educação no Brasil.
No Brasil, a Educação de 0 a 6 anos de idade, até o século XIX, não existia. As
experiências dessas crianças e seu desenvolvimento eram provenientes do ambiente
doméstico. Ao longo da história, crianças pobres, abandonadas ou órfãs, eram cuidadas por
“criadeiras” ou “fazedoras de anjos”. Eram assim denominadas pelo alto índice de
22
mortalidade infantil daquela época, devido às péssimas condições de saneamento. Segundo
Civiletti (1991, p.32):
A morte da criança não era entretanto vivenciada com muito sofrimento, devido à
identificação da criança morta ao anjinho, puro e ainda intocado pelo pecado. [...] A
conotação angelical da criança era válida tanto para brancos quanto para negros”. Já
os filhos ilegítimos de moças, cuja família tinha acessão social eram recolhidos nas
“rodas dos expostos”.
A roda dos expostos tem seu surgimento na Itália, na Era Medieval. Naquela época,
era utilizada para o isolamento dos monges reclusos, passando posteriormente a ser usada
com a finalidade de preservar a identidade das crianças ali depositadas. O nome RODA,
(grifo meu) deve-se ao dispositivo cilíndrico de madeira vazada, que produzia um movimento
rotativo e preservava a identidade do depositante. Conforme Ostetto (2000, p.21): “[...] Roda
dos expostos, como ficou mais conhecida, era uma espécie de asilo/depósito para crianças
abandonadas, sendo caracterizada, principalmente, por ser o local onde acontecia o
abandono”. A primeira tentativa em abrigar as crianças se deu com os religiosos na roda dos
expostos.
Devido ao alto índice de mortalidade da época, os médicos – higienistas, jurídicos,
sociólogos e damas da sociedade lançaram seus olhares para a criança pequena, realizando
assim, a primeira iniciativa para acabar com esse mal infantil. Essa atuação dos médicos higienistas que veio para combater a mortalidade infantil, trouxe métodos de higiene para
mães e encarregadas das crianças. Ela condenava as amas - de - leite e atribuíam as doenças
aos negros escravos. Os médicos - higienistas tiveram um trabalho de caráter assistencialista,
com o intuito de acabar com a mortalidade infantil e mudar a conduta de mulheres de classe
menos favorecida.
Com a Abolição da Escravatura, (1888), e a Proclamação da República (1889), o
Brasil, sofreu um crescente abandono de crianças. Uma mobilização em busca de soluções
para a resolução desse problema, foi a criação de creches, asilos e internatos, “vistos na época,
como Instituições destinadas a cuidar das crianças pobres”. (DORIGO E NASCIMENTO,
2007 apud OLIVEIRA 2005).
Em 1899, no Brasil República, foi fundado no Rio de Janeiro o Instituto de Proteção e
Assistência à Infância do Brasil, que tinha como objetivo:
Atender aos menores de oito anos; elaborar leis que regulassem a vida e a saúde dos
recém-nascidos; regulamentar o serviço das amas - de - leite, velar pelos menores
trabalhadores e criminosos; atender às crianças pobres, doentes, defeituosas,
23
maltratadas e moralmente abandonadas; criar maternidades, creches e jardins de
infância. (DORIGO E NASCIMENTO 2007 apud KRAMER, 2001, p. 52).
Dessa forma, inicia-se uma movimentação em prol da criação de Instituições
destinadas ao cuidado de crianças pequenas, e com isso, em 1908, começa a funcionar a
primeira creche popular para filhos de operários de faixa etária até dois anos. O primeiro
Jardim de Infância Municipal foi inaugurado no Rio de Janeiro em 1919. Depois foi criado,
em 1919, o Departamento da Criança no Brasil, responsabilidade do Estado, mas que
funcionou somente por causa de doações. “Esse Departamento desenvolvia diferentes tarefas,
sempre objetivando o benefício, a proteção e o amparo à infância no Brasil. Em 1920, foi
reconhecido como de Utilidade Pública”. (DORIGO e NASCIMENTO 2007 apud KRAMER,
2001).
No começo do século XX, com as transformações industriais e urbanas no país e a
exigência de mão - de - obra barata, muda – se significativamente a estrutura familiar e o
cuidado com as crianças pequenas. Nesse momento, a mulher é inserida no mercado de
trabalho, ocasionando um transtorno para essas mães que não têm onde deixar seus filhos,
desestruturando assim, o ambiente familiar. Essa situação está diretamente “[...] ligada a uma
situação produzida pelo próprio sistema econômico, tal ajuda não foi reconhecida como um
dever social, mas continuou a ser apresentada como um favor prestado, um ato de caridade.”
(DORIGO E NASCIMENTO 2007 apud OLIVEIRA, 2005, p. 95).
Com as manifestações crescentes entre os operários pelas condições melhores de
trabalho e de vida, e devido à expansão das fábricas que precisavam cada vez mais de mãode-obra, e temendo que esta, possivelmente viesse a diminuir, os empresários nos anos de
1920 e 1930, decidiram oferecer o beneficio de creches e maternais, exclusivos para filhos de
operários. Era resultado de uma das reivindicações desses trabalhadores para a melhoria de
suas condições de trabalho. “Essas iniciativas ocorreram no Rio de Janeiro, São Paulo em
várias cidades do interior de Minas Gerais e no norte do país e foram timidamente sendo
seguidas por outros empresários.” (DORIGO E NASCIMENTO 2007 apud OLIVEIRA,
2005, p. 96). Nessa época, a creche era vista como um “mal necessário”, pois a mulher era
vista como profissional do lar, mas com a necessidade econômica, ela se inseriu no mercado
de trabalho e surgiu assim, a necessidade das creches para atender esses pequenos. As creches
funcionavam junto às fábricas e surgiram assim, outras creches, organizadas por agregações
religiosas ou filantrópicas, com o intuito de favorecer e ajudar a saída da mulher de casa, e
24
combater a pobreza e a mortalidade infantil. Pode-se perceber que o trabalho realizado nessas
creches priorizava a higiene, alimentação, segurança, deixando de lado a educação, o
desenvolvimento intelectual e social. (DORIGO E NASCIMENTO, 2007).
Getúlio Vargas, em 1943, regulamentou uma Legislação que passou a cuidar das
relações patrões e empregados, intitulada “Consolidação das Leis de trabalho – CLT”, essa
Lei assegurava um espaço para que as mães pudessem amamentar seus filhos durante o
período de amamentação. Por falta de fiscalização do poder público sobre o efetivo “[...]
oferta de berçários pelas empresas. Essa pequena conquista não foi, em geral, efetivada na
prática. Poucas creches e berçários nas empresas foram organizados nesta época e mesmo
posteriormente.” (DORIGO E NASCIMENTO 2007 apud OLIVEIRA, 1992, p. 19). Os
problemas continuam para essas mães em conciliar o trabalho fora de casa com o cuidado dos
filhos e afazeres domésticos, e parece evidente a falta de avanço e de melhorias para a
educação de crianças menores de 6 anos.
O Departamento Nacional da Criança, em 1950, promove programas de vacinação,
cursos, combate à desnutrição, ampliação de hospitais e maternidades e clubes de mães. (esses
clubes foram criados em 1952 para valorizar o trabalho feminino e o seu papel na educação
das crianças). Em 1950, as discussões sobre os cuidados com as crianças se intensificam com
o aumento do atendimento, não sendo oferecido somente para as classes pobres e se
estendendo as funcionárias públicas também. Já, no Período Militar, surge a LBA- (Legião de
Assistência Brasileira) e o FUNABEM – (Fundação Nacional de Bem – Estar do Menor),
oferecida como assistência à criança e à família e um favor oferecido às mesmas.
Em 1970, devidos ao alto índice de evasão escolar e repetência de crianças pobres no
primeiro grau, e como forma de superar isso, foi instituída a pré-escola para crianças de
quatro a seis anos. Segundo Dorigo e Nascimento (2007 apud OLIVEIRA, 1992, p.20): “[...]
considerava-se que esse atendimento possibilitaria a superação das precárias condições sociais
a que a criança estava sujeita através de uma ‘educação compensatória’, sem alteração das
estruturas sociais existentes na raiz daquele problema”. A educação pré-escolar foi adotada
sem que houvesse uma discussão sobre os problemas enfrentados naquele momento, tendo
assim, um caráter educacional, objetivando solucionar os problemas de repetência e evasão no
ensino de 1ª grau, o que resultou na criação da Coordenadoria de Educação Pré-Escolar
(COEPRE). Reafirmando Kramer (1992, p.110): “[...] os programas compensatórios são
fundamentados na abordagem da privação cultural que justifica e reforça a discriminação das
25
crianças e dos meios sociais, cujos padrões culturais não correspondem aos das classes
dominantes”.
No fim da década de 70 e durante a década de 80, conquista-se a ampliação da Lei
aprovada em 1934, baseada na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Como relata Braga
(2003), esta lei obrigava as empresas que empregavam, no mínimo, trinta mulheres, a oferecer
um local adequado para seus filhos de 0 a 6 anos. Braga (2003), conta que a Companhia de
Fiação e Tecidos Corcovado, localizada na cidade do Rio de Janeiro, foi a primeira indústria a
oferecer creche para as mães trabalhadoras. Em 1899, segundo essas normas. Essa
preocupação em ter uma creche nas fábricas deu uma nova dimensão para a Educação
Infantil. A partir daí, as Instituições constituiriam a extensão da família e teria como objetivo
o cuidar e educar. No entanto, o interesse pela criança era somente dos órgãos privados,
deixando o governo alheio a tal responsabilidade, nesse molde, os Jardins de Infância, abertos
pela Iniciativa Privada eram extremamente assistencialista e seu modelo era europeu, baseado
nas propostas que tinham seus fundamentos na pedagogia de Froebel, que objetivava a
formação de valores e o desenvolvimento da percepção e dos sentidos. Nesses Jardins de
Infância destinados ao atendimento das crianças abastadas, explícito por:
[...] uma duplicidade de propostas para o atendimento à criança pequena no Brasil:
às crianças pobres, filhas de trabalhadoras, é atribuída a creche, estabelecimento de
beneficência, para cuidar; às crianças das famílias de bens, é recomendando o colo
da mãe e, quem sabe, quando um pouco maiores, o jardim de infância que nada
tem haver com a creche! dizem... É um estabelecimento educacional,
essencialmente. (OSTETTO, 2000, p.24).
A Constituição Federal de 1988 define que reconhece a educação dessas crianças
como um direito da criança e um dever do Estado, da família e da sociedade, objetivando o
desenvolvimento completo da pessoa. Cabe destacar, no Art. 208, da Constituição Federal
(1998, p.138), o dever do Estado com a educação mediante a garantia de: “IV – atendimento
em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade”.
Embora ainda haja muito para se fazer, é uma grande conquista o fato de que tal Lei
reconheça a criança como sujeito de direitos, já que, anteriormente, as Leis limitavam-se a
expressões como “assistir” ou amparar a maternidade e a infância.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), 1990, Lei n.º 8069/90, que assim
como a Constituição Federal, responsabiliza o Estado por assegurar o “atendimento em
creches e pré-escolas a crianças de zero a seis anos de idade” (ART. 54 p.22).
26
Consequentemente, em 1996, surge esforços para a garantia das Leis até então
conquistadas apenas no papel, aguardando efetivação e legitimidade. A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n. º 9394/96, Art. 21, p.17, integra a Educação
Infantil ao Ensino Básico. Surge a intenção de valorizar as atividades desenvolvidas dentro
das Instituições de Educação Infantil, ressaltando a integração do cuidado com a educação.
Quanto ao atendimento: “A Educação Infantil será oferecida em: creches, ou entidades
equivalentes, para crianças de até três anos de idade; pré-escolas, para crianças de quatro a
seis anos de idade”. (ART. 30, p.22).
Com a legalidade dos direitos da criança, a Educação Infantil ganha caráter
pedagógico significativo. A partir desse momento, considerou-se a criança, cidadão e sujeito
de direitos, que precisa de espaços organizados e profissionais qualificados. Braga (2007)
conta que foram efetivados inúmeros debates, pesquisas, discussões, seminários e encontros
entre profissionais da educação e representantes do governo, em uma parceria entre
universidades e centros de pesquisa. Com base nesses estudos, outros documentos foram
criados, em especial, os Cadernos de Coordenação da Educação Infantil (COEDI). Surge
assim, a Educação Infantil, com:
[...] caráter educacional - pedagógico que engloba atividades de cuidar/educar a
criança com intencionalidade, planejamento e sistematização, considerando todas as
dimensões do processo constitutivo desse nível da educação por parte dos
profissionais. (BRAGA, 2003, p.23).
Cerisara (1999), descreve as contribuições significativas que foram alcançadas através
de estudos feitos pela Coordenação de Educação Infantil (COEDI) em parceria com a
Secretaria de Educação Fundamental do MEC que se desenvolveu desde 1993. Essas
contribuições resultaram em publicações feitas nos “cadernos” da COEDI que trazem:
Educação Infantil no Brasil: situação atual – 1994;
Política Nacional de Educação Infantil – 1994;
Critérios para um atendimento, em creches, que respeite os Direitos Fundamentais
das Crianças – 1995;
Por uma política de formação do profissional de Educação Infantil – 1994;
Proposta Pedagógica e Currículo em Educação Infantil – 1996. (CERISARA, 1999,
p. 18).
Rocha (2008), relata que desde a definição dos “Princípios Pedagógicos para a
Educação Infantil”, muitas têm sido as necessidades teóricas e práticas, e por isso tem exigido
maiores reflexões e debates a respeito, pois se faz necessário dar subsídios para que tomadas
de decisões sejam efetivadas na creche, decisões essas que orientam os trabalhos realizados
nestas Instituições.
27
Essa nova conjuntura a respeito da Educação Infantil vem sendo discutida através das
Diretrizes para a Educação Infantil Nacional, que orienta as propostas pedagógicas e sua
fundamentação. Expressa em caráter administrativo, prevê:
I – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem respeitar
os seguintes Fundamentos Norteadores:
a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do
Respeito ao Bem Comum;
b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da
Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática;
c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da
Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais. (ROCHA, 2008, p.2).
As discussões a respeito da Educação Infantil já tiveram avanços significativos como
podemos perceber no que foi exposto acima, entretanto, entender como essa trajetória se deu é
de extrema relevância para pautar este trabalho, servindo assim de subsídios para averiguar se
ainda há resquícios trazidos ao longo dessa história.
6.3 Brincar: quando se começou a pensar esse contexto para a vida das crianças e como
ele está hoje?
Depois de entendermos o contexto no qual se deu o conceito de infância, faz - se
necessário expor como se apresentou o brincar na vida das crianças, no transcorrer da história.
Em seu livro “Brincar na Pré-Escola”, a autora Wajskop (2007), menciona que a maior
variedade de estudos a respeito da brincadeira está na Pedagogia, Antropologia, Filosofia e
Psicologia como requisito básico para o desenvolvimento infantil. Mas destaca que nossos
estudos deixam algumas lacunas no que se refere como ocorrem essas manifestações, qual seu
papel social e que papel este desempenha no desenvolvimento infantil.
Diante disso, a autora Gisela Wajskop (2007), relata o brincar desde a época greco
Platão e Aristóteles, com base em um conceito de estudo veiculado ao prazer, sugerido por ela
como a primeira forma de brincar. Assim o brinquedo já era usado na Educação. Naquela
época, utilizava - se de doces com formas de letras e números para a educação das crianças, a
ênfase dada a uma “educação sensorial”, nesse período, fez com que o “jogo didático” fosse
28
utilizado por muitas áreas de ensino como instrumento para a efetivação do mesmo.
(WAJSKOP 2007 apud VIAL, 1981, p.19).
Com o fim do pensamento romântico, a brincadeira ganha lugar no ensino das
crianças, pois anteriormente era vista como passatempo, recreação, devido ao conceito de
infância da época, que via os pequenos como alguém que não poderia expressar-se
espontaneamente ou denotar algum valor a si.
Assim, a partir das contribuições realizadas por Comenius (1953), Rousseau (1712) e
Pestalozzi (1746), nasce um novo “sentimento de infância”, sentimento esse que deu um
espaço aos pequenos na sociedade e a elaboração de métodos próprios para essa Educação. A
Educação estava centrada em um ensino através de brincadeiras e diversão, onde: “A
valorização da brincadeira infantil apóia-se, portanto, no mito da criança portadora de
verdade, cujo comportamento verdadeiro e natural, por excelência, é o seu brincar, desprovido
de razão e desvinculado do contexto social”. (WAJSKOP 2007 apud BROUGÈRE, 1989,
p.20).
Dessa forma, o olhar da família à criança cresce, significativamente, assim como a
relação entre a educação e o brincar, todavia segundo Áries, essa assimilação se concretizou
depois do século XVII, com os médicos iluministas como a salvação de todos os males.
Vistos agora como “cidadão com imagem social”, “os pequenos tinham liberdade para se
educar e eram educados para não usufruírem essa liberdade”. (WAJSKOP, 2007, p. 21). Em
meio a toda essa contradição, há uma mudança na disposição da mulher em frente ao mercado
de trabalho, deixando uma lacuna no cuidado dos pequenos que começaram a ficar sozinhos,
em casa, ou perambulando pelas ruas das cidades, necessitando assim, de alternativas
educacionais. Alternativas essas que foram vinculadas a uma educação através de brincadeiras
infantis.
Kishimoto (1988), descreve que as contribuições de Rousseau, na França, permitiram
a criação de inúmeros brinquedos educativos para deficientes mentais que, posteriormente,
foram utilizados nas escolas ditas normais, eles se baseavam em uma educação sensorial. De
acordo com Friedrich Fröebel (1782-1852), Maria Montessori (1870-1909) e Ovide Decroly
(1871-1932), cada um, no seu período, contribuiu com estudos referentes aos pequenos,
dando à educação, o papel de grande importância no desenvolvimento dos mesmos, rompendo
com o ensino tradicional trazendo os jogos didáticos que seria a tradução da “crença natural
dos instintos infantis”. (WAJSKOP, 2007, p.22).
29
A infância só assumiu caráter social, se diferenciando da função social do adulto
quando esta foi vinculada à brincadeira, e que Wajskop 2007 apud Chamboredon 1986
nomeou “ofício de criança”. Dessa forma, foi com a contradição referente à Educação Infantil
e as idéias advindas de estudiosos do fim dos séculos XIX e começo do século XX, que a
Educação se intensificou através das brincadeiras, materiais pedagógicos e práticas
repetitivas.
As Instituições vêm didatizando as atividades lúdicas ao longo da história através dos
brinquedos, tornando esses momentos de faz-de-conta, meros instrumentos para a apreensão
de conteúdos, não permitindo às crianças a criação de suas próprias brincadeiras, por elas
serem extremamente direcionadas.
Como destaca Wajskop (2007, p.25): “Utiliza-se o
interesse da criança pela brincadeira para despistá-la em prol de um objetivo escolar”.
Superando as teses biológicas e etológicas da brincadeira, que idealizavam as crianças
apenas através de suas possibilidades educacionais e sempre vinculadas ao brincar como
ferramenta de aprendizagem, é que surge a perspectiva sócio-cultural. A teoria socio-cultural
se direciona para uma visão simplória rumo a um novo horizonte, rico em conhecimento para
esses pequenos que estão em desenvolvimento. A perspectiva sócio-cultural prevê que todo o
aprendizado da criança se dá através das experiências estabelecidas por elas com o meio
social ao qual está inserida, com a interação com os adultos, pares e com o mundo por eles
instituídos. De acordo com essa perspectiva, a brincadeira é: “Uma atividade humana, na qual
as crianças são introduzidas, constituindo-se em um modo de assimilar e recriar a experiência
sócio-cultural dos adultos”. (WAJSKOP, 2007, p.25).
Dessa forma, muitos estudos foram voltados para essa temática que envolve o brincar,
e que, posteriormente, foi declarado como um direito, como podemos verificar no Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil de (1998). Este direito foi fundamental para o
desenvolvimento infantil, seja no que se refere à forma de expressar o pensamento, seja na sua
comunicação e interação com os pares. assim o brincar e compreendido como uma atividade
plena para o desenvolvimento infantil, provedora de interações múltiplas, a resolução de
problemas e a formação de um sujeito critico e reflexivo. (BRANCO; MACIEL E QUEIROZ
2009 apud BRANCO, 2005; DE VRIES, 2003; DE VRIES & ZAN, 1998; TOBIN, WU &
DAVIDSON, 1989; VYGOTSKY, 1984, 1987).
Na brincadeira, a criança se permite vivenciar o lúdico e descobrir a si mesma,
aprende sobre a realidade que a cerca e desenvolve seu potencial criativo. (BRANCO;
30
MACIEL E QUEIROZ 2009 apud SIAULYS, 2005). Levando em consideração essa
perspectiva, Kishimoto (2002), propõe que as crianças que brincam, conseguem fazer uma
leitura do pensamento dos seus pares “por meio de metacognição típica dos processos
simbólicos que promovem o desenvolvimento da cognição e de dimensões que integram a
condição humana”. (BRANCO; MACIEL E QUEIROZ 2009 apud ANDRESEN, 2005;
BRANCO, 2005, p.1).
No livro “A Produção Cultural para a Criança” (1990), Edmir Perrotti traz uma
posição sociológica a que não se pode deixar de fazer referência sobre o brincar como cultura.
Momento esse, onde as crianças expressam a cultura apreendida no meio cultural adulto, ou
seja, a cultura de uma sociedade e a produção cultural das crianças é a cultura infantil, criada
e recriada por elas através das interações vivenciadas nas brincadeiras. O autor menciona que
a criança está ligada também a um espaço tempo, ao qual se relaciona, tendo participação
neste meio e sendo influenciada por ele também. É através dessa interação com o meio em
que vive, que a criança é inserida na cultura a qual faz parte, mas não uma cultura proveniente
só dos adultos, passada de pai para filho ou de geração para geração. Esta cultura adulta dá
subsídios para que os pequenos possam viver situações do mundo adulto em suas
brincadeiras, assim cria-se um mundo que não se pode viver no real, dando espaço a produção
cultural das crianças. Segundo Florestan Fernandes (PERROTTI 1990 apud S/A, p.22): “[...] a
criança participa ativamente da cultura, criando-se e criando-a com feições próprias, com
significados particulares, com funções semelhantes às funções da cultura vivida pelo adulto”.
Assim, Perrotti (1990), afirma que as crianças produzem sua própria cultura, passada
“boca a boca” por eles, embora eles ainda tenham necessidade de buscar elementos na cultura
adulta para elaboração da sua própria cultura, estes dados são transformados e re-elaborados
de acordo com suas necessidades, tornando – se algo distante daquilo que foi absorvido da
cultura adulta. (PERROTTI, 1990, p. 22). Dessa forma, muitas coisas apreendidas da cultura
adulta passam a existir somente na produção cultural infantil, como por exemplo, as cantigas,
brincadeiras de roda, brincadeiras que não fazem parte do mundo adulto e que podem sofrer
mudança no decorrer de sua trajetória, mas que ainda é uma cultura adulta.
Fazendo destaque ainda a esse aspecto sociológico, Brougère (2002), compreende que
o brincar não é uma atividade solitária da criança, mas algo social que necessita de uma
aprendizagem para ser vivenciada. É através do brincar que o autor destaca a aparição de uma
cultura lúdica, não vendo esta como fonte de “desenvolvimento da cultura”, mas como um
31
meio pelo qual a criança vai desenvolver sua cultura lúdica, como a criação de regras, que
nada mais é que a produção cultural, enunciada por Perrotti. (BROUGÈRE, 2002, p.23).
É através do brincar que as crianças ampliam suas capacidades, testam habilidades e se
aventuram em novas descobertas, pautadas nas vivências oferecidas pelo meio no qual estão
inseridas, pois no brincar, os pequenos tomam suas próprias decisões, formam acordos,
combinados e ensaiam seus primeiros passos na leitura do mundo através das experiências
vividas nas brincadeiras. O ato de brincar aproxima os pequenos à cultura socialmente
construída e dada pelos adultos mais experientes, cultura esta denominada por Coutinho
(2001, p.105), como algo construído por “sentidos e significados” passados e partilhados
através de uma história, sendo esta detentora de várias definições, por depender
exclusivamente do meio em que está inserida, pois nem todos compartilham do mesmo
significado. Deixando claro que dentro desse contexto ocorre a “cultura infantil”, criada,
ressignificada e recriada através das experiências vivenciadas e observadas pelas crianças, a
partir de suas interações com seus pares e com os adultos que as cerca.
A seriedade do brincar está também no fato de que, ao brincar com o objeto, a criança
lhe atribui outros significados, mudando assim, sua relação com o mesmo e fazendo com que
sua imaginação a leve ao mundo de faz-de-conta, e que pequenos grãos se transformem em
feijões, expressando assim, seu caráter ativo no processo de seu próprio desenvolvimento.
Segundo Vygotsky (1998, p.127): “A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em
relação ao que vê. Assim, é alcançada uma condição que começa a agir independentemente
daquilo que vê”.
A criação dessas situações imaginárias durante a brincadeira permite à criança
explorar um mundo fora da realidade vivida2, dando-lhe possibilidades de gerenciar, por si só,
essa vivência e solucionar possíveis problemas que venham a ocorrer durante a mesma.
A brincadeira permite à criança representar situações que ainda não fazem parte de seu
contexto diário como criança, mas que adentra suas vivências sem pedir permissão como as
brincadeiras de guerras simuladas por elas, às vezes vista em um desenho infantil, presenciada
2
É fundamental a observação dessas manifestações para que se possa apropriar de teorias como a de Vygotsky
(1997), que se mostrou uma grande contribuição no que se refere ao estudo desse comportamento infantil. Em
seu estudo, ao mencionar a ZPD (zona de desenvolvimento proximal), onde o ponto de partida é o nível de
desenvolvimento real da criança, a qual esta consegue solucionar seus problemas sozinhos, assim o professor
pode causar uma instabilidade neste individuo, trazendo outros saberes e o deixando no nível de
desenvolvimento potencial. O qual Vygotsky (1997) diz que a mediação de um adulto, no caso, o professor,
poderá ajudar a resolver este problema proposto e este, posteriormente, torna - se um saber adquirido.
32
em uma briga familiar ou vista em um noticiário de um jornal, assim Brougère (2008, p.79)
menciona que:
É preciso, também, evocar a necessidade que a criança parece ter de encontrar
derivativos para a expressão de uma agressividade que ela pode ter dificuldade para
controlar. A brincadeira de guerra permite-lhe exprimir essa agressividade de modo
legitimo e, sobretudo, aceitável pelo seu meio.
A brincadeira é um espaço onde papéis podem ser assumidos autoria e co-autoria pelas
crianças, construindo sua identidade infantil, autonomia, sua cooperação, criatividade, tomada
de consciência da realidade, ensina-se a desejar, através da brincadeira, querendo ser alguém
diferente a todo o momento. Para que toda essa gama de interações tenha ocorrência, faz – se
necessário um ambiente que possibilite a entrada no mundo de faz-de-conta, onde tudo pode
ser criado e um mundo a ser imaginado.
Espaços esses que nos aprofundaremos no próximo capítulo, entendendo o papel que
o espaço desempenha nesse contexto da brincadeira infantil e suas reais contribuições para o
desenvolvimento desses pequenos.
6.4 Espaço e tempo
O Ministério da Educação e Desporto (1995), lançou o livro “Critérios para um
Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças”. Dentro
desses interior, destacam-se a) “nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante,
seguro e estimulante, e b) nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos”.
(CAMPOS, 1995, p.11), ambos fazem referência ao espaço oferecido nas Instituições de
Educação Infantil. Este é o foco que deveremos nos remeter no presente momento para que
possamos contextualizar que espaço e tempo deve ser oferecido para o brincar na Educação
Infantil.
Levando em consideração os dois critérios acima citados e a recomendação do
Ministério da Educação, destacando-os como essenciais para o atendimento à criança, torna se necessário, em primeiro lugar, rever e reestruturar a lógica estabelecida para a construção
dessas Instituições, regulamentada em uma visão geralmente orientada “[...] para atender as
necessidades do adulto e/ou do grupo como um todo [...]” (CARVALHO e RUBIANO, 1994,
33
p.109). Nessa perspectiva, Gandini (1999), relata que essas construções precisam ser
arquitetadas ou reformadas com a ajuda de “coordenadores pedagógicos, professores, pais e
arquitetos” voltados para uma educação que priorize a qualidade das interações e a parceria
entre toda a comunidade educativa.
Contudo, essa perspectiva ainda não está muito presente na construção de nossas
Instituições, que, na maioria das vezes, são pensadas e planejadas através do olhar dos
arquitetos. No entanto, já está sendo fonte de discussão por muitos arquitetos e educadores,
como podemos destacar o livro “O Parque e a Arquitetura: uma proposta lúdica”, que foi
organizado por Miranda, (graduado em Filosofia e Sociologia), juntamente com quatro
graduados, (dois formados em Arquitetura e Urbanismo pela USP; um, em Serviço Social e
Sociologia pela USP; e outro, Serviço Social e Sociologia do Lazer e da Animação Cultural,
pela Universidade de René Descartes), que trazem como desafio repensar esses espaços para a
implantação de um “conceito de instalações lúdicas”. (MIRANDA (ORG.), 2005).
Refletindo ainda sobre os espaços dessas Instituições, David e Weinstein (1987),
destacam que esses ambientes deveriam estar, de acordo com cinco funções do
desenvolvimento
infantil:
“identidade
pessoal,
desenvolvimento
de
competências,
oportunidades para o crescimento, sensação de segurança e confiança, bem como,
oportunidade para o contato social e a privacidade”. (DAVID E WEINSTEIN 1987 apud,
CARVALHO e RUBIANO, 1994, p.109).
Os autores David e Weinstein (1987), destacam que a identidade pessoal será
contemplada, se nesses espaços for oferecido o desenvolvimento individual das crianças, que
elas possam personalizar tais espaços e terem a participação na organização do mesmo. O
desenvolvimento de competências será observado se as crianças tiverem se apropriado desse
meio, tendo livre acesso a banheiros, bebedouros de acordo com suas necessidades e sem a
ajuda constante do adulto. A oportunidade de crescimento se dará com espaços que
proporcionem o movimento corporal e a estimulação dos sentidos, e a sensação de segurança
e confiança se dará através de contatos táteis, e com o convívio entre crianças e adultos. Já, a
oportunidade para o contato social e a privacidade deve ser planejada com a mesma
preocupação, pois o ato de estar em privacidade, permite extravasar sentimentos contidos,
como por exemplo, a raiva.
Considerando os pressupostos da Educação Infantil, vale ressaltar a importância da
organização do espaço que possibilite e contemple as múltiplas linguagens das crianças e que
34
elas possam se sentir em sua inteireza autores e atores desses ambientes. Como afirma Faria e
Palhares (2000, p.74 e 78):
A organização do espaço físico das Instituições de Educação Infantil deve levar em
consideração todas as dimensões humanas potencializadas nas crianças: o
imaginário, o lúdico, o artístico, o afetivo, o cognitivo, etc, etc. (...) Portanto, o
espaço físico precisa contemplar o convívio/ confronto de crianças de várias idades e
de vários tipos de adultos. Os pais e mães visitarão e observarão o lugar onde seus
filhos permanecerão tantas horas do dia.
Linguagens estas dimensionadas pela autora Rocha (2008), quando nos expõe em
pensarmos uma pedagogia para a infância que não está preocupada com a reprodução de
métodos, mas com o desenvolvimento infantil, objetivando um “projeto educacionalpedagógico”, que respeite a linguagem: gestual, corporal, oral, sonoro-musical, plástica,
escrita, contexto espacial, temporal, identidade, origens culturais, sociais, manifestações,
dimensões elementos, fenômenos físicos e naturais. Segundo Junqueira Filho (1999, p.40):
Nessa perspectiva, cantar, dançar, brincar, jogar, falar, conversar, contar e ouvir
histórias, cozinhar, modelar, pintar, recortar e colar, classificar, quantificar, seriar,
pesquisar e discutir sobre fenômenos da natureza e assuntos diversos de seus
interesses, ler escrever, fazer combinados, entender o sentido das regras e respeitálas... são todas linguagens; são todos funcionamentos das crianças para (se)lerem e
(se)escreverem (no)o mundo; são todos funcionamentos das crianças para se
produzirem crianças e produzirem o mundo; são todos conteúdos curriculares em
ação pelas crianças, na sua busca de produção de sentido sobre si mesmas e o
mundo, que podem e precisam ser intencionalmente sugeridos, articulados e
acompanhados pelas professoras, no dia-a-dia das crianças na escola de Educação
Infantil.
As crianças precisam ter vozes nesses espaços, se sentirem pertencentes deste
considerá-lo como seu, estar acolhidas e protegidas, com a intenção de “pensar os espaços das
Instituições de Educação Infantil, a partir do que as crianças nos indicam, revoluciona, mexe,
remexe, vira do avesso, desafia-nos em nossa adultez [...]” (AGOSTINHO, 2005, p.68). Essa
perspectiva rompe com uma lógica adultocêntrica que aprisiona, que condiciona. A intenção é
proporcionar um espaço onde a criança possa adquirir segurança e se lançar ressignificando
esses ambientes de múltiplas maneiras, modo este, que expõe Agostinho (2005), que deve ser
um lugar que acomode, que proteja, um espaço que a criança possa apreciar como seu, que ela
encontre seus diferentes ritmos nesse ambiente, em uma reflexão própria e que assegure sua
“identidade pessoal”. Por fim, que tenha um encontro consigo mesmo, respeitado suas
particularidades.
Tais espaços têm que oferecer uma organização diversa que respeite as diferenças de
gostos, tempos de aprendizados, a troca entre pares, com adultos, que possibilite escolhas e
35
que esteja preparado para o imprevisto, que seja um ambiente de criação. Um ambiente
estimulante que faça esses pequenos darem asas à sua imaginação, protagonizando encontro e
desencontros e que não fique estagnado a uma rotina pré-estabelecida. Como afirma
Agostinho (2005, p.66):
A organização de espaços diversos e plurais rompe com a lógica do uniforme, igual,
oportuniza vivências heterogêneas para o grupo de crianças, distanciando-se de uma
perspectiva homogeneizadora que prevê que todos façam a mesma coisa no mesmo
tempo, rompendo assim com práticas adultocêntricas, e com os modelos escolares;
respeita ritmos e escolhas pessoais, enriquecendo as práticas da Educação Infantil
com atividades significativas e prazerosas para crianças e adultos.
Diante disso, o espaço não se refere só à organização física, ele demonstra aquilo que
se quer para aquele lugar, ele demonstra os valores das pessoas e traz consigo o tempo que
pode servir como regulador ou condutor desse processo, quando bem planejado. Refere-se à
estrutura dada ao tempo, aos papéis que cada um deve cumprir, demonstra sentimentos, nossa
conduta e interfere drasticamente em nossas vidas. O tempo não deve ser transformado em
uma rotina, ele deve ser utilizado para encontros significativos, e não a horários a serem
cumpridos por uma rotina. Deve ser encarado como “jornadas”, termo utilizado pela autora
Faria (2000), que remete uma idéia de espaço e tempo organizados por professores, crianças
orientada por uma “educação e cuidado” e pautada nos direitos de todos. Conforme o “IV
Simpósio Latino-Americano de Atenção à Criança de 0 a 6 anos”: (1996 apud FARIA, 2000,
p. 85):
Um espaço e o modo como é organizado resulta sempre das idéias, das opções, dos
saberes das pessoas que nele habitam. Portanto, o espaço de um serviço voltado para
as crianças, traduz a cultura da infância, a imagem da criança, dos adultos que
organizaram; é uma poderosa mensagem do projeto educativo concebido para aquele
grupo de crianças.
A autora Faria (2000), traz uma discussão sobre a “educação e cuidado” que se torna muito
pertinente para a constituição desse espaço, pois tal ambiente, deve contemplar como já foi
dito, todas as dimensões das crianças e não há como dissociar o cuidar do educar, apontado
pela autora que traz ambos na perspectiva de serem indissociáveis. Cuidar e educar está
diretamente relacionado ao tempo, pois ao organizar o tempo, deve - se estar previsto que
ambos andaram juntas: habilidades e aptidões se desenvolveram também.
É necessária uma atitude profissional que compreenda a prática do cuidar e educar, pois
essa deve ser entendida, refletida e pensada, com o intuito de perceber o ser humano como
indivíduo
com
várias
dimensões,
rompendo
com
os
binarismos:
corpo/mente,
afetivo/cognitivo. É interessante ressaltar que, a concepção de cuidar e educar, como prática
36
indissociável, dá – se, e ao ser entendida como uma fazendo parte da outra, e se não houver a
busca por essa prática, dificilmente conseguiremos possibilitar o desenvolvimento integral da
criança. Valorizam-se todas as dimensões humanas, e nenhuma se sobrepõe à outra, pois só
assim se compreende a perspectiva de espaço que nos propomos.
Refletindo sobre as considerações descritas acima:
Neste sentido, é possível afirmar que o desenvolvimento integral da criança só pode
se materializar a partir da superação da dicotomia cuidar/educar e,
consequentemente, por meio da integração destes dois processos. Não se concebe
mais uma educação que divide, parte o ser humano, privilegiando apenas o aspecto
cognitivo em detrimento do afetivo e também do social e do motor. (DIAS E
MACÊDO, 2001, P.4).
Desta forma estamos falando de um espaço físico, de tempo e que está organizado em prol
das diferenças das crianças que pressupõe a educação; é cuidado e um cuidado que implica
em uma educação que valorize as crianças como sujeitos integrais, ativos, criativos e
históricos no meio em que estão inseridos. Vale complementar que, para que essas crianças
possam se sentir acolhidas, protegidas, protagonistas na organização desses ambientes, elas
precisam se apropriar desses espaços, tendo a possibilidade de ir–e-vir sem tantas
intervenções dos adultos quando esta não se faz necessário a esses pequenos, como: acesso
aos brinquedos, ao bebedouro, ir ao banheiro, ao ambiente adequado para a alimentação e
observarem suas produções pela Instituição. Conforme Agostinho (2005, p. 65 e 67):
A apropriação do espaço pelas crianças supõe que estas possam colocar suas marcas,
alterá-la, transformá-lo, imprimindo seus registros nas paredes, portas, janelas, tetos,
chão, por toda a Instituição, personalizando-a. [...] Salientamos aqui a importância
de planejar e organizar o espaço da Instituição de Educação Infantil de forma que os
meninos e meninas que ali passam parte do seu dia, em todos os dias durante a
semana, tenham o seu direito à brincadeira garantido, com muitos e diversos
brinquedos e que estes estejam acessíveis, inteiros, limpos, disponibilizados de
forma criativa e convidativa.
Assim, esse espaço deve proporcionar às crianças um ambiente com árvores, flores,
areia, contato com a água, pois as crianças terão contato com os elementos da natureza e
sentirão necessidade de um convívio maior com esses elementos, incentivando uma
preservação à natureza e aos indivíduos pertencentes a este meio. E, que, nos dias de calor ou
nos momentos de brincadeiras, estas crianças possam saciar seu calor e dar asas à imaginação,
tendo um contato com a água, e que os adultos, junto com as crianças, possam desmistificar o
perigo dos elementos da natureza (água, terra, ar e fogo) no cotidiano da creche. Assim, Faria
e Palhares (2000), relatam que instituir o significado de pertencimento à natureza só será
realizado através do contato que se dará a partir de atividades que contemplem os “quatro
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elementos: água, terra, ar e fogo”. Não precisando os quatro elementos ser retirados deste
contexto por serem analisados como arriscados, que eles possam ser vivenciados com os
adultos, tomando todos os cuidados necessários.
Essa diversidade de espaços proporciona também uma variedade de descobertas,
interações de trocas de saberes entre os pares e os mais experientes, possibilita aprendizados e
ampliações dos mesmos, pois aprendem através dos ambientes e com o intercâmbio como
agir, resolver seus conflitos e ampliar seus saberes. Segundo Oliveira (1995, p. 59):
É uma atualização do antigo, uma reprodução sempre nova, feita por parceiros que
negociam objetivos, ações e ritmos no aqui-e-agora da situação. Nas relações de
papel, as crianças devem tomar diferentes pontos de vista para estruturar como agir
para construir e alcançar seus objetivos e seus motivos, enquanto interagem com
outros indivíduos com suas próprias, e, frequentemente, opostas intenções. Essa
reprodução ativa, essa reconstrução partilhada, entretanto, não é um processo linear
que começa, desenvolve-se e acaba. Ao contrário, é um processo entrecortado por
outros elementos que provocam novos conflitos, cujo encaminhamento pode trazer
novos elementos que podem, por sua vez, alterar completamente a forma e o
conteúdo do enredo ou podem ser incorporados ao mesmo.
Tratamos aqui de uma perspectiva lúdica para esses espaços das Instituições de
Educação Infantil que possa sair dessa lógica disciplinadora que objetive o novo, lugares que
chamem esses pequenos a imaginar, a fantasiar, que possa sair das mesmices dos parques que
hoje possuímos. Procurando romper com o estético padrão dos parques das Instituições de
Educação Infantil. Proporcionando ao parque, um castelo com um fosso, um navio de pirata e
uma cobra que é um túnel que pode ser atravessado andando ou com um carro. Buscamos
esses brinquedos para sair do cotidiano das suas casas, das creches e hospitais, considerando
que essas crianças são capazes de múltiplas relações, de brincar de faz-de-conta, de criar e
recriar, significando e ressignificando sua própria cultura e vivendo intensamente suas cem
linguagens. Os espaços oferecidos devem ser diversos e inovadores, como expõe Coutinho
(2002, p. 129): “[...] linguagem se traduz em interação”. E essa diversidade que se traduzirá
em aprendizados para essas crianças como um todo.
Este espaço e tempo vivido por essas crianças como relata Batista (2001), difere - se e
muito dos outros espaços experienciados pelas crianças, pois na creche, as crianças dispõem
de uma riqueza maior de tempos que podem ser vividos intensamente e, por isso, devem estar
sempre sendo pensados, repensados, planejados e refletidos.
Diante do que foi abordado, é de responsabilidade do educador organizar e coordenar
esse espaço e tempo, voltados para o olhar da criança, apropriando - se dos indícios que elas
dão para a ampliação desses espaços, tornando esses, fontes de constantes transformações.
38
Que seja um espaço lúdico, de encontro com a natureza, que valorize as múltiplas linguagens,
de desenvolvimento e que traga consigo a certeza de um caminho a ser construído e
percorrido com muitos saberes.
7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
7.1 Tipo de pesquisa
A pesquisa se deu através da perspectiva etnográfica, e como aponta André (1995),
esta consiste em “estudar a cultura e a sociedade”, a qual é orientada por uma “descrição
cultural” que se caracteriza em uma coleta de dados sobre o cotidiano vivenciado, crenças,
tradições, práticas e hábitos de um contexto social, que resultou em um relato escrito. Relato
esse, que foi orientado pela perspectiva etnográfica de observação – participante, onde a
pesquisadora prioriza a interação com o interlocutor dada à permanência no campo, os
vínculos estabelecidos e as relações interpessoais intensificadas são elementos presentes na
pesquisa. Os resultados, portanto, são produzidos através da relação intersubjetiva, pois a
pesquisadora não é neutra. Tem a pesquisadora como o utensílio na coleta e análise desse
processo, visando não um resultado final, mas sim, a apropriação dos acontecimentos desse
percurso e os aspectos de maior relevância, de acordo com o que a pesquisa se propõe, que é o
de observar o tempo e o espaço de brincar da Educação Infantil na Rede Pública e,
finalmente, ela busca a reformulação de hipóteses, “visa a descoberta de novos conceitos,
novas relações, novas formas de entendimento da realidade”. (ANDRÉ, 1995, p.30).
7.2 Participantes
Os sujeitos participantes da pesquisa são vinte crianças de 3 anos, sendo que todos
estão desfraldados, três crianças são afro-descendentes, e dezessete são brancas. O grupo tem
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a pronúncia das palavras correta com a exceção de um menino que tem dificuldades na fala. A
turma é composta por quinze meninos e cinco meninas, sendo que eles gostam de brincar com
brinquedos, gostam de ouvir histórias e participar delas, e brincar de brincadeiras de faz-deconta nas áreas externas da Unidade Educativa. Há duas (2) educadoras: uma educadora está
cursando o Magistério; e a outra, tem Magistério e está cursando a 6ª fase do curso de
Pedagogia a distância, sendo que, a presente pesquisa, observou o tempo e o espaço de brincar
da Educação Infantil na Rede Pública. Para isso, fez - se necessário notar todo o espaço
institucional e os profissionais que nela atuam, pois após revisões bibliográficas de autoras
como Faria e Palhares (2000) e Agostinho (2005), que fazem entender que esses espaços
traduzem o conhecimento daqueles que neles habitam têm as características de quem os pensa
e os constitui. Por isso, tornou - se tão importante observar todo esse contexto, pois quem
pensa este lugar são os profissionais dessas Instituições em conjunto com as crianças, segundo
as autoras.
Tivemos a preocupação com os sujeitos participantes desta pesquisa, no que se refere
aos critérios éticos, direitos humanos e todos os respaldos legais, dando a estes, nomes
fictícios para que sua autoria e construção histórica seja respeitada, e que esta não se torne
uma pesquisa impessoal e com o objetivo de quantificar dados.(KRAMER, 2002).
7.3 Instrumentos e coleta de dados
Para que a coleta de dados contribuísse de maneira significativa para esta pesquisa, a
mesma foi orientada através da observação-participante, utilizando como exercício, o ato de
registrar em diário de campo, para que a apropriação das vivências do grupo permita perceber
o contexto vivenciado por essas crianças. Ressalto a importância do ato de registrar, com a
documentação, pois os registros nos possibilitam reviver os momentos com um olhar
questionador, reflexivo e atento. Como descreve Gandini e Goldhaber (2002, p.152), todos
esses registros acabam se tornando uma documentação imprescindível para que possamos
utilizar “diariamente a fim de poder “ler” e refletir criticamente, de forma individual e
coletiva, sobre a experiência que estamos vivendo e os projetos que estamos explorando”.
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Essa técnica de documentação serviu de base para o desenvolvimento desta pesquisa
na Educação Infantil, objetivando registrar o olhar das crianças; este olhar ao qual me refiro é
o olhar de alteridade, que possibilita um olhar para as diferenças do outro criança, que respeita
a identidade infantil, não concebendo como um adulto em miniatura, e sim, um olhar que
procura entender como as crianças vivenciam e produzem suas culturas. Através desse olhar
de alteridade podemos perceber como as crianças produzem suas culturas, em um exercício de
nos colocarmos no lugar do outro, tentando compreender o significado e o sentido das
relações para as crianças e olhar o que elas têm do nosso modo de ser e ter uma reflexão de
nossas próprias ações. (COUTINHO, 2002).
Dessa forma, estes registros estão organizados com o intuito de observar o cotidiano
dessas crianças, suas interações com os pares e com os adultos que os cerca, a fim de
compreender o tempo e o espaço de brincar da Educação Infantil da Rede Pública, tornando
assim, um diário de campo que contemplou as vivências e as produções culturais nelas
existentes. Para uma melhor compreensão deste contexto, categorias foram criadas que
possibilitou um olhar atento e focado nos pontos que deverão ser observados no campo de
pesquisa, a saber:
o Concepção de brincadeiras das professoras?
o Como está organizado o espaço da brincadeira?
o Qual a relação que se estabelece da professora com as crianças na brincadeira?
o Qual a relação das crianças na brincadeira?
o Qual o espaço da brincadeira na rotina desse grupo de crianças?
o As brincadeiras são contempladas nos planejamentos?
Essas foram as questões elaboradas e utilizadas como objeto de análise no campo que
serviram de foco para o diário de campo, produzido pela pesquisadora.
7.4 Situação ambiente
O primeiro contato com a Instituição se deu através de um encontro com a pedagoga
deste estabelecimento de Ensino da Educação Infantil, no dia: 01/04/09. Tivemos uma
conversa, e coloquei o intuito de minha pesquisa naquele espaço que é de observar “Qual o
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espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil da Rede Pública?”. Neste
primeiro contato, fui apresentada às turmas da Instituição, conheci alguns espaços físicos
como o refeitório, cozinha, parque, palco do teatro, banheiros etc. conforme com os ambientes
e pessoas eram apresentados por essa profissional a mim, pude perceber uma alegria por parte
dos profissionais da educação, crianças, funcionários, evidenciando sua satisfação por estar
naquela Instituição. Os espaços também traduziam esta alegria através de fotos das crianças
coladas na parede, à pintura das paredes, murais e a mascote da creche, uma cachorra muito
simpática, sempre à espera de um lanche dado pelas professoras e crianças. Nas minhas
observações, a preocupação com as crianças e a dedicação estava traduzida nos sorrisos dados
a cada sala visitada e a todos os espaços ricos em possibilidades, ao contato com a natureza.
Sua estrutura física: é constituída por uma área construída: 3.734 m2 e área livre:
248.992,50 m2. Quanto à divisão do espaço físico: 1 sala de direção, 1 sala para secretaria,
1 recepção, 2 salas para serviço social, 2 salas para serviço de saúde, 1 gabinete odontológico,
1 sala de costura, 1 almoxarifado, 1 lavanderia, 1 sala de descanso para funcionários,
1 biblioteca, 6 dormitórios, 1 palco para apresentações, 1 cozinha tipo industrial, 1 cozinha
para lactário, 3 refeitórios, 2 garagens, 3 parques, 2 salas de recreação, 1 solarium, 2 salas
para orientação pedagógica. Salas de aula: 3 salas para III períodos, 12 salas para maternais e
I períodos, 2 salas de berçário, 4 salas para II períodos, 9 banheiros completos, 15 reservados
de banheiros e o que compreende transportes: 1 micro ônibus, 1 kombi e 1 tobata.
Combinamos retornar na próxima quarta-feira, dia: 08/04/09, pois as turmas estavam
em período de adaptação e o quadro de funcionários estaria completo, somente a partir do dia:
01/04/09. Quando cheguei à sala, no dia: 08/04/09, as crianças lanchavam e as professoras
auxiliavam as crianças neste momento, servindo - lhes o lanche. A pedagoga apresentou-me
as professoras, relatando que eu seria a estagiária que estaria realizando sua pesquisa com
aquele grupo de crianças. As professoras se apresentaram e uma delas perguntou se eu daria
aula, respondi, relatando que estava naquele espaço como pesquisadora e estaria observando o
grupo e registrando os momentos das crianças na sala. Conversei com as professoras sobre o
termo de consentimento (apêndice I), que estaria sendo enviado as famílias, solicitando sua
autorização para a utilização de fotos, relatos e filmagens das crianças em minha pesquisa.
Logo após minha apresentação, as professoras pediram que as crianças fizessem uma
roda para conhecer uma pessoa que passaria algumas tardes com as crianças. Já sentada na
roda com as crianças e as professoras, uma das educadoras disse: - essa é a Kelli, ela está
42
estudando para ser professora. Comecei a minha apresentação, dizendo que estava ali para
aprender muitas coisas com todas as crianças e que alguns momentos teriam que ser escritos
em meu caderno (mostrei o caderno às crianças) para não esquecer das falas, brincadeiras e
momentos feitos por elas, e terminei perguntando se todos me deixavam passar alguns dias
com eles? Todos falaram que sim, com um coro que expressou muita felicidade, porém, um
menino em especial olhou em meus olhos e disse: - Tu tá estudando para ser professora?
Disse que sim, e completei dizendo que tudo o que eu anotasse em meu caderno estaria em
um trabalho que estou escrevendo para mostrar à minha professora, e assim estaria me
formando como professora. Ele sorri como se todas as minhas palavras tivessem sanado todas
as suas dúvidas a respeito de estudar para ser professora. Dialogando, através do capítulo do
método da tese de doutorado da autora Manuela Ferreira (2004, p.43), procurei em minha
apresentação falar abertamente com as crianças “procurando fazer jus à ética referida” pela
autora. Usufruindo da experiência relatada pela Ferreira, em seu diário, utilizando de palavras
de fácil entendimento às crianças, colocando-me na posição de igual perante elas e explicando
minhas ações naquele espaço, como por exemplo, os momentos que estaria escrevendo em
meu caderno, e o que estaria escrevendo.
No decorrer de minhas observações, por muitos momentos, fui questionada pelas
crianças o que eu estava fazendo ao ser percebida por elas escrevendo em meu caderno. Em
uma delas, uma menina me surpreende com um questionamento:
Enquanto escrevo, Júlia fala que: eu não sei escrever igual tu.
-Digo: que ela irá aprender.
-Ela pergunta: o que tu tá escrevendo na folha.
-Respondo: que escrevo o que as crianças estão fazendo.
- Então ela diz: tudo que as crianças estão fazendo. (DIÁRIO DE CAMPO –
22/04/09).
Nessa situação, em especial percebi que estava ali não só como uma pesquisadora,
mas, como alguém que está sendo observada, analisada, através de seus gestos, falas e ações.
O espanto da menina ao ouvir: “que escrevo tudo o que as crianças estão fazendo”, transmite
toda o estranhamento de sua observação em relação a mim, pois ao indagar depois de minha
fala “tudo o que as crianças fazem”, esta evidencia sua dúvida, se realmente consigo escrever
tudo o que as crianças fazem. Assim, observar, está além de registros, de fotos ou filmagem,
observar é:
[...] mais do que olhar para examinar, é preciso compreender o que as crianças
dizem, a partir da auscultação da sua voz, o que reclama uma nova atitude
epistemológica: a da escuta sensível. (BARBIER, 1993). Trata-se de prestar sentido
e não de o impor, entendendo-se aqui, prestar, como sinônimo de cuidado e abertura
ao outro, o que supõe uma inversão da atenção: antes de situar uma pessoa no seu
43
lugar, começa-se por conhecê-la no seu ser, na sua qualidade de pessoa complexa
(idem). Assim, a investigadora, ao suspender o julgamento, procura captar a
densidade de sentidos que estão envolvidos na situação e, ao fazê-lo, reposicionar-se
a si própria, mais do que almejar uma comunhão de espíritos que seria sempre
pretensa. (FERREIRA, 2004, p.38 e 39).
A partir desta reflexão a respeito da observação da autora Manuela Ferreira (2004),
pude problematizar a minha postura neste espaço, procurando assim, ouvir o que elas têm a
dizer, conhecê-las através de suas múltiplas linguagens. E deixando para meus registros no
caderno, apenas algumas palavras que traduziam o momento vivido com as crianças, para
que, posteriormente, fosse possível escrever o registro na íntegra, comprovando minhas
vivências. Assim, pode-se perceber uma riqueza maior de detalhes em meus registros, pois
não era apenas um ouvido a ouvir, e olhos a olhar, era um corpo, uma mente, um contexto
entregue às experiências a serem vividas.
A relação estabelecida com as crianças se deu de maneira tranquila e rápida, acredito
que pelo fato de estar sempre próxima a elas, demonstrando que queria fazer parte daquele
grupo como amiga e não como professora. Por muitos momentos, fui solicitada a intervir em
disputas de brinquedos e brigas de amigos, procurei delegar esta responsabilidade às
professoras, deixando minha participação apenas como parte integrante daquele grupo de
crianças. Apesar de ter passado por situações em que me encontrei sozinha com o grupo de
crianças na sala, não sabendo seus nomes, tendo que chamar sua atenção e não sendo ouvida
por ninguém, pois era vista como uma amiga de visita naquela sala. Assim, conforme a autora
Manuela Ferreira (2004), “procurava evitar, controlando ao máximo, qualquer papel de
autoridade explícita que me conotasse com o papel tradicional de adulto, não impondo o meu
conhecimento e representações da realidade social como tal” (FERREIRA, 2004 apud cf.
MANDELL, 1991), mas deixando ser conduzida pelas crianças e adultos presentes nas
relações que foram sendo estabelecidas.
Paralelamente às observações, consegui conquistar a confiança e a amizade de um
menino em especial, que sempre estava distante do grupo quando eram feitas brincadeiras ou
atividades muito dirigidas. Esse menino sempre que se dispersava do grupo pegava um
brinquedo e sentava ao meu lado, trazia brinquedos para eu brincar com ele e pedia para
escrever em meu caderno quando me via escrevendo. Sempre que chegava à sala, ele me
recepcionava com um abraço caloroso e muitas coisas que ele falava eu não entendia porque
ele tem muita dificuldade ao pronunciar as palavras. Mas, de certa forma ou de outra, mesmo
incompreendido por mim, pude sentir que estar ao meu lado lhe fazia bem.
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A relação que constituí com as professoras foi muito boa. Elas demonstravam sempre
serem muito atenciosas comigo, tentando me integrar das coisas que tinha acontecido pela
manhã, mostrando seus planejamentos, contextualizando a realidade de algumas crianças.
Proporcionando às minhas visitas, muitas descobertas sobre suas rotinas, espaços, dinâmica
de grupo e projetos a serem feitos com as crianças. Para “tornar transparente a relação social
de investigação”, relatada pela autora Ferreira (2004, p.41), evidenciei em minhas conversas
com as educadoras da sala, qual o foco de minha investigação, minha posição como
investigadora e não alguém que está ali para avaliar as profissionais, mas um alguém que está
presente para aprender e contribuir com aquele grupo.
Um fato que causava muitas risadas nas crianças e confesso que em mim também, era
que a professora, a todo o momento, trocava o meu nome, chamando - me de Carol, nunca a
corrigi por achar indelicado de minha parte, mas as crianças, muito atentas em tudo, faziam a
correção por mim, chamando a atenção da professora e dizendo: não, professora! O nome dela
é Kelli e não Carol. Ela sempre pediu desculpa pelo engano, mas, sinceramente, recordo - me
apenas de uma vez ela ter me chamado pelo nome corretamente: no dia de minha
apresentação com as crianças na roda. Tempos depois, fui descobrir que a verdadeira dona do
nome tão chamado por ela, Carol, era a psicóloga da creche, achei inusitado a troca de nomes
e lhe perguntei se eu tinha rosto de psicóloga, em meio a muitas risadas, ela disse: que talvez
sim, por isso que ela se confundia tanto.
Minhas observações compreenderam o período de 08/04/09 até 27/04/09, totalizando
dez dias consecutivos no período vespertino, pois quatro dias, dentro destas semanas, tiveram
feriados e emendas de feriados, tendo a necessidades de minhas visitas estarem sendo
remanejadas para dias posteriores. As visitas se iniciavam às 14:30, porque ao meio – dia,
neste horário, as crianças estavam no dormitório e foi um pedido da pedagoga para que as
entradas fossem nesse horário. E a saída, às 17:00 horas, pois a professora de sala deixava a
auxiliar de sala com o grupo de crianças. Totalizando duas horas diárias de observação.
45
7.5 Organização, tratamento e análise dos dados
A organização desta pesquisa se deu através de uma “pré-análise” que, segundo
Bardin (1977, p.95), perpassa por uma leitura prévia de conteúdos que ajudou o (a)
pesquisador (a) na formulação de hipóteses, que, a posteriori, auxiliou na fundamentação
teórica do projeto. Os “dados brutos” deste projeto, que se caracterizam pelos registros feitos
no diário de campo, foram divididos e organizados de acordo com cada objetivo específico do
mesmo.
Após a “exploração do material” e sua organização, criei categorias que foram
utilizadas a partir do registro diário de campo, como direção a um olhar atento que tinha
alguns caminhos a seguir. (BARDIN, p.95)
A análise de dados será orientada pelos registros e pela categorização dessas
informações, a posteriori, ou seja, foram criadas categorias de análise a partir dos registros e
dos (as) autores, (as) os quais me filio nesse projeto, todos agregados na perspectiva da
produção da infância. Após a categorização desses registros, a análise dos dados se deu
através de uma discussão com os autores que compõem a fundamentação teórica deste projeto
e outros que surgiram para intensificar ainda mais este diálogo. A coleta de dados desta
pesquisa se deu no período de dez dias, no mês de abril de 2009.
8 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Os capítulos a seguir, são análises dos dados coletados através do diário de campo que
foram baseados nos objetivos específicos deste projeto, que posteriormente criamos
categorias para a análise dos dados coletados. O objetivo 1, trata das questões oferecidas às
brincadeiras as crianças. Esse capítulo discute sobre as categorias: espaços, intencionalidade,
pistas, interação entre pares, culturas infantis, múltiplas linguagens e desafios a crianças.
Já, no objetivo 2, é problematizada a organização do brincar no planejamento das
professoras, e as categorias que dialogaremos são: o ponto de partida às crianças, rotina,
diálogo institucional do planejamento, hierarquia, intencionalidade à perspectiva.
46
E, no objetivo 3, descrevemos a relação professor-criança e criança-criança nas
brincadeiras. Esse capítulo abordará as categorias: regras entre pares, a centralidade e o
direcionamento, brincadeiras de guerra, produção cultural, faz-de-conta e transgressão.
8.1 Vamos brincar? Como está ocorrendo este brincar na Instituição de Educação
Infantil
Como ocorrem as relações estabelecidas nas brincadeiras das crianças? Essas são
oferecidas? Que espaços são esses em que as brincadeiras ocorrem e como estão sendo
organizados para que ela ocorra? São temáticas a serem abordadas nas categorias abaixo, na
qual trarei muitas reflexões sobre as vivências que perpassaram esta pesquisa.
Para que possamos entender o contexto no qual é oferecido o brincar para essas
crianças, torna - se necessário contextualizar este cenário onde as brincadeiras ocorrem: desde
a sala deste grupo, até os espaços externos utilizados pelos mesmos. A sala onde foi realizada
a pesquisa se caracteriza por: uma entrada que dá as boas – vindas, com uma cortina de flores
feita de tampa de garrafa, e as flores são feitas de EVA.
Os brinquedos da sala são guardados dentro de uma caixa de madeira onde há vários
brinquedos...
47
As crianças têm acesso livre a esses brinquedos, pois os mesmos estão colocados em
um espaço que possibilita o acesso das crianças. Os brinquedos disponibilizados são
brinquedos industrializados.
A turma tem vinte crianças com idade de 3 anos, a sala é bem colorida e muito atrativa
para as crianças e foram as próprias professoras quem pintaram e fizeram os desenhos da
parede.
Esta é a porta de entrada com os dizeres: Bem - Vindos e o
nome das professoras.
Ao entrar na porta, avistamos um mural de aniversariantes com a data dos aniversários
das crianças.
Muitas borboletas, flores e peixes pintados na parede e uma centopéia no fundo da sala
com uma árvore e um grande sol.
A caixa de brinquedos.
48
A sala tem duas caixas com muitos brinquedos que estão atrás das mesas onde as
crianças sentam. Um cenário de teatro, um espelho grande que está encostado na parede, uma
mesa para a professora, um armário com materiais das professoras, uma prateleira com louças
de barro para as crianças brincarem e um criado - mudo com escova, pasta de dente e toalhas
das crianças.
Prateleira.
Este é o refeitório, e nele há um palco de teatro onde as apresentações são realizadas.
Este é o corredor ao lado do refeitório onde algumas turmas fazem seu lanche ou almoço.
49
Esta é a visão que temos ao lado deste corredor, que é também a visão que tenho da sala das
crianças.
Este é um dos parques que têm ao lado de duas turmas e é utilizado pelas mesmas. Possui
balanço e uma casa de bonecas.
Este canto é usado pela turma que estou como refeitório, pois o refeitório fica com
muito barulho quando há muitas turmas ao mesmo tempo nele.
50
Uma grande área aberta que a Instituição possui.
Espaço onde geralmente o grupo do projeto fica e onde as funcionárias lavam as roupas das
crianças e secam. E tem outro parque neste local, com um balanço e uma gangorra.
Parque localizado logo em frente à Unidade Educativa. Com um trepa-trepa e balanços.
51
Uma praça que se encontra entre os prédios. Com balanço e bancos para sentar.
Parque da ponte. Com balanços, escorrega e duas casas que são ligadas por uma ponte.
Campo de futebol, ao lado do parque da ponte.
Parque dos Colibris. Com um túnel de tubo, um labirinto, escorregador e balanço.
52
A primeira categoria, espaços, aborda o contexto deste grupo de crianças e de que
maneira elas brincam e têm acesso aos brinquedos. As crianças brincam com os brinquedos
que estão disponibilizados na sala, dentro de duas caixas de madeira, após fazer a escolha de
seus brinquedos, todos sentam nas cadeiras e brincam sobre a mesa, como podemos constatar
na descrição feita pela pesquisadora em que:
Hoje está chovendo e a professora pede que as crianças escolham um brinquedo e se
sentem à mesa para brincar. Todas as crianças assim o fazem. Meninas brincam de
barbi; meninos, de bonecos, uma casinha da barbi, dois sofás, um telefone e todos
permanecem sentados brincando. Passados 5 minutos que as crianças estão
brincando, a professora solicita que os mesmos guardem os brinquedos. Ela se
coloca no meio da roda e diz: - já estou aguardando vocês. (DIÁRIO DE CAMPO –
14/04/09).
Este relato do diário de campo descreve as brincadeiras que perpassaram o espaço da
sala dessas crianças e como é oferecido o brincar pela professora, que solicita ao grupo que
cada um faça a escolha de um brinquedo e se sente na cadeira para brincar sobre a mesa,
sendo estipulado um espaço e um tempo para o brincar, que impossibilita o próprio brincar.
Podemos perceber que cada criança escolhia seu brinquedo e brincava sozinha, não
interagindo com seus pares. Fiquei me questionando se o ato de escolher para si, o brinquedo,
significa para criança que só ela pode brincar com o brinquedo? E essa dúvida em questão se
evidenciou no dia em que estes foram brincar ao ar livre. Cada um escolheu seu brinquedo
antes de sair da sala, levaram bolas, brinquedos, bonecos, mas apesar de estarem ao ar livre,
debaixo de uma grande árvore, sendo esse, um lugar que possibilitava muitas interações e
possibilidades de brincadeiras, cada um brincou sozinho, chutando suas bolas e brincando
com seus bonecos.
Dialogando com a autora que baseou a fundamentação teórica desta pesquisa percebi
que a organização dos espaços múltiplos não remete a quantidade destes, mas às
características que são dadas ao ambiente, e, o que se quer com este (Agostinho, 2005). Que
possibilidades serão oferecidas às crianças que rompam com a lógica já vivenciada por elas
que traga o novo, o diferente, a interação entre os pares, que seja um cenário repleto de
encontros e desencontros. Ressaltando assim, a importância desses espaços estarem sendo
pensados, repensados, ressignificados com as crianças e em prol delas.
Assim, a autora Thiago (2000, p.58), descreve a responsabilidade do (a) educador (a)
em estar pensando nesses espaços, propondo ambientes diversificados, com propostas
diferenciadas que “ampliem as possibilidades de exploração” e da “pesquisa infantil”. A
autora ressalta ainda que, toda essa diversidade de possibilidades, além de privilegiar a
53
interação entre os pares, traz “autonomia, liberdade, iniciativa, livre escolha” (p.58) a estas
crianças que fazem parte desse espaço.
Mediante as discussões dos autores (a) aqui citados, podemos perceber que o espaço
que é oferecido ao brincar, descrito no diário de campo, restringe - se a um espaço
determinado e apontado pela educadora como o único lugar a ser explorado pelas crianças.
Não atendendo assim, a uma organização, a uma dimensão espacial mencionada pelos autores
(a), deixando de instigar a interação entre os pares, as produções e explorações infantis no que
se refere ao brincar.
Levando em consideração que os espaços oferecidos às crianças para o brincar devem
ser pensados, planejados com intencionalidade, visando sempre ao que se quer, e para o que
se quer. Que devemos planejá-los para que a riqueza de interações entre os pares seja
concretizada, que as culturas infantis sejam compartilhadas, ressignificadas e as múltiplas
linguagens possam ser fontes de muitas descobertas de si, do outro e do mundo que a cerca.
Outra questão observada foi à intencionalidade do planejamento das brincadeiras;
dada a importância de pensar esses espaços, além de organizar esses ambientes, devemos
saber o que queremos com ele, quais nossas intenções, objetivos, e é isso que devemos ter em
mente ao planejar as brincadeiras que serão oferecidas às crianças. Mediante isso, as
brincadeiras oferecidas pelas professoras contemplam brincadeiras dirigidas3 como podemos
perceber no relato em que:
A professora chama o grupo para brincar de galinha do vizinho. As crianças
começam a cantar: “a galinha do vizinho bota ovo amarelinho 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8,
9,10”. As crianças ficam em roda, um amigo fica fora da roda colocando o ovo atrás
de outro amigo que está sentado na roda. Esse amigo deverá pegar o amigo que
colocou o ovo atrás dele. Após todos terem colocado o ovo atrás de todas as
crianças, a professora convida o grupo para brincar de seu lobo. (DIÁRIO DE
CAMPO - 13/04/09)
As brincadeiras são conduzidas e oferecidas às crianças pela professoras através das
cantigas de roda e eram bastante frequentes no dia-a-dia das crianças, compreendida pela
professora como um momento de “recreação”. Quando perguntada como organiza seu
planejamento, ela menciona “que quando está indo dormir, pensa o que vai fazer no outro
dia”. Tais brincadeiras têm sua duração até que todas as crianças tenham participado ou
quando as mesmas demonstram desinteresse pela brincadeira conduzida pela professora.
Ao observar essas brincadeiras, ao propor o que podemos perceber é que elas são
proporcionadas com o intuito de manter o grupo sobre o olhar do adulto, essa lógica
3
Termo utilizado no Plano Político Pedagógico da Instituição Educativa.
54
adultocêntrica rompe com a perspectiva de Leontiev (1992) que indica, a criança precisa de
certo tempo para esquematizar suas ações, como podemos constatar na teoria de Vygotsky.
Como menciona Wajskop (2007), quanto maior a diversidade de experiências das crianças,
quanto mais aprenderem e interiorizarem momentos reais, maior será o desenvolvimento do
simbolismo da imaginação e da criatividade. Sendo assim, Brougère (1997), adverte que a
brincadeira não é inata na criança, ela aprende a brincar com os adultos mais experientes e
com seus pares. Dessa forma, as brincadeiras devem ser planejadas para possibilitar um
repertório vasto das mesmas. Esta lógica centrada no adulto desrespeita o tempo próprio da
criança de produzir sua própria brincadeira e apreender a mesma com uma outra criança,
impossibilitando assim, a ampliação do repertório infantil.
Outra categoria de análise diz respeito à fala das crianças que se traduz em pistas.
Essas pistas estão diretamente relacionadas ao registro do professor, instrumento pelo qual ele
pode dialogar consigo, com suas ações e com os atores dessa história, que são as crianças.
Colocando assim as crianças no papel de protagonistas, quando em sua posição de educadora
retoma seus registros, reflete através dos mesmos e encontra sinais advindos de suas crianças
para pautar seus planejamentos futuros.
Como se pode observar na pista que surge com o
diário de campo do dia: 14/04/09 onde:
A professora, enquanto arrumava as crianças, perguntou ao grupo o que tinham
combinado para fazer à tarde.
_ Rafa disse: vamos ao parque dos colibris.
_ E todos gritaram: oba !!!
Nesse dia, podemos perceber que as brincadeiras deste grupo também surgem através
de “combinados” 4 feitos com a professora, demonstrando a preocupação das mesmas sobre o
pertencimento da criança nesse espaço, que existe para ela e em prol dela. Essa dinâmica
estabelecida com as crianças, segundo Agostinho (2005), possibilita pensar as brincadeiras
através das pistas dadas por ela, tornando este momento de brincar com um teor de
significação maior aos pequenos, pois estes se sentem autores e atores atuantes e ativos neste
processo e resgatam aprendizados anteriores, rumo a novos conhecimentos, rompendo com a
adultez, muitas vezes imposta. E essa pista só foi reconhecida devido aos momentos
registrados pela educadora, onde ela percebeu as constantes falas das crianças a respeito do
encantamento, curiosidade, do desejo em ir ao parque dos colibris. Essa professora observou
em seus registros as possibilidades descritas por Gandini e Goldhaber (2002) de reviver,
4
Palavra nativa do vocabulário das educadoras de Educação Infantil. Significa acordos.
55
refletir sobre os momentos, tendo um olhar atento sobre as produções das crianças. Todo o
grupo explorou a diversidade do espaço e possibilidades que eram visíveis neste parque, onde
todos deram asas à sua imaginação.
A categoria interação entre os pares e culturas infantis surgiu a partir do momento
em que a professora levou as crianças na sala de outro grupo, onde trabalha uma educadora
muito adorada pelas crianças e que foi professora da turma no ano anterior. Logo ao entrar na
porta, estão penduradas as mochilas das crianças e um painel de recados para as professoras.
À direita da sala, na parede, tem um painel de aniversariantes que é um trem. Em cada vagão
tem o nome das crianças e as datas de seus aniversários. À esquerda, no canto da sala, a mesa
das professoras, ao lado uma garrafa de água com duas canecas para servir água às crianças.
Alguns materiais sobre a mesa, dois bonecos na parede (um menino e uma menina), outra
mesa no canto com bichos de pelúcias, como: cachorro, tartaruga e girafa. Uma caixa de
papelão com todos os brinquedos da sala onde as crianças esparramaram tudo no chão e assim
escolheram seus brinquedos. Mesa e bancos para as crianças e uma simpática varanda que
tinha vista para o lado externo da sala. Consideramos relevante descrever este espaço da sala,
pois ele não é tão decorado e esteticamente bonito como o da turma, na qual realizo minha
pesquisa. Mas o entendimento das profissionais que nela atuam, demonstra um olhar sobre as
interações e produções culturais deste dia, como podemos perceber no relato em que:
O clima da sala era diferente, descontraído, todo mundo brincando em todos os
lugares, sem restrições e regras nas brincadeiras, as crianças circulavam pela sala
sentavam no banco, brincavam sobre a mesa, iam até a varanda, eram donos do seu
espaço. Guto, com um boneco, mostrava - me tudo o que (pode) fazer, pula o
boneco, da cambalhota, fala, grita se diverte muito. Kaunay era só sorriso, dava uma
volta e vinha novamente ao meu lado, sorrindo, não me falava nada, mas aquele
sorriso dizia tudo: estava feliz em brincar naquele espaço. (DIÁRIO DE CAMPO
- 17/04/09).
Nesse dia, as brincadeiras surgiram por meio do encontro das crianças e através das
trocas das mesmas, suas interações foram intensas sem a interrupção dos adultos presentes.
Os espaços foram explorados e ressignificados por elas com toda a sua atuação criativa, o
banco virou um carro; as cadeiras, uma passarela, e até a caixa de brinquedos serviu de berço
para o bebê. As crianças eram autores e atores se suas vivências, de suas ações, de suas
interações e produtores de sua própria cultura. Cultura esta, passada através dos gestos, falas,
regras e entendidas por quem participa da situação que está acontecendo naquele meio.
(PERROTTI, 1990).
56
As brincadeiras também devem ser proporcionadas para que ocorra a interação entre
os pares, para que combinados sejam estabelecidos entre as crianças, e a produção cultural
possa ser constituída entre os pares. E isso ocorreu de maneira muito significativa como
menciona Oliveira (1995), a criança precisa interagir com seus pares, negociar ações,
brinquedos, precisa aprender através desse meio a tomar decisões, dar enredo às situações que
estão ocorrendo. Elas têm que assumir papéis, ter um olhar diversificado, reagir frente aos
obstáculos que surgem e atualizar seus aprendizados. Essa aprendizagem não é algo estanque,
está em processo de desenvolvimento e está sempre em constante transformação e criação. E
para que todo esse contexto ocorra, faz - se necessário deixar que as crianças brinquem entre
si sem a intervenção do adulto a todo o momento, possibilitando assim, a produção cultural
desses pequenos. Observado no momento em que: “Felipe e Diogo brincam na sala, cada qual
com seu carrinho. Felipe desafia Diogo a uma corrida. Os dois meninos se divertem muito,
transformando as paredes da sala, a mesa, cadeira, o chão, em pista de corrida de seus
carrinhos”. (DIÁRIO DE CAMPO - 17/04/09) Demonstrando que a imaginação, a criação
precisam ser vivenciadas através de um encontro consigo e com a outra criança.
Proporcionar brincadeiras que considerem toda a diversidade das crianças e dos
espaços faz com que muitas descobertas e aprendizados sejam feitos, e traze - la através das
múltiplas linguagens é compreender a criança em sua inteireza.
Múltipla linguagem
expressa no dia em que a professora mexe, remexe com as crianças através de uma
brincadeira onde muitas linguagens são contempladas como a gestual, corporal, oral, sonoromusical. Vale ressaltar que todos são envolvidos na mesma brincadeira, de forma lúdica, que
traz prazer a todos e os satisfaz como um todo:
Andréia convidou o grupo para brincar de “cobra”. E então começaram a cantar:
“Essa é história da serpente que desceu do morro para procurar um pedaço do seu
rabo. Ei você também, você também faz parte do meu rabão, ãao...”. Na brincadeira,
as crianças cantam essa música e começam a convidar os amigos que estão na roda
para passar debaixo de suas pernas e depois fazer parte da serpente, segurando na
cintura do amigo e fazendo uma fila e, assim, formando a serpente. (DIÁRIO DE
CAMPO - 22/04/09)
Nesse dia, a professora possibilitou o encontro das crianças fazendo com que cada
uma tivesse a possibilidade de agir à sua maneira, pois quando as crianças eram chamadas a
fazer parte da serpente, cada uma procurava uma maneira fácil para passar por debaixo das
pernas dos amigos. Uns rastejavam, outros abaixavam os braços e inclinavam o bumbum e
assim faziam, cada um ao seu modo. Tinham a possibilidade de gesticular enquanto faziam
57
parte da serpente, de cantar, balançar a cabeça e dar asas à sua imaginação através da
diversidade de possibilidades de seu corpo, conhecendo a si e a todos que o cercam.
Dessa forma, ao considerar o sujeito criança como um todo: corpo, mente, razão,
emoção, estaremos dimensionando todas as múltiplas linguagens das crianças e
proporcionando às mesmas, várias formas de interação e aprendizado. Interações e
aprendizados que só se desenvolverão se os espaços forem diversos, lúdicos, envolventes e
que desafiem as crianças em todas as suas necessidades.
Preparar então esses espaços, contemplando as múltiplas linguagens faz com que
várias dimensões das crianças sejam ressignificadas, desde o imaginário até as relações
afetivas, por isso, essas brincadeiras devem ter espaços que contemplem o encontro das
crianças consigo e com outras crianças. (FARIA E PALHARES, 2000). E, segundo Junqueira
Filho (1999, p.40), ensinar as crianças através de suas linguagens faz com que elas entendam
a si e ao mundo, são caminhos para que elas se produzam e produzam neste mundo, “são
todos os conteúdos curriculares” e que precisam ser articulados, pensados e acompanhados
pelos profissionais que estão com as crianças nas Instituições de Educação Infantil.
Outra discussão são os desafios para a criança que foi uma brincadeira oferecida pela
professora às crianças, e que demonstrou o seu planejamento em relação a essa brincadeira,
sua intencionalidade demonstrando o que se quer para aquelas crianças naquele espaço.
Assim:
Depois que voltamos do lanche, chegamos à sala e a professora tinha preparado um
circuito para as crianças brincarem e vencerem os obstáculos. As crianças tinham
que atravessar a sala e chegar à mesa e pegar um brinquedo para a professora que
estava sobre a mesa. Só que neste trajeto tinha cordões esticados pela sala, onde a
criança teria que usar estratégias para passá-lo e assim alcançar o brinquedo. A
grande alegria dessa atividade foi a superação de Rique que completou o percurso.
(DIÁRIO DE CAMPO - 22/04/09)
Sendo assim, a professora permitiu a este grupo de crianças tudo aquilo que estamos
dialogando até o presente momento, a organização de um espaço amplo, planejado, que
desafia, que dá às crianças a possibilidade de pensar suas ações trazendo o diferente, o novo,
ampliando suas vivências e seus aprendizados. Portanto, oferecer desafios às crianças faz
com que “níveis mais complexos de desenvolvimento” sejam alcançados, como destaca
Wajskop (2007, p.35).
As brincadeiras são oferecidas às crianças em um espaço definido por lugares e
tempos, não que esta Instituição não possua ambientes para essas crianças brincarem, mas
eles não são contemplados pelas mesmas. Pois apesar da diversidade de parques, ambientes,
58
lugares de encontro das crianças com outras crianças, não se observa a exploração desses
espaços, limitando a vivência das crianças ao seu grupo e à sua sala.
A intencionalidade a qual eram apresentadas às brincadeiras, em sua maioria,
demonstrava uma preocupação maior com a ordem do que com a diversidade de interações,
aprendizados e trocas das crianças, pois as mesmas eram conduzidas a brincar cada qual com
seus brinquedos, sentados nas cadeiras.
As brincadeiras também proporcionaram desafios às crianças, fazendo com que elas
desenvolvessem todas as suas múltiplas linguagens. Aconteceram momentos de interações
entre os pares e produção de culturas infantis, quando as crianças foram deixadas a brincar,
cada qual a sua forma e maneira de ser, estar, em um espaço e tempo só seu e determinado por
quem está brincando.
8.2 Brincar, puxa, fala, corre e rola: o que isso tem haver com o planejar das
educadoras?
Este capítulo dialogará sobre o registro realizado a partir do diálogo com a professora
sobre suas perspectivas a respeito do brincar, como organiza seus planejamentos e a relação
estabelecida entre as duas professoras sobre os planejamentos de sala. Este diálogo será
pautado pelo Projeto Político Pedagógico da Instituição, as falas da professora, as observações
feitas pela pesquisadora em sala e a concepção dos autores sobre as situações vivenciadas
neste grupo.
Na conversa com a educadora desta sala, a respeito de seu planejamento, revela que a
mesma tem como ponto de partida, as crianças, onde a mesma, ao ser questionada como se
organiza os planejamentos da instituição, menciona que:
Olha eu faço os meus planejamentos mensais, mas estou sempre atenta às crianças e
se percebo algum interesse por parte delas eu tento contemplá-los em meus
planejamentos. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09)
A professora demonstra a preocupação de estar sempre atenta às pistas dadas pelas
crianças e contemplando os interesses das mesmas em seu planejamento, olhar esse, que
precisa interpretar o que esse “outro criança” está observando e fazer uma leitura, colocando
- se no lugar dessa criança que observa. (COUTINHO, 2002, p.125).
59
Pistas e interesses tão enfatizados no texto “partilhando olhares”, discutidos pelas
autoras Batista, Cerisara, Oliveira e Rivero (2004), advertem a importância do educador na
sala das Instituições de Educação Infantil como mediadores, que através de seus olhares
atentos podem observar este ponto de partida das crianças, rompendo com o foco até então
advogado da centralidade do olhar do adulto.
Olhar este, que muitas vezes se esquece de
olhar para as crianças, e deixa passar as inquietações das crianças, momentos de interações
com elas que podem ser partilhados e significar a criança novos conhecimentos. (BATISTA,
CERISARA, OLIVEIRA E RIVERO, 2004).
Mediante a essa preocupação demonstrada pela professora em contemplar as pistas
dadas pelas crianças em seu planejamento, que resolvi investigar o Projeto Político
Pedagógico. Nessa investigação, tive a intenção de compreender o dialógo institucional
sobre o planejamento, nesse documento, o planejamento é tratado como “atividade dirigida”
assim “neste contexto, o planejamento prévio dessas atividades é primordial para o sucesso
quanto aos objetivos que se quer alcançar”. (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2007,
p.26). Diante disso, constatei uma quebra, uma dicotomia, um problema na articulação
institucional, ao ouvir da professora “que seu planejamento era visto pela coordenadora
pedagógica, só para ver o que estão fazendo em sala” (quando questionada, se seu
planejamento era visto por alguém). Apesar de mencionar que seu planejamento era apenas
visto pela coordenadora com intuito de controle, ao ser interrogada sobre qual respaldo
pedagógico ela tinha desses registros, a mesma argumenta que:
Sim, ela olha o nosso planejamento. Temos grupo de estudo bíblico, conversas com
a psicóloga, que nos renova e recarrega as energias e temos também oficinas de
professoras. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09).
Assim, apesar de evidenciar sua preocupação em estar contemplando as crianças em
seu planejamento, a mesma não subentende a importância do ato de planejar que é delinear,
lançar-se, promover interação do grupo, possibilitar as múltiplas vivências, não apenas um
papel a ser preenchido para ser visto. (OSTETTO, 2000). Deixando claro que o ato de
registrar naquela Instituição é apenas uma atividade burocrática a ser cumprida pelas
professoras.
No planejamento de um (a) educador (a) deve constar o que se quer para aquele grupo
de crianças, quais suas reais intenções; deve estar de comum acordo com a perspectiva da
Instituição, pois o planejamento é o sucesso daquilo que se quer para a criança, assim como, o
respaldo pedagógico da Instituição deve estar de acordo com essa perspectiva do Projeto
60
Político Pedagógico. Ainda sobre o planejamento de sala, quando abordada sobre se este é
feito só por ela, a mesma relata que:
Geralmente eu faço, trago, mostro para minha colega de sala, ela dá uma olhada,
sugere. Dou toda a abertura para ela planejar, mas planejamento é uma competência
do professor de sala e não dos auxiliares. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09).
Nesta fala da educadora fica nítida a questão da hierarquia institucional, em que a
professora regente de sala fica responsável pela questão pedagógica e a auxiliar de sala com
as questões higiênicas, evidenciando a dicotomia no que se refere à questão do cuidar e
educar. A professora demonstra sua frustração quanto a esta situação, articulando que não
concorda com essa postura, segundo ela não faz distinção de tarefas. Realmente não tem
como haver essa dicotomia entre o cuidar e educar, eles são indissociáveis, pois quando se
tiver um entendimento que não há um educar sem cuidar e um cuidar sem educar, as crianças
não receberão uma educação para cuidado integral que irá desenvolver todas suas dimensões.
Estando estas crianças em Instituições que ainda as vê divididas em corpo e mente como
compartimentos que devem ser aperfeiçoados por partes não sendo vistas em sua inteireza
(DIAS E MACÊDO, 2001).
Esta dinâmica só mudará quando aqueles que nela estão entenderem que o cuidar,
além de ser um tempo que privilegia a interação criança-criança e adulto-criança é um
momento de aprendizagem, pois é através da interação com o outro que o sujeito se constituiu
sujeito. (VYGOTSKY, 1998).
Outro aspecto abordado é a rotina da Instituição que se caracteriza pela recepção das
crianças às 7h da manhã, café, atividades, almoço, higiene, sono, lanche, janta/lanche e saída
às 18:30h, ressaltando que esta interfere significativamente no planejamento da professora
pois que tem que adequar o mesmo, a alguns horários que são inflexíveis como almoço e
lanche. Diante disso, a professora ao ser questionada sobre como organiza seus
planejamentos, ela relata que criou uma rotina para a sala e mostra a mesma descrita, em seu
caderno. Rotina esta que está organizada em:
07:00 às 08:00- horário de entrada e lanche das crianças.
08:00 às 10:00- roda, conversa com as crianças e atividades.
10:00 às 11:00 – brincadeiras.
11:00 às 12:00- livre.
12:00- almoço.
12:30 às 14:30 – sono.
14:30- lanche.
15:00 às 16:00- brincadeiras.
16:00- lanche.
16:00 às 18:00- brincadeiras.
(DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09).
61
Percebi ao ler seu caderno que a rotina descrita por ela demonstra - se semelhante à
que obtive acesso no Projeto Político Pedagógico da Instituição. Então indaguei com a
professora se aquela rotina não estava no Projeto Político Pedagógico da creche, mas a mesma
me respondeu:
Que não fui eu que criei, só coloquei os horários de entrada, saída, almoço e lanche
que são dados pela Instituição. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09)
Perante isso, tive a compreensão que o Projeto Político Pedagógico da creche não
tinha sido uma construção daquele grupo de educadores, e o mesmo, não foi apresentado
quando eles assumiram a docência das turmas, salientando que este é um documento que
exprime o que a Instituição, os funcionários almejam para as crianças que estão naquele
espaço. É através do Plano Político Pedagógico que a postura do (a) professor (a) em sala
deve pautar - se com a visão de mundo, criança, planejamento, educação, tendo assim um
referencial teórico a ser seguido, ou seja, o suporte pedagógico. Comparando a rotina
construída pela professora e a rotina da Instituição, percebemos que há alguns momentos que
não permite uma flexibilidade no planejamento do professor, a educadora restringe ainda mais
o espaço e o tempo de brincar, socializar, interagir das crianças. Um tempo o qual parece
pertencer somente ao adulto e que Batista (2001), apresenta como uma hierarquia regida por
normas, de um tempo e esse tenta sobrepor o sujeito criança que tem seu próprio tempo,
importando somente o tempo que a atividade ou brincadeiras tem que acabar, não sendo
levado em conta qual a significação desse momento à criança.
E esse tempo para o aparecimento das brincadeiras, da apreensão das crianças nas
atividades dirigidas pela professora se evidenciava no dia-a-dia daquele grupo de crianças
como algo acabado, posto, inflexível, pois a rotina era metodicamente seguida dia-a-dia com
horários rígidos para começo, término de atividades e brincadeiras. Wajskop (2007 p. 37),
ressalta que a criança precisa de uma rotina que “contemple um período razoavelmente longo
entre as atividades dirigidas” para que esta “se sinta a vontade para brincar”. Adverte ainda
que esse “tempo tenha uma configuração visual e espacial que facilite o desenvolvimento da
imaginação” (WAJSKOP, 2007, p.37), por isso, esse espaço e tempo como descreve
Agostinho (2005), é um lugar de brincadeira, de liberdade, de se movimentar, de encontro, de
coletividade e de sonhar que não pode ficar aprisionado a uma rotina rígida de horários e
tempo.
Dentro dessa rotina, o professor tem que organizar seu planejamento, e mediante essa
organização, ele deve ter claro a intencionalidade a qual irá propor os repertórios de
62
brincadeiras às crianças, ou seja, quais suas intenções para aquele grupo de crianças.
Portanto, quando a educadora foi abordada no que se refere como as brincadeiras são
contempladas em seu planejamento, a mesma expõe “às vezes estou indo dormir e penso o
que vou fazer com eles no outro dia”. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09). Com a apresentação
desta resposta, fica claro que a professora não se utiliza da ferramenta norteadora do trabalho
do professor que é o planejamento, o qual Ostetto (2008, p.15), trata como “a prática de
pensar a própria prática”. Então, continuo o diálogo com a educadora, perguntando se ela
descreve as atividades que vai propor, a mesma explica que tem aquela rotina feita por ela, em
seguida, pensa as atividades, executa - as e só depois registra como foi a atividade, mais uma
vez, a rotina aprisionando o professor e seu discernimento no ato de planejar. Com o
aparecimento da palavra registro, na fala da professora, propus uma última indagação: Vocês
então trabalham com registro? Então ela descreve que e o registro dela é semanal, que dá
aproximadamente duas folhas, salientando com este dado a importância da quantidade e não
da qualidade do que é descrito em seu registro, termina ressaltando que, quando considera
alguma fala importante das crianças, escreve e depois complementa no registro da semana.
É importante fazer uma última ressalva quanto ao que se refere ao registro,
planejamento, observação das crianças. Segundo Ostetto (2008), o planejamento e o registro
dos acontecimentos em sala com as crianças possibilitam ao educador a reflexão do seu
trabalho, o retorno das crianças, e de futuros encaminhamentos para aquele grupo, propicia
um diálogo consigo e com quem lê o relato, que se torna uma documentação, um fazer
história.
Finalizando o tema planejamento, procurei compreender qual a importância dada por
esta educadora ao contemplar as brincadeiras em sua rotina diária, fazendo este
questionamento a mesma, não querendo se comprometer com a complexidade da questão, ela
intitula seu trabalho como sendo muito lúdico e desenvolve este, através da ludicidade.
Insisto em uma resposta e reformulo minha abordagem, perguntando: As brincadeiras que
você pensa têm alguma intencionalidade? A educadora não tem dúvidas e responde “é, eu
trabalho muito a coordenação deles, é muito importante nessa fase e gosto de fazer muita
recreação”. Essa resposta, definitivamente, deixa clara a visão desenvolvimentista adotada
pela professora, que considera a criança como um sujeito que atinge estágios, e, assim,
desenvolve - se. Mediante isso, a educadora jamais poderia intitular seu trabalho de lúdico,
pois como indica Vygotsky (1987 apud CERISARA), a atividade lúdica tem sua nascente na
63
ação criadora, que é o mundo imaginário da criança, onde desejos impossíveis se tornam real.
Como essas crianças podem ter um espaço lúdico de produções, se estão cercadas pela rotina,
pelo curto espaço e tempo que é oferecido ao brincar de maneira livre, sem a supervisão do
adulto, que insiste em coordenar tudo e a todos, a todo o momento.
Diante disso, a autora Tristão menciona que esse olhar desenvolvimentista é uma
construção histórica que transcorreu por muito tempo à Instituição de Educação Infantil,
retificando ainda, persiste em algumas Instituições como podemos perceber na fala da
professora descrita acima. Essa visão tem relação com o conceito de infância entendido por
esta profissional que percebe essas crianças como “um corpo em desenvolvimento,
caracterizado pelas faltas”, sendo assim, essa idéia está pautada nos estudos da psicologia do
desenvolvimento. (TRISTÃO, 2005, p.29). Psicologia apresentada pela autora como um
manual que indica que, no mundo inteiro, as crianças se desenvolvem “praticamente da
mesma forma”, que elas são vistas e “fragmentadas em múltiplos pedacinhos de
desenvolvimento, tais como: cognitivo, afetivo, motor, social”, ou seja, se desenvolvem por
etapas, têm idades pré-estabelecidas para executarem funções, ações, fala etc. (p.31).
Demonstrando assim que essa visão está muito além das crianças que temos hoje nas creches,
pois são sujeitos articuladores de suas ações, produtores de sua cultura e exercem influência
no meio ao qual estão inseridos.
Considero que o grande problema diante da temática, o planejamento, deve - se à falta
de dialógo institucional sobre o planejamento, pude perceber que a forma pela qual a
educadora organiza o mesmo, dá - se através do conhecimento apreendido por ela em sua
prática e a formação que obteve no Magistério. Pois a educadora já consegue ter um olhar
atento a algumas questões a respeito do brincar das crianças, contemplando as pistas dadas
por elas em sua rotina e percebe também a hierarquia da Instituição no que se refere às
funções da professora e da auxiliar de sala.
O brincar diante desta lógica no planejamento da professora tem um caráter
desenvolvimentista tendo seu direcionamento voltado para questões como coordenação
motora, aspectos cognitivos e estágios a serem alcançados. Ressalto a importância de uma
conversa sobre o Plano Político Pedagógico da Instituição com os professores, uma vez que é
o primeiro passo para a compreensão de todos, no que se refere à intencionalidade de um
planejamento, como planejar e a rotina possa ser vista em sua flexibilidade. E que se possa
64
pensar e ter um conceito de infância, mundo, planejamento educacional e referencial teórico
como suporte pedagógico, pensando sempre no que se quer para esse grupo de crianças.
8. 3 O que dizem as brincadeiras a partir do olhar das crianças?
As brincadeiras perpassam o cotidiano das crianças, seja na creche, na casa de um
amigo ou na sua própria casa. É nela que a criança manifesta todas as suas linguagens que
adentra em um mundo imaginário que é só dela, e neste mundo, tudo que no mundo real não é
permissível, ela vivencia; um mundo de faz-de-conta onde uma vassoura pode se transformar
em um belo cavalo. Onde tudo se cria, recria e se ressignifica através das vivências destes
sujeitos construtores de sua história que fazem história.
Dessa forma, as crianças interagem entre si, criam e estabelecem regras entre seus
pares, regras essas de conhecimento somente daqueles que participam das brincadeiras, que
podem mudar, de acordo com o caminhar da brincadeira, mas que têm sua mudança mediante
a aprovação de todos, como se pode perceber no relato em que:
Dois meninos brincavam na mesa um com carrinho e o outro com uma pista, o
Alexandre sugere que o Bruno troque o brinquedo com ele. Ao trocar, o Alexandre
bate o brinquedo no Bruno e pede desculpa ao mesmo. Os dois dão muita risada e
continuam a brincar. Enquanto o Alexandre e o Bruno brincavam, o Carlos chega e
pega o brinquedo que está sobre a mesa. O Alexandre se enfurece e arranca o
carrinho da mão do menino. Bruno vê a cena e chama Carlos de bobinho. O
Alexandre fica chateado, pois ele estava brincando com o carrinho e só tinha largado
para pegar o boneco que estava ao seu lado. (DIÁRIO DE CAMPO - 08/04/09)
Nas brincadeiras, as crianças estabelecem relações, criam regras e fazem
“combinados”: para entrar na brincadeira tem que obter autorização daquele que está
envolvido, não se pode entrar em uma brincadeira sem saber como aqueles que participam
estão brincando. É através dessas interações que a criança se desenvolve e encontra situações
que testam seus conhecimentos, ampliam suas competências, possibilitam novas vivências,
tomadas de decisões e permitem que elas façam a primeira leitura do mundo que as cerca,
sendo esta encharcada por “sentidos e significados” construídos, compartilhados por meio de
uma história. (COUTINHO, 2001, p.105).
Nas brincadeiras com seu modo de agir e de se constituir como criança e entre seus
pares, estas compartilham uma “identidade social coletiva”, onde criam “uma ordem social
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instituinte”, mas isso não surge de uma hora para outra, é um processo de apreensão através
da troca com o adulto que a cerca. (FERREIRA, 2004). Assim, Oliveira destaca que este
processo é uma intensa atividade onde há uma atualização de conhecimentos já apreendidos,
com uma ação sempre nova, feita entre os pares que “negociam objetos, ações e ritmos” no
ato das vivências estabelecidas por eles. (1995, p.59).
As relações estabelecidas nas brincadeiras com a professora e as crianças têm um
modo por parte da educadora na centralidade e no direcionamento das mesmas. Pois a
professora, como já mencionado no capítulo “As brincadeiras”, oferece estas, centradas na
organização dos adultos, ou quando as crianças estão brincando, a mesma sempre está
supervisionando o que as crianças falam entre si e como as brincadeiras estão sendo
conduzidas pelas crianças. Falas vindas das crianças como:
Eu sou do mal, vou te matar, você é um monstro, são recriminadas pela professora
que intervém a cada fala das crianças a este respeito dizendo: que é feio e não é
legal. Ainda neste dia, a professora brinca com Antônio que está com uma cartela de
bichinhos, ele tenta pronunciar o nome dos mesmos, ela percebe que ele não
consegue pronunciar o nome de alguns animais corretamente e começa a perguntar
para o menino: -olha o cavalo! Ele assim começa a repetir o que a professora fala,
ainda com dificuldades, mas prestando muita atenção na pronúncia da professora.
Ela percebe que eu a observo e diz: - não gosto de deixar o grupo muito solto, gosto
de dirigir as brincadeiras. (DIÁRIO DE CAMPO - 08/04/09).
A professora, em quase todos os momentos, está envolvida nas brincadeiras das
crianças, auxiliando ou intervindo com os mesmos. Nesse caso, acredito que a intervenção
dela vem a contribuir para o desenvolvimento desse menino, mas será que a todo o momento
essas intervenções contribuem ou seria melhor se colocar na posição de pesquisadora para, a
posteriori, fazer uma intervenção com mais elementos? Nas intervenções feitas por ela, na
questão das falas das crianças demonstrou - se a centralidade e o direcionamento do educador,
evidenciando que as brincadeiras produzidas naquele espaço não podem ser oriundas da
construção das crianças, mas sim, o que o professor quer que ela diga e faça em suas
brincadeiras.
É necessária uma reflexão sobre o papel do professor (a) como mediador neste
contexto, não como centralizador e direcionador das brincadeiras que ali perpassam, mas
como participante nesse contexto como um articulador desse processo. Os professores (as)
podem adentrar no mundo da brincadeira com as crianças, desde que tenham a apreensão dos
momentos que deva adotar uma postura de observador (a), quando podem participar das
mesmas, coordenando e em que situações podem participar das brincadeiras. (CERISARA,
2002 apud OLIVEIRA, et alli, 1992, p.102).
66
O papel do professor nesse processo é o de suscitador de descobertas, através da
excitação do diálogo, em uma atuação conjunta com a criança de conhecimento e troca. Sendo
essas descobertas uma construção social entre o adulto-criança e entre criança-criança
(EDWARDS, 1999, p.161). Diante disso “[...] mediador entre o conhecido e o desconhecido.
Não mais um centralizador, mas aquele que,” coordena atividades e momentos vivenciados
em sala, a respeito do brincar, escuta as múltiplas linguagens que expressam tudo o que a
criança quer anunciar e deve desenvolver. Um educador (a) que brinca junto, que sugere, não
impõe brincadeiras, que traz significação para as ações e experiências das crianças. E que se
coloca no papel de observador, ouvinte, percebendo as linguagens e expressões que as
crianças revelam. (THIAGO, 2000, p.60).
Os encontros e desencontros das brincadeiras também transcorrem em um mundo de
ações e reações que não são vivenciadas no mundo real pelas crianças como partes integrantes
de sua ação, mas que são presenciadas por muitas em seu dia-a-dia. E que são somente
estabelecidas no mundo do faz-de-conta e na criação imaginária das mesmas, o mundo das
brincadeiras de guerra, traduzidos em desenhos animados como: power rangers e etc. Estas
brincadeiras foram fontes de muitos conflitos por parte da educadora com as crianças, pois as
crianças insistiam em brincar de luta, na posição de homem do mal, quando a mesma
indagava sua reprovação a essas maneiras de brincar, como podemos destacar no dia em que:
Três meninos brincam na mesa e Anderson diz:
- eu sou o homem do mal.
A professora intervém e diz:
- quem é do mal?
O menino sorri e diz:
- não, é do bem! só de brincadeira, eu falei que era do mal.
E a professora reforça dizendo:
- tem que ser do bem.
A professora me olha e diz:
- sabe Kelli, eles gostam de ser personagens do mal, por isso eu tenho que falar,
vêem muita televisão e adoram ser do mal. E tenho que avisar que legal é ser do
bem. Continuando a brincadeira, o Anderson fala em tom baixo: - eu sou do mal,
viu cara, eu sou do mal, ouviu. Eu disse: que eu sou do mal, sou do Power rangers
do mal. Vamos matar o urso panda, disse ele, percebendo que os amigos não lhe
estavam dando a devida atenção. Os outros dois meninos só gesticulavam os
brinquedos como se eles lutassem com o ar, nem percebendo o chamado insistente
do amigo (DIÁRIO DE CAMPO - 08/04/09).
As brincadeiras possibilitam à criança viver situações por elas nunca vividas ou criar e
recriar cenas da cultura adulta que ainda não fazem parte do seu contexto. Dar à criança a
oportunidade de extravasar seus sentimentos, de expressar suas angústias ou seu sentimento
de insatisfação. Será que mostrar as brincadeiras de lutas como não sendo legais é a melhor
67
solução? Tirá - las da sala, o que fazer? Como mediar essas situações? Brougère, descreve
que, estas brincadeiras embrenham o mundo das brincadeiras infantis, sem pedir licença, são
muitas vezes simulações de “desenhos animados, brigas de família e noticiários de jornais”
vistos pelas mesmas. O autor ainda menciona a dificuldade da criança em controlar seus
sentimentos, consistindo a brincadeira de guerra, em um meio para extravasar esta
agressividade contida e a brincadeira também ser um espaço onde o aflorar deste sentimento é
permitido nesse contexto social do brincar, sem que haja uma descriminação à ação da
criança. (2008, p. 79). Sabat, na descrição de sua tese a respeito do “Educar para a
sexualidade normal”, menciona que os desenhos infantis têm um “caráter performativo” em
suas histórias e enunciados trazendo normas de gêneros, condutas, guerra, feio, bonito, cores
de menina e de menino e a constituição de meninos e meninas na sociedade de uma forma
discriminatória.
Ressaltando que o trecho do diário de campo descrito sobre as brincadeiras de guerra
produzidas pelas crianças, tem todo um contexto que deve ser levado em conta, a vivência de
um dos meninos com um irmão mais velho que joga vídeos violentos, onde pessoas morrem
com tiros de fuzil. E a sensação trazida pelas experiências vividas pelas crianças em ser o
mais forte, o monstro do mal e o desejo de construir vivências ainda não pertencentes ao seu
mundo real.
No intercâmbio estabelecido nas brincadeiras pelas crianças ocorre a produção
cultural, essa cultura decorre do acúmulo de experiências, interações e movimentos feitos
pelas crianças no transcorrer de uma história. Essa produção possibilita à criança a articulação
entre o mundo real e seu mundo imaginário, sendo esta ação, uma síntese das experiências
anteriores já exploradas pelas mesmas.
Dessa forma, o diário de campo nos traz uma
descrição onde podemos evidenciar esta produção cultural:
Maria embala o bebê, enquanto o João que está ao seu lado se olha no espelho. Ela
sai e ele vai até o berço embala o bebê, cantarolando uma música: nana neném que a
mamãe já vem..., só que ele embala o bebê com muita força e ele acaba caindo, o
João faz uma cara de espanto, arruma o bebê no berço e sai de perto da brincadeira
sentando - se na cadeira, espera a menina voltar e ele a observa por alguns instantes,
esperando que ela observe alguma diferença. Observa que ela não percebe que o
bebê caiu e vai brincar com um carrinho. Ela o chama novamente e diz: vem já
marido cuidar do seu filho, pára de preguiça. (DIÁRIO DE CAMPO - 08/04/09).
Podemos perceber que esta brincadeira traduz cenas presenciadas por essas crianças
em casa, no cuidado consigo mesmo e com seus irmãos feitos por seus pais, mas que também
evidencia a leitura das mesmas a respeito do papel que pais e mães devem ter com seus filhos,
68
não sendo de responsabilidade somente da mãe o cuidado com os pequenos. Demonstrando
um olhar de igualdade de relações entre meninos e meninas. As brincadeiras conduzem o
aprendizado das crianças, traduzem suas descobertas, como cuidar do bebê, posições sociais
de meninos e meninas, ou seja, espaço e tempo de muitas descobertas a esses pequenos.
Essa criação da cultura infantil vem do “impulso criativo” da criança que é o ato de
imaginar, onde são feitas combinações entre o real e o imaginário. A combinação destes dois
elementos é algo novo, criado, que pertence à criança sem se tornar apenas uma coisa ouvida
e repetitiva. Essa aptidão em articular o antigo com o novo é a base de toda a criação da
criança. (CERISARA, 2002, apud 1982, p. 139). Ainda sobre a cultura infantil, Perrotti
descreve que essa produção cultural infantil permite as crianças tomarem decisões no meio ao
qual estão inseridos e exerce influência no mesmo. (PERROTTI, 1990). O contexto das
brincadeiras proporciona a aparição da cultura infantil, sendo esta uma leitura do
experienciado e do presenciado por esses pequenos, produzindo e construindo sua própria
cultura através de suas interações e regras.
O faz-de-conta também é um ponto a ser destacado no que se refere às interações que
ocorrem no brincar, esta é uma expressão daquilo que foi apreendido pelos pequenos e
evidencia suas construções em relação à temática apreendida, por exemplo, ao ouvir uma
história sobre um cavalo e como esse cavalga sobre o campo. A criança pode traduzir este
cavalgar através de um objeto que interpreta aquela situação apresentada e que agora é de
conhecimento da criança. Uma ação que será vivenciada através do seu processo imaginativo
a partir da brincadeira de faz-de-conta. Mediante isso, o brincar de faz-de-conta se revela no
momento em que:
A brincadeira do seu lobo, a professora se esconde, as crianças têm que achá – la.
Quando todas as crianças a encontram, o lobo, que é a professora, corre atrás das
crianças para pegá - las e quem é pego primeiro é o lobo. Que se esconderá para o
grupo achar. Na brincadeira, quando as crianças eram achadas, saiam correndo e
gritando atrás dos amigos. Gabriel é pego e se esconde, e a professora pergunta:
- Cadê o Gabriel?
- Pedro diz: está aqui professora.
- e Gabriel diz: não tô não.
E a professora surpreende o menino por trás, que sai correndo para pegar os colegas.
(DIÁRIO DE CAMPO - 13/04/09).
As brincadeiras de faz-de-conta mexem com o imaginário infantil despertam
sentimentos de medo, suspense que possibilita as crianças viverem um misto de sentimentos
em uma situação só. E fazem com que elas expressem seus sentimentos e suas ações em um
combinado de múltiplas linguagens, que permitem a satisfação de desejos e anseios
69
resguardados por elas. Nesse contexto, “surge o campo do significado, mas a ação dentro dele
ocorre assim como na realidade”, nesse sentido, o significado vem primeiro, pois descreve
como será a ação da criança representada por um objeto que trará essa ação. (VYGOTSKY,
1994, p. 119). Todas essas expressões e impressões podem ser visualizadas nessa descrição do
diário de campo, com o conflito entre a satisfação e o medo de brincar de seu lobo.
Outro aspecto a ser discutido é a domesticação dos corpos por meio da brincadeira,
instituindo nelas tempos e espaços definidos pelos adultos e que devem ser seguidos pelas
crianças. Essas crianças na construção de sua própria identidade como sujeitos críticos,
criativos, que interpretam e recriam suas vivências através de suas relações com o meio em
que vive, constroem e articulam meios para a transgressão desse condicionamento das
brincadeiras oferecidas a eles pelo adulto. Como podemos perceber no espaço e no tempo do
brincar, no dia em que:
Antônio pega um brinquedo, mas quando a professora percebe, pede que ele guarde
e volte à roda, enquanto Rique continua brincando na mesa. Com a chamada de
atenção da professora, as crianças começam a indicar os amigos que tentam quebrar
as regras, pegando o brinquedo, enquanto a brincadeira do caçador rola na roda da
sala. Todos já tinham sido caçadores ou o amigo que fica no meio da roda tampado
com o cobertor. Diante disso, a professora convida o grupo para brincar de caçar o
urso (DIÁRIO DE CAMPO - 14/04/09).
As crianças tentam quebrar a rotina, burlar o que não as interessa, mas também sabem
denunciar quando suas regras são quebradas. Esta ação de trazer brincadeiras em que todos
tem que fazer tudo, ao mesmo tempo, é uma incorporação da naturalização dos corpos,
visando à escolarização e o disciplinamento instituído na escola, já dimensionando a estes
corpos, hábitos deste cotidiano. Esse corpo é nas crianças um condutor para a socialização da
cultura infantil através de seus movimentos, cabe ressaltar que o brincar não está alheio à
escola, e, ao aprender, os dois caminham juntos, aprendemos brincando. (FINCO, 2007). A
criança brinca a qualquer hora e a qualquer momento, sempre encontra uma brecha para
romper com o não - permitido e produzir sua própria ação por meio do brincar.
As relações estabelecidas nas brincadeiras passam pela centralidade e direcionamento
da educadora através do brincar, estabelecido por tempos para começar e acabar e com
espaços limitados para a exploração das crianças. Suas interações entre os pares no brincar
são organizadas por regras acordadas antes do começo das brincadeiras, não podendo ser
mudadas sem a aprovação de todos que nela brincam.
As brincadeiras de guerra surgem como uma transgressão daquilo que o adulto
considera certo para o brincar da criança, não levando em consideração aquilo que a criança
70
apresenta neste momento de brincadeira. A produção cultural e o faz-de-conta são observados
quando este grupo tem a oportunidade de cada um brincar à sua forma, e da maneira sem a
mediação insistente do adulto, que considera necessário intervir a todo o momento, não
deixando as crianças construírem seu próprio brincar.
71
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contato com o campo de pesquisa possibilitou muitas descobertas a respeito do
brincar dessas crianças. Como um simples pufe, pode se transformar em uma cama de um
consultório médico, e em uma brincadeira, podemos assumir o papel de pai e com um piscar
de olhos nos encontramos na posição de filho; essa é a dinâmica traduzida nas brincadeiras
desses pequenos. E com toda a diversidade de falas, gestos, olhares, apresentados pelas
crianças nessas brincadeiras, elas nos representam e dizem tantas coisas, que precisaríamos de
uma vida para entender e compreender tudo que perpassa o mundo do brincar na Educação
Infantil. Crianças criativas, ativas, que se lançam em um mundo só seu constituindo regras,
reafirmando combinados, trocando saberes, aprendendo e ensinando ao outro criança, e ao
adulto que a observa.
Então ter como intenção dessa pesquisa, a observação do espaço e tempo do brincar na
Educação Infantil, proporcionou a contextualização e a observação de como está sendo
oferecido esse brincar para essas crianças. Precisamos ter claro que esse espaço é um direito
da criança, sendo assim, um ambiente diverso que contemple todas as múltiplas linguagens
desses pequenos. E esse possibilite a interação entre os pares, do adulto com a criança, que
tenha um tempo de brincar próprio, que pertence só a quem brinca, e que nesse brincar, a
criança possa dar asas à sua imaginação e voar rumo ao novo horizonte de descobertas e
aprendizados.
Diante disso, podemos perceber que no primeiro capítulo da análise, no qual
mencionamos como essas brincadeiras estão sendo oferecidas a este grupo de crianças,
analisamos que esta Instituição possui uma diversidade de espaços em que pode ser
proporcionado o brincar.
Mas esses espaços não são organizados e planejados com
intencionalidade e com o objetivo de proporcionar o brincar a essas crianças.
Estas ações que permeiam o brincar são vistas pelo educador (a) como algo centrado
no ato de ensinar do adulto, impossibilitando assim, por muitos momentos, a construção de
brincadeiras oriundas das crianças. Impedindo a esses pequenos a troca de culturas infantis e a
produção cultural que ocorre por meio da interação proporcionada pelas brincadeiras.
Considerando que essas brincadeiras eram apresentadas ao grupo de crianças, com regras,
tempos e espaços indicados pelo adulto, sendo o término dessas brincadeiras orientado por um
72
olhar atento da educadora, que ao imaginar uma sombra de bagunça, desordem, instituía o fim
da mesma.
A falta de um diálogo institucional, em muito ajuda essa estrutura criada para o
planejamento e o brincar dessa creche, pois a mesma, possui um Plano Político Pedagógico,
organizado pela última vez, no ano de 2007, sendo esse documento uma ferramenta didática
que norteia conceitos, características, ações, indicativos para o que se quer nesta Instituição,
para o que se quer dos funcionários e para o que se quer a essas crianças. Perante isso, o
planejar esbarra na rotina, na centralidade e direcionamento do adulto, na falta de
intencionalidade e no objetivo de desenvolver a criança através de um olhar
desenvolvimentista.
Desse modo, as interações que ocorrem no brincar entre os pares e com o adulto são
repletos de conflitos, pois as crianças, em sua inteireza, tentam demonstrar que são sujeitos
ativos, que criam, recriam e ressignificam suas vivências, quebrando as regras impostas pelo
adulto durante o processo de brincar. Esse transgredir das regras é visto pelo adulto como
indisciplina, bagunça, desordem, mas nada mais é do que o ser criança que vive intensamente
tudo o que lhe é proporcionado, com toda a sua corporeidade, expressa através de suas
múltiplas linguagens.
Linguagens essas, sem espaços/tempos fonte de descobertas, encontros e desencontros
de um sujeito criança que brinca, expressa - se, sonha, deseja, almeja o brincar para o brincar.
Em um espaço e tempo planejados, organizados pelo adulto com a criança, sobre o olhar da
criança e com o jeito de ser criança, com mistério, com coisas para serem desvendadas,
encontradas, criadas, imaginadas, inventadas, ou seja, um espaço lúdico para o brincar.
Consideramos também que o desenrolar dessa pesquisa poderia ter trazido
contribuições significativas para essas professoras, se a mesma tivesse sido uma pesquisaação, onde a pesquisadora se coloca na posição de articuladora do grupo, propondo assim,
proposições na área a ser investigada, aqui, no caso, o espaço e o tempo oferecidos ao brincar.
Podendo ainda, através dessas proposições, articular a teoria com a prática, evidenciando que
todo este espaço é muito rico em possibilidades; que a criança necessita de um espaço e de
um tempo livre para o brincar e o quanto a brincadeira é importante e significativa para sua
aprendizagem e desenvolvimento. Organizando, dessa forma, um grupo de estudo, com
professores e coordenação pedagógica para estes estudos a respeito do brincar, do espaço, e
73
tempo e propor a reformulação do Plano Político Pedagógico da Instituição, deixando este,
com a cara e o jeito daqueles que estão com as crianças e para as crianças.
Sugerimos, mediante as descobertas feitas através desta pesquisa, que sejam
desenvolvidas novas pesquisas no que se refere à formação dada aos pedagogos que
trabalharam nas Instituições de Educação Infantil, o que está sendo discutido pela acadêmica
a respeito do brincar, do planejamento e do sujeito criança. Como está se dando a articulação
entre a teoria e a prática nos bancos acadêmicos. E como as Instituições vêm apresentando o
Plano Político Pedagógico aos professores que estão adentrando à mesma, e se estes têm,
posteriormente, uma participação na reformulação do mesmo. São questões a serem
averiguadas e de muita significação para todo esse contexto apresentado nesta pesquisa.
Esta pesquisa trouxe uma relevância de cunho acadêmico que acompanha o professor
(a) por toda a sua vida que é a sua formação, como este sujeito que exerce a docência encarou
sua formação e a vem encarando, pois ser professor é estar se constituindo durante toda a sua
vida, um educador nunca está pronto e acabado. Este se faz durante toda a sua existência, em
constante transformação, aprendizado, descoberta e pesquisa. Uma outra relevância é de
cunho social, e se refere ao olhar que a sociedade vem demonstrando a esses pequenos, como
os vêem, entendem, significam, respeitam, interpretam esse sujeito criança que se constitui
hoje, em toda a sua dimensão. Dimensão esta da criança que por um longo tempo, na história,
foi vista como “angelical”, “adulto em miniatura”, tratado por aqueles que tinham a
responsabilidade pelos seus cuidados sem nenhum sentimento e apreço.
Dessa forma, consideramos possível tornar este lugar denominado creche, em um
espaço organizado, planejado, que manifeste a intencionalidade dos educadores para com as
crianças. Demonstrando e caracterizando este espaço como sendo um ambiente para o brincar,
rico em estímulos, para a produção de cultura e socialização da mesma pelas crianças que nela
habitam.
Nessa configuração, a criança terá um espaço e um tempo para o brincar que lhe
possibilite extravasar suas ansiedades, descobertas, dúvidas, aprendizados em um brincar
pautado no faz-de-conta. Assim, a criança quando brinca:
74
Estica
Sobe
Puxa
Anda
balanÇa
cOrre
Trepa - trepa
Esconde
Mexe, remexe
Passa
Opa!
Brinca
Ri
Implica
Numa
Caminhada
Aonde
Regras,
Combinados são
Resignificados
Imaginados
nA hora e
No espaço, tempo onde a
Çriança
Amplia o
Seu brincar.
Autora: Kelli Cristina Pereira / 2009.
75
10 - REFERÊNCIAS:
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76
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82
Apêndice
83
APÊNDICE I - TERMO DE CONSENTIMENTO
LIVRE E ESCLARECIDO:
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – CURSO
DE PEDAGOGIA TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO:
Eu _____________________________________________________________, declaro que
fui informado sobre todos os procedimentos da pesquisa cujo tema é “Qual o espaço e tempo
oferecido para o brincar na educação infantil na Rede Pública? ”. Estou ciente de que a
pesquisa será realizada obedecendo aos seguintes critérios:
a- Os instrumentos para a coleta de dados se darão através das narrativas das crianças, dos
profissionais que nela atuam, através de imagens fotográficas, áudio e vídeo.
b- Nossos encontros serão dez dias que corresponde a duas semanas do mês de abril de 2009.
Declaro que fui informada sobre todos os procedimentos da pesquisa e que recebi, de
forma clara e objetiva, todas as explicações pertinentes ao projeto e que todos os dados a meu
respeito
serão
sigilosos.
Eu
compreendo
que
neste
estudo
as
mediações
dos
experimentos/procedimentos de tratamento serão feitas por mim. E que poderei ter acesso às
informações da pesquisa a qualquer momento.
Nome por extenso dos pais ou responsáveis: _______________________________________
RG: _______________________________________________________________________
Local e data: ________________________________________________________________
Assinatura: _________________________________________________________________
Nome da criança: ____________________________________________________________
PESSOAS PARA CONTATO:
PESQUISADOR RESPONSÁVEL:
ALUNA RESPONSÁVEL:
Regina Ingrid Bragagnolo
Kelli Cristina Pereira
NÚMERO DO TELEFONE:
(48) 8427-5751
ENDEREÇO ELETRÔNICO:
[email protected]
NÚMERO DO TELEFONE:
(048) 3346-20-82
ENDEREÇO ELETRÔNICO:
[email protected]
84
VAMOS BRINCAR?
O ESPAÇO E O TEMPO DO BRINCAR NA
EDUCAÇÃO INFANTIL DA
REDE PÚBLICA
Kelli Cristina Pereira5
Regina Ingrid Bragagnolo6
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo descrever qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar
na Educação Infantil da Rede Pública, como estão sendo oferecidas estas brincadeiras aos
pequenos, de que forma essas relações estão ocorrendo, e como é organizado o brincar no
planejamento das professoras e que espaços e tempos estão sendo dados ao brincar. Dessa
forma, o método desta pesquisa está baseado em uma pesquisa observação - participante, no
qual, o pesquisador, coloca - se na posição de observador, preocupado em entender o contexto
ao qual observa, e estabelecer relações neste processo, interagindo com as crianças e com os
profissionais desse grupo. Os sujeitos participantes desta pesquisa são vinte crianças de 3 anos
e duas professoras. Nossos encontros compreenderam o período de dez dias, do mês de abril,
no turno vespertino. Sendo esses encontros, orientados pelas observações registradas no diário
de campo, que, posteriormente, foram utilizadas para sistematizar e analisar os dados da
técnica de categorização, a partir da análise de conteúdo. Diante disso, as brincadeiras ainda
perpassam pela centralidade do adulto, e essa pesquisa poderia ter contribuído de forma mais
significativa a esse grupo de crianças e professores, se tivesse sido conduzida por uma
pesquisa-ação.
Palavras - chave: Espaço. Tempo. Brincar.
ABSTRACT
SHALL WE PLAY?
THE SPACE AND TIME FOR PLAYING IN UPBRINGING EDUCATION IN THE
PUBLIC SCHOOL
This research aims at describing the space and time available to play in the upbringing
education in the public school. As these games are being offered to children, and how these
relationships are happening; how the teachers organize their teaching plan; as well as space
and time are given to play. Thus, the method of this research is based on a research
observation – participant, in which the researcher stands himself in the position of observer
and also concerned to understand the observed context, so as to establish relationships in this
process, interacting with children and professionals with this group. The participant – subjects
in this research are consisted of twenty children at the age of three year old and two teachers.
Our meetings lasted for ten days in the afternoon April, since those meetings were guided by
some observation and then written down in a diary, which was later taken to systematize and
analyze data from the technical categorization, from the analysis from content. Having this in
5
Curso de Pedagogia – 2009.
Centro Universitário Municipal de São José – USJ.
6
Professora orientadora do trabalho de conclusão de curso.
85
mind, the games still permeate the centrality of the adult, and this research could have
contributed more significantly to this group of children and teachers if it had been conducted
a research – action.
Keywords: Space; Time; Play.
Introdução
Essa pesquisa surgiu com inquietações adquiridas ao longo de uma trajetória de
trabalho na área da Educação. A temática sobre o brincar, sempre foi muito discutida entre
professores, em encontros de formação dos mesmos, mas, nessas falas, algo faltava, e que me
interessava muito, e foi neste momento que apareceu a vontade de entender como está sendo
oferecido o brincar na Educação Infantil. Esse sentimento intensificou-se com o transcorrer
dos estudos feitos no meio acadêmico, onde as leituras realizadas a respeito do brincar,
despertavam muitos questionamentos.
Diante de todos os questionamentos que permearam minhas leituras, vale destacar:
Será que os professores planejam os momentos de brincadeiras? Será que há o entendimento
de sua importância ou encaram como algo natural para esse tempo? E o que acontece a partir
das interações entre as crianças, será que precisam ser planejados? Afinal, o que é brincar? É
quando manipulamos objetos, como bonecas, carrinhos? Ou quando se brinca de faz-deconta? O que as crianças podem nos revelar sobre o conceito de brincar? Brincar é coisa só de
criança? Devemos oferecer brinquedos ou espaços para que possibilitem às mesmas? As
brincadeiras devem ser mediadas ou as crianças preferem brincar sozinhas? Qual o olhar que
está sendo direcionado a essas brincadeiras? A brincadeira é uma fase importante na
Educação Infantil, qual seu significado? Tentando perceber qual o espaço e o tempo
oferecidos para o brincar na Educação Infantil na Rede Pública é que esse Projeto foi
idealizado.
Antes de adentrar no mundo da pesquisa, lançando-me como pesquisadora nesse
processo, procurei realizar uma “pré-análise” de conteúdos que é a leitura de textos, que, a
posteriori, auxiliou na fundamentação teórica desta pesquisa. (BARDIN, 1977, p.95). Perante
isso, essa pesquisa tem seu ponto de partida à pedagogia da infância7 e para a infância que
traz uma concepção de criança que cria, recria, ressignifica através das interações com adultos
e a troca entre pares, com o olhar de alteridade, colocando - nos no lugar do outro criança e
trazendo a ela, elementos significativos para seu cotidiano. (BATISTA, CERISARA,
OLIVEIRA e RIVERO 2004).
Essa base teórica aborda a brincadeira por meio do aspecto sociológico, Brougère
(2002), compreende que o brincar não é uma atividade solitária da criança, mas algo social
que necessita de uma aprendizagem para ser vivenciada. É através do brincar que o autor
destaca a aparição de uma cultura lúdica, não vendo essa, como fonte de “desenvolvimento da
7
Que discute uma pedagogia pautada nesses princípios: I – As Propostas Pedagógicas das Instituições de
Educação Infantil devem respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores:
a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;
b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem
Democrática;
c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações
Artísticas e Culturais. (ROCHA, 2008, p.2).
86
cultura”, mas, como um meio pelo qual a criança vai desenvolver sua cultura lúdica, como a
criação de regras, que nada mais é que a produção cultural. (BROUGÈRE, 2002, p.23).
Detalhando a temática à qual essa pesquisa propõe-se, a autora Agostinho (2005),
aborda o espaço e sua organização de forma plural, que rompe com uma lógica estabelecida
pelo adulto mais experiente. O espaço não se refere só à organização física, ele demonstra
aquilo que se quer para aquele lugar, ele demonstra os valores das pessoas e traz consigo o
tempo que pode servir como regulador ou condutor desse processo, quando bem planejado.
Refere-se à estrutura dada ao tempo, aos papéis que cada um deve cumprir, demonstra
sentimentos, nossa conduta e interfere drasticamente em nossas vidas. O tempo não deve ser
transformado em uma rotina, ele deve ser utilizado para encontros significativos, e não a
horários a serem cumpridos por uma rotina. Deve ser encarado como “jornadas”, termo
utilizado pela autora, Faria (2000), que remete uma idéia de espaço e tempo organizados por
professores, crianças orientadas por uma “educação e cuidado” e pautada nos direitos de
todos.
Procedimentos metodológicos
Desta forma, por tratar-se de uma pesquisa etnográfica de observação participante, procurei manter uma postura como pesquisadora que prioriza a interação com o
interlocutor, dada à permanência no campo, os vínculos estabelecidos e as relações
interpessoais intensificadas que são elementos presentes nesse tipo de pesquisa. Diante disso,
a aproximação feita a esse grupo de vinte crianças, com idade, de 3 anos e com as duas
educadoras, deu-se de forma tranquila e dialógica. Dialogando, através do capítulo do método
da tese de doutorado da autora Manuela Ferreira (2004, p.43), buscou-se apresentar um falar
abertamente com as crianças, “procurando fazer jus à ética referida” pela autora. Usufruindo
da experiência relatada por Ferreira, em seu diário, utilizando de palavras de fácil
entendimento às crianças, colocando-me na posição de igual, perante elas, e explicando
minhas ações naquele espaço, como por exemplo, os momentos em que estaria escrevendo em
meu caderno, e o que estaria escrevendo.
Destacando os aspectos até aqui mencionados e levando os mesmos como base dessa
pesquisa, que a mesma foi pautada através de idas ao campo, com um olhar atento ao outro
criança8. Utilizando – se do ato de registrar em diário de campo, para que a apropriação das
vivências do grupo, permita perceber o contexto vivenciado por essas crianças, é que ressalto
a importância do ato de registrar, como uma documentação, pois os registros nos possibilitam
reviver os momentos com um olhar questionador, reflexivo e atento. (GANDINI e
GOLDHABER, 2002).
Esse olhar atento ao qual a pesquisadora deteve-se, no campo, foi orientado pela
categorização, que são questionamentos elaborados para focar o problema de pesquisa que é:
Qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil da Rede Pública?
Após a coleta de dados e a finalização do diário de campo, a pesquisadora organizou os
registros em categorias que são palavras – chave que caracterizaram as descobertas e
reflexões dessa pesquisa a respeito do espaço e o tempo oferecidos para o brincar desse grupo
de crianças.
O espaço e o tempo do brincar na Educação Infantil
8
Termo utilizado pelas autoras: Batista, Cerisara, Oliveira e Rivero, 2004, no texto, Partilhando olhares.
87
Tendo como base a fundamentação teórica dessa pesquisa e o diário de campo que
foram elaborada as categorias de análise do mesmo, onde um diálogo entre a teoria e a prática
tentou compreender como está ocorrendo as brincadeiras nesse espaço e tempo de brincar da
Educação Infantil. Assim, as primeiras categorias de análise fazem menção de como está
sendo oferecido esse espaço para o brincar, tendo como palavras – chave as seguintes:
espaços, intencionalidade, pistas das crianças, interação entre os pares e culturas
infantis, múltiplas linguagens e desafios às crianças. Essas brincadeiras são oferecidas em
espaços e tempos estipulados pelo adulto, impossibilitando o brincar das crianças entre si,
sendo que cada um escolhe seu brinquedo para si, impossibilitando a interação entre os pares,
a troca de saberes e as culturas infantis. Segundo Agostinho (2005), a organização de espaços
múltiplos não refere - se à quantidade, mas o que se quer para ele. Mediante essa discussão, o
professor tem, em seu papel, o de organizador, o de “suscitador de descobertas”, que traga a
mudança para esse espaço, trazendo o novo, a interação entre os pares, que seja um cenário
repleto de encontros e desencontros. A autora Thiago (2000), descreve nos esse espaço como
um lugar a ser explorado e pesquisado pelas crianças, um espaço de descobertas.
A intencionalidade pela qual essas brincadeiras são apresentadas demonstra – se
através de brincadeiras dirigidas9 pela professora, são proporcionadas por meio de cantigas de
roda e oferecidas até que todos participem ou os mesmos não demonstrem mais interesse por
esse brincar. As brincadeiras são entendidas pela educadora como “recreação” e têm seus
planejamentos pensados e organizados antes de deitar pela mesma. Ao observar essas
brincadeiras, o que podemos perceber é que elas são proporcionadas com o intuito de manter
o grupo sobre o olhar do adulto, essa lógica adultocêntrica rompe com a perspectiva de
Leontiev (1992), que indica, a criança precisa de certo tempo para esquematizar suas ações,
como podemos constatar na teoria de Vygotsky.
Sendo assim, Brougère (1997), adverte que a brincadeira não é inata na criança, ela
aprende a brincar com os adultos mais experientes e com seus pares. Dessa forma, as
brincadeiras devem ser planejadas para possibilitar um repertório vasto das mesmas. Esta
lógica, centrada no adulto, desrespeita o tempo próprio da criança de produzir sua própria
brincadeira e apreender a mesma com uma outra criança, impossibilitando assim, a ampliação
do repertório infantil.
Apesar de toda essa centralidade do brincar na perspectiva do olhar do adulto, a
educadora, em alguns momentos, deixou – se lançar nesse mundo desconhecido do brincar
das crianças e deu voz às suas vozes, atendo – se as pistas dadas por esses pequenos.
Relatando esse olhar através de combinados10 feitos com o grupo, dando a eles a significação
do período em que permanecessem na Creche e autoria nesse espaço que é seu e pensado em
prol deles. (AGOSTINHO, 2005). A interação entre os pares e as culturas infantis
aconteceu em um dia em que esse espaço foi oferecido como um todo às crianças, todos os
espaços foram explorados, ressignificados; ocorreu uma interação muito intensa entre os pares
e a produção da cultura infantil. Conforme Perrotti (1990), a cultura infantil é passada através
de falas, gestos, regras, trocas de saberes entre os pares. Oliveira (1995), descreve que a
interação entre os pares, possibilita o negociar nas brincadeiras, o combinar de ações e faz
com que a criança aprenda no meio em que está inserida.
As múltiplas linguagens contempladas nas brincadeiras proporcionam à criança uma
escolha de sua ação, não dando assim uma direção pré – estabelecida, mas permitindo à
criança um constituir corpo e mente, não instaurando uma dicotomia entre os mesmos. E,
segundo Junqueira Filho (1999, p.40), ensinar as crianças através de suas linguagens faz com
9
Termo utilizado no Plano Político Pedagógico da Instituição.
Termo utilizado pelas professoras de Educação Infantil significa: acordos.
10
88
que elas entendam a si e ao mundo, são caminhos para que elas se produzam e produzam
neste mundo, “são todos os conteúdos curriculares” e que precisam ser articulados, pensados
e acompanhados pelos profissionais que estão com as crianças nas Instituições de Educação
Infantil.
Toda a articulação feita até o momento, a respeito do brincar, do espaço e o tempo foi
traduzida através dos desafios proporcionados para as crianças por meio de um circuito
oferecido pela professora a esses pequenos, onde o espaço foi organizado, planejado,
desafiado, amplo e não atendo – se a um tempo rígido e estipulado pelo adulto, deixando esse
acontecer tranquilamente. Conforme Wajskop (2007), oferecer brincadeiras que desafiam as
crianças, proporciona a esses pequenos níveis mais complexos de desenvolvimento.
As brincadeiras são oferecidas às crianças em um espaço definido por lugares e
tempos, não que esta Instituição não possua ambientes para essas crianças brincarem, mas
eles não são contemplados pelas mesmas. Pois apesar da diversidade de parques, ambientes,
lugares de encontro das crianças com outras crianças, não se observa a exploração desses
espaços, limitando a vivência das crianças ao seu grupo e à sua sala.
A intencionalidade a qual eram apresentadas às brincadeiras, em sua maioria,
demonstrava uma preocupação maior com a ordem, do que com a diversidade de interações,
aprendizados e trocas das crianças, pois as mesmas eram conduzidas a brincar cada qual com
seus brinquedos, sentadas nas cadeiras.
As brincadeiras também proporcionaram desafios às crianças fazendo com que elas
desenvolvessem todas as suas múltiplas linguagens. Aconteceram momentos de interações
entre os pares e produção de culturas infantis, quando as crianças foram deixadas a brincar,
cada qual a sua forma e maneira de ser, estar, em um espaço e tempo só seu, e determinado
por quem está brincando.
No que se refere ao entendimento da professora a respeito do brincar, o seu
planejamento está norteado pelas palavras que possibilitaram muitas discussões, a saber: o
ponto de partida as crianças, diálogo institucional sobre o planejamento, hierarquia,
rotina, intencionalidade e o caráter desenvolvimentista. Toda essa discussão foi permeada
por contradições entre a fala da educadora e sua prática na sala de aula, pois ao mesmo tempo
em que essa percebe as pistas dadas pelas crianças, entendendo as mesmas como ponto de
partida de seu planejamento, aquela entende o ato de planejar, um documento a ser
preenchido e uma forma de dar satisfação para a orientação pedagógica, não vendo e
entendendo esse como uma ferramenta que delineia, lança, promove a interação do grupo,
possibilita as múltiplas vivências, não apenas um papel a ser preenchido para ser visto.
(OSTETTO, 2000).
Diante dessa perspectiva, a falta de diálogo institucional sobre o planejamento torna
– se evidente, pois o mesmo não é revisto pela a Instituição junto ao corpo docente desde
2007, pois esse não indica o que o grupo de educadores (as) quer para as crianças, por não ter
sido planejado e organizado pelos mesmos. No planejamento de um (a) educador (a) deve
constar o que se quer para aquele grupo de crianças, quais suas reais intenções; deve estar de
comum acordo com a perspectiva da Instituição, pois o planejamento é o sucesso daquilo que
se quer para a criança, assim como, o respaldo pedagógico da Instituição deve estar de acordo
com essa perspectiva do Projeto Político Pedagógico.
Um outro aspecto falho nesse contexto é a hierarquia estabelecida pela Instituição no
que refere – se a relação das educadoras, em que a professora regente de sala fica responsável
pela questão pedagógica, e a auxiliar de sala fica com as questões higiênicas, evidenciando a
dicotomia no que se refere à questão do cuidar e educar. Realmente não tem como haver essa
dicotomia entre o cuidar e educar, eles são indissociáveis, pois quando se tiver um
89
entendimento que não há um educar sem cuidar e um cuidar sem educar, as crianças não
receberão uma educação para o cuidado integral que irá desenvolver todas as suas dimensões.
Estando essas crianças em Instituições que ainda as vê divididas em corpo e mente como
compartimentos que devem ser aperfeiçoados por partes, não sendo vistas em sua inteireza.
(DIAS E MACÊDO, 2001).
Esta dinâmica só mudará quando aqueles que nela estão, entenderem que o cuidar,
além de ser um tempo que privilegia a interação criança - criança e adulto
- criança é
um momento de aprendizagem, pois é através da interação com o outro que o sujeito se
constituiu sujeito. (VYGOTSKY, 1998).
A rotina e a intencionalidade estão pautadas na centralidade do adulto, seja a rotina
organizada para dar controle do espaço e o tempo de brincar dessas crianças com lugar pré –
estabelecido para as brincadeiras e horários rígidos para começo e término das mesmas. E a
intencionalidade no ato de planejar não é entendida pela educadora, pois como já foi
mencionado, a mesma percebe esse ato como sendo uma documentação a ser preenchida.
Esse espaço e tempo como descreve Agostinho (2005), é um lugar de brincadeira, de
liberdade, de se movimentar, de encontro, de coletividade e de sonhar, que não pode ficar
aprisionado a uma rotina rígida de horários e tempos. Cabe aqui ressaltar que o ato de planejar
o qual Ostetto (2008, p.15) trata, é “a prática de pensar a própria prática”.
Dando ao ato de planejar o brincar, a intencionalidade e o caráter desenvolvimentista,
pois a mesma proporciona as brincadeiras às crianças com a intenção de atingir estágios, ou
seja, promove as mesmas para desenvolver etapas, tendo idades pré-estabelecidas para
executarem funções, ações, fala etc. (TRISTÃO, 2005).
As relações estabelecidas nas brincadeiras entre pares e com o adulto no cotidiano da
Creche transcorrem no brincar através da centralidade e no direcionamento do adulto, a
regra entre os pares, as brincadeiras de guerra, a produção cultural, o faz – de – conta e
a transgressão dos pequenos, tentando romper com a lógica adultocêntrica, onde todos têm
que fazer tudo ao mesmo tempo.
Essa centralidade e direcionamento adotados pela educadora em colocar – se
presente em todas as brincadeiras a todo o momento, impossibilita a “ação criadora”
mencionada pela autora Cerisara, não permitindo a esse sujeito criança, a possibilidade de
lançar – se no mundo imaginário do faz – de – conta e o desencadear da produção cultural.
(2002, apud 1982, p. 139). Assim, a autora ainda adverte que para adentrar nas brincadeiras
das crianças, o educador tem que se colocar na posição de observador, para saber quais
momentos pode ou não pode adentra a mesma. Sendo esse educador o “[...] mediador entre o
conhecido e o desconhecido. Não mais um centralizador, mas aquele que,” sabe escutar e
perceber o olhar desse outro criança, dialogando com suas múltiplas linguagens que
evidenciam tudo o que esse quer anunciar e desenvolver. (THIAGO, 2000, p.60).
Tentando mudar essa rotina, esse vivenciar das brincadeiras, as crianças aventuram –
se, quebrando regras e transgredindo o não dito, arriscando - se a brincar de brincadeiras de
guerra, algo não permitido para esse grupo de crianças pela professora. Brougère, descreve
que, estas brincadeiras embrenham o mundo das brincadeiras infantis, sem pedir licença, são
muitas vezes simulações de “desenhos animados, brigas de família e noticiários de jornais”
vistos pelas mesmas. O autor ainda menciona a dificuldade da criança em controlar seus
sentimentos, consistindo a brincadeira de guerra, em um meio para extravasar esta
agressividade contida, e pelo fato de a brincadeira também ser um espaço onde o aflorar deste
sentimento é permitido por um contexto social, sem que haja uma discriminação à ação da
criança. (2008, p. 79).
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As crianças tentam quebrar a rotina, burlar o que não as interessa, mas também sabem
denunciar quando suas regras são quebradas. Esta ação de trazer brincadeiras em que todos
têm que fazer tudo, ao mesmo tempo, é uma incorporação da naturalização dos corpos,
visando à escolarização e o disciplinamento instituído na Escola, já dimensionando a estes
corpos, hábitos deste cotidiano. Esse corpo é nas crianças um condutor para a socialização da
cultura infantil através de seus movimentos. Cabe ressaltar que o brincar não está alheio à
escola, e, ao aprender, os dois caminham juntos, aprendemos brincando. (FINCO, 2007). A
criança brinca a qualquer hora e a qualquer momento, sempre encontra uma brecha para
romper com o não - permitido e produzir sua própria ação por meio do brincar.
A produção cultural e o faz-de-conta são observados quando este grupo tem a
oportunidade de cada um brincar à sua forma, e da sua maneira, sem a mediação insistente do
adulto, que considera necessário intervir a todo o momento, não deixando as crianças
construírem seu próprio brincar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contato com o campo de pesquisa possibilitou muitas descobertas a respeito do
brincar dessas crianças. Como um simples “pufe”, pode se transformar em uma cama de um
consultório médico, e em uma brincadeira, podemos assumir o papel de pai e com um piscar
de olhos nos encontramos na posição de filho; essa é a dinâmica traduzida nas brincadeiras
desses pequenos. E com toda a diversidade de falas, gestos, olhares, apresentados pelas
crianças nessas brincadeiras, elas nos representam e dizem tantas coisas, que precisaríamos de
uma vida para entender e compreender tudo que perpassa o mundo do brincar na Educação
Infantil. Crianças criativas, ativas, que se lançam em um mundo só seu, constituindo regras,
reafirmando combinados, trocando saberes, aprendendo e ensinando ao outro criança, e ao
adulto que a observa.
Essas ações que permeiam o brincar são vistas pelo educador (a) como algo centrado
no ato de ensinar do adulto, impossibilitando assim, por muitos momentos, a construção de
brincadeiras oriundas das crianças, impedindo a esses pequenos a troca de culturas infantis e a
produção cultural que ocorre por meio da interação proporcionada pelas brincadeiras.
Ressaltando que essas brincadeiras eram apresentadas ao grupo de crianças, com regras,
tempos e espaços indicados pelo adulto, sendo o término dessas brincadeiras orientado por um
olhar atento da educadora, que ao imaginar uma sombra de bagunça, desordem, instituía o fim
da mesma.
A falta de um diálogo institucional, em muito ajuda essa estrutura criada para o
planejamento e o brincar dessa Creche, pois a mesma, possui um Plano Político Pedagógico,
organizado pela última vez, no ano de 2007, sendo esse documento uma ferramenta didática
que norteia conceitos, características, ações, indicativos para o que se quer nesta Instituição,
para o que se quer dos funcionários e para o que se quer para essas crianças. Perante isso, o
planejar esbarra na rotina, na centralidade e direcionamento do adulto, na falta de
intencionalidade e no objetivo de desenvolver a criança através de um olhar
desenvolvimentista.
Desse modo, as interações que ocorrem no brincar entre os pares e com o adulto são
repletas de conflitos, pois as crianças, em sua inteireza, tentam demonstrar que são sujeitos
ativos, que criam, recriam e ressignificam suas vivências, quebrando as regras impostas pelo
adulto durante o processo de brincar. Esse transgredir das regras é visto pelo adulto como
indisciplina, bagunça, desordem, mas nada mais é do que o ser criança que vive intensamente
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tudo o que lhe é proporcionado, com toda a sua corporeidade, expressa através de suas
múltiplas linguagens.
Linguagens essas, sem espaços/tempos fonte de descobertas, encontros e desencontros
de um sujeito criança que brinca, expressa - se, sonha, deseja, almeja o brincar para o brincar.
Em um espaço e tempo planejados, organizados pelo adulto com a criança, sobre o olhar da
criança e com o jeito de ser criança, com mistério, com situações para serem desvendadas,
encontradas, criadas, imaginadas, inventadas, ou seja, um espaço lúdico para o brincar.
Consideramos também, que o desenrolar dessa pesquisa poderia ter trazido
contribuições significativas para essas professoras, se a mesma tivesse sido uma pesquisaação, onde a pesquisadora se coloca na posição de articuladora do grupo, mediando assim,
proposições na área a ser investigada, aqui, no caso, o espaço e o tempo oferecidos ao brincar.
Podendo ainda, através dessas proposições, articular a teoria com a prática, evidenciando que
todo este espaço é muito rico em possibilidades; que a criança necessita de um espaço e de
um tempo livre para o brincar e o quanto a brincadeira é importante e significativa para sua
aprendizagem e desenvolvimento. Organizando, dessa forma, um grupo de estudo, com
professores e coordenação pedagógica para estes estudos a respeito do brincar, do espaço, e
tempo e sugerir a reformulação do Plano Político Pedagógico da Instituição, deixando este,
com a cara e o jeito daqueles que estão com as crianças e para as crianças.
Sugerimos, mediante as descobertas feitas através desta pesquisa, que sejam
desenvolvidas novas pesquisas no que se refere à formação dada aos pedagogos que
trabalharam nas Instituições de Educação Infantil, o que está sendo discutido pela acadêmica
a respeito do brincar, do planejamento e do sujeito criança. Como está se dando a articulação
entre a teoria e a prática nos bancos acadêmicos? E como as Instituições vêm apresentando o
Plano Político Pedagógico aos professores que estão adentrando à mesma? E se estes têm,
posteriormente, uma participação na reformulação do mesmo? São questões a serem
averiguadas e de muita significação para todo esse contexto apresentado nesta pesquisa.
Esta pesquisa trouxe uma relevância de cunho acadêmico que acompanha o professor
(a) por toda a sua vida que é a sua formação, como este sujeito, que exerce a docência,
encarou sua formação e a vem encarando, pois ser professor é estar se constituindo durante
toda a sua vida, um educador nunca está pronto e acabado. Este se faz durante toda a sua
existência, em constante transformação, aprendizado, descoberta e pesquisa. Uma outra
relevância é de cunho social, e se refere ao olhar que a sociedade vem demonstrando a esses
pequenos, como os vêem, entendem, significam, respeitam, interpretam esse sujeito criança
que se constitui hoje, em toda a sua dimensão. Dimensão esta, da criança, que por um longo
tempo, na história, foi vista como “angelical”, “adulto em miniatura”, tratado por aqueles que
tinham a responsabilidade pelos seus cuidados sem nenhum sentimento e apreço.
Dessa forma, consideramos possível tornar este lugar denominado Creche, em um
espaço organizado, planejado, que manifeste a intencionalidade dos educadores para com as
crianças. Demonstrando e caracterizando este espaço como sendo um ambiente para o brincar,
rico em estímulos, para a produção de cultura e socialização da mesma pelas crianças que nela
habitam.
Nessa configuração, a criança terá um espaço e um tempo para o brincar que lhe
possibilite extravasar suas ansiedades, descobertas, dúvidas, aprendizados em um brincar
pautado no faz-de-conta.
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94
DECLARAÇÃO
DECLARAMOS
para
os
devidos
fins
que
o
artigo
intitulado:
_________________________________________________________________,
resultante do Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) de Pedagogia do Centro
Universitário
Municipal
de
São
José
–
USJ
____________________________________________________
de
foi
autoria
de:
devidamente
revisado por um profissional da Língua Portuguesa, assim como a tradução
do resumo foi revisada por um profissional com domínio da Língua
____________________________________.
São José, ____ de Junho de 2009.
____________________________________
Nome do acadêmico (a)
95
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – USJ
CURSO DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA
VAMOS BRINCAR?
O ESPAÇO E O TEMPO DO BRINCAR NA
EDUCAÇÃO INFANTIL DA
REDE PÚBLICA
Kelli Cristina Pereira
São José/SC
Julho 2009
Download

PEREIRA, Kelli Cristina. Qual o espaço e o tempo oferecidos