MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP FEDERAL DA VARA DA Procedimento Administrativo PRM/Campinas nº 1.34.004.000192/2006-84 PATRIMÔNIO PÚBLICO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EMISSÃO DE ORDEM ILEGAL PARA INTERROMPER PROCEDIMENTO DE DECOLAGEM DE VÔO COMERCIAL DA EMPRESA TAM NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE VIRACOPOS E RETIRAR PASSAGEIROS JÁ EMBARCADOS PARA CEDER LUGAR AO COMANDANTE DO EXÉRCITO BRASILEIRO, ATENDENDO INTERESSE PARTICULAR. AMEAÇA INJUSTA DE PRISÃO E DE NÃO RENOVAÇÃO DE VISTO DE ESTRANGEIRO A FUNCIONÁRIO DA COMPANHIA AÉREA. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO NAS PENAS DO ART. 12, III, DA LEI 8.429/92 E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da República que esta subscrevem, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, previstas nos artigos 127 e 129, III e IX, da Constituição Federal, 5º, I, “h”, III, “b”, e V, “b”, e 6º, VII, “b”, e XIV, “f”, da Lei Complementar 75/93, e 17 da Lei 8.429/92, propõe a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face de: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS CARLOS ALÉCIO AGOSTINI, brasileiro, casado, militar (Fiscal de Aviação Civil), RG nº 395.691 (Comando da Aeronáutica), CPF nº 054.066.278-05, filho de Alécio Agostini e Tereza Casadei Agostini, natural de São PauloSP, residente na Rua Domingos Gazignatti, nº 55, Terras de Itaici, Indaiatuba-SP, CEP 13341-630, FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE, brasileiro, casado, General-de-Exército, CPF nº 351.786.808-63, residente na Rua Dr. Lauro Luchesi, 409, Tremembé, São Paulo-SP, CEP 02348-090, e JOÃO AUGUSTO IAIA, brasileiro, casado, aeroportuário, RG nº 8.548.180 SSP-SP, CPF nº 722.814.728-68, filho de Gertrudes Iaia, natural de Campinas-SP, residente na Av. Jorge Tibiriçá, nº 1840, aptº 53-A, Condomínio Parque dos Pássaros, Campinas-SP, CEP 13043-390, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos. 1 – SÍNTESE DA AÇÃO. A presente ação pretende a condenação dos réus por ato de improbidade administrativa e indenização por danos morais. Os pedidos derivam da apuração de que o então Comandante do Exército Brasileiro, General-de-Exército FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE, ao tomar conhecimento de que não seria possível seu embarque em um vôo comercial da TAM, cuja passagem adquirira na condição de particular, ordenou, de forma ilegal e com abuso de poder, que fossem retirados dois passageiros já embarcados para ceder lugar a ele e a sua esposa, sob pena de o vôo não decolar. O Fiscal de Aviação Civil do então Departamento de Aviação Civil CARLOS ALÉCIO AGOSTINI, dando cumprimento à ordem, determinou a interrupção do procedimento de decolagem do vôo. -2- MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS Em seguida, após o embarque do General, CARLOS ALÉCIO AGOSTINI ameaçaram o procedimento e o supervisor funcionário de da embarque, da INFRAERO empresa área ALEJANDRO JOÃO TAM VINIEGRA AUGUSTO IAIA responsável pelo FIGUEROA, cidadão mexicano, afirmando-lhe que o General poderia intervir para que a renovação de seu visto de permanência no Brasil fosse negada. Ameaçaram-lhe, ainda, de prisão e de proibição de continuar trabalhando no Aeroporto. 2 – OS FATOS. Em imprensa relatando razão de episódio diversas ocorrido notícias em 01 de publicadas março de na 2006, quarta-feira de cinzas, no Aeroporto Internacional de Viracopos, foi instaurado o Procedimento Administrativo nº 1.34.004.000192/2006-84 (anexo), a fim de apurar eventual ato de improbidade administrativa consistente na emissão de ordem para interrupção de procedimento de decolagem de avião da companhia aérea TAM para embarcar o Comandante do Exército Brasileiro (fls. 1/2)1. Na mesma época, o Ministério Público Federal recebeu representação do cidadão ROOSEVELT DE SOUZA BORMANN, que pedia a apuração do fato (fls. 35/37). Ao cabo da investigação, restaram comprovadas condutas que revelam atos de improbidade administrativa, consoante será descrito basicamente, a de seguir. A prova depoimentos de tomados tais fatos nesta constitui-se, Procuradoria da República e de depoimentos e documentos inclusos nos autos da Sindicância nº R-003-T/DA/06, do Quarto Serviço Regional de Aviação Civil (atual Gerência Regional de São Paulo da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC). 1 A numeração de folhas indicada nesta peça refere-se aos autos do Procedimento Administrativo PRM/Campinas nº 1.34.004.000192/2006-84. -3- MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS 2.1. A emissão de ordem ilegal para interromper procedimento de decolagem de vôo comercial e retirar passageiros já embarcados visando a atender interesse particular. Os réus FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e CARLOS ALÉCIO AGOSTINI, agindo em comunhão de desígnios, foram responsáveis pela emissão de ordem ilegal para interromper o procedimento de decolagem de um vôo comercial da companhia aérea TAM e retirar passageiros já embarcados para atender interesse particular do primeiro. Em 1º de março de 2006, o vôo JJ 3874, da companhia TAM, que deveria sair do Aeroporto Internacional de Viracopos em Campinas com destino a Brasília às 17h05, encontravase em situação de overbooking, isto é, a companhia havia vendido mais passagens do que os assentos disponíveis no avião. Na ocasião, o recepcionista líder da empresa TAM no Aeroporto (por intermédio da prestadora de serviços URIEL SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO), ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, era o responsável por dar solução de transporte a onze passageiros que haviam ficado sem lugar no vôo, todos cumprindo o prazo de chegar ao balcão de check-in da empresa com no mínimo meia hora de antecedência do horário de partida. O adquirido duas réu FRANCISCO passagens para ROBERTO aquele DE vôo, ALBUQUERQUE na havia condição de particular, utilizando-se de pontuação de programa de milhagem e pagamento da taxa de embarque por cartão de crédito (fls. 58/59). Este réu estava representado na fila de embarque por seu assistente, o SARGENTO SANTOS, que ocupava o segundo lugar dentre os remanescentes. O primeiro passageiro da fila foi -4- MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS acomodado no último assento de outro vôo da companhia aérea GOL, que iria sair às 18h50. De imediato, ao tomar conhecimento de que o vôo da TAM já estava lotado, o assistente afirmou ao funcionário da TAM que “as pessoas que ele representava eram muito importantes e que não poderiam deixar de embarcar”, ao que respondeu ALEJANDRO que “não poderia dar tratamento diferenciado e que não tinha mais lugares” (fls. 113/115). Cumprindo o procedimento de rotina, ALEJANDRO tentou reunir os onze prejudicados com o overbooking, porém o assistente do réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE informou que ele não concordava em se aproximar e que o funcionário deveria posteriormente conversar a sós com o General. O depoente fez a reunião com os outros nove e, como também haviam se esgotado os assentos no vôo direto da empresa GOL, ofereceu-lhes algumas alternativas: poderiam fazer uma conexão no Rio de Janeiro pela GOL, chegando a Brasília aproximadamente às 22h30, ou hospedaremse em hotel e viajarem no primeiro vôo do dia seguinte, às 7h50 da manhã. Em ambos os casos a TAM arcaria com uma compensação aos passageiros, a título de multa, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), concedidos em crédito para a compra de passagens na companhia. Tendo em vista que alguns passageiros ainda fariam conexão em Brasília, foram também disponibilizadas rotas alternativas para o destino final, como a ida de táxi até São Paulo e o embarque pelos Aeroportos de Congonhas e Guarulhos. Finda esta reunião, ALEJANDRO foi conversar a sós com o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e sua esposa. Após se apresentar e se desculpar pelo overbooking, ALEJANDRO começou a relatar ao General quais seriam as alternativas. O réu, no entanto, não deixou que o funcionário acabasse de explicar as opções, afirmando que de forma alguma embarcaria em outro vôo e -5- MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS que precisava chegar a Brasília no horário inicialmente previsto pois tinha um compromisso, sem explicitá-lo. Em seguida, o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE afirmou textualmente ao funcionário da TAM que ele deveria retirar do avião duas pessoas que já estavam embarcadas para dar lugar a ele e a sua esposa. De forma escorreita, ALEJANDRO retrucou, dizendo ao General que o que estava sendo pedido não podia ser atendido, pois ele era um cliente tão especial quanto os demais que estavam à espera, e que, na situação inversa, nunca seria pedido ao réu que saísse do avião em favor de outros passageiros. Ao ouvir tais palavras, o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE, em tom nervoso, com o dedo em riste indicando para o funcionário da TAM, afirmou que aquele avião não iria decolar. Estes fatos foram precisamente relatados por ALEJANDRO, ao prestar depoimento nesta Procuradoria da República: “No dia 1.º de março, o vôo da TAM destinado a Brasília estava em overbooking. Onze passageiros ficaram sem lugar no vôo, todos eles chegaram com mais de meia hora de antecedência. O primeiro passageiro em overbooking era um senhor que foi acomodado no vôo da GOL, que iria sair às 18h50min. O segundo na fila era o assistente do Comandante do Exército, que estava ali para fazer o embarque do Comandante e de sua esposa. A GOL não mais dispunha de lugares no vôo direto para Brasília. O assistente disse que as pessoas que ele representava eram muito importantes e que não poderiam deixar de embarcar. O depoente então afirmou que não poderia dar tratamento diferenciado e que não tinha mais lugares. Em seguida, o depoente tentou reunir os onze prejudicados com o overbooking, mas o assistente disse que o General não concordava em se aproximar e que ele deveria posteriormente conversar a sós -6- MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS com o General. O depoente fez a reunião com os outros nove e ofereceu-lhes duas alternativas: poderiam fazer uma conexão no Rio de Janeiro pela GOL, chegando a Brasília aproximadamente às 22h30min, ou hospedarem-se em hotel e viajarem no primeiro vôo do dia seguinte, às 7h50min. Em ambos os casos a TAM pagaria a multa de R$ 300,00 e arcaria com as despesas. Os R$ 300,00 são um crédito para a compra de passagens. Tendo em vista que alguns passageiros ainda fariam conexão em Brasília, foram disponibilizadas rotas alternativas para o destino final, como, por exemplo, a ida de táxi até São Paulo e o embarque lá. Após a reunião, o depoente foi conversar com o General. Neste momento estavam presentes apenas o depoente, o General e sua esposa. O assistente do General, aguardando a solução. O depoente apresentou-se, desculpou-se pelo overbooking e começou a dizer ao General quais seriam as alternativas. O General, no entanto, não deixou que o depoente acabasse de explicar as opções. O General disse que não embarcaria em outro vôo, de jeito algum, e que tinha que chegar naquele horário em Brasília pois tinha um compromisso, sem explicitar qual era o compromisso. O General disse: então você vai tirar duas pessoas do vôo e nos embarcar. O depoente explicou que não poderia fazer aquilo, que ele era um cliente tão especial quanto os outros clientes e que se a situação fosse inversa, ele não pediria ao General para sair do vôo. Neste momento o General ficou nervoso, apontou o dedo para o depoente e disse: então este avião não vai decolar. O depoente disse: fique à vontade, e se retirou.” (ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, fls. 113/115) A ALBUQUERQUE partir dirigiu-se ao daí, o balcão réu FRANCISCO de atendimento ROBERTO do DE então militarizado DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL – DAC, hoje substituído pela AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL – ANAC. Em procedimento sua apuratório defesa no apresentada Ministério no Público curso Federal, o do réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE nega ter dado qualquer ordem a representantes do DAC. Segundo afirmado, o General sentiu-se -7- MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS lesado em seus solicitou uma direitos solução enquanto para o cidadão problema e, que nesta condição, enfrentava (fls. 124/127). No entanto, as provas testemunhais e documentais refutam essa versão e permitem concluir que efetivamente houve uma ordem para que fosse impedida a decolagem do vôo da TAM enquanto o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE não estivesse a bordo. Prosseguindo na descrição dos fatos, a partir da afirmação expressa do General ao funcionário da empresa aérea de que o avião não iria decolar e de que deveriam ser retirados dois passageiros já embarcados, o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE, dirigindo-se ao DAC, foi atendido pelo também réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI, Fiscal de Aviação Civil, que já estava a par do ocorrido. Consoante restou registrado no livro de ocorrência do DAC (SAC-KP), redigido a mão pelo próprio réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI no dia dos fatos, o General FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE determinou que teria que estar a bordo e que fossem tomadas todas as medidas possíveis para embarcá-lo (fls. 54/57). Ficou consignado no livro: “Em rápido contato com a autoridade o mesmo solicitou, digo, determinou que teria que estar à bordo, pois teria compromissos inadiáveis em BR, e que eu tomasse todas as medidas possíveis para embarcá-lo.” Em depoimento prestado na Sindicância instaurada no DAC, o réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI também afirmou que, após haver logrado despachar as bagagens do General, dirigiu-se a ele “informando a este que recebera aquela solicitação como se determinação fosse, e que finalmente poderia embarcar, o qual agradeceu e mais uma vez queixando-se do constrangimento comentou que estaria encaminhando ao presidente da TAM, uma competente queixa” (fls. 66/69). -8- MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS É certo que, posteriormente, o réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI apresentou outra versão para os fatos, alegando, ao prestar depoimento nesta Procuradoria da República, que não havia recebido qualquer ordem do General e que atuara de acordo com o regulamento aeronáutico (fls. 85/87). Esta nova versão deve ser refutada, pois evidente o interesse deste réu em negar a prática do ato ilegal e abusivo. Dando fiel cumprimento às ordens recebidas do Comandante do Exército Brasileiro e a elas anuindo, o réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI apresentou-se ao funcionário da TAM e, na condição de Fiscal de Aviação Civil do DAC, emitiu ordem para que o funcionário procedesse ao embarque do réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e que não liberasse a aeronave enquanto tal não ocorresse. Mais uma vez, ALEJANDRO explicou que não poderia fazêlo e que estava seguindo o procedimento de rotina da companhia aérea em insistiu, casos de overbooking. afirmando que não O réu CARLOS interessava o ALÉCIO AGOSTINI procedimento da companhia e que de qualquer forma deveria o General ser embarcado. A fim de solucionar o impasse, o próprio ALEJANDRO decidiu oferecer aos passageiros que já estavam a bordo do avião o referido crédito de trezentos reais a quem se disponibilizasse a ceder lugar ao General e a sua esposa. A fim de evitar tumulto, isso foi feito já na sala de check-out, longe do balcão de check-in das companhias aéreas. No entanto, não houve nenhum voluntário. O que não havia despachante de vôo encarregado, ao informar interessados, também comunicou que o avião já iniciara o procedimento de decolagem em push back, ou seja, com as portas fechadas e taxiando, em movimento na pista. -9- MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS Ao ouvir esta informação no rádio, CARLOS ALÉCIO AGOSTINI, que estava ao lado de ALEJANDRO na sala de check-out, entrou em contato com a torre de controle e emitiu a ordem para que não fosse autorizada a decolagem do vôo em razão de a companhia aérea ter deixado de embarcar a autoridade. Estes fatos foram bem relatados por ALEJANDRO: “Em poucos minutos, Agostini, acompanhado do assistente do General, outra pessoa que o depoente acredita também ser assistente e uma quarta pessoa que possivelmente era um inspetor do DAC, à paisana, apresentou-se ao depoente e deu ordem de embarcar o General. O depoente explicou que não poderia por estar seguindo o procedimento da companhia. O assistente Agostini disse que não interessava e que teria que embarcar o General de qualquer jeito. O depoente dirigiu-se à sala de check-out para evitar tumulto no balcão. O próprio depoente teve a idéia de oferecer o crédito de R$ 300,00 a bordo, a dois voluntários. Para tanto, pediu ao despachante Tiago, que estava na pista, para subir no avião e fazer a oferta. O despachante retornou dizendo: voluntário negativo, no push back. O depoente insistiu para o despachante tentar novamente, mas o despachante disse que o avião já estava com as portas fechadas e taxiando. Neste momento, Agostini ouviu a informação, utilizou-se do telefone ramal interno da TAM, entrou em contato com a Torre de Controle e deu ordem para não autorizar a decolagem porque a TAM tinha deixado de embarcar autoridade.” (ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, fls. 113/115) O controlador de vôo que recebeu a ordem foi DANIEL RODRIGUES PIRES BEZERRA. Ouvido na Sindicância do DAC, ele afirmou que de fato havia autorizado o push-back do avião porém, ao ouvir o réu AGOSTINI no rádio, repassou a informação ao piloto da aeronave, que voltou à posição de estacionamento. Em suas palavras: - 10 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS “na operação rotineira, cotidiana, o TAM 3874, solicitou autorização para 'push-back' e foi autorizado, durante o início do reboque recebeu a ligação da SACKP, na pessoa do SO Agostini e o mesmo solicitou para não liberar o TAM 3874 para a saída, devido motivo que havia um oficial de alta patente do Exército Brasileiro, com a reserva confirmada, para o embarque; passou via fonia a solicitação do DAC à aeronave que pediu para repetir a informação e em seguida voltou a posição de estacionamento. Declarou que a aeronave não tinha iniciado o táxi por meios próprios. Perguntado se entendeu a solicitação do DAC como uma ordem, Respondeu que simplesmente repassou a solicitação do fiscal DAC ao Comandante da aeronave, e que pelo seu entendimento a decisão de retorno ficou ao encargo do referido Comandante.” (DANIEL RODRIGUES PIRES BEZERRA, fls. 64/65) O próprio CARLOS ALÉCIO AGOSTINI confirmou que pediu ao controle de vôo que parasse a aeronave. “O depoente, em conjunto com o Sargento Cavalcante e o Sargento Gilmar, que é estagiário na SAC - Seção de Aviação Civil, procurou o Sr. Alejandro e disse-lhe para não liberar o vôo enquanto não fosse apresentada a solução para o embarque do Gen. Albuquerque. Neste momento o avião ainda estava estacionado, de portas abertas e em procedimento de abastecimento de combustível. O Sr. Alejandro passou a manter vários contatos por rádio Nextel e, antes que houvesse alguma resposta, o depoente ouviu em seu rádio HT, na freqüência da Infraero, que o vôo havia iniciado “push back”, que é o tratoramento da aeronave até a posição de ignição de motores. O depoente interpelou o Sr. Alejandro sobre o descumprimento da orientação para que não fosse liberada a aeronave, ao que foi respondido que não poderia dar atraso no vôo. O depoente, então, solicitou a utilização do ramal, ligou para a torre de controle, expôs a situação ao controlador de vôo Daniel, identificando-se, e pediu para parar a aeronave, diante do respeito à legislação, à autoridade aeronáutica. O depoente esclarece que se sentiu desacatado pela maneira com que foi tratado pelo Sr. Alejandro. Esclarece, também, que não passou uma ordem ao contro- - 11 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS lador de vôo, mas sim uma orientação, já que o comandante do vôo é soberano neste tipo de decisão, de cumprir ou não uma orientação da torre de controle. O depoente ouviu, no rádio da TAM, o comandante do vôo comentar que estas situações têm que ser resolvidas antes.” (CARLOS ALÉCIO AGOSTINI, fls. 85/87) Aqui, importante destacar que não importa se foi ou não foi utilizada a expressão ordem ou outra correlata durante o contato com o controlador de vôo. Obviamente que um pedido do DAC à torre de controle e ao piloto da aeronave, não importa a que título, necessariamente deve ser entendido como um pedido a ser cumprido, dada a prevalência da fiscalização aeronáutica militar. De controlador de vôo outra parte, DANIEL consoante RODRIGUES bem PIRES destacado BEZERRA e pelo pelo funcionário da TAM ALEJANDRO, o motivo expresso da determinação de interrupção da decolagem expedida pelo réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI era a ausência de embarque de oficial de alta patente do Exército Brasileiro. A versão de descumprimento à legislação somente foi apresentada posteriormente. razoabilidade e De verossimilhança qualquer esta sorte, alegação, já falece que não de há notícia de evento pretérito, neste país, em que uma aeronave tenha sido detida pelo DAC ou pela ANAC em razão de overbooking. Após a interrupção do procedimento de decolagem do vôo, o réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI afirmou ao funcionário ALEJANDRO que ele teria que retirar dois passageiros da aeronave para embarcar o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e sua esposa. Sem interrompido por qualquer força de opção, ordem do já que órgão de o vôo estava fiscalização da aviação civil, o DAC, ALEJANDRO decidiu entrar em contato com superiores da companhia aérea, em São Paulo. O Coordenador - 12 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS nominado como CÉLIO sugeriu que fosse aumentada a oferta para R$ 500,00 (quinhentos reais). Com essa nova oferta e já com o atraso do vôo, surgiram passageiros dispostos a desembarcar e ceder lugar ao réu. O casal ERASMO PINTO JÚNIOR e SANDRA OLIVEIRA desembarcou do vôo, o que possibilitou o embarque do General e de sua esposa. Ao entrar na aeronave, o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e sua esposa foram vaiados pelos passageiros. No sentido exposto, mais uma vez, as declarações de ALEJANDRO: “O depoente não ouviu a resposta da Torre, mas Agostini lhe disse que ele ia ter que tirar dois passageiros. O depoente decidiu entrar em contato com a Central da TAM, que fica em São Paulo, e conversou com o coordenador Célio. O coordenador ficou irritado e disse que aquele assunto deveria ter sido resolvido antes. O coordenador sugeriu aumentar a oferta para R$ 500,00 de crédito. O depoente então pediu a outro despachante, Natanael, que tentasse novamente os voluntários. O depoente esclarece que não pediu isso ao despachante Tiago porque ficou chateado pelo fato de Tiago ter iniciado o push back sem autorização. Tiago não mais trabalha na empresa. Várias pessoas se ofereceram e foi escolhido um casal, que posteriormente fez exigência de hotel, refeição e transporte. Resolvida a situação, o General e sua esposa embarcaram. O despachante Natanael relatou, posteriormente, que o Comandante foi vaiado ao entrar no avião.” (ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, fls. 113/115) 2.2. A ameaça de causar mal injusto e grave ao funcionário da companhia aérea: prisão, não renovação de visto de estrangeiro e proibição de trabalhar. Os réus CARLOS ALÉCIO AGOSTINI e JOÃO AUGUSTO IAIA, agindo em comunhão de desígnios, foram responsáveis pela - 13 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS ameaça injusta de prisão e de não renovação de visto de estrangeiro ao funcionário da TAM ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, além da ameaça de retirada de seu crachá da INFRAERO, o que o impediria de continuar a trabalhar no Aeroporto. Após ALBUQUERQUE e funcionário da recebeu sua embarque esposa TAM telefonema o no vôo ALEJANDRO, do réu do réu com destino voltando JOÃO FRANCISCO à AUGUSTO sala IAIA, a DE ROBERTO Brasília, de o check-out, supervisor da INFRAERO, que lhe solicitava seus dados qualificativos completos, afirmando que “o General provavelmente ia querer estes dados”. O depoente não os informou, afirmando simplesmente que na empresa TAM seu nome era ALEJANDRO. Irritado, JOÃO AUGUSTO IAIA desligou o telefone e, alguns minutos depois, dirigiu-se à sala de check-out acompanhado do réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI. Neste momento ambos já tinham em mãos a ficha de identificação do funcionário da TAM, na qual puderam verificar que ALEJANDRO era estrangeiro. O réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI, acompanhado pelo réu JOÃO AUGUSTO IAIA, que a tudo anuía, passou a ameaçar ALEJANDRO, afirmando que seu visto de estrangeiro estava próximo do vencimento e que o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE poderia influir para que o visto não fosse renovado. Ou seja, ALEJANDRO seria obrigado a deixar o país. Em suas palavras: “Agostini disse depoente estava General poderia Isso foi dito em que o visto de estrangeiro do próximo do vencimento e que o interferir no ato da renovação. tom de ameaça” (fls. 113/115). O fato foi presenciado pelo funcionário da TAM MARCELO MÁXIMO BATISTA, supervisor de ALEJANDRO que acabara de chegar ao serviço. MARCELO relatou que tentou repelir os achaques - 14 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS dos réus CARLOS ALÉCIO AGOSTINI e JOÃO AUGUSTO IAIA, afirmandolhes que ALEJANDRO apenas estava representando a companhia aérea. Em suas palavras: “Estava presente quando Alejandro atendeu um telefonema do supervisor da Infraero, Iaia, em que ele pedia os dados pessoais de Alejandro afirmando que “eles” precisariam fazer um relatório. O depoente entendeu que Iaia se referia aos assessores do comandante, a Infraero e o Dac. Alejandro negou-se a dizer seu nome completo, alegando que na TAM todos os funcionários são conhecidos apenas pelo nome de guerra. Em seguida, Iaia e o fiscal do DAC, Agostini, dirigiram-se pessoalmente à sala da supervisão, levando em mãos os documentos funcionais de Alejandro na Infraero, dizendo que de nada adiantava que o funcionário tentasse esconder, pois eles já tinham acesso a tudo. O depoente tentou contra-argumentar, afirmando que ele e Alejandro estavam representando a companhia aérea e, portanto, qualquer coisa deveria ser feita em face da TAM e não do funcionário. O depoente presenciou quando Agostini, em tom de ameaça, disse que o visto de Alejandro estava por acabar e que o general poderia influenciar para que ele não obtivesse a renovação. Agostini era quem falava, mas Iaia concordava.” (MARCELO MÁXIMO BATISTA, fls. 134/135) Além da ameaça de impedir a renovação do visto de permanência de estrangeiro, o funcionário ALEJANDRO relatou que os réus CARLOS ALÉCIO AGOSTINI e JOÃO AUGUSTO IAIA foram além, ameaçando sua prisão e a retirada de seu crachá da INFRAERO. Este crachá permite o livre trânsito de empregados das companhias aéreas nas dependências do Aeroporto, e sem ele qualquer empregado fica impossibilidade de trabalhar. Segundo relatado por ALEJANDRO: “Agostini ameaçou dar voz de prisão ao depoente e Iaia ameaçou tomar-lhe o crachá da INFRAERO.” (ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, fls. 113/115) - 15 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS Como não poderia deixar de ser, o funcionário ALEJANDRO, cidadão mexicano, “chegou a se sentir discriminado pelo fato de ser estrangeiro” (fls. 113/115). 3. O DIREITO APLICÁVEL. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Os atos praticados pelos réus feriram gravemente os princípios da Administração Pública, em especial os princípios da moralidade, da legalidade e da impessoalidade. Para estas hipóteses, a Lei de Improbidade Administrativa reservou, em seu art. 11, tipificação perfeitamente aplicável aos réus. Nesse sentido, o teor da prescrição legal: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”. Consoante prevê o art. 37 da Constituição Federal, a Administração Pública deve obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. São estes os Administração Pública, princípios todos e os princípios dos quais deveres e basilares defluem a reger todos proibições os toda a demais dos servidores réus violaram, públicos, civis e militares. Na hipótese em tela, os concomitantemente, os princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, deixando de atender aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. - 16 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS O princípio da impessoalidade, em uma de suas possíveis acepções, indica que os atos estatais devem ser praticados pelo órgão em favor do bem público, não devendo o agente público praticar atos em nome próprio e em favor de si ou de terceiros particulares. Segundo já afirmava PLATÃO, quem quiser governar deve ter em vista apenas o bem público, sem se preocupar com a sua situação pessoal2. E nessa vertente o princípio da impessoalidade foi violado pelos réus. Ao emitirem uma ordem, na condição de agentes públicos, que visava tão-somente a permitir a solução de um problema pessoal, os réus FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e CARLOS ALÉCIO AGOSTINI agiram de forma pessoalizada, utilizando-se do poder que lhes foi conferido Esta ordem, pelo Estado para fins particulares. saliente-se, foi proferida em detrimento de uma coletividade de passageiros, cidadãos comuns, que se viram sujeitos à paralisação do vôo em prol de um fim nãopúblico. Os atributos do ato administrativo, conferidos pelo princípio da supremacia do interesse público, foram utilizados para dar supremacia ao interesse particular dos réus. Reitere-se prerrogativa que detenha que não pode ser invocada qualquer o Comandante de Exército de ter prioridade em transporte em razão de serviço, já que as passagens haviam sido adquiridas na condição de particular. Em sua defesa, o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE confirmou este fato: “ressalte-se que a viagem foi feita em caráter particular e os bilhetes foram adquiridos com recursos próprios” (fls. 124/127). 2 Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 49. - 17 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS De forma similar, os réus CARLOS ALÉCIO AGOSTINI e JOÃO AUGUSTO IAIA utilizaram-se de seus cargos para atender interesse pessoal, consubstanciado em uma espécie de vingança privada levada a efeito por meios públicos: utilizando-se dos poderes de seus cargos, ameaçaram o funcionário da companhia aérea ALEJANDRO. Em relação ao princípio da legalidade, ensina a doutrina que Pública, e se do trata agente da submissão público, à integral Lei, não da se Administração lhe permitindo praticar atos contrários ou não previstos em norma legal. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO explicita o significado deste princípio3: “Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos.” “O princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos países subdesenvolvidos.” “Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder 3 Curso de Direito Administrativo, 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 91-92 – grifos não originais. - 18 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS Legislativo, pois esta é a posição compete no Direito brasileiro.” que lhes Evidentemente não há norma legal autorizadora da utilização de atos administrativos para atender a interesses particulares. Da mesma forma, impossível cogitar-se de norma que autorize a ameaça, em especial quando se trata de alguém que está a cumprir seus deveres enquanto administrado. A prisão e a proibição de permanecer excepcionalíssimas de no país ingerência do configuram Estado na hipóteses liberdade de locomoção e em seu relacionamento com cidadãos estrangeiros, e nunca poderiam proibição de ser utilizadas exercer o para trabalho, os pela fins pretendidos. retirada do A crachá da INFRAERO, somente é cabível em situações específicas de falta funcional, o que não ocorreu. Estes mesmos atos configuram atentado ao princípio da moralidade administrativa, que, consoante ensinamento da doutrina, tornando “limita imperativo e direciona que os a atos atividade dos administrativa, agentes públicos não subjuguem os valores que defluam dos direitos fundamentais dos administrados, o que permitirá a valorização e o respeito à dignidade da pessoa humana” . 4 De moralidade fato, administrativa, são a imorais, utilização do dos ponto de poderes vista da da função pública para atender interesse particular, assim como a ameaça de utilização destes mesmos poderes para causar males injustos e graves a administrado cumpridor de seus deveres. Veja-se que a conduta descrita nesta peça não consistiu em mera “carteirada” ou “carteiraço” - atitude que, 4 Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, ob. cit., p. 168. - 19 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS embora também ilícita sob a ótica da moralidade administrativa, violaria o princípio em um grau menor. Mais que isso, ocorreu a efetiva emissão de uma ordem ilegal para, em detrimento dos demais passageiros, interromper o procedimento de decolagem do vôo e retirar dois passageiros, não importa os meios, para ceder lugar ao General e a sua esposa, que não viajavam a serviço. Inegável, portanto, a violação ao princípio da moralidade administrativa. A Administração ofensa Pública indica a estes que os réus três princípios agiram com da abuso de poder. Ao mesmo tempo, extravasaram os limites de seus poderes legais, por um lado, e agiram com finalidade distinta da prevista na norma de regência, por outro. As condutas descritas constituem, ainda, violação aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Também está presente a ofensa a estes princípios – impessoalidade, legalidade e moralidade – no confrontamento das condutas descritas com os deveres funcionais dos réus, enquanto militares e civis. Com efeito, o Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80) prevê, em seu Título II – Das Obrigações e dos Deveres Militares, Capítulo I – Das Obrigações Militares, Seção II – Da Ética Militar, uma série de deveres éticos que foram violados pelos réus militares, FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e CARLOS ALÉCIO AGOSTINI. Em especial, foi violado o dever de abster-se de fazer uso da graduação para obter facilidades pessoais (art. 28, XVII), mas também diversos outros deveres ético-militares: “Art. 28. O sentimento do dever, o pudor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e - 20 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar: (...) III - respeitar a dignidade da pessoa humana; IV - cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes; (...) XII - cumprir seus deveres de cidadão; XIII - proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular; (...) XVII - abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros; (...) XIX - zelar pelo bom nome das Forças Armadas e de cada um de seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética militar.” O réu JOÃO AUGUSTO IAIA, funcionário da INFRAERO, também infringiu as obrigações dos servidores públicos civis previstas na Lei 8.112/90, em especial: “Art. 116. São deveres do servidor: (...) III observar as normas legais e regulamentares; (...) IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa” “Art. 117. Ao servidor é proibido: (...) IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública” 4. PENALIDADES APLICÁVEIS. Uma administrativa que vez violam praticados princípios atos da de improbidade Administração Pública, - 21 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS ficam seus executores sujeitos à aplicação das penalidades previstas no art. 12, III, da Lei 8.429/92, que dispõe: “Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: (...) III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.” A delimitação das penas fica a cargo da sentença judicial, que analisará o cabimento de cada pena tendo em conta a extensão do dano causado, conforme dispõe o parágrafo único do art. 12, acima transcrito. Conquanto possa o Ministério Público antecipar-se à decisão judicial e limitar, já na inicial da ação de improbidade administrativa, as penas aplicáveis, na hipótese não há elementos suficientes para antecipar-se a delimitação. Sem embargo, por ocasião da apresentação de memoriais o Ministério Público Federal poderá analisar melhor os elementos produzidos durante a instrução e propor a limitação das penalidades. 4.1. Indenização por dano moral. Do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, extrai-se a existência de um patrimônio moral do Poder Público. Este dispositivo estabelece proteção ampla e irrestrita ao patrimônio público. - 22 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS Valores morais que haviam de nortear a atividade administrativa foram deliberadamente violados pelos réus, levando a imagem da União e, principalmente, do Exército Brasileiro a restarem gravemente abaladas por mácula indelével. Com efeito, o episódio descrito nesta peça foi amplamente divulgado na mídia, consoante se infere das matérias juntadas aos autos no início da instrução do procedimento administrativo apuratório, fazendo frutificar a prejudicial crença de que o serviço público está ao abandono e que seus agentes atuam ao seu próprio talante ou guiados por seus caprichos e desejos, descurando deveriam dos zelar, bens – materiais causando, por e imateriais conseqüência, - pelos prejuízos de quais toda sorte ao Poder Público. Não há a menor dúvida de que o descalabro evidenciado neste episódio reforçou a convicção popular de que os poderes do Estado não se revertem em prol dos cidadãos, mas são malversados ou apropriados por agentes ímprobos. As condutas protagonizadas pelos réus, ao ofenderem primados constitucionais orientadores da atividade administrativa, violaram a imagem do Estado, gerando descrédito na seriedade da Administração Pública, pelo que alvejaram os cidadãos, de forma difusa, provocando dano extremamente prejudicial à consolidação de padrões éticos exigidos pela sociedade brasileira, a qual foi também atingida. Em última análise, é a própria imagem do Estado que fica desprestigiada quando seus agentes praticam atos contrários à Constituição e às leis. Diante desse quadro, as Forças Armadas brasileiras figuram como especial vítima da conduta dos réus. Tanto a conduta do então Comandante do Exército Brasileiro, quanto as atitudes tomadas por servidor militar do DAC – órgão da - 23 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS Aeronáutica – tiveram forte efeito desmoralizador para as instituições militares. Alude-se, inclusive, ao que disse a respeito o cidadão ROOSEVELT DE SOUZA BORMANN, ao dirigir-se diretamente ao Ministério Público Federal representando contra a ilegalidade do episódio, conforme petição de fls. 35/37. É esse prejuízo que postula o Ministério Público Federal seja fundamento ressarcido, no disposto sob no a modalidade artigo 5º, de dano incisos V moral, e X, com da Constituição Federal, artigo 1º da Lei nº 7.347/85 e artigo 6º da Lei nº 8.078/90. Por adentrar diretamente a questão, cita-se a doutrina de EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES5: “É indiscutível que determinados atos podem diminuir o conceito da pessoa jurídica junto à comunidade, ainda que não haja uma repercussão imediata sobre o seu patrimônio. Existindo o dano moral, deverá ser implementado o seu ressarcimento integral, o que será feito com o arbitramento de numerário compatível com a qualidade dos envolvidos, as circunstâncias da infração e a extensão do dano, tudo sem prejuízo da reparação das perdas patrimoniais. (...) Do mesmo modo que as pessoas jurídicas de direito privado, as de direito público também gozam de determinado conceito junto à coletividade, do qual muito dependem o equilíbrio social e a subsistência de várias negociações (...) É plenamente admissível, assim, que o ato de improbidade venha a macular o conceito que gozam as pessoas jurídicas relacionadas no art. 1º da Lei nº 8.429/92, o que acarretará um dano de natureza não-patrimonial passível de indenização.” 5 Idem, pp. 442-443. - 24 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS 5. PEDIDOS. Diante da exposição feita, o Ministério Público Federal requer: a) a condenação dos réus nas penas do art. 12, III, da Lei 8.429/92, a serem delimitadas em sentença, pela prática dos atos de improbidade administrativa descritos nesta peça; b) a condenação solidária dos réus a ressarcirem os danos morais difusos causados, em montante a ser definido por esse Juízo – mas que se sugere seja pelo menos equivalente ao da multa civil por ato de improbidade administrativa –, revertendo-se a indenização ao Fundo a que se refere o art. 13 da Lei 7347/85. Requer-se, ainda, a notificação dos réus para apresentarem manifestação por escrito e a intimação da UNIÃO e da INFRAERO para que manifestem seu interesse em integrar esta lide no pólo ativo, com assento no disposto no artigo 17, § 3º, da Lei 8.429/92; em seguida, requer-se o recebimento da inicial e a citação dos réus. Requer-se, por fim, a condenação dos réus nos eventuais ônus da sucumbência cabíveis. O demandante protesta pela produção de todas as provas admitidas em Direito, a serem melhor especificadas após a formação do contraditório e o destaque dos pontos controvertidos. De imediato, requer a oitiva das testemunhas adiante arroladas. Dá à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais). Campinas, 4 de dezembro de 2007. Bruno Costa Magalhães Procurador da República Paulo Roberto Galvão de Carvalho Procurador da República - 25 - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS - Rol de Testemunhas 1. ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, mexicano, RNE 523.680, CPF 114.394.238-81, filho Zeferina Figueroa, residente na Rua Maria nº 671 (antiga Rua 38), Jd. Nova América, 021, tel. (19) 9665-3901 (fls. 113/115). empregado da URIEL/TAM, de Gustavo Viniegra e Benedicta Transferetti, Campinas-SP, CEP 13053- 2. MARCELO MAXIMO BATISTA, brasileiro, empregado da URIEL/TAM, RG 20035699 SSP-SP, CPF 127.893.788-94, filho de José Batista e Dulce Almerinda de Jesus, residente na Rua Vitor Meirelles, nº 169, Vila Esmeraldina, Campinas-SP (fls. 134/135). 3. GILMAR ALVES OLIVEIRA DE LIMA, brasileiro, 1S SAD lotado na Seção de Aviação Civil de Campinas, ident. 455061 COMAER, filho de Gilson Alves de Lima e Marli Oliveira de Lima, residente na Av. Emilio Bosco, nº 2460, Cond. Jatobá, casa 92, Sumaré-SP, CEP 13180-000 (fls. 60/61). 4. DANIEL RODRIGUES PINTO BEZERRA, brasileiro, controlador de vôo da INFRAERO, RG 5.013.159 SSP-PE, filho de Benedito Pires Bezerra Segundo e Lucila Rodrigues Pires Bezerra, residente na Rua Sebastião Nicolau, nº 34, aptº 15, Jd. Nossa Senhora Aparecida, Indaiatuba-SP, CEP 13330-570 (fls. 64/65). - 26 -