MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A)
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP
FEDERAL
DA
VARA
DA
Procedimento Administrativo PRM/Campinas nº 1.34.004.000192/2006-84
PATRIMÔNIO
PÚBLICO.
IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. EMISSÃO DE ORDEM ILEGAL
PARA
INTERROMPER
PROCEDIMENTO
DE
DECOLAGEM DE VÔO COMERCIAL DA EMPRESA
TAM
NO
AEROPORTO
INTERNACIONAL
DE
VIRACOPOS E RETIRAR PASSAGEIROS JÁ
EMBARCADOS
PARA
CEDER
LUGAR
AO
COMANDANTE
DO
EXÉRCITO
BRASILEIRO,
ATENDENDO INTERESSE PARTICULAR. AMEAÇA
INJUSTA DE PRISÃO E DE NÃO RENOVAÇÃO DE
VISTO DE ESTRANGEIRO A FUNCIONÁRIO DA
COMPANHIA AÉREA. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PEDIDO DE
CONDENAÇÃO NAS PENAS DO ART. 12, III,
DA LEI 8.429/92 E INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores
da
República
que
esta
subscrevem,
no
uso
de
suas
atribuições
legais e constitucionais, previstas nos artigos 127 e 129, III e
IX, da Constituição Federal, 5º, I, “h”, III, “b”, e V, “b”, e 6º,
VII, “b”, e XIV, “f”, da Lei Complementar 75/93, e 17 da Lei
8.429/92, propõe a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
em face de:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS
CARLOS ALÉCIO AGOSTINI, brasileiro, casado, militar
(Fiscal de Aviação Civil), RG nº 395.691 (Comando da
Aeronáutica), CPF nº 054.066.278-05, filho de Alécio
Agostini e Tereza Casadei Agostini, natural de São PauloSP, residente na Rua Domingos Gazignatti, nº 55, Terras
de Itaici, Indaiatuba-SP, CEP 13341-630,
FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE, brasileiro, casado,
General-de-Exército, CPF nº 351.786.808-63, residente na
Rua Dr. Lauro Luchesi, 409, Tremembé, São Paulo-SP, CEP
02348-090, e
JOÃO AUGUSTO IAIA, brasileiro, casado, aeroportuário, RG
nº 8.548.180 SSP-SP, CPF nº 722.814.728-68, filho de
Gertrudes Iaia, natural de Campinas-SP, residente na Av.
Jorge Tibiriçá, nº 1840, aptº 53-A, Condomínio Parque dos
Pássaros, Campinas-SP, CEP 13043-390,
pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.
1 – SÍNTESE DA AÇÃO.
A presente ação pretende a condenação dos réus
por ato de improbidade administrativa e indenização por danos
morais.
Os pedidos derivam da apuração de que o então
Comandante do Exército Brasileiro, General-de-Exército FRANCISCO
ROBERTO DE ALBUQUERQUE, ao tomar conhecimento de que não seria
possível seu embarque em um vôo comercial da TAM, cuja passagem
adquirira na condição de particular, ordenou, de forma ilegal e
com
abuso
de
poder,
que
fossem
retirados
dois
passageiros
já
embarcados para ceder lugar a ele e a sua esposa, sob pena de o
vôo não decolar. O Fiscal de Aviação Civil do então Departamento
de
Aviação
Civil
CARLOS
ALÉCIO
AGOSTINI,
dando
cumprimento
à
ordem, determinou a interrupção do procedimento de decolagem do
vôo.
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Em seguida, após o embarque do General, CARLOS
ALÉCIO
AGOSTINI
ameaçaram
o
procedimento
e
o
supervisor
funcionário
de
da
embarque,
da
INFRAERO
empresa
área
ALEJANDRO
JOÃO
TAM
VINIEGRA
AUGUSTO
IAIA
responsável
pelo
FIGUEROA,
cidadão
mexicano, afirmando-lhe que o General poderia intervir para que a
renovação de seu visto de permanência no Brasil fosse negada.
Ameaçaram-lhe,
ainda,
de
prisão
e
de
proibição
de
continuar
trabalhando no Aeroporto.
2 – OS FATOS.
Em
imprensa
relatando
razão
de
episódio
diversas
ocorrido
notícias
em
01
de
publicadas
março
de
na
2006,
quarta-feira de cinzas, no Aeroporto Internacional de Viracopos,
foi
instaurado
o
Procedimento
Administrativo
nº
1.34.004.000192/2006-84 (anexo), a fim de apurar eventual ato de
improbidade administrativa consistente na emissão de ordem para
interrupção de procedimento de decolagem de avião da companhia
aérea TAM para embarcar o Comandante do Exército Brasileiro (fls.
1/2)1.
Na
mesma
época,
o
Ministério
Público
Federal
recebeu representação do cidadão ROOSEVELT DE SOUZA BORMANN, que
pedia a apuração do fato (fls. 35/37).
Ao
cabo
da
investigação,
restaram
comprovadas
condutas que revelam atos de improbidade administrativa, consoante
será
descrito
basicamente,
a
de
seguir.
A
prova
depoimentos
de
tomados
tais
fatos
nesta
constitui-se,
Procuradoria
da
República e de depoimentos e documentos inclusos nos autos da
Sindicância
nº
R-003-T/DA/06,
do
Quarto
Serviço
Regional
de
Aviação Civil (atual Gerência Regional de São Paulo da Agência
Nacional de Aviação Civil – ANAC).
1 A numeração de folhas indicada nesta peça refere-se aos autos do Procedimento Administrativo
PRM/Campinas nº 1.34.004.000192/2006-84.
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2.1. A emissão de ordem ilegal para interromper procedimento de
decolagem de vôo comercial e retirar passageiros já embarcados
visando a atender interesse particular.
Os
réus
FRANCISCO
ROBERTO
DE
ALBUQUERQUE
e
CARLOS ALÉCIO AGOSTINI, agindo em comunhão de desígnios, foram
responsáveis
pela
emissão
de
ordem
ilegal
para
interromper
o
procedimento de decolagem de um vôo comercial da companhia aérea
TAM e retirar passageiros já embarcados para atender interesse
particular do primeiro.
Em
1º
de
março
de
2006,
o
vôo
JJ
3874,
da
companhia TAM, que deveria sair do Aeroporto Internacional de
Viracopos em Campinas com destino a Brasília às 17h05, encontravase em situação de overbooking, isto é, a companhia havia vendido
mais passagens do que os assentos disponíveis no avião.
Na ocasião, o recepcionista líder da empresa TAM
no
Aeroporto
(por
intermédio
da
prestadora
de
serviços
URIEL
SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO), ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, era o
responsável por dar solução de transporte a onze passageiros que
haviam ficado sem lugar no vôo, todos cumprindo o prazo de chegar
ao balcão de
check-in da empresa com no mínimo meia hora de
antecedência do horário de partida.
O
adquirido
duas
réu
FRANCISCO
passagens
para
ROBERTO
aquele
DE
vôo,
ALBUQUERQUE
na
havia
condição
de
particular, utilizando-se de pontuação de programa de milhagem e
pagamento da taxa de embarque por cartão de crédito (fls. 58/59).
Este réu estava representado na fila de embarque
por seu assistente, o SARGENTO SANTOS, que ocupava o segundo lugar
dentre
os
remanescentes.
O
primeiro
passageiro
da
fila
foi
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acomodado no último assento de outro vôo da companhia aérea GOL,
que iria sair às 18h50.
De imediato, ao tomar conhecimento de que o vôo
da TAM já estava lotado, o assistente afirmou ao funcionário da
TAM que “as pessoas que ele representava eram muito importantes e
que não poderiam deixar de embarcar”, ao que respondeu ALEJANDRO
que “não poderia dar tratamento diferenciado e que não tinha mais
lugares” (fls. 113/115).
Cumprindo
o
procedimento
de
rotina,
ALEJANDRO
tentou reunir os onze prejudicados com o overbooking, porém o
assistente do réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE informou que
ele não concordava em se aproximar e que o funcionário deveria
posteriormente conversar a sós com o General. O depoente fez a
reunião com os outros nove e, como também haviam se esgotado os
assentos
no
vôo
direto
da
empresa
GOL,
ofereceu-lhes
algumas
alternativas: poderiam fazer uma conexão no Rio de Janeiro pela
GOL, chegando a Brasília aproximadamente às 22h30, ou hospedaremse em hotel e viajarem no primeiro vôo do dia seguinte, às 7h50 da
manhã. Em ambos os casos a TAM arcaria com uma compensação aos
passageiros, a título de multa, no valor de R$ 300,00 (trezentos
reais),
concedidos
em
crédito
para
a
compra
de
passagens
na
companhia. Tendo em vista que alguns passageiros ainda fariam
conexão
em
Brasília,
foram
também
disponibilizadas
rotas
alternativas para o destino final, como a ida de táxi até São
Paulo e o embarque pelos Aeroportos de Congonhas e Guarulhos.
Finda
esta reunião, ALEJANDRO foi conversar a
sós com o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e sua esposa. Após
se apresentar e se desculpar pelo overbooking, ALEJANDRO começou a
relatar
ao
General
quais
seriam
as
alternativas.
O
réu,
no
entanto, não deixou que o funcionário acabasse de explicar as
opções, afirmando que de forma alguma embarcaria em outro vôo e
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que precisava chegar a Brasília no horário inicialmente previsto
pois tinha um compromisso, sem explicitá-lo.
Em
seguida,
o
réu
FRANCISCO
ROBERTO
DE
ALBUQUERQUE afirmou textualmente ao funcionário da TAM que ele
deveria retirar do avião duas pessoas que já estavam embarcadas
para dar lugar a ele e a sua esposa.
De forma escorreita, ALEJANDRO retrucou, dizendo
ao General que o que estava sendo pedido não podia ser atendido,
pois ele era um cliente tão especial quanto os demais que estavam
à espera, e que, na situação inversa, nunca seria pedido ao réu
que saísse do avião em favor de outros passageiros.
Ao ouvir tais palavras, o réu FRANCISCO ROBERTO
DE ALBUQUERQUE, em tom nervoso, com o dedo em riste indicando para
o funcionário da TAM, afirmou que aquele avião não iria decolar.
Estes
fatos
foram
precisamente
relatados
por
ALEJANDRO, ao prestar depoimento nesta Procuradoria da República:
“No dia 1.º de março, o vôo da TAM destinado a
Brasília estava em overbooking. Onze passageiros
ficaram sem lugar no vôo, todos eles chegaram
com mais de meia hora de antecedência. O primeiro passageiro em overbooking era um senhor que
foi acomodado no vôo da GOL, que iria sair às
18h50min. O segundo na fila era o assistente do
Comandante do Exército, que estava ali para fazer o embarque do Comandante e de sua esposa. A
GOL não mais dispunha de lugares no vôo direto
para Brasília. O assistente disse que as pessoas
que ele representava eram muito importantes e
que não poderiam deixar de embarcar. O depoente
então afirmou que não poderia dar tratamento diferenciado e que não tinha mais lugares. Em seguida, o depoente tentou reunir os onze prejudicados com o overbooking, mas o assistente disse
que o General não concordava em se aproximar e
que ele deveria posteriormente conversar a sós
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com o General. O depoente fez a reunião com os
outros nove e ofereceu-lhes duas alternativas:
poderiam fazer uma conexão no Rio de Janeiro
pela GOL, chegando a Brasília aproximadamente às
22h30min, ou hospedarem-se em hotel e viajarem
no primeiro vôo do dia seguinte, às 7h50min. Em
ambos os casos a TAM pagaria a multa de R$
300,00 e arcaria com as despesas. Os R$ 300,00
são um crédito para a compra de passagens. Tendo
em vista que alguns passageiros ainda fariam conexão em Brasília, foram disponibilizadas rotas
alternativas para o destino final, como, por exemplo, a ida de táxi até São Paulo e o embarque
lá. Após a reunião, o depoente foi conversar com
o General. Neste momento estavam presentes apenas o depoente, o General e sua esposa. O assistente do General, aguardando a solução. O depoente apresentou-se, desculpou-se pelo overbooking e começou a dizer ao General quais seriam
as alternativas. O General, no entanto, não deixou que o depoente acabasse de explicar as opções. O General disse que não embarcaria em outro vôo, de jeito algum, e que tinha que chegar
naquele horário em Brasília pois tinha um compromisso, sem explicitar qual era o compromisso.
O General disse: então você vai tirar duas pessoas do vôo e nos embarcar. O depoente explicou
que não poderia fazer aquilo, que ele era um
cliente tão especial quanto os outros clientes e
que se a situação fosse inversa, ele não pediria
ao General para sair do vôo. Neste momento o General ficou nervoso, apontou o dedo para o depoente e disse: então este avião não vai decolar.
O depoente disse: fique à vontade, e se retirou.”
(ALEJANDRO
VINIEGRA
FIGUEROA,
fls.
113/115)
A
ALBUQUERQUE
partir
dirigiu-se
ao
daí,
o
balcão
réu
FRANCISCO
de
atendimento
ROBERTO
do
DE
então
militarizado DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL – DAC, hoje substituído
pela AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL – ANAC.
Em
procedimento
sua
apuratório
defesa
no
apresentada
Ministério
no
Público
curso
Federal,
o
do
réu
FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE nega ter dado qualquer ordem a
representantes
do
DAC.
Segundo
afirmado,
o
General
sentiu-se
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lesado
em
seus
solicitou
uma
direitos
solução
enquanto
para
o
cidadão
problema
e,
que
nesta
condição,
enfrentava
(fls.
124/127). No entanto, as provas testemunhais e documentais refutam
essa versão e permitem concluir que efetivamente houve uma ordem
para que fosse impedida a decolagem do vôo da TAM enquanto o réu
FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE não estivesse a bordo.
Prosseguindo na descrição dos fatos, a partir da
afirmação expressa do General ao funcionário da empresa aérea de
que o avião não iria decolar e de que deveriam ser retirados dois
passageiros já embarcados, o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE,
dirigindo-se ao DAC, foi atendido pelo também réu CARLOS ALÉCIO
AGOSTINI,
Fiscal
de
Aviação
Civil,
que
já
estava
a
par
do
ocorrido.
Consoante
restou
registrado
no
livro
de
ocorrência do DAC (SAC-KP), redigido a mão pelo próprio réu CARLOS
ALÉCIO AGOSTINI no dia dos fatos, o General FRANCISCO ROBERTO DE
ALBUQUERQUE determinou que teria que estar a bordo e que fossem
tomadas todas as medidas possíveis para embarcá-lo (fls. 54/57).
Ficou consignado no livro:
“Em rápido contato com a autoridade o mesmo
solicitou, digo, determinou que teria que estar
à bordo, pois teria compromissos inadiáveis em
BR, e que eu tomasse todas as medidas possíveis
para embarcá-lo.”
Em depoimento prestado na Sindicância instaurada
no DAC, o réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI também afirmou que, após
haver logrado despachar as bagagens do General, dirigiu-se a ele
“informando
a
este
que
recebera
aquela
solicitação
como
se
determinação fosse, e que finalmente poderia embarcar, o qual
agradeceu e mais uma vez queixando-se do constrangimento comentou
que estaria encaminhando ao presidente da TAM, uma competente
queixa” (fls. 66/69).
-8-
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS
É certo que, posteriormente, o réu CARLOS ALÉCIO
AGOSTINI
apresentou
outra
versão
para
os
fatos,
alegando,
ao
prestar depoimento nesta Procuradoria da República, que não havia
recebido qualquer ordem do General e que atuara de acordo com o
regulamento aeronáutico (fls. 85/87). Esta nova versão deve ser
refutada, pois evidente o interesse deste réu em negar a prática
do ato ilegal e abusivo.
Dando
fiel cumprimento às ordens recebidas do
Comandante do Exército Brasileiro e a elas anuindo, o réu CARLOS
ALÉCIO AGOSTINI apresentou-se ao funcionário da TAM e, na condição
de
Fiscal
de
Aviação
Civil
do
DAC,
emitiu
ordem
para
que
o
funcionário procedesse ao embarque do réu FRANCISCO ROBERTO DE
ALBUQUERQUE
e
que
não
liberasse
a
aeronave
enquanto
tal
não
ocorresse. Mais uma vez, ALEJANDRO explicou que não poderia fazêlo e que estava seguindo o procedimento de rotina da companhia
aérea
em
insistiu,
casos
de
overbooking.
afirmando
que
não
O
réu
CARLOS
interessava
o
ALÉCIO
AGOSTINI
procedimento
da
companhia e que de qualquer forma deveria o General ser embarcado.
A
fim
de
solucionar
o
impasse,
o
próprio
ALEJANDRO decidiu oferecer aos passageiros que já estavam a bordo
do
avião
o
referido
crédito
de
trezentos
reais
a
quem
se
disponibilizasse a ceder lugar ao General e a sua esposa. A fim de
evitar tumulto, isso foi feito já na sala de check-out, longe do
balcão de check-in das companhias aéreas. No entanto, não houve
nenhum voluntário.
O
que
não
havia
despachante de vôo encarregado, ao informar
interessados,
também
comunicou
que
o
avião
já
iniciara o procedimento de decolagem em push back, ou seja, com as
portas fechadas e taxiando, em movimento na pista.
-9-
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS
Ao ouvir esta informação no rádio, CARLOS ALÉCIO
AGOSTINI, que estava ao lado de ALEJANDRO na sala de check-out,
entrou em contato com a torre de controle e emitiu a ordem para
que
não
fosse
autorizada
a
decolagem
do
vôo
em
razão
de
a
companhia aérea ter deixado de embarcar a autoridade.
Estes fatos foram bem relatados por ALEJANDRO:
“Em poucos minutos, Agostini, acompanhado do assistente do General, outra pessoa que o depoente
acredita também ser assistente e uma quarta pessoa que possivelmente era um inspetor do DAC, à
paisana, apresentou-se ao depoente e deu ordem
de embarcar o General. O depoente explicou que
não poderia por estar seguindo o procedimento da
companhia. O assistente Agostini disse que não
interessava e que teria que embarcar o General
de qualquer jeito. O depoente dirigiu-se à sala
de check-out para evitar tumulto no balcão. O
próprio depoente teve a idéia de oferecer o crédito de R$ 300,00 a bordo, a dois voluntários.
Para tanto, pediu ao despachante Tiago, que estava na pista, para subir no avião e fazer a
oferta. O despachante retornou dizendo: voluntário negativo, no push back. O depoente insistiu
para o despachante tentar novamente, mas o despachante disse que o avião já estava com as portas fechadas e taxiando. Neste momento, Agostini
ouviu a informação, utilizou-se do telefone ramal interno da TAM, entrou em contato com a Torre de Controle e deu ordem para não autorizar a
decolagem porque a TAM tinha deixado de embarcar
autoridade.” (ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, fls.
113/115)
O controlador de vôo que recebeu a ordem foi
DANIEL RODRIGUES PIRES BEZERRA. Ouvido na Sindicância do DAC, ele
afirmou que de fato havia autorizado o push-back do avião porém,
ao ouvir o réu AGOSTINI no rádio, repassou a informação ao piloto
da
aeronave,
que
voltou
à
posição
de
estacionamento.
Em
suas
palavras:
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“na operação rotineira, cotidiana, o TAM 3874,
solicitou autorização para 'push-back' e foi
autorizado, durante o início do reboque recebeu
a ligação da SACKP, na pessoa do SO Agostini e o
mesmo solicitou para não liberar o TAM 3874 para
a saída, devido motivo que havia um oficial de
alta patente do Exército Brasileiro, com a
reserva confirmada, para o embarque; passou via
fonia a solicitação do DAC à aeronave que pediu
para repetir a informação e em seguida voltou a
posição
de
estacionamento.
Declarou
que
a
aeronave não tinha iniciado o táxi por meios
próprios. Perguntado se entendeu a solicitação
do
DAC
como
uma
ordem,
Respondeu
que
simplesmente repassou a solicitação do fiscal
DAC ao Comandante da aeronave, e que pelo seu
entendimento a decisão de retorno ficou ao
encargo
do
referido
Comandante.”
(DANIEL
RODRIGUES PIRES BEZERRA, fls. 64/65)
O próprio CARLOS ALÉCIO AGOSTINI confirmou que
pediu ao controle de vôo que parasse a aeronave.
“O depoente, em conjunto com o Sargento Cavalcante e o Sargento Gilmar, que é estagiário na
SAC - Seção de Aviação Civil, procurou o Sr.
Alejandro e disse-lhe para não liberar o vôo enquanto não fosse apresentada a solução para o
embarque do Gen. Albuquerque. Neste momento o
avião ainda estava estacionado, de portas abertas e em procedimento de abastecimento de combustível. O Sr. Alejandro passou a manter vários
contatos por rádio Nextel e, antes que houvesse
alguma resposta, o depoente ouviu em seu rádio
HT, na freqüência da Infraero, que o vôo havia
iniciado “push back”, que é o tratoramento da
aeronave até a posição de ignição de motores. O
depoente interpelou o Sr. Alejandro sobre o descumprimento da orientação para que não fosse liberada a aeronave, ao que foi respondido que não
poderia dar atraso no vôo. O depoente, então,
solicitou a utilização do ramal, ligou para a
torre de controle, expôs a situação ao controlador de vôo Daniel, identificando-se, e pediu
para parar a aeronave, diante do respeito à legislação, à autoridade aeronáutica. O depoente
esclarece que se sentiu desacatado pela maneira
com que foi tratado pelo Sr. Alejandro. Esclarece, também, que não passou uma ordem ao contro-
- 11 -
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lador de vôo, mas sim uma orientação, já que o
comandante do vôo é soberano neste tipo de decisão, de cumprir ou não uma orientação da torre
de controle. O depoente ouviu, no rádio da TAM,
o comandante do vôo comentar que estas situações
têm que ser resolvidas antes.” (CARLOS ALÉCIO
AGOSTINI, fls. 85/87)
Aqui, importante destacar que não importa se foi
ou não foi utilizada a expressão ordem ou outra correlata durante
o contato com o controlador de vôo. Obviamente que um pedido do
DAC à torre de controle e ao piloto da aeronave, não importa a que
título, necessariamente deve ser entendido como um pedido a ser
cumprido, dada a prevalência da fiscalização aeronáutica militar.
De
controlador
de
vôo
outra
parte,
DANIEL
consoante
RODRIGUES
bem
PIRES
destacado
BEZERRA
e
pelo
pelo
funcionário da TAM ALEJANDRO, o motivo expresso da determinação de
interrupção da decolagem expedida pelo réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI
era a ausência de embarque de oficial de alta patente do Exército
Brasileiro. A versão de descumprimento à legislação somente foi
apresentada
posteriormente.
razoabilidade
e
De
verossimilhança
qualquer
esta
sorte,
alegação,
já
falece
que
não
de
há
notícia de evento pretérito, neste país, em que uma aeronave tenha
sido detida pelo DAC ou pela ANAC em razão de overbooking.
Após a interrupção do procedimento de decolagem
do
vôo,
o
réu
CARLOS
ALÉCIO
AGOSTINI
afirmou
ao
funcionário
ALEJANDRO que ele teria que retirar dois passageiros da aeronave
para embarcar o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e sua esposa.
Sem
interrompido
por
qualquer
força
de
opção,
ordem
do
já
que
órgão
de
o
vôo
estava
fiscalização
da
aviação civil, o DAC, ALEJANDRO decidiu entrar em contato com
superiores
da
companhia
aérea,
em
São
Paulo.
O
Coordenador
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nominado como CÉLIO sugeriu que fosse aumentada a oferta para R$
500,00 (quinhentos reais).
Com essa nova oferta e já com o atraso do vôo,
surgiram passageiros dispostos a desembarcar e ceder lugar ao réu.
O casal ERASMO PINTO JÚNIOR e SANDRA OLIVEIRA desembarcou do vôo,
o que possibilitou o embarque do General e de sua esposa.
Ao entrar na aeronave, o réu FRANCISCO ROBERTO
DE ALBUQUERQUE e sua esposa foram vaiados pelos passageiros.
No sentido exposto, mais uma vez, as declarações
de ALEJANDRO:
“O depoente não ouviu a resposta da Torre, mas
Agostini lhe disse que ele ia ter que tirar dois
passageiros. O depoente decidiu entrar em contato com a Central da TAM, que fica em São Paulo,
e conversou com o coordenador Célio. O coordenador ficou irritado e disse que aquele assunto
deveria ter sido resolvido antes. O coordenador
sugeriu aumentar a oferta para R$ 500,00 de crédito. O depoente então pediu a outro despachante, Natanael, que tentasse novamente os voluntários. O depoente esclarece que não pediu isso ao
despachante Tiago porque ficou chateado pelo
fato de Tiago ter iniciado o push back sem autorização. Tiago não mais trabalha na empresa. Várias pessoas se ofereceram e foi escolhido um
casal, que posteriormente fez exigência de hotel, refeição e transporte. Resolvida a situação, o General e sua esposa embarcaram. O despachante Natanael relatou, posteriormente, que o
Comandante foi vaiado ao entrar no avião.” (ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, fls. 113/115)
2.2. A ameaça de causar mal injusto e grave ao funcionário da
companhia aérea: prisão, não renovação de visto de estrangeiro e
proibição de trabalhar.
Os réus CARLOS ALÉCIO AGOSTINI e JOÃO AUGUSTO
IAIA, agindo em comunhão de desígnios, foram responsáveis pela
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ameaça
injusta
de
prisão
e
de
não
renovação
de
visto
de
estrangeiro ao funcionário da TAM ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA,
além da ameaça de retirada de seu crachá da INFRAERO, o que o
impediria de continuar a trabalhar no Aeroporto.
Após
ALBUQUERQUE
e
funcionário
da
recebeu
sua
embarque
esposa
TAM
telefonema
o
no
vôo
ALEJANDRO,
do
réu
do
réu
com
destino
voltando
JOÃO
FRANCISCO
à
AUGUSTO
sala
IAIA,
a
DE
ROBERTO
Brasília,
de
o
check-out,
supervisor
da
INFRAERO, que lhe solicitava seus dados qualificativos completos,
afirmando que “o General provavelmente ia querer estes dados”. O
depoente não os informou, afirmando simplesmente que na empresa
TAM seu nome era ALEJANDRO.
Irritado, JOÃO AUGUSTO IAIA desligou o telefone
e,
alguns
minutos
depois,
dirigiu-se
à
sala
de
check-out
acompanhado do réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI. Neste momento ambos já
tinham em mãos a ficha de identificação do funcionário da TAM, na
qual puderam verificar que ALEJANDRO era estrangeiro.
O réu CARLOS ALÉCIO AGOSTINI, acompanhado pelo
réu
JOÃO
AUGUSTO
IAIA,
que
a
tudo
anuía,
passou
a
ameaçar
ALEJANDRO, afirmando que seu visto de estrangeiro estava próximo
do vencimento e que o réu FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE poderia
influir para que o visto não fosse renovado. Ou seja, ALEJANDRO
seria obrigado a deixar o país. Em suas palavras:
“Agostini disse
depoente estava
General poderia
Isso foi dito em
que o visto de estrangeiro do
próximo do vencimento e que o
interferir no ato da renovação.
tom de ameaça” (fls. 113/115).
O fato foi presenciado pelo funcionário da TAM
MARCELO MÁXIMO BATISTA, supervisor de ALEJANDRO que acabara de
chegar ao serviço. MARCELO relatou que tentou repelir os achaques
- 14 -
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dos réus CARLOS ALÉCIO AGOSTINI e JOÃO AUGUSTO IAIA, afirmandolhes que ALEJANDRO apenas estava representando a companhia aérea.
Em suas palavras:
“Estava presente quando Alejandro atendeu um telefonema do supervisor da Infraero, Iaia, em que
ele pedia os dados pessoais de Alejandro afirmando que “eles” precisariam fazer um relatório.
O depoente entendeu que Iaia se referia aos assessores do comandante, a Infraero e o Dac. Alejandro negou-se a dizer seu nome completo, alegando que na TAM todos os funcionários são conhecidos apenas pelo nome de guerra. Em seguida,
Iaia e o fiscal do DAC, Agostini, dirigiram-se
pessoalmente à sala da supervisão, levando em
mãos os documentos funcionais de Alejandro na
Infraero, dizendo que de nada adiantava que o
funcionário tentasse esconder, pois eles já tinham acesso a tudo. O depoente tentou contra-argumentar, afirmando que ele e Alejandro estavam
representando a companhia aérea e, portanto,
qualquer coisa deveria ser feita em face da TAM
e não do funcionário. O depoente presenciou
quando Agostini, em tom de ameaça, disse que o
visto de Alejandro estava por acabar e que o general poderia influenciar para que ele não obtivesse a renovação. Agostini era quem falava, mas
Iaia concordava.” (MARCELO MÁXIMO BATISTA, fls.
134/135)
Além da ameaça de impedir a renovação do visto
de permanência de estrangeiro, o funcionário ALEJANDRO relatou que
os réus CARLOS ALÉCIO AGOSTINI e JOÃO AUGUSTO IAIA foram além,
ameaçando sua prisão e a retirada de seu crachá da INFRAERO. Este
crachá
permite
o
livre
trânsito
de
empregados
das
companhias
aéreas nas dependências do Aeroporto, e sem ele qualquer empregado
fica impossibilidade de trabalhar. Segundo relatado por ALEJANDRO:
“Agostini ameaçou dar voz de prisão ao depoente
e Iaia ameaçou tomar-lhe o crachá da INFRAERO.”
(ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, fls. 113/115)
- 15 -
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS
Como não poderia deixar de ser, o funcionário
ALEJANDRO,
cidadão
mexicano,
“chegou
a
se
sentir
discriminado
pelo fato de ser estrangeiro” (fls. 113/115).
3. O DIREITO APLICÁVEL. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA.
Os atos praticados pelos réus feriram gravemente
os princípios da Administração Pública, em especial os princípios
da moralidade, da legalidade e da impessoalidade.
Para
estas
hipóteses,
a
Lei
de
Improbidade
Administrativa reservou, em seu art. 11, tipificação perfeitamente
aplicável aos réus. Nesse sentido, o teor da prescrição legal:
“Art.
11.
Constitui
ato
de
improbidade
administrativa que atenta contra os princípios
da
administração
pública
qualquer
ação
ou
omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade,
legalidade,
e
lealdade
às
instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou
regulamento ou diverso daquele previsto, na
regra de competência”.
Consoante
prevê
o
art.
37
da
Constituição
Federal, a Administração Pública deve obedecer aos princípios da
legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da
eficiência.
São
estes
os
Administração
Pública,
princípios
todos
e
os
princípios
dos
quais
deveres
e
basilares
defluem
a
reger
todos
proibições
os
toda
a
demais
dos
servidores
réus
violaram,
públicos, civis e militares.
Na
hipótese
em
tela,
os
concomitantemente, os princípios da legalidade, da impessoalidade
e da moralidade, deixando de atender aos deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
- 16 -
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O princípio da impessoalidade, em uma de suas
possíveis
acepções,
indica
que
os
atos
estatais
devem
ser
praticados pelo órgão em favor do bem público, não devendo o
agente público praticar atos em nome próprio e em favor de si ou
de
terceiros
particulares.
Segundo
já
afirmava
PLATÃO,
quem
quiser governar deve ter em vista apenas o bem público, sem se
preocupar com a sua situação pessoal2.
E nessa vertente o princípio da impessoalidade
foi violado pelos réus. Ao emitirem uma ordem, na condição de
agentes públicos, que visava tão-somente a permitir a solução de
um problema pessoal, os réus FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e
CARLOS ALÉCIO AGOSTINI agiram de forma pessoalizada, utilizando-se
do
poder
que
lhes
foi
conferido
Esta
ordem,
pelo
Estado
para
fins
particulares.
saliente-se,
foi
proferida
em
detrimento de uma coletividade de passageiros, cidadãos comuns,
que se viram sujeitos à paralisação do vôo em prol de um fim nãopúblico.
Os
atributos
do
ato
administrativo,
conferidos
pelo
princípio da supremacia do interesse público, foram utilizados
para dar supremacia ao interesse particular dos réus.
Reitere-se
prerrogativa
que
detenha
que não pode ser invocada qualquer
o
Comandante
de
Exército
de
ter
prioridade em transporte em razão de serviço, já que as passagens
haviam sido adquiridas na condição de particular. Em sua defesa, o
réu
FRANCISCO
ROBERTO
DE
ALBUQUERQUE
confirmou
este
fato:
“ressalte-se que a viagem foi feita em caráter particular e os
bilhetes foram adquiridos com recursos próprios” (fls. 124/127).
2 Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 49.
- 17 -
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De forma similar, os réus CARLOS ALÉCIO AGOSTINI
e JOÃO AUGUSTO IAIA utilizaram-se de seus cargos para atender
interesse
pessoal,
consubstanciado
em
uma
espécie
de
vingança
privada levada a efeito por meios públicos: utilizando-se dos
poderes de seus cargos, ameaçaram o funcionário da companhia aérea
ALEJANDRO.
Em relação ao princípio da legalidade, ensina a
doutrina
que
Pública,
e
se
do
trata
agente
da
submissão
público,
à
integral
Lei,
não
da
se
Administração
lhe
permitindo
praticar atos contrários ou não previstos em norma legal. CELSO
ANTÔNIO
BANDEIRA
DE
MELLO
explicita
o
significado
deste
princípio3:
“Para
avaliar
corretamente
o
princípio
da
legalidade e captar-lhe o sentido profundo
cumpre atentar para o fato de que ele é a
tradução jurídica de um propósito político: o de
submeter os exercentes do poder em concreto – o
administrativo – a um quadro normativo que
embargue
favoritismos,
perseguições
ou
desmandos.”
“O
princípio
da
legalidade
contrapõe-se,
portanto,
e
visceralmente,
a
quaisquer
tendências
de
exacerbação
personalista
dos
governantes. Opõe-se a todas as formas de poder
autoritário, desde o absolutista, contra o qual
irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou
messiânicas
típicas
dos
países
subdesenvolvidos.”
“Assim, o princípio da legalidade é o da
completa submissão da Administração às leis.
Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las,
pô-las em prática. Daí que a atividade de todos
os seus agentes, desde o que lhe ocupa a
cúspide, isto é, o Presidente da República, até
o mais modesto dos servidores, só pode ser a de
dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das
disposições
gerais
fixadas
pelo
Poder
3 Curso de Direito Administrativo, 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 91-92 – grifos não originais.
- 18 -
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Legislativo, pois esta é a posição
compete no Direito brasileiro.”
que
lhes
Evidentemente não há norma legal autorizadora da
utilização
de
atos
administrativos
para
atender
a
interesses
particulares.
Da mesma forma, impossível cogitar-se de norma
que autorize a ameaça, em especial quando se trata de alguém que
está a cumprir seus deveres enquanto administrado. A prisão e a
proibição
de
permanecer
excepcionalíssimas
de
no
país
ingerência
do
configuram
Estado
na
hipóteses
liberdade
de
locomoção e em seu relacionamento com cidadãos estrangeiros, e
nunca
poderiam
proibição
de
ser
utilizadas
exercer
o
para
trabalho,
os
pela
fins
pretendidos.
retirada
do
A
crachá
da
INFRAERO, somente é cabível em situações específicas de falta
funcional, o que não ocorreu.
Estes
mesmos
atos
configuram
atentado
ao
princípio da moralidade administrativa, que, consoante ensinamento
da
doutrina,
tornando
“limita
imperativo
e
direciona
que
os
a
atos
atividade
dos
administrativa,
agentes
públicos
não
subjuguem os valores que defluam dos direitos fundamentais dos
administrados,
o
que
permitirá
a
valorização
e
o
respeito
à
dignidade da pessoa humana” .
4
De
moralidade
fato,
administrativa,
são
a
imorais,
utilização
do
dos
ponto
de
poderes
vista
da
da
função
pública para atender interesse particular, assim como a ameaça de
utilização destes mesmos poderes para causar males injustos e
graves a administrado cumpridor de seus deveres.
Veja-se que a conduta descrita nesta peça não
consistiu em mera “carteirada” ou “carteiraço” - atitude que,
4 Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, ob. cit., p. 168.
- 19 -
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embora também ilícita sob a ótica da moralidade administrativa,
violaria o princípio em um grau menor. Mais que isso, ocorreu a
efetiva emissão de uma ordem ilegal para, em detrimento dos demais
passageiros, interromper o procedimento de decolagem do vôo e
retirar dois passageiros, não importa os meios, para ceder lugar
ao General e a sua esposa, que não viajavam a serviço. Inegável,
portanto, a violação ao princípio da moralidade administrativa.
A
Administração
ofensa
Pública
indica
a
estes
que
os
réus
três
princípios
agiram
com
da
abuso
de
poder. Ao mesmo tempo, extravasaram os limites de seus poderes
legais, por um lado, e agiram com finalidade distinta da prevista
na norma de regência, por outro.
As
condutas
descritas
constituem,
ainda,
violação aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e
lealdade às instituições.
Também está presente a ofensa a estes princípios
– impessoalidade, legalidade e moralidade – no confrontamento das
condutas descritas com os deveres funcionais dos réus, enquanto
militares e civis.
Com
efeito,
o
Estatuto
dos
Militares
(Lei
6.880/80) prevê, em seu Título II – Das Obrigações e dos Deveres
Militares, Capítulo I – Das Obrigações Militares, Seção II – Da
Ética Militar, uma série de deveres éticos que foram violados
pelos réus militares, FRANCISCO ROBERTO DE ALBUQUERQUE e CARLOS
ALÉCIO AGOSTINI. Em especial, foi violado o dever de abster-se de
fazer uso da graduação para obter facilidades pessoais (art. 28,
XVII), mas também diversos outros deveres ético-militares:
“Art. 28. O sentimento do dever, o pudor militar
e o decoro da classe impõem, a cada um dos
integrantes das Forças Armadas, conduta moral e
- 20 -
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profissional irrepreensíveis, com a observância
dos seguintes preceitos de ética militar:
(...)
III - respeitar a dignidade da pessoa humana;
IV - cumprir e fazer cumprir as leis, os
regulamentos, as instruções e as ordens das
autoridades competentes;
(...)
XII - cumprir seus deveres de cidadão;
XIII - proceder de maneira ilibada na vida
pública e na particular;
(...)
XVII - abster-se de fazer uso do posto ou da
graduação para obter facilidades pessoais de
qualquer natureza ou para encaminhar negócios
particulares ou de terceiros;
(...)
XIX - zelar pelo bom nome das Forças Armadas e
de cada um de seus integrantes, obedecendo e
fazendo
obedecer
aos
preceitos
da
ética
militar.”
O
réu
JOÃO
AUGUSTO
IAIA,
funcionário
da
INFRAERO, também infringiu as obrigações dos servidores públicos
civis previstas na Lei 8.112/90, em especial:
“Art. 116. São deveres do servidor:
(...)
III
observar
as
normas
legais
e
regulamentares;
(...)
IX - manter conduta compatível com a moralidade
administrativa”
“Art. 117. Ao servidor é proibido:
(...)
IX - valer-se do cargo para lograr proveito
pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade
da função pública”
4. PENALIDADES APLICÁVEIS.
Uma
administrativa
que
vez
violam
praticados
princípios
atos
da
de
improbidade
Administração
Pública,
- 21 -
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ficam
seus
executores
sujeitos
à
aplicação
das
penalidades
previstas no art. 12, III, da Lei 8.429/92, que dispõe:
“Art. 12. Independentemente das sanções penais,
civis e administrativas, previstas na legislação
específica, está o responsável pelo ato de
improbidade sujeito às seguintes cominações:
(...)
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento
integral do dano, se houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de
três a cinco anos, pagamento de multa civil de
até cem vezes o valor da remuneração percebida
pelo agente e proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,
ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três
anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas
nesta lei o juiz levará em conta a extensão do
dano causado, assim como o proveito patrimonial
obtido pelo agente.”
A delimitação das penas fica a cargo da sentença
judicial, que analisará o cabimento de cada pena tendo em conta a
extensão do dano causado, conforme dispõe o parágrafo único do
art. 12, acima transcrito. Conquanto possa o Ministério Público
antecipar-se à decisão judicial e limitar, já na inicial da ação
de improbidade administrativa, as penas aplicáveis, na hipótese
não há elementos suficientes para antecipar-se a delimitação. Sem
embargo, por ocasião da apresentação de memoriais o Ministério
Público Federal poderá analisar melhor os elementos produzidos
durante a instrução e propor a limitação das penalidades.
4.1. Indenização por dano moral.
Do
artigo
11
da
Lei
de
Improbidade
Administrativa, extrai-se a existência de um patrimônio moral do
Poder
Público.
Este
dispositivo
estabelece
proteção
ampla
e
irrestrita ao patrimônio público.
- 22 -
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Valores morais que haviam de nortear a atividade
administrativa foram deliberadamente violados pelos réus, levando
a imagem da União e, principalmente, do Exército Brasileiro a
restarem gravemente abaladas por mácula indelével.
Com efeito, o episódio descrito nesta peça foi
amplamente divulgado na mídia, consoante se infere das matérias
juntadas
aos
autos
no
início
da
instrução
do
procedimento
administrativo apuratório, fazendo frutificar a prejudicial crença
de que o serviço público está ao abandono e que seus agentes atuam
ao seu próprio talante ou guiados por seus caprichos e desejos,
descurando
deveriam
dos
zelar,
bens
–
materiais
causando,
por
e
imateriais
conseqüência,
-
pelos
prejuízos
de
quais
toda
sorte ao Poder Público.
Não
há
a
menor
dúvida
de
que
o
descalabro
evidenciado neste episódio reforçou a convicção popular de que os
poderes do Estado não se revertem em prol dos cidadãos, mas são
malversados
ou
apropriados
por
agentes
ímprobos.
As
condutas
protagonizadas pelos réus, ao ofenderem primados constitucionais
orientadores da atividade administrativa, violaram a imagem do
Estado, gerando descrédito na seriedade da Administração Pública,
pelo que alvejaram os cidadãos, de forma difusa, provocando dano
extremamente prejudicial à consolidação de padrões éticos exigidos
pela sociedade brasileira, a qual foi também atingida. Em última
análise, é a própria imagem do Estado que fica desprestigiada
quando seus agentes praticam atos contrários à Constituição e às
leis.
Diante
desse
quadro,
as
Forças
Armadas
brasileiras figuram como especial vítima da conduta dos réus.
Tanto a conduta do então Comandante do Exército Brasileiro, quanto
as
atitudes
tomadas
por
servidor
militar
do
DAC
–
órgão
da
- 23 -
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS
Aeronáutica
–
tiveram
forte
efeito
desmoralizador
para
as
instituições militares.
Alude-se, inclusive, ao que disse a respeito o
cidadão ROOSEVELT DE SOUZA BORMANN, ao dirigir-se diretamente ao
Ministério Público Federal representando contra a ilegalidade do
episódio, conforme petição de fls. 35/37.
É esse prejuízo que postula o Ministério Público
Federal
seja
fundamento
ressarcido,
no
disposto
sob
no
a
modalidade
artigo
5º,
de
dano
incisos
V
moral,
e
X,
com
da
Constituição Federal, artigo 1º da Lei nº 7.347/85 e artigo 6º da
Lei nº 8.078/90.
Por
adentrar diretamente a questão, cita-se a
doutrina de EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES5:
“É indiscutível que determinados atos podem
diminuir o conceito da pessoa jurídica junto à
comunidade, ainda que não haja uma repercussão
imediata sobre o seu patrimônio. Existindo o
dano moral, deverá ser implementado o seu
ressarcimento integral, o que será feito com o
arbitramento de numerário compatível com a
qualidade dos envolvidos, as circunstâncias da
infração e a extensão do dano, tudo sem prejuízo
da reparação das perdas patrimoniais. (...)
Do mesmo modo que as pessoas jurídicas de
direito privado, as de direito público também
gozam
de
determinado
conceito
junto
à
coletividade,
do
qual
muito
dependem
o
equilíbrio social e a subsistência de várias
negociações (...)
É plenamente admissível, assim, que o ato de
improbidade venha a macular o conceito que gozam
as pessoas jurídicas relacionadas no art. 1º da
Lei nº 8.429/92, o que acarretará um dano de
natureza
não-patrimonial
passível
de
indenização.”
5 Idem, pp. 442-443.
- 24 -
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS
5. PEDIDOS.
Diante da exposição feita, o Ministério Público
Federal requer:
a)
a
condenação
dos
réus
nas
penas do
art. 12,
III, da
Lei
8.429/92, a serem delimitadas em sentença, pela prática dos atos
de improbidade administrativa descritos nesta peça;
b) a condenação solidária dos réus a ressarcirem os danos morais
difusos causados, em montante a ser definido por esse Juízo – mas
que se sugere seja pelo menos equivalente ao da multa civil por
ato de improbidade administrativa –, revertendo-se a indenização
ao Fundo a que se refere o art. 13 da Lei 7347/85.
Requer-se,
ainda, a
notificação dos réus para
apresentarem manifestação por escrito e a intimação da UNIÃO e da
INFRAERO para que manifestem seu interesse em integrar esta lide
no pólo ativo, com assento no disposto no artigo 17, § 3º, da Lei
8.429/92;
em
seguida,
requer-se
o
recebimento
da
inicial
e
a
citação dos réus. Requer-se, por fim, a condenação dos réus nos
eventuais ônus da sucumbência cabíveis.
O demandante protesta pela produção de todas as
provas admitidas em Direito, a serem melhor especificadas após a
formação do contraditório e o destaque dos pontos controvertidos.
De imediato, requer a oitiva das testemunhas adiante arroladas.
Dá
à
causa
o
valor
de
R$
1.000,00
(um
mil
reais).
Campinas, 4 de dezembro de 2007.
Bruno Costa Magalhães
Procurador da República
Paulo Roberto Galvão de Carvalho
Procurador da República
- 25 -
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- Rol de Testemunhas 1. ALEJANDRO VINIEGRA FIGUEROA, mexicano,
RNE 523.680, CPF 114.394.238-81, filho
Zeferina Figueroa, residente na Rua Maria
nº 671 (antiga Rua 38), Jd. Nova América,
021, tel. (19) 9665-3901 (fls. 113/115).
empregado da URIEL/TAM,
de Gustavo Viniegra e
Benedicta Transferetti,
Campinas-SP, CEP 13053-
2. MARCELO MAXIMO BATISTA, brasileiro, empregado da URIEL/TAM, RG
20035699 SSP-SP, CPF 127.893.788-94, filho de José Batista e Dulce
Almerinda de Jesus, residente na Rua Vitor Meirelles, nº 169, Vila
Esmeraldina, Campinas-SP (fls. 134/135).
3. GILMAR ALVES OLIVEIRA DE LIMA, brasileiro, 1S SAD lotado na
Seção de Aviação Civil de Campinas, ident. 455061 COMAER, filho de
Gilson Alves de Lima e Marli Oliveira de Lima, residente na Av.
Emilio Bosco, nº 2460, Cond. Jatobá, casa 92, Sumaré-SP, CEP
13180-000 (fls. 60/61).
4. DANIEL RODRIGUES PINTO BEZERRA, brasileiro, controlador de vôo
da INFRAERO, RG 5.013.159 SSP-PE, filho de Benedito Pires Bezerra
Segundo e Lucila Rodrigues Pires Bezerra, residente na Rua
Sebastião Nicolau, nº 34, aptº 15, Jd. Nossa Senhora Aparecida,
Indaiatuba-SP, CEP 13330-570 (fls. 64/65).
- 26 -
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PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO N