USJ Centro Universitário Municipal de São José CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ CURSO DE PEDAGOGIA KELLI CRISTINA PEREIRA QUAL O ESPAÇO E O TEMPO OFERECIDOS PARA O BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL NA REDE PÚBLICA? São José – SC 2009 2 KELLI CRISTINA PEREIRA VAMOS BRINCAR? O ESPAÇO E O TEMPO DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL DA REDE PÚBLICA Projeto de Pesquisa apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de TCC Trabalho de Conclusão de Curso, do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José, sob orientação da professora Regina Ingrid Bragagnolo. São José – SC 2009 3 KELLI CRISTINA PEREIRA VAMOS BRINCAR? O ESPAÇO E O TEMPO DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL DA REDE PÚBLICA Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito final para a aprovação no Curso de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José - USJ. Avaliado no dia: 09 de Julho de 2009 por: Prof. MSc. Regina Ingrid Bragagnolo. Orientadora Prof. MSc. Evandro Brito. Membro Examinador Prof. MSc. Ana Cristina da Costa. Membro Examinador 4 Dedico este trabalho ao meu marido e aos meus pais que foram testemunha de toda a minha luta, desejo e vontade em concluir o sonho de minha vida. Que hoje apresento com orgulho através deste trabalho de conclusão de curso. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a toda a orientação, disponibilidade, atenção, companheirismo da minha orientadora do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) Regina Ingrid Bragagnolo, que nas horas em que tudo parecia tão difícil e inalcançável, demonstrou através de palavras, de incentivo, toda a nossa capacidade para fazer, construir e ir além de nossas expectativas. Agradeço aos meus pais, que, de certa forma, fizeram toda esta caminhada comigo, ajudando - me na confecção de maquetes, lanches nas tardes de sábados intermináveis, fazendo trabalho, buscando e levando para as aulas. Ao meu marido, por toda a paciência durante quatro anos, ouvindo: “olha, agora não posso. Tenho que fazer trabalho. Não vai dar para sair, as meninas vêm para fazer trabalho, trabalho e mais trabalhos”. E pelas palavras dessas três pessoas na hora de muitos choros, cansaço, irritação, dizendo que sou capaz e que tudo dará certo. Agradeço à minha companheira inseparável de Magistério, e agora de graduação, Bianca Aparecida T. Bez Batti, que, com certeza, é um exemplo de vida, não só para mim, mas para todos que a conhecem. Pelo companheirismo diário de idas e vindas para o trabalho e faculdade, por estar tão perto, dividindo meus melhores momentos e os mais tristes. A você, desejo o melhor e meu muito obrigada. Obrigada, também, ao grupo onde trabalho, na Creche Apam Morro das Pedras, que acompanharam toda a minha trajetória e cada um, ao seu modo, torceram por mim. São pessoas muito especiais que contribuíram para a minha formação e ainda contribuem. Pessoas que conheço há quatro anos, mas que parece que já as conheci de outras vidas, pessoas marcantes e significativas. Tenho muito a agradecer aos professores, que passaram durante essa trajetória acadêmica, nova, para nós, acadêmico (a), aos professores como mestre, pois tudo era um começo, que agora, com certeza, não terá um fim. A construção desta universidade possibilitou a realização de muitos sonhos e conquistas que resultará não só no nosso crescimento pessoal, mas sim, de toda a comunidade josefense, com a formação de educadores, com uma base educacional de excelência, que, posteriormente, à sua formação, estarão lecionando, na gestão, orientação, supervisão de centros educacionais, municipais de São José, e contribuindo, dessa forma, para o mesmo. E, por fim, agradeço aos colegas de 6 classe que muito se dedicaram e se empenharam para sua formação neste curso de graduação em Pedagogia. 7 De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estaremos sempre começando, a certeza de que é preciso continuar e a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar. Fazer da interrupção, um novo caminho, fazer da queda, um passo de dança, do medo, um ponto, da procura, um encontro (FERNANDO SABINO apud COUTINHO, 2002, p.174). 8 RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo descrever qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil da Rede Pública, como estão sendo oferecidas estas brincadeiras aos pequenos, de que forma essas relações no brincar estão ocorrendo, e como é organizado este planejar para o brincar no planejamento das professoras e que espaços e tempos estão sendo proporcionados a esse brincar. Dessa forma, o método desta pesquisa está baseado em uma pesquisa observação - participante, no qual, o pesquisador, coloca - se na posição de observador, preocupado em entender o contexto ao qual observa, e estabelecer relações neste processo, interagindo com as crianças e com os profissionais que dela fazem parte. Os sujeitos participantes desta pesquisa são vinte crianças de 3 anos, e duas professoras que estão situadas em uma Instituição de Educação Infantil. Nossos encontros compreenderam o período de dez dias, do mês de abril, no turno vespertino. Sendo esses encontros, orientados pelas observações registradas no diário de campo, que, posteriormente, foram utilizadas para sistematizar e analisar os dados da técnica de categorização, a partir da análise de conteúdo. Diante disso, percebemos que as brincadeiras ainda perpassam pela centralidade e direcionamento do adulto e que esta pesquisa poderia ter contribuído de forma mais eficaz e significativa a este grupo de crianças e professores, se tivesse sido conduzida por uma pesquisa-ação. Por se tratar de uma pesquisa onde o pesquisador propõe intervenções no meio observado, contribuindo para o mesmo. Palavras-chave: Espaço. Tempo. Brincar. 9 SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO...................................................................................................................10 2 - IDENTIFICAÇÃO DA PROBLEMÁTICA.......................................................................12 3 - IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA.....................................................15 4 - OBJETIVOS........................................................................................................................15 5 - JUSTIFICATIVA................................................................................................................16 6 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................................................18 6.1 - O conceito de infância no transcorrer da história.............................................................18 6.2 - A construção do espaço educacional: Educação Infantil..................................................21 6.3 - Brincar: quando se começou a pensar esse contexto para a vida das crianças e como ele está hoje?..................................................................................................................................27 6.4 - Espaço e tempo................................................................................................................32 7 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................................................38 7.1 - Tipo de pesquisa..............................................................................................................38 7.2 - Participantes.....................................................................................................................38 7.3 - Instrumento e coleta de dados.........................................................................................39 7.4 - Situação ambiente............................................................................................................40 7.5 - Organização, tratamento e análise dos dados..................................................................44 8 - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS......................................................................45 8.1 – Vamos brincar? Como está ocorrendo este brincar na Instituição de Educação Infantil......................................................................................................................................46 8.2 – Brincar, puxa, fala, corre e rola: o que isso tem haver com o planejamento das educadoras?..............................................................................................................................58 8.3 – O que dizem as brincadeiras a partir do olhar das crianças?...........................................64 9 - CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................71 10 - REFERÊNCIAS................................................................................................................75 Apêndice...................................................................................................................................82 Apêndice 1 – Termo de Consentimento....................................................................................83 10 1 INTRODUÇÃO A problemática desta pesquisa surgiu com inquietações adquiridas ao longo de uma trajetória de trabalho na área da educação. A temática sobre o brincar, sempre foi algo muito discutido entre professores, em encontros de formação dos mesmos, mas, nessas falas, algo faltava e que me interessava muito, e foi neste momento que apareceu a vontade de entender como está sendo oferecido o brincar na Educação Infantil. Tentando perceber qual o espaço e tempo oferecido para este brincar. Este trabalho está organizado a partir dos seguintes capítulos: Introdução, que compõem a problemática, bem como, a identificação do problema, os objetivos gerais e específicos, a justificativa, a fundamentação teórica, procedimentos metodológicos, a descrição e análise dos dados e, por fim, as considerações finais. A justificativa deste projeto de pesquisa está pautada em um brincar que possibilita o desenvolvimento infantil, mas para que essa ampliação do conhecimento se dê, é necessário um espaço e tempo, pensado e planejado para esses pequenos, que constituem sua identidade e autonomia com a interação com outro criança e com o adulto. Diante disso, fez - se necessária a pesquisa em uma Instituição de Educação Infantil como está sendo oferecido este brincar dentro do espaço e tempo deste ambiente pensado para a criança e em prol da mesma. Assim, observamos nesta pesquisa, como estas brincadeiras estão sendo proporcionadas a este grupo de crianças de 3 anos, e como as professoras deste grupo organizam e planejam o brincar para os mesmos, bem como, de que maneira se dá essa relação: adulto - criança, criança-criança, nas brincadeiras infantis. A fundamentação teórica, segundo o capítulo deste projeto de pesquisa, abordará o conceito de infância no transcorrer da história, a contribuição do mesmo para o surgimento das Instituições de Educação Infantil. Um breve histórico da brincadeira e sua importância para o desenvolvimento infantil, pautado em um brincar que contempla as múltiplas linguagens das crianças, suas produções culturais, a interação entre os pares e os adultos. O último capítulo, faz menção ao olhar atento que devemos ter com o espaço das Instituições de Educação Infantil, não se remetendo só ao espaço interno, mas a todos os ambientes que fazem parte deste espaço, desde o parque até o refeitório. 11 O capítulo 7, trata dos procedimentos metodológicos desta pesquisa esta baseado numa pesquisa, que está baseado em uma pesquisa do tipo etnográfica de observação – participante, o qual, o pesquisador privilegia a interação com os sujeitos participantes deste estudo, que é um grupo de vinte crianças de 3 anos e duas professoras. Os instrumentos e coletas de dados estão catalogados através de um diário de campo que construímos através das observações realizadas com esse grupo de crianças. A situação ambiente desta Instituição está descrita desde a primeira visita, ressaltando as descobertas e aprendizados obtidos com este grupo. Finalmente, a organização, tratamento e análise dos dados, que foram organizados a partir de uma pré-análise de textos que, a posteriori, foram explorados e selecionados para a fundamentação teórica deste projeto. Mediante os dados coletados, criamos categorias de análise para os registros do diário de campo, pois estes foram analisados com base na fundamentação teórica desta pesquisa e as impressões da pesquisadora. Diante disso, esses três capítulos abordaram como está sendo oferecido o brincar para este grupo de crianças, no que se refere ao espaço e ao tempo, como estas brincadeiras estão sendo planejadas no dia-a-dia destas educadoras, e como está se dando as relações destas crianças nas brincadeiras com os pares e com o adulto. 12 2 IDENTIFICAÇÃO DA PROBLEMÁTICA O ambiente acadêmico nos traz muitos conhecimentos e nos fazem refletir sobre o vivido e o estudado. E foram entre conversas com professores e profissionais da Educação Infantil que muitos questionamentos surgiram, e com eles, as inquietações. Em um encontro de educadores1 conversávamos sobre brincadeira, quando ouvi que “bebês não sabiam brincar e não brincavam”, mesmo que um adulto lhe oferecesse algum estímulo. A partir desse dia, comecei a observar o cotidiano que me cerca, e, com isso, a questionar minhas ações e de outros, a respeito do brincar. Nesse cotidiano, pude perceber que os professores consideram o brincar muito importante, mas essa fala se torna paradoxal, pois não observam as interações estabelecidas nas brincadeiras e sua importância para o desenvolvimento infantil. Segundo Silva Filho (2008, p.1): O Artigo 31; da Convenção dos Direitos da Criança da ONU diz o seguinte: “Toda criança tem o direito ao descanso e ao lazer, e a participar de atividades de jogo e recreação, apropriadas à sua idade, e a participar da vida cultural e das artes”. Diante disso, há alguns questionamentos: Será que os professores planejam os momentos de brincadeiras? Será que há o entendimento de sua importância ou encaram como algo natural para esse tempo? E o que acontece a partir das interações entre as crianças, será que precisam ser planejados? Afinal, o que é brincar? É quando manipulamos objetos, como bonecas, carrinhos? Ou quando se brinca de faz-de-conta? O que as crianças podem nos revelar sobre o conceito de brincar? A brincadeira é construída socialmente, e à medida que a sociedade muda, ela também muda, e a professor (a) precisa ser a mediador (a) nesse processo, proporcionando à criança o não – vivido, por este ser o mais experiente nesse processo. Mas é notório, em um registro, que a professora considera importante o brincar, mas não se envolve nas brincadeiras não interagindo com esses pequenos de maneira que possa contribuir para o desenvolvimento: Paulo está brincando e a todo o momento ela chega perto da professora I e diz: eu estou fazendo um bolo para você. E Iara responde: tá já estou indo, vai fazendo. A menina por muitas vezes procura a professora na tentativa de iniciarem uma brincadeira juntas, a menina, porém desiste; e vai brincar com outras meninas. 1 Formação de professores. 13 (REGISTRO DA 6ª FASE DO CURSO DE PEDAGOGIA DA ACADÊMICA – KELLI). A educadora parece esquecer que as brincadeiras são socialmente construídas e apreendidas, como relata Wajskop (2007, p.29): “A brincadeira é o resultado de relações interindividuais, portanto, de cultura. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social. Aprende-se a brincar”. Brincar é coisa só de criança? Devemos oferecer brinquedos ou espaços para que possibilitem às mesmas? As brincadeiras devem ser mediadas ou as crianças preferem brincar sozinha? Qual o olhar que está sendo direcionado a essas brincadeiras? A brincadeira é uma fase importante na Educação Infantil, qual seu significado? Então, quando pensamos as brincadeiras e espaços, a partir das pistas que as crianças nos dão, as brincadeiras se tornam mais significativas para elas e o aprendizado também, cria-se um sentimento de pertencimento, de fazer parte de um espaço e de um grupo, ampliando assim, o já proporcionado anteriormente. Dessa forma, Agostinho nos relata que: “Pensar os espaços das Instituições de Educação Infantil a partir do que as crianças nos indicam, revoluciona, mexe, remexe, vira do avesso, desafia-nos em nossa adultez [...]” (AGOSTINHO, 2005, p.68), possibilita ao educador, entender o universo infantil e permitir que a criança se encontre neste espaço que é feito para ela. Como podemos perceber, toda a criança tem o direito de brincar e deve-se levar em consideração que este momento precisa ser tranqüilo, para que a criança possa vivenciar experiências com prazer e eficácia. A criança necessita de um tempo e espaço para brincar, com diversidades de espaços, de tempos, que possam ser explorados, recriados, resignificados por elas. Conforme Silva Filho (2008, p.2): “A riqueza de oportunidades, seja em relação ao tempo, seja em relação à variedade do espaço, contribui, decisivamente, para o desenvolvimento infantil”. Resgatando os pressupostos da Educação Infantil, vale ressaltar a importância da organização do espaço, como afirma Faria e Palhares (2000, p.74 e 78): A organização do espaço físico das Instituições de Educação Infantil deve levar em consideração todas as dimensões humanas potencializadas nas crianças: o imaginário, o lúdico, o artístico, o afetivo, o cognitivo, etc. [...] Portanto, o espaço físico precisa contemplar o convívio/ confronto de crianças de várias idades e de vários tipos de adultos. Os pais e mães visitarão e observarão o lugar onde seus filhos permanecerão tantas horas do dia. É importante salientar que, ao planejar as brincadeiras, não é simplesmente oferecêlas, é preciso a interação entre adulto-criança, criança-criança, a diversidade dos espaços que 14 precisam ser pensados e planejados, os tempos que devem ser diversificados, para que a criança possa dar asas a sua imaginação e saciar o seu prazer. Segundo Leontiev (1992 apud GONÇALVES, 2007, p.1): A criança passa por uma fase na qual quer realizar sozinhas as ações que as motivam, além disso, busca satisfazer seus desejos imediatamente, crianças pequenas não conseguem planejar ações para um tempo posterior ao que estão vivendo, como percebemos na teoria de Vygotsky (1991). Meninos brincam de lutinha, e meninas de boneca? Isso ainda é regra nas brincadeiras. As brincadeiras surgem entre as crianças ou há uma mediação dos mais experientes? O que dizer quando meninas intitulam o rosa é de meninas e o azul de meninos? As brincadeiras possibilitam um aprendizado a estes pequenos? Brincar é coisa séria ou é um passatempo? Todos esses questionamentos me fizeram refletir ainda mais, e fazer com que uma pergunta central perpetuasse: Qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil na Rede Pública? 15 3 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA Qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil na Rede Pública? 4 OBJETIVO GERAL • Observar o tempo e o espaço de brincar da Educação Infantil na Rede Pública. 4.1 Objetivos Específicos • Relatar de que maneira estão sendo oferecidas as brincadeiras para crianças. • Verificar se o brincar está organizado nos planejamentos dos professores. • Descrever como está se dando as relações entre professor-criança, e entre os pares na brincadeira. 16 5 JUSTIFICATIVA Partindo de uma pedagogia da infância e para a infância que traz uma concepção de criança que cria, recria, ressignifica através das interações com adultos e a troca entre pares, assim como o olhar de alteridade, colocando - nos no lugar do outro criança e trazendo a ela, elementos significativos para seu cotidiano. Foi com esse olhar de alteridade investigativo e utilizando a documentação pedagógica que pude apropriar-me de momentos ricos, significativos e inesquecíveis da minha trajetória na Educação Infantil. Ressalto a importância do ato de registrar este processo como uma documentação, pois os registros nos possibilitam reviver os momentos com um olhar questionador, reflexivo e atento. Como afirma Gandini e Goldhaber (2002, p.152): “Toda essa documentação acaba tornando-se uma fonte indispensável de materiais de que nos utilizamos diariamente, a fim de poder ‘ler’ e refletir criticamente, de forma individual e coletiva, sobre a experiência que estamos vivendo e os projetos que estamos explorando”. E foi nesses registros que encontrei subsídios para pautar meus questionamentos em torno da temática, brincadeira na Educação Infantil, meus anseios foram muitos: desde ouvir de colegas, a importância do brincar em suas falas e até a negação ao participar desses momentos. Em especial, um registro feito no primeiro semestre de 2008, chamou-me muito a atenção: Estávamos na sala, lanchando com as crianças, e após o lanche, a professora pediu que as crianças permanecessem sentadas porque iriam brincar nas mesas. A professora retira uma caixa do alto do armário com brinquedos, e começa a distribuí - los às crianças, aleatoriamente. O menino Jânio diz: não quero esse. Ela se vira e diz: eu escolho, você não tem que querer. (REGISTRO DA ACADÊMICA – KELLI- 7ª FASE DE PEDAGOGIA) Nesse dia, muitos questionamentos pairaram em meus pensamentos: Qual a concepção de criança da professora? Qual a importância do brincar? É uma constante da rotina? Que espaço é esse que fere o direito da criança brincar, pois estabelece um espaço e tempo para que isso ocorra e da maneira que o adulto organiza. Como afirma Agostinho (2005, p.66): A organização de espaços diversos e plurais rompe com a lógica do uniforme, igual, oportuniza vivências heterogêneas para o grupo de crianças, distanciando-se de uma perspectiva homogeneizadora que prevê que todos façam a mesma coisa no mesmo tempo, rompendo assim com práticas adultocêntricas, e com os modelos escolares; respeita ritmos e escolhas pessoais, enriquecendo as práticas da educação infantil com atividades significativas e prazerosas para crianças e adultos. 17 O registro abaixo, demonstra que os momentos de brincadeiras das crianças eram sempre pré – determinados pelos mais experientes, mas ao mesmo tempo, era perceptível sua busca por espaços de faz-de-conta, que lhe proporcionasse momentos lúdicos e de imaginação. Encontravam meios para driblar as regras estabelecidas como em um registro que: A professora oferece novamente os brinquedos às crianças sentadas nas cadeiras e ela mesma que escolhe os brinquedos das crianças. As crianças aguardavam sentadas nas cadeiras a sua vez para ir à cama – elástica. Foi quando, de repente, a professora vai ajudar algumas crianças que estão na cama-elástica a sair e Jânio e Maria aproveitam para trocarem seus brinquedos debaixo da mesa. Enquanto fazem isso, as crianças dão muitas risadas. (REGISTRO DA ACADÊMICA – KELLI 7ª FASE DE PEDAGOGIA) Dessa forma, mais uma vez, as crianças não estão sendo vistas em sua plenitude e seus direitos não estão sendo assegurados, estas não se sentem pertencentes a este espaço, tendo que fazer suas brincadeiras escondido dos olhos daqueles que as observam. De acordo com Agostinho (2005, p. 67): “Vemos que as crianças em sua inteireza, corpo, mente, coração e alma nos apontaram querer um espaço/lugar de brincadeira, para brincadeira, com brincadeira, em consonância com o que os estudos vêm indicando para a prática na Educação Infantil”. Considerando que essas crianças são capazes de múltiplas relações, de brincar de fazde-conta, de criar e recriar, significando e ressignificando sua própria cultura e vivendo intensamente suas cem linguagens que se faz necessário investigar: Qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil na Rede Pública? 18 6 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 6.1 O CONCEITO DE INFÂNCIA NO TRANSCORRER DA HISTÓRIA Para que possamos entender o contexto atual da infância e seu conceito, precisamos relatar a história da criança, seus sucessos e retrocessos. Diante disso, a história da escrita determina o fim do período pré-histórico e o começo de uma nova trajetória, aproximadamente 3500 a.C. É importante destacar que o homem pré – histórico, mesmo desconhecendo a escrita, tinha a preocupação de passar o conhecimento para os mais jovens, esse período ficou conhecido pela sua transmissão de conhecimento de geração para geração. Pode-se perceber que desde essa época há uma preocupação com a educação e o conhecimento por parte desses educadores. (DORIGO E NASCIMENTO, 2007). Muito tempo se passou e a visão de primeira infância para crianças de até seis anos era concebida dentro de casa pelos pais ou familiares responsáveis, nesse período, essas crianças eram vistas como dependentes frágeis e que necessitavam de cuidados. O período escolar, nesse momento, era compreendido somente a partir dos 7 anos de idade, onde se “representaria a passagem para a idade da razão” (KUHLMANN, 1998, p. 16). Então essas crianças tinham o seu inserimento no meio social com o convívio familiar e outras crianças aprendendo tudo que necessitaria para a vida adulta. Depois esse predomínio das crianças na vida doméstica teve outras disposições para assegurar esses cuidados para com elas, sendo delegadas “mães mercenárias”, a responsabilidade de cuidar dos mesmos. Em seguida, surge a “roda dos expostos” que se tornou uma alternativa para os cuidados desses pequenos e o sentimento atribuído a eles era superficial. Contudo, um sentimento superficial da criança – a que chamei de “paparicação” – era reservado á criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato. (CALDEIRA S/A apud ARIÈS, 1981, p.10). A infância, ao longo da história, não foi concebida com sentimentos que são atribuídos hoje, ela passou por mudanças de acordo com a economia, política e a estrutura 19 social. A Idade Média tinha como objetivo o crescimento acelerado das crianças para que elas se ingressassem na vida adulta logo, então eram mandadas, a partir dos 7 anos, para casas de outras famílias para aprenderem serviços domésticos, e sua família de origem recebia outras crianças em seu lugar, estas permaneciam de 14 a 18 anos nessas casas. Esse processo objetivava desenvolver nas crianças as boas maneiras como forma comum de educação. (ARIÈS, 1978, p. 154). Esse afastamento familiar acontecia para que pais e filhos não criassem nenhum vínculo afetivo. Assim, passado esse estágio, a criança adentrava na vida adulta e começava a aprender o oficio dos mais velhos e assim, era considerado um adulto em miniatura, pois suas vestimentas não se diferenciavam dos adultos. Quem sabe a fala de Ariès (apud Kuhlmann 1978, p. 18) quando declara que: “[...] havia uma ausência de sentimento da infância até o fim do século XVII, quando teria se iniciado uma mudança considerável nesse sentido”, isso tinha significado nesta conjuntura, pois não se queria ter apego por esses pequenos. Toda essa trajetória, muda, significativamente, quando a classe nobre resolve se ater aos cuidados de seus pequenos, iniciando assim, uma aproximação familiar. Isso ocorre na sociedade no século XVI e XVII. Segundo Kuhlmann (1998, p. 19): “[...] o sentimento da infância iria do nobre para o pobre”. A partir daí, a criança deixa de ser um adulto em miniatura e passa a ser visto de acordo com Del Priore (2002, p. 84): “O certo é que, na mentalidade coletiva, a infância era então, um tempo sem maior personalidade”. Um momento de transição e por que não dizer, uma esperança [...] designadas nos documentos como “meúdos”, “ingênuos” e “infantes [...]”. Faz-se necessário relatar e alertar a falta de documentação das classes pobres, no decorrer da história infantil. Encontram - se muitos escritos e fotografias sobre as famílias mais nobres e a educação de seus filhos e ele denominada esta perda como o “pensamento sobre a criança pobre encontra-se emudecido”. (KUHLMANN, 1998, p. 25). Então, devido a esta lacuna não se pode dizer ao certo se as famílias menos abastadas não tinham os mesmos cuidados aos seus filhos, pois poucos registros se têm desse período. Já, no século XVII, há uma afirmação em que não somente os filhos de nobres recebem “mimos” e “paparicações” os de famílias pobres desse período também recebem tal tratamento, os “[...] sentimentos da “paparicação” das crianças não se limitava apenas às crianças bem nascidas, as quais, ao contrário, sob a influência dos moralistas, começavam a abandoná-la [...] ocorria também entre o povo.” (ARIÈS, 1978, p. 103). Falava – se também que talvez as crianças pobres tivessem mais carinho de seus familiares do que as crianças 20 nobres, por se tratar de uma educação pautada no “adestramento de instintos”. (KUHLMANN, 1998, p. 25). Entretanto, devido à influência dos moralistas que queriam conciliar a doçura e a razão e tinham como preocupações, a disciplina e a racionalidade dos costumes e denominavam – se sensíveis às emoções da infância, mas não abriam mão de preservar a disciplina da criança que o: “O amor de pai devia inspirar-se naquele divino no qual Deus ensinava que amar ‘é castigar e dar trabalhos nesta vida’. Vícios e pecados, mesmo cometidos por pequeninos, deviam ser combatidos com açoites e castigos”. (DEL PRIORE, 2002, p. 97). Sendo assim, as palmatórias e castigos são usadas na educação dos pequenos, em casa, e se estendendo à escola até o século XVIII. Ainda no século XVI e XVII, com base no pensamento pedagógico moderno, são organizadas creches para pequenos, inclusive de classe pobre, a partir dos 2 e 3 anos de idade. Essas discussões se intensificam com a Revolução Industrial que enfatiza, através de operários, a importância da educação para os pequenos. Todo esse resgate histórico serve para entender a evolução do conceito de infância e a preocupação atual que se tem em proporcionar aos pequenos um aprendizado lúdico, rico em brincadeiras de faz-de-conta e momentos de contação de história. Diante desse contexto, faz - se necessário delinear o conceito de infância, o qual vou me ater e que considero o que engloba as dimensões trazidas por esses pequenos. Relato aqui uma visão de infância que é vista como um sujeito crítico, criativo, que interpreta e recria suas vivências através de suas relações com o meio em que vive e é protagonista de suas ações. Como afirma Batista, Cerisara, Oliveira e Rivero (2004, p. 3): “[...] são sujeitos completos em si mesmos, que pensam, se expressam criativamente sobre o espaço institucional onde são educados e cuidados. São sujeitos conscientes de sua condição e situação e se expressam de múltiplas formas”. Cabe aqui também ressaltar que essas crianças as quais me refiro, são crianças que ressignificam, criam e recriam situações vivenciadas com os adultos e com iguais, construindo, através dessas vivências, as culturas infantis, enfatizando que elas não são meramente imitações do universo adulto, pois as crianças constroem seus conceitos e significados a partir do que vivenciou e vale ressaltar que esta produção cultural não se remete, exclusivamente, ao universo infantil. 21 Sarmento e Pinto (1997), contam que as culturas infantis não surgem somente no contexto infantil, este envolve todas as interações sociais vividas pela criança. Enfatizando esta concepção de cultura, Coutinho (2002, p.111): Nesse sentido, a criação da cultura infantil parte dos contextos de vida das crianças e é elaborada a partir dos seus saberes. Essa idéia rompe com o que se defendeu por muito tempo enquanto capacidade de produção na infância, a imitação. Este fato é observável nas relações das crianças, no entanto é apenas uma dimensão, já que, ao se apropriar de um saber, a criança, como todo ser humano em qualquer idade, o ressignifica, lhe dá sentidos outros que os originais. Portanto, considerar o percurso histórico do conceito de infância é de extrema importância para que possamos observar as relações que permeiam as Instituições de Educação Infantil hoje e como estas vêem, ouvem e interagem com essas crianças. 6. 2 A construção do espaço educacional: educação infantil O conceito de infância trouxe consigo um olhar a respeito da criança e fez, surgir preocupações em relação ao cuidado e seu desenvolvimento, que se intensificou devido às mudanças da sociedade no decorrer da história. Mudanças essas que devem ser expostas para que possamos entender a construção das Instituições que hoje atendem esses pequenos e de que forma está se dando esse atendimento. A Educação no Brasil e sua história têm início em 1549, quando os primeiros missionários jesuítas desembarcaram em terras brasileiras. Os jesuítas tinham como missão catequizar os índios, e, posteriormente, estendendo - se a formação dos filhos da elite. Como relata Dorigo e Nascimento (2007 apud COTRIM e PARISI, 1979, p.260): “Imediatamente, após a sua chegada como soldados da religião, os jesuítas se lançaram na conquista das almas, na doutrinação das mentes”. Os padres jesuítas detiveram o monopólio por mais de dois séculos 1549 a 1759 no que se refere à Educação no Brasil. No Brasil, a Educação de 0 a 6 anos de idade, até o século XIX, não existia. As experiências dessas crianças e seu desenvolvimento eram provenientes do ambiente doméstico. Ao longo da história, crianças pobres, abandonadas ou órfãs, eram cuidadas por “criadeiras” ou “fazedoras de anjos”. Eram assim denominadas pelo alto índice de 22 mortalidade infantil daquela época, devido às péssimas condições de saneamento. Segundo Civiletti (1991, p.32): A morte da criança não era entretanto vivenciada com muito sofrimento, devido à identificação da criança morta ao anjinho, puro e ainda intocado pelo pecado. [...] A conotação angelical da criança era válida tanto para brancos quanto para negros”. Já os filhos ilegítimos de moças, cuja família tinha acessão social eram recolhidos nas “rodas dos expostos”. A roda dos expostos tem seu surgimento na Itália, na Era Medieval. Naquela época, era utilizada para o isolamento dos monges reclusos, passando posteriormente a ser usada com a finalidade de preservar a identidade das crianças ali depositadas. O nome RODA, (grifo meu) deve-se ao dispositivo cilíndrico de madeira vazada, que produzia um movimento rotativo e preservava a identidade do depositante. Conforme Ostetto (2000, p.21): “[...] Roda dos expostos, como ficou mais conhecida, era uma espécie de asilo/depósito para crianças abandonadas, sendo caracterizada, principalmente, por ser o local onde acontecia o abandono”. A primeira tentativa em abrigar as crianças se deu com os religiosos na roda dos expostos. Devido ao alto índice de mortalidade da época, os médicos – higienistas, jurídicos, sociólogos e damas da sociedade lançaram seus olhares para a criança pequena, realizando assim, a primeira iniciativa para acabar com esse mal infantil. Essa atuação dos médicos higienistas que veio para combater a mortalidade infantil, trouxe métodos de higiene para mães e encarregadas das crianças. Ela condenava as amas - de - leite e atribuíam as doenças aos negros escravos. Os médicos - higienistas tiveram um trabalho de caráter assistencialista, com o intuito de acabar com a mortalidade infantil e mudar a conduta de mulheres de classe menos favorecida. Com a Abolição da Escravatura, (1888), e a Proclamação da República (1889), o Brasil, sofreu um crescente abandono de crianças. Uma mobilização em busca de soluções para a resolução desse problema, foi a criação de creches, asilos e internatos, “vistos na época, como Instituições destinadas a cuidar das crianças pobres”. (DORIGO E NASCIMENTO, 2007 apud OLIVEIRA 2005). Em 1899, no Brasil República, foi fundado no Rio de Janeiro o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Brasil, que tinha como objetivo: Atender aos menores de oito anos; elaborar leis que regulassem a vida e a saúde dos recém-nascidos; regulamentar o serviço das amas - de - leite, velar pelos menores trabalhadores e criminosos; atender às crianças pobres, doentes, defeituosas, 23 maltratadas e moralmente abandonadas; criar maternidades, creches e jardins de infância. (DORIGO E NASCIMENTO 2007 apud KRAMER, 2001, p. 52). Dessa forma, inicia-se uma movimentação em prol da criação de Instituições destinadas ao cuidado de crianças pequenas, e com isso, em 1908, começa a funcionar a primeira creche popular para filhos de operários de faixa etária até dois anos. O primeiro Jardim de Infância Municipal foi inaugurado no Rio de Janeiro em 1919. Depois foi criado, em 1919, o Departamento da Criança no Brasil, responsabilidade do Estado, mas que funcionou somente por causa de doações. “Esse Departamento desenvolvia diferentes tarefas, sempre objetivando o benefício, a proteção e o amparo à infância no Brasil. Em 1920, foi reconhecido como de Utilidade Pública”. (DORIGO e NASCIMENTO 2007 apud KRAMER, 2001). No começo do século XX, com as transformações industriais e urbanas no país e a exigência de mão - de - obra barata, muda – se significativamente a estrutura familiar e o cuidado com as crianças pequenas. Nesse momento, a mulher é inserida no mercado de trabalho, ocasionando um transtorno para essas mães que não têm onde deixar seus filhos, desestruturando assim, o ambiente familiar. Essa situação está diretamente “[...] ligada a uma situação produzida pelo próprio sistema econômico, tal ajuda não foi reconhecida como um dever social, mas continuou a ser apresentada como um favor prestado, um ato de caridade.” (DORIGO E NASCIMENTO 2007 apud OLIVEIRA, 2005, p. 95). Com as manifestações crescentes entre os operários pelas condições melhores de trabalho e de vida, e devido à expansão das fábricas que precisavam cada vez mais de mãode-obra, e temendo que esta, possivelmente viesse a diminuir, os empresários nos anos de 1920 e 1930, decidiram oferecer o beneficio de creches e maternais, exclusivos para filhos de operários. Era resultado de uma das reivindicações desses trabalhadores para a melhoria de suas condições de trabalho. “Essas iniciativas ocorreram no Rio de Janeiro, São Paulo em várias cidades do interior de Minas Gerais e no norte do país e foram timidamente sendo seguidas por outros empresários.” (DORIGO E NASCIMENTO 2007 apud OLIVEIRA, 2005, p. 96). Nessa época, a creche era vista como um “mal necessário”, pois a mulher era vista como profissional do lar, mas com a necessidade econômica, ela se inseriu no mercado de trabalho e surgiu assim, a necessidade das creches para atender esses pequenos. As creches funcionavam junto às fábricas e surgiram assim, outras creches, organizadas por agregações religiosas ou filantrópicas, com o intuito de favorecer e ajudar a saída da mulher de casa, e 24 combater a pobreza e a mortalidade infantil. Pode-se perceber que o trabalho realizado nessas creches priorizava a higiene, alimentação, segurança, deixando de lado a educação, o desenvolvimento intelectual e social. (DORIGO E NASCIMENTO, 2007). Getúlio Vargas, em 1943, regulamentou uma Legislação que passou a cuidar das relações patrões e empregados, intitulada “Consolidação das Leis de trabalho – CLT”, essa Lei assegurava um espaço para que as mães pudessem amamentar seus filhos durante o período de amamentação. Por falta de fiscalização do poder público sobre o efetivo “[...] oferta de berçários pelas empresas. Essa pequena conquista não foi, em geral, efetivada na prática. Poucas creches e berçários nas empresas foram organizados nesta época e mesmo posteriormente.” (DORIGO E NASCIMENTO 2007 apud OLIVEIRA, 1992, p. 19). Os problemas continuam para essas mães em conciliar o trabalho fora de casa com o cuidado dos filhos e afazeres domésticos, e parece evidente a falta de avanço e de melhorias para a educação de crianças menores de 6 anos. O Departamento Nacional da Criança, em 1950, promove programas de vacinação, cursos, combate à desnutrição, ampliação de hospitais e maternidades e clubes de mães. (esses clubes foram criados em 1952 para valorizar o trabalho feminino e o seu papel na educação das crianças). Em 1950, as discussões sobre os cuidados com as crianças se intensificam com o aumento do atendimento, não sendo oferecido somente para as classes pobres e se estendendo as funcionárias públicas também. Já, no Período Militar, surge a LBA- (Legião de Assistência Brasileira) e o FUNABEM – (Fundação Nacional de Bem – Estar do Menor), oferecida como assistência à criança e à família e um favor oferecido às mesmas. Em 1970, devidos ao alto índice de evasão escolar e repetência de crianças pobres no primeiro grau, e como forma de superar isso, foi instituída a pré-escola para crianças de quatro a seis anos. Segundo Dorigo e Nascimento (2007 apud OLIVEIRA, 1992, p.20): “[...] considerava-se que esse atendimento possibilitaria a superação das precárias condições sociais a que a criança estava sujeita através de uma ‘educação compensatória’, sem alteração das estruturas sociais existentes na raiz daquele problema”. A educação pré-escolar foi adotada sem que houvesse uma discussão sobre os problemas enfrentados naquele momento, tendo assim, um caráter educacional, objetivando solucionar os problemas de repetência e evasão no ensino de 1ª grau, o que resultou na criação da Coordenadoria de Educação Pré-Escolar (COEPRE). Reafirmando Kramer (1992, p.110): “[...] os programas compensatórios são fundamentados na abordagem da privação cultural que justifica e reforça a discriminação das 25 crianças e dos meios sociais, cujos padrões culturais não correspondem aos das classes dominantes”. No fim da década de 70 e durante a década de 80, conquista-se a ampliação da Lei aprovada em 1934, baseada na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Como relata Braga (2003), esta lei obrigava as empresas que empregavam, no mínimo, trinta mulheres, a oferecer um local adequado para seus filhos de 0 a 6 anos. Braga (2003), conta que a Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado, localizada na cidade do Rio de Janeiro, foi a primeira indústria a oferecer creche para as mães trabalhadoras. Em 1899, segundo essas normas. Essa preocupação em ter uma creche nas fábricas deu uma nova dimensão para a Educação Infantil. A partir daí, as Instituições constituiriam a extensão da família e teria como objetivo o cuidar e educar. No entanto, o interesse pela criança era somente dos órgãos privados, deixando o governo alheio a tal responsabilidade, nesse molde, os Jardins de Infância, abertos pela Iniciativa Privada eram extremamente assistencialista e seu modelo era europeu, baseado nas propostas que tinham seus fundamentos na pedagogia de Froebel, que objetivava a formação de valores e o desenvolvimento da percepção e dos sentidos. Nesses Jardins de Infância destinados ao atendimento das crianças abastadas, explícito por: [...] uma duplicidade de propostas para o atendimento à criança pequena no Brasil: às crianças pobres, filhas de trabalhadoras, é atribuída a creche, estabelecimento de beneficência, para cuidar; às crianças das famílias de bens, é recomendando o colo da mãe e, quem sabe, quando um pouco maiores, o jardim de infância que nada tem haver com a creche! dizem... É um estabelecimento educacional, essencialmente. (OSTETTO, 2000, p.24). A Constituição Federal de 1988 define que reconhece a educação dessas crianças como um direito da criança e um dever do Estado, da família e da sociedade, objetivando o desenvolvimento completo da pessoa. Cabe destacar, no Art. 208, da Constituição Federal (1998, p.138), o dever do Estado com a educação mediante a garantia de: “IV – atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade”. Embora ainda haja muito para se fazer, é uma grande conquista o fato de que tal Lei reconheça a criança como sujeito de direitos, já que, anteriormente, as Leis limitavam-se a expressões como “assistir” ou amparar a maternidade e a infância. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), 1990, Lei n.º 8069/90, que assim como a Constituição Federal, responsabiliza o Estado por assegurar o “atendimento em creches e pré-escolas a crianças de zero a seis anos de idade” (ART. 54 p.22). 26 Consequentemente, em 1996, surge esforços para a garantia das Leis até então conquistadas apenas no papel, aguardando efetivação e legitimidade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n. º 9394/96, Art. 21, p.17, integra a Educação Infantil ao Ensino Básico. Surge a intenção de valorizar as atividades desenvolvidas dentro das Instituições de Educação Infantil, ressaltando a integração do cuidado com a educação. Quanto ao atendimento: “A Educação Infantil será oferecida em: creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade”. (ART. 30, p.22). Com a legalidade dos direitos da criança, a Educação Infantil ganha caráter pedagógico significativo. A partir desse momento, considerou-se a criança, cidadão e sujeito de direitos, que precisa de espaços organizados e profissionais qualificados. Braga (2007) conta que foram efetivados inúmeros debates, pesquisas, discussões, seminários e encontros entre profissionais da educação e representantes do governo, em uma parceria entre universidades e centros de pesquisa. Com base nesses estudos, outros documentos foram criados, em especial, os Cadernos de Coordenação da Educação Infantil (COEDI). Surge assim, a Educação Infantil, com: [...] caráter educacional - pedagógico que engloba atividades de cuidar/educar a criança com intencionalidade, planejamento e sistematização, considerando todas as dimensões do processo constitutivo desse nível da educação por parte dos profissionais. (BRAGA, 2003, p.23). Cerisara (1999), descreve as contribuições significativas que foram alcançadas através de estudos feitos pela Coordenação de Educação Infantil (COEDI) em parceria com a Secretaria de Educação Fundamental do MEC que se desenvolveu desde 1993. Essas contribuições resultaram em publicações feitas nos “cadernos” da COEDI que trazem: Educação Infantil no Brasil: situação atual – 1994; Política Nacional de Educação Infantil – 1994; Critérios para um atendimento, em creches, que respeite os Direitos Fundamentais das Crianças – 1995; Por uma política de formação do profissional de Educação Infantil – 1994; Proposta Pedagógica e Currículo em Educação Infantil – 1996. (CERISARA, 1999, p. 18). Rocha (2008), relata que desde a definição dos “Princípios Pedagógicos para a Educação Infantil”, muitas têm sido as necessidades teóricas e práticas, e por isso tem exigido maiores reflexões e debates a respeito, pois se faz necessário dar subsídios para que tomadas de decisões sejam efetivadas na creche, decisões essas que orientam os trabalhos realizados nestas Instituições. 27 Essa nova conjuntura a respeito da Educação Infantil vem sendo discutida através das Diretrizes para a Educação Infantil Nacional, que orienta as propostas pedagógicas e sua fundamentação. Expressa em caráter administrativo, prevê: I – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores: a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum; b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática; c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais. (ROCHA, 2008, p.2). As discussões a respeito da Educação Infantil já tiveram avanços significativos como podemos perceber no que foi exposto acima, entretanto, entender como essa trajetória se deu é de extrema relevância para pautar este trabalho, servindo assim de subsídios para averiguar se ainda há resquícios trazidos ao longo dessa história. 6.3 Brincar: quando se começou a pensar esse contexto para a vida das crianças e como ele está hoje? Depois de entendermos o contexto no qual se deu o conceito de infância, faz - se necessário expor como se apresentou o brincar na vida das crianças, no transcorrer da história. Em seu livro “Brincar na Pré-Escola”, a autora Wajskop (2007), menciona que a maior variedade de estudos a respeito da brincadeira está na Pedagogia, Antropologia, Filosofia e Psicologia como requisito básico para o desenvolvimento infantil. Mas destaca que nossos estudos deixam algumas lacunas no que se refere como ocorrem essas manifestações, qual seu papel social e que papel este desempenha no desenvolvimento infantil. Diante disso, a autora Gisela Wajskop (2007), relata o brincar desde a época greco Platão e Aristóteles, com base em um conceito de estudo veiculado ao prazer, sugerido por ela como a primeira forma de brincar. Assim o brinquedo já era usado na Educação. Naquela época, utilizava - se de doces com formas de letras e números para a educação das crianças, a ênfase dada a uma “educação sensorial”, nesse período, fez com que o “jogo didático” fosse 28 utilizado por muitas áreas de ensino como instrumento para a efetivação do mesmo. (WAJSKOP 2007 apud VIAL, 1981, p.19). Com o fim do pensamento romântico, a brincadeira ganha lugar no ensino das crianças, pois anteriormente era vista como passatempo, recreação, devido ao conceito de infância da época, que via os pequenos como alguém que não poderia expressar-se espontaneamente ou denotar algum valor a si. Assim, a partir das contribuições realizadas por Comenius (1953), Rousseau (1712) e Pestalozzi (1746), nasce um novo “sentimento de infância”, sentimento esse que deu um espaço aos pequenos na sociedade e a elaboração de métodos próprios para essa Educação. A Educação estava centrada em um ensino através de brincadeiras e diversão, onde: “A valorização da brincadeira infantil apóia-se, portanto, no mito da criança portadora de verdade, cujo comportamento verdadeiro e natural, por excelência, é o seu brincar, desprovido de razão e desvinculado do contexto social”. (WAJSKOP 2007 apud BROUGÈRE, 1989, p.20). Dessa forma, o olhar da família à criança cresce, significativamente, assim como a relação entre a educação e o brincar, todavia segundo Áries, essa assimilação se concretizou depois do século XVII, com os médicos iluministas como a salvação de todos os males. Vistos agora como “cidadão com imagem social”, “os pequenos tinham liberdade para se educar e eram educados para não usufruírem essa liberdade”. (WAJSKOP, 2007, p. 21). Em meio a toda essa contradição, há uma mudança na disposição da mulher em frente ao mercado de trabalho, deixando uma lacuna no cuidado dos pequenos que começaram a ficar sozinhos, em casa, ou perambulando pelas ruas das cidades, necessitando assim, de alternativas educacionais. Alternativas essas que foram vinculadas a uma educação através de brincadeiras infantis. Kishimoto (1988), descreve que as contribuições de Rousseau, na França, permitiram a criação de inúmeros brinquedos educativos para deficientes mentais que, posteriormente, foram utilizados nas escolas ditas normais, eles se baseavam em uma educação sensorial. De acordo com Friedrich Fröebel (1782-1852), Maria Montessori (1870-1909) e Ovide Decroly (1871-1932), cada um, no seu período, contribuiu com estudos referentes aos pequenos, dando à educação, o papel de grande importância no desenvolvimento dos mesmos, rompendo com o ensino tradicional trazendo os jogos didáticos que seria a tradução da “crença natural dos instintos infantis”. (WAJSKOP, 2007, p.22). 29 A infância só assumiu caráter social, se diferenciando da função social do adulto quando esta foi vinculada à brincadeira, e que Wajskop 2007 apud Chamboredon 1986 nomeou “ofício de criança”. Dessa forma, foi com a contradição referente à Educação Infantil e as idéias advindas de estudiosos do fim dos séculos XIX e começo do século XX, que a Educação se intensificou através das brincadeiras, materiais pedagógicos e práticas repetitivas. As Instituições vêm didatizando as atividades lúdicas ao longo da história através dos brinquedos, tornando esses momentos de faz-de-conta, meros instrumentos para a apreensão de conteúdos, não permitindo às crianças a criação de suas próprias brincadeiras, por elas serem extremamente direcionadas. Como destaca Wajskop (2007, p.25): “Utiliza-se o interesse da criança pela brincadeira para despistá-la em prol de um objetivo escolar”. Superando as teses biológicas e etológicas da brincadeira, que idealizavam as crianças apenas através de suas possibilidades educacionais e sempre vinculadas ao brincar como ferramenta de aprendizagem, é que surge a perspectiva sócio-cultural. A teoria socio-cultural se direciona para uma visão simplória rumo a um novo horizonte, rico em conhecimento para esses pequenos que estão em desenvolvimento. A perspectiva sócio-cultural prevê que todo o aprendizado da criança se dá através das experiências estabelecidas por elas com o meio social ao qual está inserida, com a interação com os adultos, pares e com o mundo por eles instituídos. De acordo com essa perspectiva, a brincadeira é: “Uma atividade humana, na qual as crianças são introduzidas, constituindo-se em um modo de assimilar e recriar a experiência sócio-cultural dos adultos”. (WAJSKOP, 2007, p.25). Dessa forma, muitos estudos foram voltados para essa temática que envolve o brincar, e que, posteriormente, foi declarado como um direito, como podemos verificar no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de (1998). Este direito foi fundamental para o desenvolvimento infantil, seja no que se refere à forma de expressar o pensamento, seja na sua comunicação e interação com os pares. assim o brincar e compreendido como uma atividade plena para o desenvolvimento infantil, provedora de interações múltiplas, a resolução de problemas e a formação de um sujeito critico e reflexivo. (BRANCO; MACIEL E QUEIROZ 2009 apud BRANCO, 2005; DE VRIES, 2003; DE VRIES & ZAN, 1998; TOBIN, WU & DAVIDSON, 1989; VYGOTSKY, 1984, 1987). Na brincadeira, a criança se permite vivenciar o lúdico e descobrir a si mesma, aprende sobre a realidade que a cerca e desenvolve seu potencial criativo. (BRANCO; 30 MACIEL E QUEIROZ 2009 apud SIAULYS, 2005). Levando em consideração essa perspectiva, Kishimoto (2002), propõe que as crianças que brincam, conseguem fazer uma leitura do pensamento dos seus pares “por meio de metacognição típica dos processos simbólicos que promovem o desenvolvimento da cognição e de dimensões que integram a condição humana”. (BRANCO; MACIEL E QUEIROZ 2009 apud ANDRESEN, 2005; BRANCO, 2005, p.1). No livro “A Produção Cultural para a Criança” (1990), Edmir Perrotti traz uma posição sociológica a que não se pode deixar de fazer referência sobre o brincar como cultura. Momento esse, onde as crianças expressam a cultura apreendida no meio cultural adulto, ou seja, a cultura de uma sociedade e a produção cultural das crianças é a cultura infantil, criada e recriada por elas através das interações vivenciadas nas brincadeiras. O autor menciona que a criança está ligada também a um espaço tempo, ao qual se relaciona, tendo participação neste meio e sendo influenciada por ele também. É através dessa interação com o meio em que vive, que a criança é inserida na cultura a qual faz parte, mas não uma cultura proveniente só dos adultos, passada de pai para filho ou de geração para geração. Esta cultura adulta dá subsídios para que os pequenos possam viver situações do mundo adulto em suas brincadeiras, assim cria-se um mundo que não se pode viver no real, dando espaço a produção cultural das crianças. Segundo Florestan Fernandes (PERROTTI 1990 apud S/A, p.22): “[...] a criança participa ativamente da cultura, criando-se e criando-a com feições próprias, com significados particulares, com funções semelhantes às funções da cultura vivida pelo adulto”. Assim, Perrotti (1990), afirma que as crianças produzem sua própria cultura, passada “boca a boca” por eles, embora eles ainda tenham necessidade de buscar elementos na cultura adulta para elaboração da sua própria cultura, estes dados são transformados e re-elaborados de acordo com suas necessidades, tornando – se algo distante daquilo que foi absorvido da cultura adulta. (PERROTTI, 1990, p. 22). Dessa forma, muitas coisas apreendidas da cultura adulta passam a existir somente na produção cultural infantil, como por exemplo, as cantigas, brincadeiras de roda, brincadeiras que não fazem parte do mundo adulto e que podem sofrer mudança no decorrer de sua trajetória, mas que ainda é uma cultura adulta. Fazendo destaque ainda a esse aspecto sociológico, Brougère (2002), compreende que o brincar não é uma atividade solitária da criança, mas algo social que necessita de uma aprendizagem para ser vivenciada. É através do brincar que o autor destaca a aparição de uma cultura lúdica, não vendo esta como fonte de “desenvolvimento da cultura”, mas como um 31 meio pelo qual a criança vai desenvolver sua cultura lúdica, como a criação de regras, que nada mais é que a produção cultural, enunciada por Perrotti. (BROUGÈRE, 2002, p.23). É através do brincar que as crianças ampliam suas capacidades, testam habilidades e se aventuram em novas descobertas, pautadas nas vivências oferecidas pelo meio no qual estão inseridas, pois no brincar, os pequenos tomam suas próprias decisões, formam acordos, combinados e ensaiam seus primeiros passos na leitura do mundo através das experiências vividas nas brincadeiras. O ato de brincar aproxima os pequenos à cultura socialmente construída e dada pelos adultos mais experientes, cultura esta denominada por Coutinho (2001, p.105), como algo construído por “sentidos e significados” passados e partilhados através de uma história, sendo esta detentora de várias definições, por depender exclusivamente do meio em que está inserida, pois nem todos compartilham do mesmo significado. Deixando claro que dentro desse contexto ocorre a “cultura infantil”, criada, ressignificada e recriada através das experiências vivenciadas e observadas pelas crianças, a partir de suas interações com seus pares e com os adultos que as cerca. A seriedade do brincar está também no fato de que, ao brincar com o objeto, a criança lhe atribui outros significados, mudando assim, sua relação com o mesmo e fazendo com que sua imaginação a leve ao mundo de faz-de-conta, e que pequenos grãos se transformem em feijões, expressando assim, seu caráter ativo no processo de seu próprio desenvolvimento. Segundo Vygotsky (1998, p.127): “A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação ao que vê. Assim, é alcançada uma condição que começa a agir independentemente daquilo que vê”. A criação dessas situações imaginárias durante a brincadeira permite à criança explorar um mundo fora da realidade vivida2, dando-lhe possibilidades de gerenciar, por si só, essa vivência e solucionar possíveis problemas que venham a ocorrer durante a mesma. A brincadeira permite à criança representar situações que ainda não fazem parte de seu contexto diário como criança, mas que adentra suas vivências sem pedir permissão como as brincadeiras de guerras simuladas por elas, às vezes vista em um desenho infantil, presenciada 2 É fundamental a observação dessas manifestações para que se possa apropriar de teorias como a de Vygotsky (1997), que se mostrou uma grande contribuição no que se refere ao estudo desse comportamento infantil. Em seu estudo, ao mencionar a ZPD (zona de desenvolvimento proximal), onde o ponto de partida é o nível de desenvolvimento real da criança, a qual esta consegue solucionar seus problemas sozinhos, assim o professor pode causar uma instabilidade neste individuo, trazendo outros saberes e o deixando no nível de desenvolvimento potencial. O qual Vygotsky (1997) diz que a mediação de um adulto, no caso, o professor, poderá ajudar a resolver este problema proposto e este, posteriormente, torna - se um saber adquirido. 32 em uma briga familiar ou vista em um noticiário de um jornal, assim Brougère (2008, p.79) menciona que: É preciso, também, evocar a necessidade que a criança parece ter de encontrar derivativos para a expressão de uma agressividade que ela pode ter dificuldade para controlar. A brincadeira de guerra permite-lhe exprimir essa agressividade de modo legitimo e, sobretudo, aceitável pelo seu meio. A brincadeira é um espaço onde papéis podem ser assumidos autoria e co-autoria pelas crianças, construindo sua identidade infantil, autonomia, sua cooperação, criatividade, tomada de consciência da realidade, ensina-se a desejar, através da brincadeira, querendo ser alguém diferente a todo o momento. Para que toda essa gama de interações tenha ocorrência, faz – se necessário um ambiente que possibilite a entrada no mundo de faz-de-conta, onde tudo pode ser criado e um mundo a ser imaginado. Espaços esses que nos aprofundaremos no próximo capítulo, entendendo o papel que o espaço desempenha nesse contexto da brincadeira infantil e suas reais contribuições para o desenvolvimento desses pequenos. 6.4 Espaço e tempo O Ministério da Educação e Desporto (1995), lançou o livro “Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças”. Dentro desses interior, destacam-se a) “nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante, e b) nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos”. (CAMPOS, 1995, p.11), ambos fazem referência ao espaço oferecido nas Instituições de Educação Infantil. Este é o foco que deveremos nos remeter no presente momento para que possamos contextualizar que espaço e tempo deve ser oferecido para o brincar na Educação Infantil. Levando em consideração os dois critérios acima citados e a recomendação do Ministério da Educação, destacando-os como essenciais para o atendimento à criança, torna se necessário, em primeiro lugar, rever e reestruturar a lógica estabelecida para a construção dessas Instituições, regulamentada em uma visão geralmente orientada “[...] para atender as necessidades do adulto e/ou do grupo como um todo [...]” (CARVALHO e RUBIANO, 1994, 33 p.109). Nessa perspectiva, Gandini (1999), relata que essas construções precisam ser arquitetadas ou reformadas com a ajuda de “coordenadores pedagógicos, professores, pais e arquitetos” voltados para uma educação que priorize a qualidade das interações e a parceria entre toda a comunidade educativa. Contudo, essa perspectiva ainda não está muito presente na construção de nossas Instituições, que, na maioria das vezes, são pensadas e planejadas através do olhar dos arquitetos. No entanto, já está sendo fonte de discussão por muitos arquitetos e educadores, como podemos destacar o livro “O Parque e a Arquitetura: uma proposta lúdica”, que foi organizado por Miranda, (graduado em Filosofia e Sociologia), juntamente com quatro graduados, (dois formados em Arquitetura e Urbanismo pela USP; um, em Serviço Social e Sociologia pela USP; e outro, Serviço Social e Sociologia do Lazer e da Animação Cultural, pela Universidade de René Descartes), que trazem como desafio repensar esses espaços para a implantação de um “conceito de instalações lúdicas”. (MIRANDA (ORG.), 2005). Refletindo ainda sobre os espaços dessas Instituições, David e Weinstein (1987), destacam que esses ambientes deveriam estar, de acordo com cinco funções do desenvolvimento infantil: “identidade pessoal, desenvolvimento de competências, oportunidades para o crescimento, sensação de segurança e confiança, bem como, oportunidade para o contato social e a privacidade”. (DAVID E WEINSTEIN 1987 apud, CARVALHO e RUBIANO, 1994, p.109). Os autores David e Weinstein (1987), destacam que a identidade pessoal será contemplada, se nesses espaços for oferecido o desenvolvimento individual das crianças, que elas possam personalizar tais espaços e terem a participação na organização do mesmo. O desenvolvimento de competências será observado se as crianças tiverem se apropriado desse meio, tendo livre acesso a banheiros, bebedouros de acordo com suas necessidades e sem a ajuda constante do adulto. A oportunidade de crescimento se dará com espaços que proporcionem o movimento corporal e a estimulação dos sentidos, e a sensação de segurança e confiança se dará através de contatos táteis, e com o convívio entre crianças e adultos. Já, a oportunidade para o contato social e a privacidade deve ser planejada com a mesma preocupação, pois o ato de estar em privacidade, permite extravasar sentimentos contidos, como por exemplo, a raiva. Considerando os pressupostos da Educação Infantil, vale ressaltar a importância da organização do espaço que possibilite e contemple as múltiplas linguagens das crianças e que 34 elas possam se sentir em sua inteireza autores e atores desses ambientes. Como afirma Faria e Palhares (2000, p.74 e 78): A organização do espaço físico das Instituições de Educação Infantil deve levar em consideração todas as dimensões humanas potencializadas nas crianças: o imaginário, o lúdico, o artístico, o afetivo, o cognitivo, etc, etc. (...) Portanto, o espaço físico precisa contemplar o convívio/ confronto de crianças de várias idades e de vários tipos de adultos. Os pais e mães visitarão e observarão o lugar onde seus filhos permanecerão tantas horas do dia. Linguagens estas dimensionadas pela autora Rocha (2008), quando nos expõe em pensarmos uma pedagogia para a infância que não está preocupada com a reprodução de métodos, mas com o desenvolvimento infantil, objetivando um “projeto educacionalpedagógico”, que respeite a linguagem: gestual, corporal, oral, sonoro-musical, plástica, escrita, contexto espacial, temporal, identidade, origens culturais, sociais, manifestações, dimensões elementos, fenômenos físicos e naturais. Segundo Junqueira Filho (1999, p.40): Nessa perspectiva, cantar, dançar, brincar, jogar, falar, conversar, contar e ouvir histórias, cozinhar, modelar, pintar, recortar e colar, classificar, quantificar, seriar, pesquisar e discutir sobre fenômenos da natureza e assuntos diversos de seus interesses, ler escrever, fazer combinados, entender o sentido das regras e respeitálas... são todas linguagens; são todos funcionamentos das crianças para (se)lerem e (se)escreverem (no)o mundo; são todos funcionamentos das crianças para se produzirem crianças e produzirem o mundo; são todos conteúdos curriculares em ação pelas crianças, na sua busca de produção de sentido sobre si mesmas e o mundo, que podem e precisam ser intencionalmente sugeridos, articulados e acompanhados pelas professoras, no dia-a-dia das crianças na escola de Educação Infantil. As crianças precisam ter vozes nesses espaços, se sentirem pertencentes deste considerá-lo como seu, estar acolhidas e protegidas, com a intenção de “pensar os espaços das Instituições de Educação Infantil, a partir do que as crianças nos indicam, revoluciona, mexe, remexe, vira do avesso, desafia-nos em nossa adultez [...]” (AGOSTINHO, 2005, p.68). Essa perspectiva rompe com uma lógica adultocêntrica que aprisiona, que condiciona. A intenção é proporcionar um espaço onde a criança possa adquirir segurança e se lançar ressignificando esses ambientes de múltiplas maneiras, modo este, que expõe Agostinho (2005), que deve ser um lugar que acomode, que proteja, um espaço que a criança possa apreciar como seu, que ela encontre seus diferentes ritmos nesse ambiente, em uma reflexão própria e que assegure sua “identidade pessoal”. Por fim, que tenha um encontro consigo mesmo, respeitado suas particularidades. Tais espaços têm que oferecer uma organização diversa que respeite as diferenças de gostos, tempos de aprendizados, a troca entre pares, com adultos, que possibilite escolhas e 35 que esteja preparado para o imprevisto, que seja um ambiente de criação. Um ambiente estimulante que faça esses pequenos darem asas à sua imaginação, protagonizando encontro e desencontros e que não fique estagnado a uma rotina pré-estabelecida. Como afirma Agostinho (2005, p.66): A organização de espaços diversos e plurais rompe com a lógica do uniforme, igual, oportuniza vivências heterogêneas para o grupo de crianças, distanciando-se de uma perspectiva homogeneizadora que prevê que todos façam a mesma coisa no mesmo tempo, rompendo assim com práticas adultocêntricas, e com os modelos escolares; respeita ritmos e escolhas pessoais, enriquecendo as práticas da Educação Infantil com atividades significativas e prazerosas para crianças e adultos. Diante disso, o espaço não se refere só à organização física, ele demonstra aquilo que se quer para aquele lugar, ele demonstra os valores das pessoas e traz consigo o tempo que pode servir como regulador ou condutor desse processo, quando bem planejado. Refere-se à estrutura dada ao tempo, aos papéis que cada um deve cumprir, demonstra sentimentos, nossa conduta e interfere drasticamente em nossas vidas. O tempo não deve ser transformado em uma rotina, ele deve ser utilizado para encontros significativos, e não a horários a serem cumpridos por uma rotina. Deve ser encarado como “jornadas”, termo utilizado pela autora Faria (2000), que remete uma idéia de espaço e tempo organizados por professores, crianças orientada por uma “educação e cuidado” e pautada nos direitos de todos. Conforme o “IV Simpósio Latino-Americano de Atenção à Criança de 0 a 6 anos”: (1996 apud FARIA, 2000, p. 85): Um espaço e o modo como é organizado resulta sempre das idéias, das opções, dos saberes das pessoas que nele habitam. Portanto, o espaço de um serviço voltado para as crianças, traduz a cultura da infância, a imagem da criança, dos adultos que organizaram; é uma poderosa mensagem do projeto educativo concebido para aquele grupo de crianças. A autora Faria (2000), traz uma discussão sobre a “educação e cuidado” que se torna muito pertinente para a constituição desse espaço, pois tal ambiente, deve contemplar como já foi dito, todas as dimensões das crianças e não há como dissociar o cuidar do educar, apontado pela autora que traz ambos na perspectiva de serem indissociáveis. Cuidar e educar está diretamente relacionado ao tempo, pois ao organizar o tempo, deve - se estar previsto que ambos andaram juntas: habilidades e aptidões se desenvolveram também. É necessária uma atitude profissional que compreenda a prática do cuidar e educar, pois essa deve ser entendida, refletida e pensada, com o intuito de perceber o ser humano como indivíduo com várias dimensões, rompendo com os binarismos: corpo/mente, afetivo/cognitivo. É interessante ressaltar que, a concepção de cuidar e educar, como prática 36 indissociável, dá – se, e ao ser entendida como uma fazendo parte da outra, e se não houver a busca por essa prática, dificilmente conseguiremos possibilitar o desenvolvimento integral da criança. Valorizam-se todas as dimensões humanas, e nenhuma se sobrepõe à outra, pois só assim se compreende a perspectiva de espaço que nos propomos. Refletindo sobre as considerações descritas acima: Neste sentido, é possível afirmar que o desenvolvimento integral da criança só pode se materializar a partir da superação da dicotomia cuidar/educar e, consequentemente, por meio da integração destes dois processos. Não se concebe mais uma educação que divide, parte o ser humano, privilegiando apenas o aspecto cognitivo em detrimento do afetivo e também do social e do motor. (DIAS E MACÊDO, 2001, P.4). Desta forma estamos falando de um espaço físico, de tempo e que está organizado em prol das diferenças das crianças que pressupõe a educação; é cuidado e um cuidado que implica em uma educação que valorize as crianças como sujeitos integrais, ativos, criativos e históricos no meio em que estão inseridos. Vale complementar que, para que essas crianças possam se sentir acolhidas, protegidas, protagonistas na organização desses ambientes, elas precisam se apropriar desses espaços, tendo a possibilidade de ir–e-vir sem tantas intervenções dos adultos quando esta não se faz necessário a esses pequenos, como: acesso aos brinquedos, ao bebedouro, ir ao banheiro, ao ambiente adequado para a alimentação e observarem suas produções pela Instituição. Conforme Agostinho (2005, p. 65 e 67): A apropriação do espaço pelas crianças supõe que estas possam colocar suas marcas, alterá-la, transformá-lo, imprimindo seus registros nas paredes, portas, janelas, tetos, chão, por toda a Instituição, personalizando-a. [...] Salientamos aqui a importância de planejar e organizar o espaço da Instituição de Educação Infantil de forma que os meninos e meninas que ali passam parte do seu dia, em todos os dias durante a semana, tenham o seu direito à brincadeira garantido, com muitos e diversos brinquedos e que estes estejam acessíveis, inteiros, limpos, disponibilizados de forma criativa e convidativa. Assim, esse espaço deve proporcionar às crianças um ambiente com árvores, flores, areia, contato com a água, pois as crianças terão contato com os elementos da natureza e sentirão necessidade de um convívio maior com esses elementos, incentivando uma preservação à natureza e aos indivíduos pertencentes a este meio. E, que, nos dias de calor ou nos momentos de brincadeiras, estas crianças possam saciar seu calor e dar asas à imaginação, tendo um contato com a água, e que os adultos, junto com as crianças, possam desmistificar o perigo dos elementos da natureza (água, terra, ar e fogo) no cotidiano da creche. Assim, Faria e Palhares (2000), relatam que instituir o significado de pertencimento à natureza só será realizado através do contato que se dará a partir de atividades que contemplem os “quatro 37 elementos: água, terra, ar e fogo”. Não precisando os quatro elementos ser retirados deste contexto por serem analisados como arriscados, que eles possam ser vivenciados com os adultos, tomando todos os cuidados necessários. Essa diversidade de espaços proporciona também uma variedade de descobertas, interações de trocas de saberes entre os pares e os mais experientes, possibilita aprendizados e ampliações dos mesmos, pois aprendem através dos ambientes e com o intercâmbio como agir, resolver seus conflitos e ampliar seus saberes. Segundo Oliveira (1995, p. 59): É uma atualização do antigo, uma reprodução sempre nova, feita por parceiros que negociam objetivos, ações e ritmos no aqui-e-agora da situação. Nas relações de papel, as crianças devem tomar diferentes pontos de vista para estruturar como agir para construir e alcançar seus objetivos e seus motivos, enquanto interagem com outros indivíduos com suas próprias, e, frequentemente, opostas intenções. Essa reprodução ativa, essa reconstrução partilhada, entretanto, não é um processo linear que começa, desenvolve-se e acaba. Ao contrário, é um processo entrecortado por outros elementos que provocam novos conflitos, cujo encaminhamento pode trazer novos elementos que podem, por sua vez, alterar completamente a forma e o conteúdo do enredo ou podem ser incorporados ao mesmo. Tratamos aqui de uma perspectiva lúdica para esses espaços das Instituições de Educação Infantil que possa sair dessa lógica disciplinadora que objetive o novo, lugares que chamem esses pequenos a imaginar, a fantasiar, que possa sair das mesmices dos parques que hoje possuímos. Procurando romper com o estético padrão dos parques das Instituições de Educação Infantil. Proporcionando ao parque, um castelo com um fosso, um navio de pirata e uma cobra que é um túnel que pode ser atravessado andando ou com um carro. Buscamos esses brinquedos para sair do cotidiano das suas casas, das creches e hospitais, considerando que essas crianças são capazes de múltiplas relações, de brincar de faz-de-conta, de criar e recriar, significando e ressignificando sua própria cultura e vivendo intensamente suas cem linguagens. Os espaços oferecidos devem ser diversos e inovadores, como expõe Coutinho (2002, p. 129): “[...] linguagem se traduz em interação”. E essa diversidade que se traduzirá em aprendizados para essas crianças como um todo. Este espaço e tempo vivido por essas crianças como relata Batista (2001), difere - se e muito dos outros espaços experienciados pelas crianças, pois na creche, as crianças dispõem de uma riqueza maior de tempos que podem ser vividos intensamente e, por isso, devem estar sempre sendo pensados, repensados, planejados e refletidos. Diante do que foi abordado, é de responsabilidade do educador organizar e coordenar esse espaço e tempo, voltados para o olhar da criança, apropriando - se dos indícios que elas dão para a ampliação desses espaços, tornando esses, fontes de constantes transformações. 38 Que seja um espaço lúdico, de encontro com a natureza, que valorize as múltiplas linguagens, de desenvolvimento e que traga consigo a certeza de um caminho a ser construído e percorrido com muitos saberes. 7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 7.1 Tipo de pesquisa A pesquisa se deu através da perspectiva etnográfica, e como aponta André (1995), esta consiste em “estudar a cultura e a sociedade”, a qual é orientada por uma “descrição cultural” que se caracteriza em uma coleta de dados sobre o cotidiano vivenciado, crenças, tradições, práticas e hábitos de um contexto social, que resultou em um relato escrito. Relato esse, que foi orientado pela perspectiva etnográfica de observação – participante, onde a pesquisadora prioriza a interação com o interlocutor dada à permanência no campo, os vínculos estabelecidos e as relações interpessoais intensificadas são elementos presentes na pesquisa. Os resultados, portanto, são produzidos através da relação intersubjetiva, pois a pesquisadora não é neutra. Tem a pesquisadora como o utensílio na coleta e análise desse processo, visando não um resultado final, mas sim, a apropriação dos acontecimentos desse percurso e os aspectos de maior relevância, de acordo com o que a pesquisa se propõe, que é o de observar o tempo e o espaço de brincar da Educação Infantil na Rede Pública e, finalmente, ela busca a reformulação de hipóteses, “visa a descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimento da realidade”. (ANDRÉ, 1995, p.30). 7.2 Participantes Os sujeitos participantes da pesquisa são vinte crianças de 3 anos, sendo que todos estão desfraldados, três crianças são afro-descendentes, e dezessete são brancas. O grupo tem 39 a pronúncia das palavras correta com a exceção de um menino que tem dificuldades na fala. A turma é composta por quinze meninos e cinco meninas, sendo que eles gostam de brincar com brinquedos, gostam de ouvir histórias e participar delas, e brincar de brincadeiras de faz-deconta nas áreas externas da Unidade Educativa. Há duas (2) educadoras: uma educadora está cursando o Magistério; e a outra, tem Magistério e está cursando a 6ª fase do curso de Pedagogia a distância, sendo que, a presente pesquisa, observou o tempo e o espaço de brincar da Educação Infantil na Rede Pública. Para isso, fez - se necessário notar todo o espaço institucional e os profissionais que nela atuam, pois após revisões bibliográficas de autoras como Faria e Palhares (2000) e Agostinho (2005), que fazem entender que esses espaços traduzem o conhecimento daqueles que neles habitam têm as características de quem os pensa e os constitui. Por isso, tornou - se tão importante observar todo esse contexto, pois quem pensa este lugar são os profissionais dessas Instituições em conjunto com as crianças, segundo as autoras. Tivemos a preocupação com os sujeitos participantes desta pesquisa, no que se refere aos critérios éticos, direitos humanos e todos os respaldos legais, dando a estes, nomes fictícios para que sua autoria e construção histórica seja respeitada, e que esta não se torne uma pesquisa impessoal e com o objetivo de quantificar dados.(KRAMER, 2002). 7.3 Instrumentos e coleta de dados Para que a coleta de dados contribuísse de maneira significativa para esta pesquisa, a mesma foi orientada através da observação-participante, utilizando como exercício, o ato de registrar em diário de campo, para que a apropriação das vivências do grupo permita perceber o contexto vivenciado por essas crianças. Ressalto a importância do ato de registrar, com a documentação, pois os registros nos possibilitam reviver os momentos com um olhar questionador, reflexivo e atento. Como descreve Gandini e Goldhaber (2002, p.152), todos esses registros acabam se tornando uma documentação imprescindível para que possamos utilizar “diariamente a fim de poder “ler” e refletir criticamente, de forma individual e coletiva, sobre a experiência que estamos vivendo e os projetos que estamos explorando”. 40 Essa técnica de documentação serviu de base para o desenvolvimento desta pesquisa na Educação Infantil, objetivando registrar o olhar das crianças; este olhar ao qual me refiro é o olhar de alteridade, que possibilita um olhar para as diferenças do outro criança, que respeita a identidade infantil, não concebendo como um adulto em miniatura, e sim, um olhar que procura entender como as crianças vivenciam e produzem suas culturas. Através desse olhar de alteridade podemos perceber como as crianças produzem suas culturas, em um exercício de nos colocarmos no lugar do outro, tentando compreender o significado e o sentido das relações para as crianças e olhar o que elas têm do nosso modo de ser e ter uma reflexão de nossas próprias ações. (COUTINHO, 2002). Dessa forma, estes registros estão organizados com o intuito de observar o cotidiano dessas crianças, suas interações com os pares e com os adultos que os cerca, a fim de compreender o tempo e o espaço de brincar da Educação Infantil da Rede Pública, tornando assim, um diário de campo que contemplou as vivências e as produções culturais nelas existentes. Para uma melhor compreensão deste contexto, categorias foram criadas que possibilitou um olhar atento e focado nos pontos que deverão ser observados no campo de pesquisa, a saber: o Concepção de brincadeiras das professoras? o Como está organizado o espaço da brincadeira? o Qual a relação que se estabelece da professora com as crianças na brincadeira? o Qual a relação das crianças na brincadeira? o Qual o espaço da brincadeira na rotina desse grupo de crianças? o As brincadeiras são contempladas nos planejamentos? Essas foram as questões elaboradas e utilizadas como objeto de análise no campo que serviram de foco para o diário de campo, produzido pela pesquisadora. 7.4 Situação ambiente O primeiro contato com a Instituição se deu através de um encontro com a pedagoga deste estabelecimento de Ensino da Educação Infantil, no dia: 01/04/09. Tivemos uma conversa, e coloquei o intuito de minha pesquisa naquele espaço que é de observar “Qual o 41 espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil da Rede Pública?”. Neste primeiro contato, fui apresentada às turmas da Instituição, conheci alguns espaços físicos como o refeitório, cozinha, parque, palco do teatro, banheiros etc. conforme com os ambientes e pessoas eram apresentados por essa profissional a mim, pude perceber uma alegria por parte dos profissionais da educação, crianças, funcionários, evidenciando sua satisfação por estar naquela Instituição. Os espaços também traduziam esta alegria através de fotos das crianças coladas na parede, à pintura das paredes, murais e a mascote da creche, uma cachorra muito simpática, sempre à espera de um lanche dado pelas professoras e crianças. Nas minhas observações, a preocupação com as crianças e a dedicação estava traduzida nos sorrisos dados a cada sala visitada e a todos os espaços ricos em possibilidades, ao contato com a natureza. Sua estrutura física: é constituída por uma área construída: 3.734 m2 e área livre: 248.992,50 m2. Quanto à divisão do espaço físico: 1 sala de direção, 1 sala para secretaria, 1 recepção, 2 salas para serviço social, 2 salas para serviço de saúde, 1 gabinete odontológico, 1 sala de costura, 1 almoxarifado, 1 lavanderia, 1 sala de descanso para funcionários, 1 biblioteca, 6 dormitórios, 1 palco para apresentações, 1 cozinha tipo industrial, 1 cozinha para lactário, 3 refeitórios, 2 garagens, 3 parques, 2 salas de recreação, 1 solarium, 2 salas para orientação pedagógica. Salas de aula: 3 salas para III períodos, 12 salas para maternais e I períodos, 2 salas de berçário, 4 salas para II períodos, 9 banheiros completos, 15 reservados de banheiros e o que compreende transportes: 1 micro ônibus, 1 kombi e 1 tobata. Combinamos retornar na próxima quarta-feira, dia: 08/04/09, pois as turmas estavam em período de adaptação e o quadro de funcionários estaria completo, somente a partir do dia: 01/04/09. Quando cheguei à sala, no dia: 08/04/09, as crianças lanchavam e as professoras auxiliavam as crianças neste momento, servindo - lhes o lanche. A pedagoga apresentou-me as professoras, relatando que eu seria a estagiária que estaria realizando sua pesquisa com aquele grupo de crianças. As professoras se apresentaram e uma delas perguntou se eu daria aula, respondi, relatando que estava naquele espaço como pesquisadora e estaria observando o grupo e registrando os momentos das crianças na sala. Conversei com as professoras sobre o termo de consentimento (apêndice I), que estaria sendo enviado as famílias, solicitando sua autorização para a utilização de fotos, relatos e filmagens das crianças em minha pesquisa. Logo após minha apresentação, as professoras pediram que as crianças fizessem uma roda para conhecer uma pessoa que passaria algumas tardes com as crianças. Já sentada na roda com as crianças e as professoras, uma das educadoras disse: - essa é a Kelli, ela está 42 estudando para ser professora. Comecei a minha apresentação, dizendo que estava ali para aprender muitas coisas com todas as crianças e que alguns momentos teriam que ser escritos em meu caderno (mostrei o caderno às crianças) para não esquecer das falas, brincadeiras e momentos feitos por elas, e terminei perguntando se todos me deixavam passar alguns dias com eles? Todos falaram que sim, com um coro que expressou muita felicidade, porém, um menino em especial olhou em meus olhos e disse: - Tu tá estudando para ser professora? Disse que sim, e completei dizendo que tudo o que eu anotasse em meu caderno estaria em um trabalho que estou escrevendo para mostrar à minha professora, e assim estaria me formando como professora. Ele sorri como se todas as minhas palavras tivessem sanado todas as suas dúvidas a respeito de estudar para ser professora. Dialogando, através do capítulo do método da tese de doutorado da autora Manuela Ferreira (2004, p.43), procurei em minha apresentação falar abertamente com as crianças “procurando fazer jus à ética referida” pela autora. Usufruindo da experiência relatada pela Ferreira, em seu diário, utilizando de palavras de fácil entendimento às crianças, colocando-me na posição de igual perante elas e explicando minhas ações naquele espaço, como por exemplo, os momentos que estaria escrevendo em meu caderno, e o que estaria escrevendo. No decorrer de minhas observações, por muitos momentos, fui questionada pelas crianças o que eu estava fazendo ao ser percebida por elas escrevendo em meu caderno. Em uma delas, uma menina me surpreende com um questionamento: Enquanto escrevo, Júlia fala que: eu não sei escrever igual tu. -Digo: que ela irá aprender. -Ela pergunta: o que tu tá escrevendo na folha. -Respondo: que escrevo o que as crianças estão fazendo. - Então ela diz: tudo que as crianças estão fazendo. (DIÁRIO DE CAMPO – 22/04/09). Nessa situação, em especial percebi que estava ali não só como uma pesquisadora, mas, como alguém que está sendo observada, analisada, através de seus gestos, falas e ações. O espanto da menina ao ouvir: “que escrevo tudo o que as crianças estão fazendo”, transmite toda o estranhamento de sua observação em relação a mim, pois ao indagar depois de minha fala “tudo o que as crianças fazem”, esta evidencia sua dúvida, se realmente consigo escrever tudo o que as crianças fazem. Assim, observar, está além de registros, de fotos ou filmagem, observar é: [...] mais do que olhar para examinar, é preciso compreender o que as crianças dizem, a partir da auscultação da sua voz, o que reclama uma nova atitude epistemológica: a da escuta sensível. (BARBIER, 1993). Trata-se de prestar sentido e não de o impor, entendendo-se aqui, prestar, como sinônimo de cuidado e abertura ao outro, o que supõe uma inversão da atenção: antes de situar uma pessoa no seu 43 lugar, começa-se por conhecê-la no seu ser, na sua qualidade de pessoa complexa (idem). Assim, a investigadora, ao suspender o julgamento, procura captar a densidade de sentidos que estão envolvidos na situação e, ao fazê-lo, reposicionar-se a si própria, mais do que almejar uma comunhão de espíritos que seria sempre pretensa. (FERREIRA, 2004, p.38 e 39). A partir desta reflexão a respeito da observação da autora Manuela Ferreira (2004), pude problematizar a minha postura neste espaço, procurando assim, ouvir o que elas têm a dizer, conhecê-las através de suas múltiplas linguagens. E deixando para meus registros no caderno, apenas algumas palavras que traduziam o momento vivido com as crianças, para que, posteriormente, fosse possível escrever o registro na íntegra, comprovando minhas vivências. Assim, pode-se perceber uma riqueza maior de detalhes em meus registros, pois não era apenas um ouvido a ouvir, e olhos a olhar, era um corpo, uma mente, um contexto entregue às experiências a serem vividas. A relação estabelecida com as crianças se deu de maneira tranquila e rápida, acredito que pelo fato de estar sempre próxima a elas, demonstrando que queria fazer parte daquele grupo como amiga e não como professora. Por muitos momentos, fui solicitada a intervir em disputas de brinquedos e brigas de amigos, procurei delegar esta responsabilidade às professoras, deixando minha participação apenas como parte integrante daquele grupo de crianças. Apesar de ter passado por situações em que me encontrei sozinha com o grupo de crianças na sala, não sabendo seus nomes, tendo que chamar sua atenção e não sendo ouvida por ninguém, pois era vista como uma amiga de visita naquela sala. Assim, conforme a autora Manuela Ferreira (2004), “procurava evitar, controlando ao máximo, qualquer papel de autoridade explícita que me conotasse com o papel tradicional de adulto, não impondo o meu conhecimento e representações da realidade social como tal” (FERREIRA, 2004 apud cf. MANDELL, 1991), mas deixando ser conduzida pelas crianças e adultos presentes nas relações que foram sendo estabelecidas. Paralelamente às observações, consegui conquistar a confiança e a amizade de um menino em especial, que sempre estava distante do grupo quando eram feitas brincadeiras ou atividades muito dirigidas. Esse menino sempre que se dispersava do grupo pegava um brinquedo e sentava ao meu lado, trazia brinquedos para eu brincar com ele e pedia para escrever em meu caderno quando me via escrevendo. Sempre que chegava à sala, ele me recepcionava com um abraço caloroso e muitas coisas que ele falava eu não entendia porque ele tem muita dificuldade ao pronunciar as palavras. Mas, de certa forma ou de outra, mesmo incompreendido por mim, pude sentir que estar ao meu lado lhe fazia bem. 44 A relação que constituí com as professoras foi muito boa. Elas demonstravam sempre serem muito atenciosas comigo, tentando me integrar das coisas que tinha acontecido pela manhã, mostrando seus planejamentos, contextualizando a realidade de algumas crianças. Proporcionando às minhas visitas, muitas descobertas sobre suas rotinas, espaços, dinâmica de grupo e projetos a serem feitos com as crianças. Para “tornar transparente a relação social de investigação”, relatada pela autora Ferreira (2004, p.41), evidenciei em minhas conversas com as educadoras da sala, qual o foco de minha investigação, minha posição como investigadora e não alguém que está ali para avaliar as profissionais, mas um alguém que está presente para aprender e contribuir com aquele grupo. Um fato que causava muitas risadas nas crianças e confesso que em mim também, era que a professora, a todo o momento, trocava o meu nome, chamando - me de Carol, nunca a corrigi por achar indelicado de minha parte, mas as crianças, muito atentas em tudo, faziam a correção por mim, chamando a atenção da professora e dizendo: não, professora! O nome dela é Kelli e não Carol. Ela sempre pediu desculpa pelo engano, mas, sinceramente, recordo - me apenas de uma vez ela ter me chamado pelo nome corretamente: no dia de minha apresentação com as crianças na roda. Tempos depois, fui descobrir que a verdadeira dona do nome tão chamado por ela, Carol, era a psicóloga da creche, achei inusitado a troca de nomes e lhe perguntei se eu tinha rosto de psicóloga, em meio a muitas risadas, ela disse: que talvez sim, por isso que ela se confundia tanto. Minhas observações compreenderam o período de 08/04/09 até 27/04/09, totalizando dez dias consecutivos no período vespertino, pois quatro dias, dentro destas semanas, tiveram feriados e emendas de feriados, tendo a necessidades de minhas visitas estarem sendo remanejadas para dias posteriores. As visitas se iniciavam às 14:30, porque ao meio – dia, neste horário, as crianças estavam no dormitório e foi um pedido da pedagoga para que as entradas fossem nesse horário. E a saída, às 17:00 horas, pois a professora de sala deixava a auxiliar de sala com o grupo de crianças. Totalizando duas horas diárias de observação. 45 7.5 Organização, tratamento e análise dos dados A organização desta pesquisa se deu através de uma “pré-análise” que, segundo Bardin (1977, p.95), perpassa por uma leitura prévia de conteúdos que ajudou o (a) pesquisador (a) na formulação de hipóteses, que, a posteriori, auxiliou na fundamentação teórica do projeto. Os “dados brutos” deste projeto, que se caracterizam pelos registros feitos no diário de campo, foram divididos e organizados de acordo com cada objetivo específico do mesmo. Após a “exploração do material” e sua organização, criei categorias que foram utilizadas a partir do registro diário de campo, como direção a um olhar atento que tinha alguns caminhos a seguir. (BARDIN, p.95) A análise de dados será orientada pelos registros e pela categorização dessas informações, a posteriori, ou seja, foram criadas categorias de análise a partir dos registros e dos (as) autores, (as) os quais me filio nesse projeto, todos agregados na perspectiva da produção da infância. Após a categorização desses registros, a análise dos dados se deu através de uma discussão com os autores que compõem a fundamentação teórica deste projeto e outros que surgiram para intensificar ainda mais este diálogo. A coleta de dados desta pesquisa se deu no período de dez dias, no mês de abril de 2009. 8 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Os capítulos a seguir, são análises dos dados coletados através do diário de campo que foram baseados nos objetivos específicos deste projeto, que posteriormente criamos categorias para a análise dos dados coletados. O objetivo 1, trata das questões oferecidas às brincadeiras as crianças. Esse capítulo discute sobre as categorias: espaços, intencionalidade, pistas, interação entre pares, culturas infantis, múltiplas linguagens e desafios a crianças. Já, no objetivo 2, é problematizada a organização do brincar no planejamento das professoras, e as categorias que dialogaremos são: o ponto de partida às crianças, rotina, diálogo institucional do planejamento, hierarquia, intencionalidade à perspectiva. 46 E, no objetivo 3, descrevemos a relação professor-criança e criança-criança nas brincadeiras. Esse capítulo abordará as categorias: regras entre pares, a centralidade e o direcionamento, brincadeiras de guerra, produção cultural, faz-de-conta e transgressão. 8.1 Vamos brincar? Como está ocorrendo este brincar na Instituição de Educação Infantil Como ocorrem as relações estabelecidas nas brincadeiras das crianças? Essas são oferecidas? Que espaços são esses em que as brincadeiras ocorrem e como estão sendo organizados para que ela ocorra? São temáticas a serem abordadas nas categorias abaixo, na qual trarei muitas reflexões sobre as vivências que perpassaram esta pesquisa. Para que possamos entender o contexto no qual é oferecido o brincar para essas crianças, torna - se necessário contextualizar este cenário onde as brincadeiras ocorrem: desde a sala deste grupo, até os espaços externos utilizados pelos mesmos. A sala onde foi realizada a pesquisa se caracteriza por: uma entrada que dá as boas – vindas, com uma cortina de flores feita de tampa de garrafa, e as flores são feitas de EVA. Os brinquedos da sala são guardados dentro de uma caixa de madeira onde há vários brinquedos... 47 As crianças têm acesso livre a esses brinquedos, pois os mesmos estão colocados em um espaço que possibilita o acesso das crianças. Os brinquedos disponibilizados são brinquedos industrializados. A turma tem vinte crianças com idade de 3 anos, a sala é bem colorida e muito atrativa para as crianças e foram as próprias professoras quem pintaram e fizeram os desenhos da parede. Esta é a porta de entrada com os dizeres: Bem - Vindos e o nome das professoras. Ao entrar na porta, avistamos um mural de aniversariantes com a data dos aniversários das crianças. Muitas borboletas, flores e peixes pintados na parede e uma centopéia no fundo da sala com uma árvore e um grande sol. A caixa de brinquedos. 48 A sala tem duas caixas com muitos brinquedos que estão atrás das mesas onde as crianças sentam. Um cenário de teatro, um espelho grande que está encostado na parede, uma mesa para a professora, um armário com materiais das professoras, uma prateleira com louças de barro para as crianças brincarem e um criado - mudo com escova, pasta de dente e toalhas das crianças. Prateleira. Este é o refeitório, e nele há um palco de teatro onde as apresentações são realizadas. Este é o corredor ao lado do refeitório onde algumas turmas fazem seu lanche ou almoço. 49 Esta é a visão que temos ao lado deste corredor, que é também a visão que tenho da sala das crianças. Este é um dos parques que têm ao lado de duas turmas e é utilizado pelas mesmas. Possui balanço e uma casa de bonecas. Este canto é usado pela turma que estou como refeitório, pois o refeitório fica com muito barulho quando há muitas turmas ao mesmo tempo nele. 50 Uma grande área aberta que a Instituição possui. Espaço onde geralmente o grupo do projeto fica e onde as funcionárias lavam as roupas das crianças e secam. E tem outro parque neste local, com um balanço e uma gangorra. Parque localizado logo em frente à Unidade Educativa. Com um trepa-trepa e balanços. 51 Uma praça que se encontra entre os prédios. Com balanço e bancos para sentar. Parque da ponte. Com balanços, escorrega e duas casas que são ligadas por uma ponte. Campo de futebol, ao lado do parque da ponte. Parque dos Colibris. Com um túnel de tubo, um labirinto, escorregador e balanço. 52 A primeira categoria, espaços, aborda o contexto deste grupo de crianças e de que maneira elas brincam e têm acesso aos brinquedos. As crianças brincam com os brinquedos que estão disponibilizados na sala, dentro de duas caixas de madeira, após fazer a escolha de seus brinquedos, todos sentam nas cadeiras e brincam sobre a mesa, como podemos constatar na descrição feita pela pesquisadora em que: Hoje está chovendo e a professora pede que as crianças escolham um brinquedo e se sentem à mesa para brincar. Todas as crianças assim o fazem. Meninas brincam de barbi; meninos, de bonecos, uma casinha da barbi, dois sofás, um telefone e todos permanecem sentados brincando. Passados 5 minutos que as crianças estão brincando, a professora solicita que os mesmos guardem os brinquedos. Ela se coloca no meio da roda e diz: - já estou aguardando vocês. (DIÁRIO DE CAMPO – 14/04/09). Este relato do diário de campo descreve as brincadeiras que perpassaram o espaço da sala dessas crianças e como é oferecido o brincar pela professora, que solicita ao grupo que cada um faça a escolha de um brinquedo e se sente na cadeira para brincar sobre a mesa, sendo estipulado um espaço e um tempo para o brincar, que impossibilita o próprio brincar. Podemos perceber que cada criança escolhia seu brinquedo e brincava sozinha, não interagindo com seus pares. Fiquei me questionando se o ato de escolher para si, o brinquedo, significa para criança que só ela pode brincar com o brinquedo? E essa dúvida em questão se evidenciou no dia em que estes foram brincar ao ar livre. Cada um escolheu seu brinquedo antes de sair da sala, levaram bolas, brinquedos, bonecos, mas apesar de estarem ao ar livre, debaixo de uma grande árvore, sendo esse, um lugar que possibilitava muitas interações e possibilidades de brincadeiras, cada um brincou sozinho, chutando suas bolas e brincando com seus bonecos. Dialogando com a autora que baseou a fundamentação teórica desta pesquisa percebi que a organização dos espaços múltiplos não remete a quantidade destes, mas às características que são dadas ao ambiente, e, o que se quer com este (Agostinho, 2005). Que possibilidades serão oferecidas às crianças que rompam com a lógica já vivenciada por elas que traga o novo, o diferente, a interação entre os pares, que seja um cenário repleto de encontros e desencontros. Ressaltando assim, a importância desses espaços estarem sendo pensados, repensados, ressignificados com as crianças e em prol delas. Assim, a autora Thiago (2000, p.58), descreve a responsabilidade do (a) educador (a) em estar pensando nesses espaços, propondo ambientes diversificados, com propostas diferenciadas que “ampliem as possibilidades de exploração” e da “pesquisa infantil”. A autora ressalta ainda que, toda essa diversidade de possibilidades, além de privilegiar a 53 interação entre os pares, traz “autonomia, liberdade, iniciativa, livre escolha” (p.58) a estas crianças que fazem parte desse espaço. Mediante as discussões dos autores (a) aqui citados, podemos perceber que o espaço que é oferecido ao brincar, descrito no diário de campo, restringe - se a um espaço determinado e apontado pela educadora como o único lugar a ser explorado pelas crianças. Não atendendo assim, a uma organização, a uma dimensão espacial mencionada pelos autores (a), deixando de instigar a interação entre os pares, as produções e explorações infantis no que se refere ao brincar. Levando em consideração que os espaços oferecidos às crianças para o brincar devem ser pensados, planejados com intencionalidade, visando sempre ao que se quer, e para o que se quer. Que devemos planejá-los para que a riqueza de interações entre os pares seja concretizada, que as culturas infantis sejam compartilhadas, ressignificadas e as múltiplas linguagens possam ser fontes de muitas descobertas de si, do outro e do mundo que a cerca. Outra questão observada foi à intencionalidade do planejamento das brincadeiras; dada a importância de pensar esses espaços, além de organizar esses ambientes, devemos saber o que queremos com ele, quais nossas intenções, objetivos, e é isso que devemos ter em mente ao planejar as brincadeiras que serão oferecidas às crianças. Mediante isso, as brincadeiras oferecidas pelas professoras contemplam brincadeiras dirigidas3 como podemos perceber no relato em que: A professora chama o grupo para brincar de galinha do vizinho. As crianças começam a cantar: “a galinha do vizinho bota ovo amarelinho 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,10”. As crianças ficam em roda, um amigo fica fora da roda colocando o ovo atrás de outro amigo que está sentado na roda. Esse amigo deverá pegar o amigo que colocou o ovo atrás dele. Após todos terem colocado o ovo atrás de todas as crianças, a professora convida o grupo para brincar de seu lobo. (DIÁRIO DE CAMPO - 13/04/09) As brincadeiras são conduzidas e oferecidas às crianças pela professoras através das cantigas de roda e eram bastante frequentes no dia-a-dia das crianças, compreendida pela professora como um momento de “recreação”. Quando perguntada como organiza seu planejamento, ela menciona “que quando está indo dormir, pensa o que vai fazer no outro dia”. Tais brincadeiras têm sua duração até que todas as crianças tenham participado ou quando as mesmas demonstram desinteresse pela brincadeira conduzida pela professora. Ao observar essas brincadeiras, ao propor o que podemos perceber é que elas são proporcionadas com o intuito de manter o grupo sobre o olhar do adulto, essa lógica 3 Termo utilizado no Plano Político Pedagógico da Instituição Educativa. 54 adultocêntrica rompe com a perspectiva de Leontiev (1992) que indica, a criança precisa de certo tempo para esquematizar suas ações, como podemos constatar na teoria de Vygotsky. Como menciona Wajskop (2007), quanto maior a diversidade de experiências das crianças, quanto mais aprenderem e interiorizarem momentos reais, maior será o desenvolvimento do simbolismo da imaginação e da criatividade. Sendo assim, Brougère (1997), adverte que a brincadeira não é inata na criança, ela aprende a brincar com os adultos mais experientes e com seus pares. Dessa forma, as brincadeiras devem ser planejadas para possibilitar um repertório vasto das mesmas. Esta lógica centrada no adulto desrespeita o tempo próprio da criança de produzir sua própria brincadeira e apreender a mesma com uma outra criança, impossibilitando assim, a ampliação do repertório infantil. Outra categoria de análise diz respeito à fala das crianças que se traduz em pistas. Essas pistas estão diretamente relacionadas ao registro do professor, instrumento pelo qual ele pode dialogar consigo, com suas ações e com os atores dessa história, que são as crianças. Colocando assim as crianças no papel de protagonistas, quando em sua posição de educadora retoma seus registros, reflete através dos mesmos e encontra sinais advindos de suas crianças para pautar seus planejamentos futuros. Como se pode observar na pista que surge com o diário de campo do dia: 14/04/09 onde: A professora, enquanto arrumava as crianças, perguntou ao grupo o que tinham combinado para fazer à tarde. _ Rafa disse: vamos ao parque dos colibris. _ E todos gritaram: oba !!! Nesse dia, podemos perceber que as brincadeiras deste grupo também surgem através de “combinados” 4 feitos com a professora, demonstrando a preocupação das mesmas sobre o pertencimento da criança nesse espaço, que existe para ela e em prol dela. Essa dinâmica estabelecida com as crianças, segundo Agostinho (2005), possibilita pensar as brincadeiras através das pistas dadas por ela, tornando este momento de brincar com um teor de significação maior aos pequenos, pois estes se sentem autores e atores atuantes e ativos neste processo e resgatam aprendizados anteriores, rumo a novos conhecimentos, rompendo com a adultez, muitas vezes imposta. E essa pista só foi reconhecida devido aos momentos registrados pela educadora, onde ela percebeu as constantes falas das crianças a respeito do encantamento, curiosidade, do desejo em ir ao parque dos colibris. Essa professora observou em seus registros as possibilidades descritas por Gandini e Goldhaber (2002) de reviver, 4 Palavra nativa do vocabulário das educadoras de Educação Infantil. Significa acordos. 55 refletir sobre os momentos, tendo um olhar atento sobre as produções das crianças. Todo o grupo explorou a diversidade do espaço e possibilidades que eram visíveis neste parque, onde todos deram asas à sua imaginação. A categoria interação entre os pares e culturas infantis surgiu a partir do momento em que a professora levou as crianças na sala de outro grupo, onde trabalha uma educadora muito adorada pelas crianças e que foi professora da turma no ano anterior. Logo ao entrar na porta, estão penduradas as mochilas das crianças e um painel de recados para as professoras. À direita da sala, na parede, tem um painel de aniversariantes que é um trem. Em cada vagão tem o nome das crianças e as datas de seus aniversários. À esquerda, no canto da sala, a mesa das professoras, ao lado uma garrafa de água com duas canecas para servir água às crianças. Alguns materiais sobre a mesa, dois bonecos na parede (um menino e uma menina), outra mesa no canto com bichos de pelúcias, como: cachorro, tartaruga e girafa. Uma caixa de papelão com todos os brinquedos da sala onde as crianças esparramaram tudo no chão e assim escolheram seus brinquedos. Mesa e bancos para as crianças e uma simpática varanda que tinha vista para o lado externo da sala. Consideramos relevante descrever este espaço da sala, pois ele não é tão decorado e esteticamente bonito como o da turma, na qual realizo minha pesquisa. Mas o entendimento das profissionais que nela atuam, demonstra um olhar sobre as interações e produções culturais deste dia, como podemos perceber no relato em que: O clima da sala era diferente, descontraído, todo mundo brincando em todos os lugares, sem restrições e regras nas brincadeiras, as crianças circulavam pela sala sentavam no banco, brincavam sobre a mesa, iam até a varanda, eram donos do seu espaço. Guto, com um boneco, mostrava - me tudo o que (pode) fazer, pula o boneco, da cambalhota, fala, grita se diverte muito. Kaunay era só sorriso, dava uma volta e vinha novamente ao meu lado, sorrindo, não me falava nada, mas aquele sorriso dizia tudo: estava feliz em brincar naquele espaço. (DIÁRIO DE CAMPO - 17/04/09). Nesse dia, as brincadeiras surgiram por meio do encontro das crianças e através das trocas das mesmas, suas interações foram intensas sem a interrupção dos adultos presentes. Os espaços foram explorados e ressignificados por elas com toda a sua atuação criativa, o banco virou um carro; as cadeiras, uma passarela, e até a caixa de brinquedos serviu de berço para o bebê. As crianças eram autores e atores se suas vivências, de suas ações, de suas interações e produtores de sua própria cultura. Cultura esta, passada através dos gestos, falas, regras e entendidas por quem participa da situação que está acontecendo naquele meio. (PERROTTI, 1990). 56 As brincadeiras também devem ser proporcionadas para que ocorra a interação entre os pares, para que combinados sejam estabelecidos entre as crianças, e a produção cultural possa ser constituída entre os pares. E isso ocorreu de maneira muito significativa como menciona Oliveira (1995), a criança precisa interagir com seus pares, negociar ações, brinquedos, precisa aprender através desse meio a tomar decisões, dar enredo às situações que estão ocorrendo. Elas têm que assumir papéis, ter um olhar diversificado, reagir frente aos obstáculos que surgem e atualizar seus aprendizados. Essa aprendizagem não é algo estanque, está em processo de desenvolvimento e está sempre em constante transformação e criação. E para que todo esse contexto ocorra, faz - se necessário deixar que as crianças brinquem entre si sem a intervenção do adulto a todo o momento, possibilitando assim, a produção cultural desses pequenos. Observado no momento em que: “Felipe e Diogo brincam na sala, cada qual com seu carrinho. Felipe desafia Diogo a uma corrida. Os dois meninos se divertem muito, transformando as paredes da sala, a mesa, cadeira, o chão, em pista de corrida de seus carrinhos”. (DIÁRIO DE CAMPO - 17/04/09) Demonstrando que a imaginação, a criação precisam ser vivenciadas através de um encontro consigo e com a outra criança. Proporcionar brincadeiras que considerem toda a diversidade das crianças e dos espaços faz com que muitas descobertas e aprendizados sejam feitos, e traze - la através das múltiplas linguagens é compreender a criança em sua inteireza. Múltipla linguagem expressa no dia em que a professora mexe, remexe com as crianças através de uma brincadeira onde muitas linguagens são contempladas como a gestual, corporal, oral, sonoromusical. Vale ressaltar que todos são envolvidos na mesma brincadeira, de forma lúdica, que traz prazer a todos e os satisfaz como um todo: Andréia convidou o grupo para brincar de “cobra”. E então começaram a cantar: “Essa é história da serpente que desceu do morro para procurar um pedaço do seu rabo. Ei você também, você também faz parte do meu rabão, ãao...”. Na brincadeira, as crianças cantam essa música e começam a convidar os amigos que estão na roda para passar debaixo de suas pernas e depois fazer parte da serpente, segurando na cintura do amigo e fazendo uma fila e, assim, formando a serpente. (DIÁRIO DE CAMPO - 22/04/09) Nesse dia, a professora possibilitou o encontro das crianças fazendo com que cada uma tivesse a possibilidade de agir à sua maneira, pois quando as crianças eram chamadas a fazer parte da serpente, cada uma procurava uma maneira fácil para passar por debaixo das pernas dos amigos. Uns rastejavam, outros abaixavam os braços e inclinavam o bumbum e assim faziam, cada um ao seu modo. Tinham a possibilidade de gesticular enquanto faziam 57 parte da serpente, de cantar, balançar a cabeça e dar asas à sua imaginação através da diversidade de possibilidades de seu corpo, conhecendo a si e a todos que o cercam. Dessa forma, ao considerar o sujeito criança como um todo: corpo, mente, razão, emoção, estaremos dimensionando todas as múltiplas linguagens das crianças e proporcionando às mesmas, várias formas de interação e aprendizado. Interações e aprendizados que só se desenvolverão se os espaços forem diversos, lúdicos, envolventes e que desafiem as crianças em todas as suas necessidades. Preparar então esses espaços, contemplando as múltiplas linguagens faz com que várias dimensões das crianças sejam ressignificadas, desde o imaginário até as relações afetivas, por isso, essas brincadeiras devem ter espaços que contemplem o encontro das crianças consigo e com outras crianças. (FARIA E PALHARES, 2000). E, segundo Junqueira Filho (1999, p.40), ensinar as crianças através de suas linguagens faz com que elas entendam a si e ao mundo, são caminhos para que elas se produzam e produzam neste mundo, “são todos os conteúdos curriculares” e que precisam ser articulados, pensados e acompanhados pelos profissionais que estão com as crianças nas Instituições de Educação Infantil. Outra discussão são os desafios para a criança que foi uma brincadeira oferecida pela professora às crianças, e que demonstrou o seu planejamento em relação a essa brincadeira, sua intencionalidade demonstrando o que se quer para aquelas crianças naquele espaço. Assim: Depois que voltamos do lanche, chegamos à sala e a professora tinha preparado um circuito para as crianças brincarem e vencerem os obstáculos. As crianças tinham que atravessar a sala e chegar à mesa e pegar um brinquedo para a professora que estava sobre a mesa. Só que neste trajeto tinha cordões esticados pela sala, onde a criança teria que usar estratégias para passá-lo e assim alcançar o brinquedo. A grande alegria dessa atividade foi a superação de Rique que completou o percurso. (DIÁRIO DE CAMPO - 22/04/09) Sendo assim, a professora permitiu a este grupo de crianças tudo aquilo que estamos dialogando até o presente momento, a organização de um espaço amplo, planejado, que desafia, que dá às crianças a possibilidade de pensar suas ações trazendo o diferente, o novo, ampliando suas vivências e seus aprendizados. Portanto, oferecer desafios às crianças faz com que “níveis mais complexos de desenvolvimento” sejam alcançados, como destaca Wajskop (2007, p.35). As brincadeiras são oferecidas às crianças em um espaço definido por lugares e tempos, não que esta Instituição não possua ambientes para essas crianças brincarem, mas eles não são contemplados pelas mesmas. Pois apesar da diversidade de parques, ambientes, 58 lugares de encontro das crianças com outras crianças, não se observa a exploração desses espaços, limitando a vivência das crianças ao seu grupo e à sua sala. A intencionalidade a qual eram apresentadas às brincadeiras, em sua maioria, demonstrava uma preocupação maior com a ordem do que com a diversidade de interações, aprendizados e trocas das crianças, pois as mesmas eram conduzidas a brincar cada qual com seus brinquedos, sentados nas cadeiras. As brincadeiras também proporcionaram desafios às crianças, fazendo com que elas desenvolvessem todas as suas múltiplas linguagens. Aconteceram momentos de interações entre os pares e produção de culturas infantis, quando as crianças foram deixadas a brincar, cada qual a sua forma e maneira de ser, estar, em um espaço e tempo só seu e determinado por quem está brincando. 8.2 Brincar, puxa, fala, corre e rola: o que isso tem haver com o planejar das educadoras? Este capítulo dialogará sobre o registro realizado a partir do diálogo com a professora sobre suas perspectivas a respeito do brincar, como organiza seus planejamentos e a relação estabelecida entre as duas professoras sobre os planejamentos de sala. Este diálogo será pautado pelo Projeto Político Pedagógico da Instituição, as falas da professora, as observações feitas pela pesquisadora em sala e a concepção dos autores sobre as situações vivenciadas neste grupo. Na conversa com a educadora desta sala, a respeito de seu planejamento, revela que a mesma tem como ponto de partida, as crianças, onde a mesma, ao ser questionada como se organiza os planejamentos da instituição, menciona que: Olha eu faço os meus planejamentos mensais, mas estou sempre atenta às crianças e se percebo algum interesse por parte delas eu tento contemplá-los em meus planejamentos. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09) A professora demonstra a preocupação de estar sempre atenta às pistas dadas pelas crianças e contemplando os interesses das mesmas em seu planejamento, olhar esse, que precisa interpretar o que esse “outro criança” está observando e fazer uma leitura, colocando - se no lugar dessa criança que observa. (COUTINHO, 2002, p.125). 59 Pistas e interesses tão enfatizados no texto “partilhando olhares”, discutidos pelas autoras Batista, Cerisara, Oliveira e Rivero (2004), advertem a importância do educador na sala das Instituições de Educação Infantil como mediadores, que através de seus olhares atentos podem observar este ponto de partida das crianças, rompendo com o foco até então advogado da centralidade do olhar do adulto. Olhar este, que muitas vezes se esquece de olhar para as crianças, e deixa passar as inquietações das crianças, momentos de interações com elas que podem ser partilhados e significar a criança novos conhecimentos. (BATISTA, CERISARA, OLIVEIRA E RIVERO, 2004). Mediante a essa preocupação demonstrada pela professora em contemplar as pistas dadas pelas crianças em seu planejamento, que resolvi investigar o Projeto Político Pedagógico. Nessa investigação, tive a intenção de compreender o dialógo institucional sobre o planejamento, nesse documento, o planejamento é tratado como “atividade dirigida” assim “neste contexto, o planejamento prévio dessas atividades é primordial para o sucesso quanto aos objetivos que se quer alcançar”. (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2007, p.26). Diante disso, constatei uma quebra, uma dicotomia, um problema na articulação institucional, ao ouvir da professora “que seu planejamento era visto pela coordenadora pedagógica, só para ver o que estão fazendo em sala” (quando questionada, se seu planejamento era visto por alguém). Apesar de mencionar que seu planejamento era apenas visto pela coordenadora com intuito de controle, ao ser interrogada sobre qual respaldo pedagógico ela tinha desses registros, a mesma argumenta que: Sim, ela olha o nosso planejamento. Temos grupo de estudo bíblico, conversas com a psicóloga, que nos renova e recarrega as energias e temos também oficinas de professoras. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09). Assim, apesar de evidenciar sua preocupação em estar contemplando as crianças em seu planejamento, a mesma não subentende a importância do ato de planejar que é delinear, lançar-se, promover interação do grupo, possibilitar as múltiplas vivências, não apenas um papel a ser preenchido para ser visto. (OSTETTO, 2000). Deixando claro que o ato de registrar naquela Instituição é apenas uma atividade burocrática a ser cumprida pelas professoras. No planejamento de um (a) educador (a) deve constar o que se quer para aquele grupo de crianças, quais suas reais intenções; deve estar de comum acordo com a perspectiva da Instituição, pois o planejamento é o sucesso daquilo que se quer para a criança, assim como, o respaldo pedagógico da Instituição deve estar de acordo com essa perspectiva do Projeto 60 Político Pedagógico. Ainda sobre o planejamento de sala, quando abordada sobre se este é feito só por ela, a mesma relata que: Geralmente eu faço, trago, mostro para minha colega de sala, ela dá uma olhada, sugere. Dou toda a abertura para ela planejar, mas planejamento é uma competência do professor de sala e não dos auxiliares. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09). Nesta fala da educadora fica nítida a questão da hierarquia institucional, em que a professora regente de sala fica responsável pela questão pedagógica e a auxiliar de sala com as questões higiênicas, evidenciando a dicotomia no que se refere à questão do cuidar e educar. A professora demonstra sua frustração quanto a esta situação, articulando que não concorda com essa postura, segundo ela não faz distinção de tarefas. Realmente não tem como haver essa dicotomia entre o cuidar e educar, eles são indissociáveis, pois quando se tiver um entendimento que não há um educar sem cuidar e um cuidar sem educar, as crianças não receberão uma educação para cuidado integral que irá desenvolver todas suas dimensões. Estando estas crianças em Instituições que ainda as vê divididas em corpo e mente como compartimentos que devem ser aperfeiçoados por partes não sendo vistas em sua inteireza (DIAS E MACÊDO, 2001). Esta dinâmica só mudará quando aqueles que nela estão entenderem que o cuidar, além de ser um tempo que privilegia a interação criança-criança e adulto-criança é um momento de aprendizagem, pois é através da interação com o outro que o sujeito se constituiu sujeito. (VYGOTSKY, 1998). Outro aspecto abordado é a rotina da Instituição que se caracteriza pela recepção das crianças às 7h da manhã, café, atividades, almoço, higiene, sono, lanche, janta/lanche e saída às 18:30h, ressaltando que esta interfere significativamente no planejamento da professora pois que tem que adequar o mesmo, a alguns horários que são inflexíveis como almoço e lanche. Diante disso, a professora ao ser questionada sobre como organiza seus planejamentos, ela relata que criou uma rotina para a sala e mostra a mesma descrita, em seu caderno. Rotina esta que está organizada em: 07:00 às 08:00- horário de entrada e lanche das crianças. 08:00 às 10:00- roda, conversa com as crianças e atividades. 10:00 às 11:00 – brincadeiras. 11:00 às 12:00- livre. 12:00- almoço. 12:30 às 14:30 – sono. 14:30- lanche. 15:00 às 16:00- brincadeiras. 16:00- lanche. 16:00 às 18:00- brincadeiras. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09). 61 Percebi ao ler seu caderno que a rotina descrita por ela demonstra - se semelhante à que obtive acesso no Projeto Político Pedagógico da Instituição. Então indaguei com a professora se aquela rotina não estava no Projeto Político Pedagógico da creche, mas a mesma me respondeu: Que não fui eu que criei, só coloquei os horários de entrada, saída, almoço e lanche que são dados pela Instituição. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09) Perante isso, tive a compreensão que o Projeto Político Pedagógico da creche não tinha sido uma construção daquele grupo de educadores, e o mesmo, não foi apresentado quando eles assumiram a docência das turmas, salientando que este é um documento que exprime o que a Instituição, os funcionários almejam para as crianças que estão naquele espaço. É através do Plano Político Pedagógico que a postura do (a) professor (a) em sala deve pautar - se com a visão de mundo, criança, planejamento, educação, tendo assim um referencial teórico a ser seguido, ou seja, o suporte pedagógico. Comparando a rotina construída pela professora e a rotina da Instituição, percebemos que há alguns momentos que não permite uma flexibilidade no planejamento do professor, a educadora restringe ainda mais o espaço e o tempo de brincar, socializar, interagir das crianças. Um tempo o qual parece pertencer somente ao adulto e que Batista (2001), apresenta como uma hierarquia regida por normas, de um tempo e esse tenta sobrepor o sujeito criança que tem seu próprio tempo, importando somente o tempo que a atividade ou brincadeiras tem que acabar, não sendo levado em conta qual a significação desse momento à criança. E esse tempo para o aparecimento das brincadeiras, da apreensão das crianças nas atividades dirigidas pela professora se evidenciava no dia-a-dia daquele grupo de crianças como algo acabado, posto, inflexível, pois a rotina era metodicamente seguida dia-a-dia com horários rígidos para começo, término de atividades e brincadeiras. Wajskop (2007 p. 37), ressalta que a criança precisa de uma rotina que “contemple um período razoavelmente longo entre as atividades dirigidas” para que esta “se sinta a vontade para brincar”. Adverte ainda que esse “tempo tenha uma configuração visual e espacial que facilite o desenvolvimento da imaginação” (WAJSKOP, 2007, p.37), por isso, esse espaço e tempo como descreve Agostinho (2005), é um lugar de brincadeira, de liberdade, de se movimentar, de encontro, de coletividade e de sonhar que não pode ficar aprisionado a uma rotina rígida de horários e tempo. Dentro dessa rotina, o professor tem que organizar seu planejamento, e mediante essa organização, ele deve ter claro a intencionalidade a qual irá propor os repertórios de 62 brincadeiras às crianças, ou seja, quais suas intenções para aquele grupo de crianças. Portanto, quando a educadora foi abordada no que se refere como as brincadeiras são contempladas em seu planejamento, a mesma expõe “às vezes estou indo dormir e penso o que vou fazer com eles no outro dia”. (DIÁRIO DE CAMPO - 23/04/09). Com a apresentação desta resposta, fica claro que a professora não se utiliza da ferramenta norteadora do trabalho do professor que é o planejamento, o qual Ostetto (2008, p.15), trata como “a prática de pensar a própria prática”. Então, continuo o diálogo com a educadora, perguntando se ela descreve as atividades que vai propor, a mesma explica que tem aquela rotina feita por ela, em seguida, pensa as atividades, executa - as e só depois registra como foi a atividade, mais uma vez, a rotina aprisionando o professor e seu discernimento no ato de planejar. Com o aparecimento da palavra registro, na fala da professora, propus uma última indagação: Vocês então trabalham com registro? Então ela descreve que e o registro dela é semanal, que dá aproximadamente duas folhas, salientando com este dado a importância da quantidade e não da qualidade do que é descrito em seu registro, termina ressaltando que, quando considera alguma fala importante das crianças, escreve e depois complementa no registro da semana. É importante fazer uma última ressalva quanto ao que se refere ao registro, planejamento, observação das crianças. Segundo Ostetto (2008), o planejamento e o registro dos acontecimentos em sala com as crianças possibilitam ao educador a reflexão do seu trabalho, o retorno das crianças, e de futuros encaminhamentos para aquele grupo, propicia um diálogo consigo e com quem lê o relato, que se torna uma documentação, um fazer história. Finalizando o tema planejamento, procurei compreender qual a importância dada por esta educadora ao contemplar as brincadeiras em sua rotina diária, fazendo este questionamento a mesma, não querendo se comprometer com a complexidade da questão, ela intitula seu trabalho como sendo muito lúdico e desenvolve este, através da ludicidade. Insisto em uma resposta e reformulo minha abordagem, perguntando: As brincadeiras que você pensa têm alguma intencionalidade? A educadora não tem dúvidas e responde “é, eu trabalho muito a coordenação deles, é muito importante nessa fase e gosto de fazer muita recreação”. Essa resposta, definitivamente, deixa clara a visão desenvolvimentista adotada pela professora, que considera a criança como um sujeito que atinge estágios, e, assim, desenvolve - se. Mediante isso, a educadora jamais poderia intitular seu trabalho de lúdico, pois como indica Vygotsky (1987 apud CERISARA), a atividade lúdica tem sua nascente na 63 ação criadora, que é o mundo imaginário da criança, onde desejos impossíveis se tornam real. Como essas crianças podem ter um espaço lúdico de produções, se estão cercadas pela rotina, pelo curto espaço e tempo que é oferecido ao brincar de maneira livre, sem a supervisão do adulto, que insiste em coordenar tudo e a todos, a todo o momento. Diante disso, a autora Tristão menciona que esse olhar desenvolvimentista é uma construção histórica que transcorreu por muito tempo à Instituição de Educação Infantil, retificando ainda, persiste em algumas Instituições como podemos perceber na fala da professora descrita acima. Essa visão tem relação com o conceito de infância entendido por esta profissional que percebe essas crianças como “um corpo em desenvolvimento, caracterizado pelas faltas”, sendo assim, essa idéia está pautada nos estudos da psicologia do desenvolvimento. (TRISTÃO, 2005, p.29). Psicologia apresentada pela autora como um manual que indica que, no mundo inteiro, as crianças se desenvolvem “praticamente da mesma forma”, que elas são vistas e “fragmentadas em múltiplos pedacinhos de desenvolvimento, tais como: cognitivo, afetivo, motor, social”, ou seja, se desenvolvem por etapas, têm idades pré-estabelecidas para executarem funções, ações, fala etc. (p.31). Demonstrando assim que essa visão está muito além das crianças que temos hoje nas creches, pois são sujeitos articuladores de suas ações, produtores de sua cultura e exercem influência no meio ao qual estão inseridos. Considero que o grande problema diante da temática, o planejamento, deve - se à falta de dialógo institucional sobre o planejamento, pude perceber que a forma pela qual a educadora organiza o mesmo, dá - se através do conhecimento apreendido por ela em sua prática e a formação que obteve no Magistério. Pois a educadora já consegue ter um olhar atento a algumas questões a respeito do brincar das crianças, contemplando as pistas dadas por elas em sua rotina e percebe também a hierarquia da Instituição no que se refere às funções da professora e da auxiliar de sala. O brincar diante desta lógica no planejamento da professora tem um caráter desenvolvimentista tendo seu direcionamento voltado para questões como coordenação motora, aspectos cognitivos e estágios a serem alcançados. Ressalto a importância de uma conversa sobre o Plano Político Pedagógico da Instituição com os professores, uma vez que é o primeiro passo para a compreensão de todos, no que se refere à intencionalidade de um planejamento, como planejar e a rotina possa ser vista em sua flexibilidade. E que se possa 64 pensar e ter um conceito de infância, mundo, planejamento educacional e referencial teórico como suporte pedagógico, pensando sempre no que se quer para esse grupo de crianças. 8. 3 O que dizem as brincadeiras a partir do olhar das crianças? As brincadeiras perpassam o cotidiano das crianças, seja na creche, na casa de um amigo ou na sua própria casa. É nela que a criança manifesta todas as suas linguagens que adentra em um mundo imaginário que é só dela, e neste mundo, tudo que no mundo real não é permissível, ela vivencia; um mundo de faz-de-conta onde uma vassoura pode se transformar em um belo cavalo. Onde tudo se cria, recria e se ressignifica através das vivências destes sujeitos construtores de sua história que fazem história. Dessa forma, as crianças interagem entre si, criam e estabelecem regras entre seus pares, regras essas de conhecimento somente daqueles que participam das brincadeiras, que podem mudar, de acordo com o caminhar da brincadeira, mas que têm sua mudança mediante a aprovação de todos, como se pode perceber no relato em que: Dois meninos brincavam na mesa um com carrinho e o outro com uma pista, o Alexandre sugere que o Bruno troque o brinquedo com ele. Ao trocar, o Alexandre bate o brinquedo no Bruno e pede desculpa ao mesmo. Os dois dão muita risada e continuam a brincar. Enquanto o Alexandre e o Bruno brincavam, o Carlos chega e pega o brinquedo que está sobre a mesa. O Alexandre se enfurece e arranca o carrinho da mão do menino. Bruno vê a cena e chama Carlos de bobinho. O Alexandre fica chateado, pois ele estava brincando com o carrinho e só tinha largado para pegar o boneco que estava ao seu lado. (DIÁRIO DE CAMPO - 08/04/09) Nas brincadeiras, as crianças estabelecem relações, criam regras e fazem “combinados”: para entrar na brincadeira tem que obter autorização daquele que está envolvido, não se pode entrar em uma brincadeira sem saber como aqueles que participam estão brincando. É através dessas interações que a criança se desenvolve e encontra situações que testam seus conhecimentos, ampliam suas competências, possibilitam novas vivências, tomadas de decisões e permitem que elas façam a primeira leitura do mundo que as cerca, sendo esta encharcada por “sentidos e significados” construídos, compartilhados por meio de uma história. (COUTINHO, 2001, p.105). Nas brincadeiras com seu modo de agir e de se constituir como criança e entre seus pares, estas compartilham uma “identidade social coletiva”, onde criam “uma ordem social 65 instituinte”, mas isso não surge de uma hora para outra, é um processo de apreensão através da troca com o adulto que a cerca. (FERREIRA, 2004). Assim, Oliveira destaca que este processo é uma intensa atividade onde há uma atualização de conhecimentos já apreendidos, com uma ação sempre nova, feita entre os pares que “negociam objetos, ações e ritmos” no ato das vivências estabelecidas por eles. (1995, p.59). As relações estabelecidas nas brincadeiras com a professora e as crianças têm um modo por parte da educadora na centralidade e no direcionamento das mesmas. Pois a professora, como já mencionado no capítulo “As brincadeiras”, oferece estas, centradas na organização dos adultos, ou quando as crianças estão brincando, a mesma sempre está supervisionando o que as crianças falam entre si e como as brincadeiras estão sendo conduzidas pelas crianças. Falas vindas das crianças como: Eu sou do mal, vou te matar, você é um monstro, são recriminadas pela professora que intervém a cada fala das crianças a este respeito dizendo: que é feio e não é legal. Ainda neste dia, a professora brinca com Antônio que está com uma cartela de bichinhos, ele tenta pronunciar o nome dos mesmos, ela percebe que ele não consegue pronunciar o nome de alguns animais corretamente e começa a perguntar para o menino: -olha o cavalo! Ele assim começa a repetir o que a professora fala, ainda com dificuldades, mas prestando muita atenção na pronúncia da professora. Ela percebe que eu a observo e diz: - não gosto de deixar o grupo muito solto, gosto de dirigir as brincadeiras. (DIÁRIO DE CAMPO - 08/04/09). A professora, em quase todos os momentos, está envolvida nas brincadeiras das crianças, auxiliando ou intervindo com os mesmos. Nesse caso, acredito que a intervenção dela vem a contribuir para o desenvolvimento desse menino, mas será que a todo o momento essas intervenções contribuem ou seria melhor se colocar na posição de pesquisadora para, a posteriori, fazer uma intervenção com mais elementos? Nas intervenções feitas por ela, na questão das falas das crianças demonstrou - se a centralidade e o direcionamento do educador, evidenciando que as brincadeiras produzidas naquele espaço não podem ser oriundas da construção das crianças, mas sim, o que o professor quer que ela diga e faça em suas brincadeiras. É necessária uma reflexão sobre o papel do professor (a) como mediador neste contexto, não como centralizador e direcionador das brincadeiras que ali perpassam, mas como participante nesse contexto como um articulador desse processo. Os professores (as) podem adentrar no mundo da brincadeira com as crianças, desde que tenham a apreensão dos momentos que deva adotar uma postura de observador (a), quando podem participar das mesmas, coordenando e em que situações podem participar das brincadeiras. (CERISARA, 2002 apud OLIVEIRA, et alli, 1992, p.102). 66 O papel do professor nesse processo é o de suscitador de descobertas, através da excitação do diálogo, em uma atuação conjunta com a criança de conhecimento e troca. Sendo essas descobertas uma construção social entre o adulto-criança e entre criança-criança (EDWARDS, 1999, p.161). Diante disso “[...] mediador entre o conhecido e o desconhecido. Não mais um centralizador, mas aquele que,” coordena atividades e momentos vivenciados em sala, a respeito do brincar, escuta as múltiplas linguagens que expressam tudo o que a criança quer anunciar e deve desenvolver. Um educador (a) que brinca junto, que sugere, não impõe brincadeiras, que traz significação para as ações e experiências das crianças. E que se coloca no papel de observador, ouvinte, percebendo as linguagens e expressões que as crianças revelam. (THIAGO, 2000, p.60). Os encontros e desencontros das brincadeiras também transcorrem em um mundo de ações e reações que não são vivenciadas no mundo real pelas crianças como partes integrantes de sua ação, mas que são presenciadas por muitas em seu dia-a-dia. E que são somente estabelecidas no mundo do faz-de-conta e na criação imaginária das mesmas, o mundo das brincadeiras de guerra, traduzidos em desenhos animados como: power rangers e etc. Estas brincadeiras foram fontes de muitos conflitos por parte da educadora com as crianças, pois as crianças insistiam em brincar de luta, na posição de homem do mal, quando a mesma indagava sua reprovação a essas maneiras de brincar, como podemos destacar no dia em que: Três meninos brincam na mesa e Anderson diz: - eu sou o homem do mal. A professora intervém e diz: - quem é do mal? O menino sorri e diz: - não, é do bem! só de brincadeira, eu falei que era do mal. E a professora reforça dizendo: - tem que ser do bem. A professora me olha e diz: - sabe Kelli, eles gostam de ser personagens do mal, por isso eu tenho que falar, vêem muita televisão e adoram ser do mal. E tenho que avisar que legal é ser do bem. Continuando a brincadeira, o Anderson fala em tom baixo: - eu sou do mal, viu cara, eu sou do mal, ouviu. Eu disse: que eu sou do mal, sou do Power rangers do mal. Vamos matar o urso panda, disse ele, percebendo que os amigos não lhe estavam dando a devida atenção. Os outros dois meninos só gesticulavam os brinquedos como se eles lutassem com o ar, nem percebendo o chamado insistente do amigo (DIÁRIO DE CAMPO - 08/04/09). As brincadeiras possibilitam à criança viver situações por elas nunca vividas ou criar e recriar cenas da cultura adulta que ainda não fazem parte do seu contexto. Dar à criança a oportunidade de extravasar seus sentimentos, de expressar suas angústias ou seu sentimento de insatisfação. Será que mostrar as brincadeiras de lutas como não sendo legais é a melhor 67 solução? Tirá - las da sala, o que fazer? Como mediar essas situações? Brougère, descreve que, estas brincadeiras embrenham o mundo das brincadeiras infantis, sem pedir licença, são muitas vezes simulações de “desenhos animados, brigas de família e noticiários de jornais” vistos pelas mesmas. O autor ainda menciona a dificuldade da criança em controlar seus sentimentos, consistindo a brincadeira de guerra, em um meio para extravasar esta agressividade contida e a brincadeira também ser um espaço onde o aflorar deste sentimento é permitido nesse contexto social do brincar, sem que haja uma descriminação à ação da criança. (2008, p. 79). Sabat, na descrição de sua tese a respeito do “Educar para a sexualidade normal”, menciona que os desenhos infantis têm um “caráter performativo” em suas histórias e enunciados trazendo normas de gêneros, condutas, guerra, feio, bonito, cores de menina e de menino e a constituição de meninos e meninas na sociedade de uma forma discriminatória. Ressaltando que o trecho do diário de campo descrito sobre as brincadeiras de guerra produzidas pelas crianças, tem todo um contexto que deve ser levado em conta, a vivência de um dos meninos com um irmão mais velho que joga vídeos violentos, onde pessoas morrem com tiros de fuzil. E a sensação trazida pelas experiências vividas pelas crianças em ser o mais forte, o monstro do mal e o desejo de construir vivências ainda não pertencentes ao seu mundo real. No intercâmbio estabelecido nas brincadeiras pelas crianças ocorre a produção cultural, essa cultura decorre do acúmulo de experiências, interações e movimentos feitos pelas crianças no transcorrer de uma história. Essa produção possibilita à criança a articulação entre o mundo real e seu mundo imaginário, sendo esta ação, uma síntese das experiências anteriores já exploradas pelas mesmas. Dessa forma, o diário de campo nos traz uma descrição onde podemos evidenciar esta produção cultural: Maria embala o bebê, enquanto o João que está ao seu lado se olha no espelho. Ela sai e ele vai até o berço embala o bebê, cantarolando uma música: nana neném que a mamãe já vem..., só que ele embala o bebê com muita força e ele acaba caindo, o João faz uma cara de espanto, arruma o bebê no berço e sai de perto da brincadeira sentando - se na cadeira, espera a menina voltar e ele a observa por alguns instantes, esperando que ela observe alguma diferença. Observa que ela não percebe que o bebê caiu e vai brincar com um carrinho. Ela o chama novamente e diz: vem já marido cuidar do seu filho, pára de preguiça. (DIÁRIO DE CAMPO - 08/04/09). Podemos perceber que esta brincadeira traduz cenas presenciadas por essas crianças em casa, no cuidado consigo mesmo e com seus irmãos feitos por seus pais, mas que também evidencia a leitura das mesmas a respeito do papel que pais e mães devem ter com seus filhos, 68 não sendo de responsabilidade somente da mãe o cuidado com os pequenos. Demonstrando um olhar de igualdade de relações entre meninos e meninas. As brincadeiras conduzem o aprendizado das crianças, traduzem suas descobertas, como cuidar do bebê, posições sociais de meninos e meninas, ou seja, espaço e tempo de muitas descobertas a esses pequenos. Essa criação da cultura infantil vem do “impulso criativo” da criança que é o ato de imaginar, onde são feitas combinações entre o real e o imaginário. A combinação destes dois elementos é algo novo, criado, que pertence à criança sem se tornar apenas uma coisa ouvida e repetitiva. Essa aptidão em articular o antigo com o novo é a base de toda a criação da criança. (CERISARA, 2002, apud 1982, p. 139). Ainda sobre a cultura infantil, Perrotti descreve que essa produção cultural infantil permite as crianças tomarem decisões no meio ao qual estão inseridos e exerce influência no mesmo. (PERROTTI, 1990). O contexto das brincadeiras proporciona a aparição da cultura infantil, sendo esta uma leitura do experienciado e do presenciado por esses pequenos, produzindo e construindo sua própria cultura através de suas interações e regras. O faz-de-conta também é um ponto a ser destacado no que se refere às interações que ocorrem no brincar, esta é uma expressão daquilo que foi apreendido pelos pequenos e evidencia suas construções em relação à temática apreendida, por exemplo, ao ouvir uma história sobre um cavalo e como esse cavalga sobre o campo. A criança pode traduzir este cavalgar através de um objeto que interpreta aquela situação apresentada e que agora é de conhecimento da criança. Uma ação que será vivenciada através do seu processo imaginativo a partir da brincadeira de faz-de-conta. Mediante isso, o brincar de faz-de-conta se revela no momento em que: A brincadeira do seu lobo, a professora se esconde, as crianças têm que achá – la. Quando todas as crianças a encontram, o lobo, que é a professora, corre atrás das crianças para pegá - las e quem é pego primeiro é o lobo. Que se esconderá para o grupo achar. Na brincadeira, quando as crianças eram achadas, saiam correndo e gritando atrás dos amigos. Gabriel é pego e se esconde, e a professora pergunta: - Cadê o Gabriel? - Pedro diz: está aqui professora. - e Gabriel diz: não tô não. E a professora surpreende o menino por trás, que sai correndo para pegar os colegas. (DIÁRIO DE CAMPO - 13/04/09). As brincadeiras de faz-de-conta mexem com o imaginário infantil despertam sentimentos de medo, suspense que possibilita as crianças viverem um misto de sentimentos em uma situação só. E fazem com que elas expressem seus sentimentos e suas ações em um combinado de múltiplas linguagens, que permitem a satisfação de desejos e anseios 69 resguardados por elas. Nesse contexto, “surge o campo do significado, mas a ação dentro dele ocorre assim como na realidade”, nesse sentido, o significado vem primeiro, pois descreve como será a ação da criança representada por um objeto que trará essa ação. (VYGOTSKY, 1994, p. 119). Todas essas expressões e impressões podem ser visualizadas nessa descrição do diário de campo, com o conflito entre a satisfação e o medo de brincar de seu lobo. Outro aspecto a ser discutido é a domesticação dos corpos por meio da brincadeira, instituindo nelas tempos e espaços definidos pelos adultos e que devem ser seguidos pelas crianças. Essas crianças na construção de sua própria identidade como sujeitos críticos, criativos, que interpretam e recriam suas vivências através de suas relações com o meio em que vive, constroem e articulam meios para a transgressão desse condicionamento das brincadeiras oferecidas a eles pelo adulto. Como podemos perceber no espaço e no tempo do brincar, no dia em que: Antônio pega um brinquedo, mas quando a professora percebe, pede que ele guarde e volte à roda, enquanto Rique continua brincando na mesa. Com a chamada de atenção da professora, as crianças começam a indicar os amigos que tentam quebrar as regras, pegando o brinquedo, enquanto a brincadeira do caçador rola na roda da sala. Todos já tinham sido caçadores ou o amigo que fica no meio da roda tampado com o cobertor. Diante disso, a professora convida o grupo para brincar de caçar o urso (DIÁRIO DE CAMPO - 14/04/09). As crianças tentam quebrar a rotina, burlar o que não as interessa, mas também sabem denunciar quando suas regras são quebradas. Esta ação de trazer brincadeiras em que todos tem que fazer tudo, ao mesmo tempo, é uma incorporação da naturalização dos corpos, visando à escolarização e o disciplinamento instituído na escola, já dimensionando a estes corpos, hábitos deste cotidiano. Esse corpo é nas crianças um condutor para a socialização da cultura infantil através de seus movimentos, cabe ressaltar que o brincar não está alheio à escola, e, ao aprender, os dois caminham juntos, aprendemos brincando. (FINCO, 2007). A criança brinca a qualquer hora e a qualquer momento, sempre encontra uma brecha para romper com o não - permitido e produzir sua própria ação por meio do brincar. As relações estabelecidas nas brincadeiras passam pela centralidade e direcionamento da educadora através do brincar, estabelecido por tempos para começar e acabar e com espaços limitados para a exploração das crianças. Suas interações entre os pares no brincar são organizadas por regras acordadas antes do começo das brincadeiras, não podendo ser mudadas sem a aprovação de todos que nela brincam. As brincadeiras de guerra surgem como uma transgressão daquilo que o adulto considera certo para o brincar da criança, não levando em consideração aquilo que a criança 70 apresenta neste momento de brincadeira. A produção cultural e o faz-de-conta são observados quando este grupo tem a oportunidade de cada um brincar à sua forma, e da maneira sem a mediação insistente do adulto, que considera necessário intervir a todo o momento, não deixando as crianças construírem seu próprio brincar. 71 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS O contato com o campo de pesquisa possibilitou muitas descobertas a respeito do brincar dessas crianças. Como um simples pufe, pode se transformar em uma cama de um consultório médico, e em uma brincadeira, podemos assumir o papel de pai e com um piscar de olhos nos encontramos na posição de filho; essa é a dinâmica traduzida nas brincadeiras desses pequenos. E com toda a diversidade de falas, gestos, olhares, apresentados pelas crianças nessas brincadeiras, elas nos representam e dizem tantas coisas, que precisaríamos de uma vida para entender e compreender tudo que perpassa o mundo do brincar na Educação Infantil. Crianças criativas, ativas, que se lançam em um mundo só seu constituindo regras, reafirmando combinados, trocando saberes, aprendendo e ensinando ao outro criança, e ao adulto que a observa. Então ter como intenção dessa pesquisa, a observação do espaço e tempo do brincar na Educação Infantil, proporcionou a contextualização e a observação de como está sendo oferecido esse brincar para essas crianças. Precisamos ter claro que esse espaço é um direito da criança, sendo assim, um ambiente diverso que contemple todas as múltiplas linguagens desses pequenos. E esse possibilite a interação entre os pares, do adulto com a criança, que tenha um tempo de brincar próprio, que pertence só a quem brinca, e que nesse brincar, a criança possa dar asas à sua imaginação e voar rumo ao novo horizonte de descobertas e aprendizados. Diante disso, podemos perceber que no primeiro capítulo da análise, no qual mencionamos como essas brincadeiras estão sendo oferecidas a este grupo de crianças, analisamos que esta Instituição possui uma diversidade de espaços em que pode ser proporcionado o brincar. Mas esses espaços não são organizados e planejados com intencionalidade e com o objetivo de proporcionar o brincar a essas crianças. Estas ações que permeiam o brincar são vistas pelo educador (a) como algo centrado no ato de ensinar do adulto, impossibilitando assim, por muitos momentos, a construção de brincadeiras oriundas das crianças. Impedindo a esses pequenos a troca de culturas infantis e a produção cultural que ocorre por meio da interação proporcionada pelas brincadeiras. Considerando que essas brincadeiras eram apresentadas ao grupo de crianças, com regras, tempos e espaços indicados pelo adulto, sendo o término dessas brincadeiras orientado por um 72 olhar atento da educadora, que ao imaginar uma sombra de bagunça, desordem, instituía o fim da mesma. A falta de um diálogo institucional, em muito ajuda essa estrutura criada para o planejamento e o brincar dessa creche, pois a mesma, possui um Plano Político Pedagógico, organizado pela última vez, no ano de 2007, sendo esse documento uma ferramenta didática que norteia conceitos, características, ações, indicativos para o que se quer nesta Instituição, para o que se quer dos funcionários e para o que se quer a essas crianças. Perante isso, o planejar esbarra na rotina, na centralidade e direcionamento do adulto, na falta de intencionalidade e no objetivo de desenvolver a criança através de um olhar desenvolvimentista. Desse modo, as interações que ocorrem no brincar entre os pares e com o adulto são repletos de conflitos, pois as crianças, em sua inteireza, tentam demonstrar que são sujeitos ativos, que criam, recriam e ressignificam suas vivências, quebrando as regras impostas pelo adulto durante o processo de brincar. Esse transgredir das regras é visto pelo adulto como indisciplina, bagunça, desordem, mas nada mais é do que o ser criança que vive intensamente tudo o que lhe é proporcionado, com toda a sua corporeidade, expressa através de suas múltiplas linguagens. Linguagens essas, sem espaços/tempos fonte de descobertas, encontros e desencontros de um sujeito criança que brinca, expressa - se, sonha, deseja, almeja o brincar para o brincar. Em um espaço e tempo planejados, organizados pelo adulto com a criança, sobre o olhar da criança e com o jeito de ser criança, com mistério, com coisas para serem desvendadas, encontradas, criadas, imaginadas, inventadas, ou seja, um espaço lúdico para o brincar. Consideramos também que o desenrolar dessa pesquisa poderia ter trazido contribuições significativas para essas professoras, se a mesma tivesse sido uma pesquisaação, onde a pesquisadora se coloca na posição de articuladora do grupo, propondo assim, proposições na área a ser investigada, aqui, no caso, o espaço e o tempo oferecidos ao brincar. Podendo ainda, através dessas proposições, articular a teoria com a prática, evidenciando que todo este espaço é muito rico em possibilidades; que a criança necessita de um espaço e de um tempo livre para o brincar e o quanto a brincadeira é importante e significativa para sua aprendizagem e desenvolvimento. Organizando, dessa forma, um grupo de estudo, com professores e coordenação pedagógica para estes estudos a respeito do brincar, do espaço, e 73 tempo e propor a reformulação do Plano Político Pedagógico da Instituição, deixando este, com a cara e o jeito daqueles que estão com as crianças e para as crianças. Sugerimos, mediante as descobertas feitas através desta pesquisa, que sejam desenvolvidas novas pesquisas no que se refere à formação dada aos pedagogos que trabalharam nas Instituições de Educação Infantil, o que está sendo discutido pela acadêmica a respeito do brincar, do planejamento e do sujeito criança. Como está se dando a articulação entre a teoria e a prática nos bancos acadêmicos. E como as Instituições vêm apresentando o Plano Político Pedagógico aos professores que estão adentrando à mesma, e se estes têm, posteriormente, uma participação na reformulação do mesmo. São questões a serem averiguadas e de muita significação para todo esse contexto apresentado nesta pesquisa. Esta pesquisa trouxe uma relevância de cunho acadêmico que acompanha o professor (a) por toda a sua vida que é a sua formação, como este sujeito que exerce a docência encarou sua formação e a vem encarando, pois ser professor é estar se constituindo durante toda a sua vida, um educador nunca está pronto e acabado. Este se faz durante toda a sua existência, em constante transformação, aprendizado, descoberta e pesquisa. Uma outra relevância é de cunho social, e se refere ao olhar que a sociedade vem demonstrando a esses pequenos, como os vêem, entendem, significam, respeitam, interpretam esse sujeito criança que se constitui hoje, em toda a sua dimensão. Dimensão esta da criança que por um longo tempo, na história, foi vista como “angelical”, “adulto em miniatura”, tratado por aqueles que tinham a responsabilidade pelos seus cuidados sem nenhum sentimento e apreço. Dessa forma, consideramos possível tornar este lugar denominado creche, em um espaço organizado, planejado, que manifeste a intencionalidade dos educadores para com as crianças. Demonstrando e caracterizando este espaço como sendo um ambiente para o brincar, rico em estímulos, para a produção de cultura e socialização da mesma pelas crianças que nela habitam. Nessa configuração, a criança terá um espaço e um tempo para o brincar que lhe possibilite extravasar suas ansiedades, descobertas, dúvidas, aprendizados em um brincar pautado no faz-de-conta. Assim, a criança quando brinca: 74 Estica Sobe Puxa Anda balanÇa cOrre Trepa - trepa Esconde Mexe, remexe Passa Opa! Brinca Ri Implica Numa Caminhada Aonde Regras, Combinados são Resignificados Imaginados nA hora e No espaço, tempo onde a Çriança Amplia o Seu brincar. Autora: Kelli Cristina Pereira / 2009. 75 10 - REFERÊNCIAS: AGOSTINHO, Kátia. Creche e pré-escola é lugar de criança? In: Martins Filho, Altino (org) Criança pede respeito. 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A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998. WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 2007. 82 Apêndice 83 APÊNDICE I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – CURSO DE PEDAGOGIA TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO: Eu _____________________________________________________________, declaro que fui informado sobre todos os procedimentos da pesquisa cujo tema é “Qual o espaço e tempo oferecido para o brincar na educação infantil na Rede Pública? ”. Estou ciente de que a pesquisa será realizada obedecendo aos seguintes critérios: a- Os instrumentos para a coleta de dados se darão através das narrativas das crianças, dos profissionais que nela atuam, através de imagens fotográficas, áudio e vídeo. b- Nossos encontros serão dez dias que corresponde a duas semanas do mês de abril de 2009. Declaro que fui informada sobre todos os procedimentos da pesquisa e que recebi, de forma clara e objetiva, todas as explicações pertinentes ao projeto e que todos os dados a meu respeito serão sigilosos. Eu compreendo que neste estudo as mediações dos experimentos/procedimentos de tratamento serão feitas por mim. E que poderei ter acesso às informações da pesquisa a qualquer momento. Nome por extenso dos pais ou responsáveis: _______________________________________ RG: _______________________________________________________________________ Local e data: ________________________________________________________________ Assinatura: _________________________________________________________________ Nome da criança: ____________________________________________________________ PESSOAS PARA CONTATO: PESQUISADOR RESPONSÁVEL: ALUNA RESPONSÁVEL: Regina Ingrid Bragagnolo Kelli Cristina Pereira NÚMERO DO TELEFONE: (48) 8427-5751 ENDEREÇO ELETRÔNICO: [email protected] NÚMERO DO TELEFONE: (048) 3346-20-82 ENDEREÇO ELETRÔNICO: [email protected] 84 VAMOS BRINCAR? O ESPAÇO E O TEMPO DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL DA REDE PÚBLICA Kelli Cristina Pereira5 Regina Ingrid Bragagnolo6 RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo descrever qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil da Rede Pública, como estão sendo oferecidas estas brincadeiras aos pequenos, de que forma essas relações estão ocorrendo, e como é organizado o brincar no planejamento das professoras e que espaços e tempos estão sendo dados ao brincar. Dessa forma, o método desta pesquisa está baseado em uma pesquisa observação - participante, no qual, o pesquisador, coloca - se na posição de observador, preocupado em entender o contexto ao qual observa, e estabelecer relações neste processo, interagindo com as crianças e com os profissionais desse grupo. Os sujeitos participantes desta pesquisa são vinte crianças de 3 anos e duas professoras. Nossos encontros compreenderam o período de dez dias, do mês de abril, no turno vespertino. Sendo esses encontros, orientados pelas observações registradas no diário de campo, que, posteriormente, foram utilizadas para sistematizar e analisar os dados da técnica de categorização, a partir da análise de conteúdo. Diante disso, as brincadeiras ainda perpassam pela centralidade do adulto, e essa pesquisa poderia ter contribuído de forma mais significativa a esse grupo de crianças e professores, se tivesse sido conduzida por uma pesquisa-ação. Palavras - chave: Espaço. Tempo. Brincar. ABSTRACT SHALL WE PLAY? THE SPACE AND TIME FOR PLAYING IN UPBRINGING EDUCATION IN THE PUBLIC SCHOOL This research aims at describing the space and time available to play in the upbringing education in the public school. As these games are being offered to children, and how these relationships are happening; how the teachers organize their teaching plan; as well as space and time are given to play. Thus, the method of this research is based on a research observation – participant, in which the researcher stands himself in the position of observer and also concerned to understand the observed context, so as to establish relationships in this process, interacting with children and professionals with this group. The participant – subjects in this research are consisted of twenty children at the age of three year old and two teachers. Our meetings lasted for ten days in the afternoon April, since those meetings were guided by some observation and then written down in a diary, which was later taken to systematize and analyze data from the technical categorization, from the analysis from content. Having this in 5 Curso de Pedagogia – 2009. Centro Universitário Municipal de São José – USJ. 6 Professora orientadora do trabalho de conclusão de curso. 85 mind, the games still permeate the centrality of the adult, and this research could have contributed more significantly to this group of children and teachers if it had been conducted a research – action. Keywords: Space; Time; Play. Introdução Essa pesquisa surgiu com inquietações adquiridas ao longo de uma trajetória de trabalho na área da Educação. A temática sobre o brincar, sempre foi muito discutida entre professores, em encontros de formação dos mesmos, mas, nessas falas, algo faltava, e que me interessava muito, e foi neste momento que apareceu a vontade de entender como está sendo oferecido o brincar na Educação Infantil. Esse sentimento intensificou-se com o transcorrer dos estudos feitos no meio acadêmico, onde as leituras realizadas a respeito do brincar, despertavam muitos questionamentos. Diante de todos os questionamentos que permearam minhas leituras, vale destacar: Será que os professores planejam os momentos de brincadeiras? Será que há o entendimento de sua importância ou encaram como algo natural para esse tempo? E o que acontece a partir das interações entre as crianças, será que precisam ser planejados? Afinal, o que é brincar? É quando manipulamos objetos, como bonecas, carrinhos? Ou quando se brinca de faz-deconta? O que as crianças podem nos revelar sobre o conceito de brincar? Brincar é coisa só de criança? Devemos oferecer brinquedos ou espaços para que possibilitem às mesmas? As brincadeiras devem ser mediadas ou as crianças preferem brincar sozinhas? Qual o olhar que está sendo direcionado a essas brincadeiras? A brincadeira é uma fase importante na Educação Infantil, qual seu significado? Tentando perceber qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil na Rede Pública é que esse Projeto foi idealizado. Antes de adentrar no mundo da pesquisa, lançando-me como pesquisadora nesse processo, procurei realizar uma “pré-análise” de conteúdos que é a leitura de textos, que, a posteriori, auxiliou na fundamentação teórica desta pesquisa. (BARDIN, 1977, p.95). Perante isso, essa pesquisa tem seu ponto de partida à pedagogia da infância7 e para a infância que traz uma concepção de criança que cria, recria, ressignifica através das interações com adultos e a troca entre pares, com o olhar de alteridade, colocando - nos no lugar do outro criança e trazendo a ela, elementos significativos para seu cotidiano. (BATISTA, CERISARA, OLIVEIRA e RIVERO 2004). Essa base teórica aborda a brincadeira por meio do aspecto sociológico, Brougère (2002), compreende que o brincar não é uma atividade solitária da criança, mas algo social que necessita de uma aprendizagem para ser vivenciada. É através do brincar que o autor destaca a aparição de uma cultura lúdica, não vendo essa, como fonte de “desenvolvimento da 7 Que discute uma pedagogia pautada nesses princípios: I – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores: a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum; b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática; c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais. (ROCHA, 2008, p.2). 86 cultura”, mas, como um meio pelo qual a criança vai desenvolver sua cultura lúdica, como a criação de regras, que nada mais é que a produção cultural. (BROUGÈRE, 2002, p.23). Detalhando a temática à qual essa pesquisa propõe-se, a autora Agostinho (2005), aborda o espaço e sua organização de forma plural, que rompe com uma lógica estabelecida pelo adulto mais experiente. O espaço não se refere só à organização física, ele demonstra aquilo que se quer para aquele lugar, ele demonstra os valores das pessoas e traz consigo o tempo que pode servir como regulador ou condutor desse processo, quando bem planejado. Refere-se à estrutura dada ao tempo, aos papéis que cada um deve cumprir, demonstra sentimentos, nossa conduta e interfere drasticamente em nossas vidas. O tempo não deve ser transformado em uma rotina, ele deve ser utilizado para encontros significativos, e não a horários a serem cumpridos por uma rotina. Deve ser encarado como “jornadas”, termo utilizado pela autora, Faria (2000), que remete uma idéia de espaço e tempo organizados por professores, crianças orientadas por uma “educação e cuidado” e pautada nos direitos de todos. Procedimentos metodológicos Desta forma, por tratar-se de uma pesquisa etnográfica de observação participante, procurei manter uma postura como pesquisadora que prioriza a interação com o interlocutor, dada à permanência no campo, os vínculos estabelecidos e as relações interpessoais intensificadas que são elementos presentes nesse tipo de pesquisa. Diante disso, a aproximação feita a esse grupo de vinte crianças, com idade, de 3 anos e com as duas educadoras, deu-se de forma tranquila e dialógica. Dialogando, através do capítulo do método da tese de doutorado da autora Manuela Ferreira (2004, p.43), buscou-se apresentar um falar abertamente com as crianças, “procurando fazer jus à ética referida” pela autora. Usufruindo da experiência relatada por Ferreira, em seu diário, utilizando de palavras de fácil entendimento às crianças, colocando-me na posição de igual, perante elas, e explicando minhas ações naquele espaço, como por exemplo, os momentos em que estaria escrevendo em meu caderno, e o que estaria escrevendo. Destacando os aspectos até aqui mencionados e levando os mesmos como base dessa pesquisa, que a mesma foi pautada através de idas ao campo, com um olhar atento ao outro criança8. Utilizando – se do ato de registrar em diário de campo, para que a apropriação das vivências do grupo, permita perceber o contexto vivenciado por essas crianças, é que ressalto a importância do ato de registrar, como uma documentação, pois os registros nos possibilitam reviver os momentos com um olhar questionador, reflexivo e atento. (GANDINI e GOLDHABER, 2002). Esse olhar atento ao qual a pesquisadora deteve-se, no campo, foi orientado pela categorização, que são questionamentos elaborados para focar o problema de pesquisa que é: Qual o espaço e o tempo oferecidos para o brincar na Educação Infantil da Rede Pública? Após a coleta de dados e a finalização do diário de campo, a pesquisadora organizou os registros em categorias que são palavras – chave que caracterizaram as descobertas e reflexões dessa pesquisa a respeito do espaço e o tempo oferecidos para o brincar desse grupo de crianças. O espaço e o tempo do brincar na Educação Infantil 8 Termo utilizado pelas autoras: Batista, Cerisara, Oliveira e Rivero, 2004, no texto, Partilhando olhares. 87 Tendo como base a fundamentação teórica dessa pesquisa e o diário de campo que foram elaborada as categorias de análise do mesmo, onde um diálogo entre a teoria e a prática tentou compreender como está ocorrendo as brincadeiras nesse espaço e tempo de brincar da Educação Infantil. Assim, as primeiras categorias de análise fazem menção de como está sendo oferecido esse espaço para o brincar, tendo como palavras – chave as seguintes: espaços, intencionalidade, pistas das crianças, interação entre os pares e culturas infantis, múltiplas linguagens e desafios às crianças. Essas brincadeiras são oferecidas em espaços e tempos estipulados pelo adulto, impossibilitando o brincar das crianças entre si, sendo que cada um escolhe seu brinquedo para si, impossibilitando a interação entre os pares, a troca de saberes e as culturas infantis. Segundo Agostinho (2005), a organização de espaços múltiplos não refere - se à quantidade, mas o que se quer para ele. Mediante essa discussão, o professor tem, em seu papel, o de organizador, o de “suscitador de descobertas”, que traga a mudança para esse espaço, trazendo o novo, a interação entre os pares, que seja um cenário repleto de encontros e desencontros. A autora Thiago (2000), descreve nos esse espaço como um lugar a ser explorado e pesquisado pelas crianças, um espaço de descobertas. A intencionalidade pela qual essas brincadeiras são apresentadas demonstra – se através de brincadeiras dirigidas9 pela professora, são proporcionadas por meio de cantigas de roda e oferecidas até que todos participem ou os mesmos não demonstrem mais interesse por esse brincar. As brincadeiras são entendidas pela educadora como “recreação” e têm seus planejamentos pensados e organizados antes de deitar pela mesma. Ao observar essas brincadeiras, o que podemos perceber é que elas são proporcionadas com o intuito de manter o grupo sobre o olhar do adulto, essa lógica adultocêntrica rompe com a perspectiva de Leontiev (1992), que indica, a criança precisa de certo tempo para esquematizar suas ações, como podemos constatar na teoria de Vygotsky. Sendo assim, Brougère (1997), adverte que a brincadeira não é inata na criança, ela aprende a brincar com os adultos mais experientes e com seus pares. Dessa forma, as brincadeiras devem ser planejadas para possibilitar um repertório vasto das mesmas. Esta lógica, centrada no adulto, desrespeita o tempo próprio da criança de produzir sua própria brincadeira e apreender a mesma com uma outra criança, impossibilitando assim, a ampliação do repertório infantil. Apesar de toda essa centralidade do brincar na perspectiva do olhar do adulto, a educadora, em alguns momentos, deixou – se lançar nesse mundo desconhecido do brincar das crianças e deu voz às suas vozes, atendo – se as pistas dadas por esses pequenos. Relatando esse olhar através de combinados10 feitos com o grupo, dando a eles a significação do período em que permanecessem na Creche e autoria nesse espaço que é seu e pensado em prol deles. (AGOSTINHO, 2005). A interação entre os pares e as culturas infantis aconteceu em um dia em que esse espaço foi oferecido como um todo às crianças, todos os espaços foram explorados, ressignificados; ocorreu uma interação muito intensa entre os pares e a produção da cultura infantil. Conforme Perrotti (1990), a cultura infantil é passada através de falas, gestos, regras, trocas de saberes entre os pares. Oliveira (1995), descreve que a interação entre os pares, possibilita o negociar nas brincadeiras, o combinar de ações e faz com que a criança aprenda no meio em que está inserida. As múltiplas linguagens contempladas nas brincadeiras proporcionam à criança uma escolha de sua ação, não dando assim uma direção pré – estabelecida, mas permitindo à criança um constituir corpo e mente, não instaurando uma dicotomia entre os mesmos. E, segundo Junqueira Filho (1999, p.40), ensinar as crianças através de suas linguagens faz com 9 Termo utilizado no Plano Político Pedagógico da Instituição. Termo utilizado pelas professoras de Educação Infantil significa: acordos. 10 88 que elas entendam a si e ao mundo, são caminhos para que elas se produzam e produzam neste mundo, “são todos os conteúdos curriculares” e que precisam ser articulados, pensados e acompanhados pelos profissionais que estão com as crianças nas Instituições de Educação Infantil. Toda a articulação feita até o momento, a respeito do brincar, do espaço e o tempo foi traduzida através dos desafios proporcionados para as crianças por meio de um circuito oferecido pela professora a esses pequenos, onde o espaço foi organizado, planejado, desafiado, amplo e não atendo – se a um tempo rígido e estipulado pelo adulto, deixando esse acontecer tranquilamente. Conforme Wajskop (2007), oferecer brincadeiras que desafiam as crianças, proporciona a esses pequenos níveis mais complexos de desenvolvimento. As brincadeiras são oferecidas às crianças em um espaço definido por lugares e tempos, não que esta Instituição não possua ambientes para essas crianças brincarem, mas eles não são contemplados pelas mesmas. Pois apesar da diversidade de parques, ambientes, lugares de encontro das crianças com outras crianças, não se observa a exploração desses espaços, limitando a vivência das crianças ao seu grupo e à sua sala. A intencionalidade a qual eram apresentadas às brincadeiras, em sua maioria, demonstrava uma preocupação maior com a ordem, do que com a diversidade de interações, aprendizados e trocas das crianças, pois as mesmas eram conduzidas a brincar cada qual com seus brinquedos, sentadas nas cadeiras. As brincadeiras também proporcionaram desafios às crianças fazendo com que elas desenvolvessem todas as suas múltiplas linguagens. Aconteceram momentos de interações entre os pares e produção de culturas infantis, quando as crianças foram deixadas a brincar, cada qual a sua forma e maneira de ser, estar, em um espaço e tempo só seu, e determinado por quem está brincando. No que se refere ao entendimento da professora a respeito do brincar, o seu planejamento está norteado pelas palavras que possibilitaram muitas discussões, a saber: o ponto de partida as crianças, diálogo institucional sobre o planejamento, hierarquia, rotina, intencionalidade e o caráter desenvolvimentista. Toda essa discussão foi permeada por contradições entre a fala da educadora e sua prática na sala de aula, pois ao mesmo tempo em que essa percebe as pistas dadas pelas crianças, entendendo as mesmas como ponto de partida de seu planejamento, aquela entende o ato de planejar, um documento a ser preenchido e uma forma de dar satisfação para a orientação pedagógica, não vendo e entendendo esse como uma ferramenta que delineia, lança, promove a interação do grupo, possibilita as múltiplas vivências, não apenas um papel a ser preenchido para ser visto. (OSTETTO, 2000). Diante dessa perspectiva, a falta de diálogo institucional sobre o planejamento torna – se evidente, pois o mesmo não é revisto pela a Instituição junto ao corpo docente desde 2007, pois esse não indica o que o grupo de educadores (as) quer para as crianças, por não ter sido planejado e organizado pelos mesmos. No planejamento de um (a) educador (a) deve constar o que se quer para aquele grupo de crianças, quais suas reais intenções; deve estar de comum acordo com a perspectiva da Instituição, pois o planejamento é o sucesso daquilo que se quer para a criança, assim como, o respaldo pedagógico da Instituição deve estar de acordo com essa perspectiva do Projeto Político Pedagógico. Um outro aspecto falho nesse contexto é a hierarquia estabelecida pela Instituição no que refere – se a relação das educadoras, em que a professora regente de sala fica responsável pela questão pedagógica, e a auxiliar de sala fica com as questões higiênicas, evidenciando a dicotomia no que se refere à questão do cuidar e educar. Realmente não tem como haver essa dicotomia entre o cuidar e educar, eles são indissociáveis, pois quando se tiver um 89 entendimento que não há um educar sem cuidar e um cuidar sem educar, as crianças não receberão uma educação para o cuidado integral que irá desenvolver todas as suas dimensões. Estando essas crianças em Instituições que ainda as vê divididas em corpo e mente como compartimentos que devem ser aperfeiçoados por partes, não sendo vistas em sua inteireza. (DIAS E MACÊDO, 2001). Esta dinâmica só mudará quando aqueles que nela estão, entenderem que o cuidar, além de ser um tempo que privilegia a interação criança - criança e adulto - criança é um momento de aprendizagem, pois é através da interação com o outro que o sujeito se constituiu sujeito. (VYGOTSKY, 1998). A rotina e a intencionalidade estão pautadas na centralidade do adulto, seja a rotina organizada para dar controle do espaço e o tempo de brincar dessas crianças com lugar pré – estabelecido para as brincadeiras e horários rígidos para começo e término das mesmas. E a intencionalidade no ato de planejar não é entendida pela educadora, pois como já foi mencionado, a mesma percebe esse ato como sendo uma documentação a ser preenchida. Esse espaço e tempo como descreve Agostinho (2005), é um lugar de brincadeira, de liberdade, de se movimentar, de encontro, de coletividade e de sonhar, que não pode ficar aprisionado a uma rotina rígida de horários e tempos. Cabe aqui ressaltar que o ato de planejar o qual Ostetto (2008, p.15) trata, é “a prática de pensar a própria prática”. Dando ao ato de planejar o brincar, a intencionalidade e o caráter desenvolvimentista, pois a mesma proporciona as brincadeiras às crianças com a intenção de atingir estágios, ou seja, promove as mesmas para desenvolver etapas, tendo idades pré-estabelecidas para executarem funções, ações, fala etc. (TRISTÃO, 2005). As relações estabelecidas nas brincadeiras entre pares e com o adulto no cotidiano da Creche transcorrem no brincar através da centralidade e no direcionamento do adulto, a regra entre os pares, as brincadeiras de guerra, a produção cultural, o faz – de – conta e a transgressão dos pequenos, tentando romper com a lógica adultocêntrica, onde todos têm que fazer tudo ao mesmo tempo. Essa centralidade e direcionamento adotados pela educadora em colocar – se presente em todas as brincadeiras a todo o momento, impossibilita a “ação criadora” mencionada pela autora Cerisara, não permitindo a esse sujeito criança, a possibilidade de lançar – se no mundo imaginário do faz – de – conta e o desencadear da produção cultural. (2002, apud 1982, p. 139). Assim, a autora ainda adverte que para adentrar nas brincadeiras das crianças, o educador tem que se colocar na posição de observador, para saber quais momentos pode ou não pode adentra a mesma. Sendo esse educador o “[...] mediador entre o conhecido e o desconhecido. Não mais um centralizador, mas aquele que,” sabe escutar e perceber o olhar desse outro criança, dialogando com suas múltiplas linguagens que evidenciam tudo o que esse quer anunciar e desenvolver. (THIAGO, 2000, p.60). Tentando mudar essa rotina, esse vivenciar das brincadeiras, as crianças aventuram – se, quebrando regras e transgredindo o não dito, arriscando - se a brincar de brincadeiras de guerra, algo não permitido para esse grupo de crianças pela professora. Brougère, descreve que, estas brincadeiras embrenham o mundo das brincadeiras infantis, sem pedir licença, são muitas vezes simulações de “desenhos animados, brigas de família e noticiários de jornais” vistos pelas mesmas. O autor ainda menciona a dificuldade da criança em controlar seus sentimentos, consistindo a brincadeira de guerra, em um meio para extravasar esta agressividade contida, e pelo fato de a brincadeira também ser um espaço onde o aflorar deste sentimento é permitido por um contexto social, sem que haja uma discriminação à ação da criança. (2008, p. 79). 90 As crianças tentam quebrar a rotina, burlar o que não as interessa, mas também sabem denunciar quando suas regras são quebradas. Esta ação de trazer brincadeiras em que todos têm que fazer tudo, ao mesmo tempo, é uma incorporação da naturalização dos corpos, visando à escolarização e o disciplinamento instituído na Escola, já dimensionando a estes corpos, hábitos deste cotidiano. Esse corpo é nas crianças um condutor para a socialização da cultura infantil através de seus movimentos. Cabe ressaltar que o brincar não está alheio à escola, e, ao aprender, os dois caminham juntos, aprendemos brincando. (FINCO, 2007). A criança brinca a qualquer hora e a qualquer momento, sempre encontra uma brecha para romper com o não - permitido e produzir sua própria ação por meio do brincar. A produção cultural e o faz-de-conta são observados quando este grupo tem a oportunidade de cada um brincar à sua forma, e da sua maneira, sem a mediação insistente do adulto, que considera necessário intervir a todo o momento, não deixando as crianças construírem seu próprio brincar. CONSIDERAÇÕES FINAIS O contato com o campo de pesquisa possibilitou muitas descobertas a respeito do brincar dessas crianças. Como um simples “pufe”, pode se transformar em uma cama de um consultório médico, e em uma brincadeira, podemos assumir o papel de pai e com um piscar de olhos nos encontramos na posição de filho; essa é a dinâmica traduzida nas brincadeiras desses pequenos. E com toda a diversidade de falas, gestos, olhares, apresentados pelas crianças nessas brincadeiras, elas nos representam e dizem tantas coisas, que precisaríamos de uma vida para entender e compreender tudo que perpassa o mundo do brincar na Educação Infantil. Crianças criativas, ativas, que se lançam em um mundo só seu, constituindo regras, reafirmando combinados, trocando saberes, aprendendo e ensinando ao outro criança, e ao adulto que a observa. Essas ações que permeiam o brincar são vistas pelo educador (a) como algo centrado no ato de ensinar do adulto, impossibilitando assim, por muitos momentos, a construção de brincadeiras oriundas das crianças, impedindo a esses pequenos a troca de culturas infantis e a produção cultural que ocorre por meio da interação proporcionada pelas brincadeiras. Ressaltando que essas brincadeiras eram apresentadas ao grupo de crianças, com regras, tempos e espaços indicados pelo adulto, sendo o término dessas brincadeiras orientado por um olhar atento da educadora, que ao imaginar uma sombra de bagunça, desordem, instituía o fim da mesma. A falta de um diálogo institucional, em muito ajuda essa estrutura criada para o planejamento e o brincar dessa Creche, pois a mesma, possui um Plano Político Pedagógico, organizado pela última vez, no ano de 2007, sendo esse documento uma ferramenta didática que norteia conceitos, características, ações, indicativos para o que se quer nesta Instituição, para o que se quer dos funcionários e para o que se quer para essas crianças. Perante isso, o planejar esbarra na rotina, na centralidade e direcionamento do adulto, na falta de intencionalidade e no objetivo de desenvolver a criança através de um olhar desenvolvimentista. Desse modo, as interações que ocorrem no brincar entre os pares e com o adulto são repletas de conflitos, pois as crianças, em sua inteireza, tentam demonstrar que são sujeitos ativos, que criam, recriam e ressignificam suas vivências, quebrando as regras impostas pelo adulto durante o processo de brincar. Esse transgredir das regras é visto pelo adulto como indisciplina, bagunça, desordem, mas nada mais é do que o ser criança que vive intensamente 91 tudo o que lhe é proporcionado, com toda a sua corporeidade, expressa através de suas múltiplas linguagens. Linguagens essas, sem espaços/tempos fonte de descobertas, encontros e desencontros de um sujeito criança que brinca, expressa - se, sonha, deseja, almeja o brincar para o brincar. Em um espaço e tempo planejados, organizados pelo adulto com a criança, sobre o olhar da criança e com o jeito de ser criança, com mistério, com situações para serem desvendadas, encontradas, criadas, imaginadas, inventadas, ou seja, um espaço lúdico para o brincar. Consideramos também, que o desenrolar dessa pesquisa poderia ter trazido contribuições significativas para essas professoras, se a mesma tivesse sido uma pesquisaação, onde a pesquisadora se coloca na posição de articuladora do grupo, mediando assim, proposições na área a ser investigada, aqui, no caso, o espaço e o tempo oferecidos ao brincar. Podendo ainda, através dessas proposições, articular a teoria com a prática, evidenciando que todo este espaço é muito rico em possibilidades; que a criança necessita de um espaço e de um tempo livre para o brincar e o quanto a brincadeira é importante e significativa para sua aprendizagem e desenvolvimento. Organizando, dessa forma, um grupo de estudo, com professores e coordenação pedagógica para estes estudos a respeito do brincar, do espaço, e tempo e sugerir a reformulação do Plano Político Pedagógico da Instituição, deixando este, com a cara e o jeito daqueles que estão com as crianças e para as crianças. Sugerimos, mediante as descobertas feitas através desta pesquisa, que sejam desenvolvidas novas pesquisas no que se refere à formação dada aos pedagogos que trabalharam nas Instituições de Educação Infantil, o que está sendo discutido pela acadêmica a respeito do brincar, do planejamento e do sujeito criança. Como está se dando a articulação entre a teoria e a prática nos bancos acadêmicos? E como as Instituições vêm apresentando o Plano Político Pedagógico aos professores que estão adentrando à mesma? E se estes têm, posteriormente, uma participação na reformulação do mesmo? São questões a serem averiguadas e de muita significação para todo esse contexto apresentado nesta pesquisa. Esta pesquisa trouxe uma relevância de cunho acadêmico que acompanha o professor (a) por toda a sua vida que é a sua formação, como este sujeito, que exerce a docência, encarou sua formação e a vem encarando, pois ser professor é estar se constituindo durante toda a sua vida, um educador nunca está pronto e acabado. Este se faz durante toda a sua existência, em constante transformação, aprendizado, descoberta e pesquisa. Uma outra relevância é de cunho social, e se refere ao olhar que a sociedade vem demonstrando a esses pequenos, como os vêem, entendem, significam, respeitam, interpretam esse sujeito criança que se constitui hoje, em toda a sua dimensão. Dimensão esta, da criança, que por um longo tempo, na história, foi vista como “angelical”, “adulto em miniatura”, tratado por aqueles que tinham a responsabilidade pelos seus cuidados sem nenhum sentimento e apreço. Dessa forma, consideramos possível tornar este lugar denominado Creche, em um espaço organizado, planejado, que manifeste a intencionalidade dos educadores para com as crianças. Demonstrando e caracterizando este espaço como sendo um ambiente para o brincar, rico em estímulos, para a produção de cultura e socialização da mesma pelas crianças que nela habitam. Nessa configuração, a criança terá um espaço e um tempo para o brincar que lhe possibilite extravasar suas ansiedades, descobertas, dúvidas, aprendizados em um brincar pautado no faz-de-conta. 92 REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Kátia. Creche e pré-escola é lugar de criança? In: Martins Filho, Altino (org) Criança pede respeito. Temas da Educação Infantil. Ed. Porto Alegre: Mediação, 2005. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. France: 70 LTDA, 1977. BATISTA, Rosa; CERISARA, Ana Beatriz; OLIVEIRA; Alessandra Mara Rotta de e RIVERO, Andréa Simões. 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São José, ____ de Junho de 2009. ____________________________________ Nome do acadêmico (a) 95 CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – USJ CURSO DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA VAMOS BRINCAR? O ESPAÇO E O TEMPO DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL DA REDE PÚBLICA Kelli Cristina Pereira São José/SC Julho 2009