Adaptação, dano e morte celular
Resumo – Patologia geral
Robbins
Introdução á Patologia
Patologia significa, literalmente, o estudo (logos) do sofrimento (pathos). Mais
especificamente, é uma disciplina que liga as ciências básicas á prática clínica e se devota ao estudo
das alterações estruturais e funcionais que ocorrem nas células, tecidos e órgãos decorrentes de
doenças. Usando-se técnicas moleculares, microbiológicas, imunológicas e morfológicas, a
patologia tenta explicar as causas e os motivos dos sinais e sintomas que os pacientes manifestam
fornecendo, ao mesmo tempo, uma base racional para a abordagem clínica do tratamento.
Tradicionalmente, o estudo da patologia está dividido em patologia geral e patologia
sistêmica ou especial. A patologia geral aborda as reações básicas das células e dos tecidos aos
estímulos anormais relacionados ás doenças, enquanto a sistêmica examina as respostas específicas
de órgãos e tecidos especializados a estímulos moderadamente definidos. Neste livro, primeiro
abordamos os princípios da patologia geral e depois as doenças específicas e como elas afetam
determinados órgãos e sistemas.
Os quatro aspectos das doenças que formam o cerne da patologia são as suas causas
(etiologia), os mecanismos de seu desenvolvimento (patogenia), as alterações estruturais induzidas
nas células e nos órgãos (alterações morfológicas) e as consequências funcionais das alterações
morfológicas (significado clínico).
Etiologia (causa). O conceito de que certos sintomas anormais ou doenças são “causados” é
tão velho quanto a própria história da humanidade. Para os árcades (2500 a.C.), se alguém ficasse
doente, a culpa era do próprio doente (por ter cometido um pecado) ou de agentes externos como
maus odores, frio, maus espíritos ou deuses. Atualmente, consideramos que existam duas classes
principais de fatores etiológicos: intrínsecos ou genéticos, e adquiridos (isto é, infeccioso,
nutricional, químico, físico). Entretanto, o conceito de um agente etiológico para uma doença –
desenvolvido a partir do estudo de doenças infecciosas ou causadas por desordens de um único gene
– já não basta. Fatores genéticos estão claramente envolvidos em algumas afecções induzidas por
fatores ambientais, como a aterosclerose e o câncer, enquanto fatores ambientais também podem ter
uma grande influência em determinadas desordens genéticas. O conhecimento ou o descobrimento
da causa primária permanece sendo o fundamento sobre o qual o diagnóstico pode ser feito, como
as doenças podem ser compreendidas ou como desenvolver um tratamento.
Patogenia. A patogenia se refere á sequência de eventos da resposta das células ou dos
tecidos ao agente etiológico, desde o estímulo inicial até a expressão final da doença em si. O
estudo da patogenia permanece sendo um dos principais ramos da patologia. Mesmo quando a
causa inicial, infecciosa ou molecular, é desconhecida, ela está muito distante da expressão da
doença propriamente dita. Por exemplo, entender a fibrose cística significa conhecer não somente o
gene defeituoso e seu produto, mas também os eventos bioquímicos, imunológicos e morfológicos
que levam á formação dos cistos e da fibrose nos pulmões, pâncreas e em outros órgãos. De fato,
como veremos no decorrer deste livro, a revolução molecular já identificou genes mutantes como a
causa de um grande número de doenças e todo o genoma humano já foi identificado. Entretanto, as
funções das proteínas codificadas e como as mutações causam as doenças ainda são fatos obscuros.
Devido aos avanços tecnológicos, tem-se tornado cada vez mais possível ligar anormalidades
moleculares específicas a doenças e usar esse conhecimento para desenvolver novos procedimentos
terapêuticos. Por essas razões, nunca o estudo da patologia foi mais estimulante cientificamente ou
mais relevante para a medicina.
Alterações morfológicas. As alterações morfológicas referem-se ás alterações estruturais
nas células ou nos tecidos que são característicos da doença ou levam ao diagnóstico do processo
etiológico. O exercício da patologia diagnóstica se dedica a identificar a natureza e a progressão das
doenças por meio do estudo de alterações morfológicas nos tecidos e de alterações químicas nos
pacientes. As limitações da morfologia no diagnóstico das doenças se tornaram mais evidentes
recentemente, e o campo da patologia diagnóstica se expandiu para englobar abordagens
moleculares biológicas e imunológicas na análise das doenças. Isso é muito mais evidente no estudo
de tumores – carcinoma de mama e tumores de linfócitos, que são morfologicamente idênticos, mas
podem apresentar uma evolução, resposta terapêutica e prognóstico em diversos – do que em
qualquer outra área. Análises moleculares usando técnicas como o micro-arranjo de DNA
começaram a revelar diferenças genéticas que influenciam o comportamento dos tumores. Cada vez
mais essas técnicas têm sido utilizadas para expandir, e mesmo superar, métodos morfológicos
tradicionais.
Desordens funcionais e manifestações clínicas. A natureza das alterações morfológicas e
sua distribuição nos diversos órgãos e tecidos influencia a função normal e determina as
características clínicas (sinais e sintomas), curso e prognóstico de uma doenças.
Virtualmente todas as formas de lesões aos órgãos começam com alterações moleculares ou
estruturais nas células, um conceito que foi elaborado inicialmente no século XIX por Rudolph
Virchow, conhecido como o pai da patologia moderna. Consequentemente, começaremos nossas
deliberações sobre a patologia com o estudo das origens, mecanismos moleculares e alterações
estruturais da lesão celular. Porém, as diversas células nos tecidos interagem constantemente umas
com as outras, sendo necessário um sistema elaborado de matriz extra-celular para manter a
integridade dos órgãos. As interações célula-célula e célula-matriz contribuem significativamente
para a resposta ás lesões levando, em conjunto, á lesão tecidual e do órgão, que são tão importantes
quanto o dano celular na definição dos padrões morfológicos e clínicos da doença.
Revisão: respostas celulares ao estresse e aos estímulos nocivos
A célula normal está confinada, pelos programas genéticos de seu metabolismo,
diferenciação e especialização, a uma variação muito limitada de função e estrutura; pela repressão
das células vizinhas; e pela disponibilidade de substratos metabólicos. Entretanto, ela é capaz de
lidar com exigências fisiológicas normais, mantendo um estado estável chamado de homeostasia.
Estresses fisiológicos mais severos e alguns estímulos patológicos podem desencadear um grande
número de adaptações celulares fisiológicas e morfológicas durante as quais são alcançados novos
estados de estabilidade, porém alterados, preservando a viabilidade da célula e modulando sua
funções conforme ela responde a tais estímulos. A resposta adaptativa pode consistir em um
aumento no número de células, chamado de hiper-plasia, ou em um aumento no tamanho de cada
célula, chamado de hiper-trofia. Por outro lado, a atrofia é uma resposta adaptativa na qual existe
uma redução no tamanho e na função das células.
Se os limites da resposta de adaptação a um estímulo são excedidos, ou em determinadas
circunstâncias quando a célula é exposta a um agente lesivo ou estresse, ocorre uma sequência de
eventos que é chamada de lesão celular. A lesão celular é, até certo ponto, reversível, mas se o
estímulo persistir ou for severo o suficiente desde o início, a célula atinge um “ponto em que não
retorno”, e sofre lesão celular “irreversível”, e, finalmente, morte celular. Adaptação, lesão
reversível e morte celular podem ser considerados estágios de um dano progressivo das funções e
estruturas celulares normais. Por exemplo, em resposta a cargas hemodinâmicas crescentes, o
coração primeiro se alarga, o que representa uma forma de adaptação. Se o suprimento sanguíneo
para o miocárdio não for suficiente para a demanda, o músculo sofre lesão irreversível e finalmente
ocorre a morte celular.
A morte celular, o resultado final da lesão celular, é um dos eventos mais cruciais na
evolução da doença em qualquer tecido ou órgão. Ela resulta de diversas causas, incluindo a
isquemia (falta de fluxo sanguíneo), infecção, toxinas e reações imunológicas. Além disso, a morte
celular é uma parte normal e essencial da embriogênese, desenvolvimento dos órgãos, manutenção
da homeostasia e o objetivo que se quer alcançar no tratamento do câncer. Existem dois padrões
principais de morte celular, necrose e apoptose. A necrose é o tipo de morte celular que ocorre após
estresses anormais como isquemia e lesão química, sendo sempre patológica. A apoptose ocorre
quando a célula morre devido á ativação de um programa de suicídio controlado internamente. É
projetado para eliminar células indesejáveis durante a embriogênese e em vários processos
fisiológicos, como a involução de tecidos responsivos a hormônios após a retirada dos mesmos.
Também ocorre em determinadas condições patológicas, quando as células estão danificadas de tal
forma que não podem ser reparadas, e especialmente se a lesão afeta o DNA celular. Abordaremos
novamente, de forma detalhada, as vias de morte celular mais adiante nesse capítulo.
Diferentes tipos de estresse podem induzir alterações nas células e nos tecidos além dos
processos de adaptação, lesão celular e morte. As células que são expostas a estímulos sub-letais ou
crônicos podem não ser danificadas mas podem demonstrar uma variedade de alterações subcelulares. As alterações metabólicas nas células podem estar associadas com a deposição intracelular de várias substâncias, incluindo proteínas, lipídios e carboidratos. O cálcio é geralmente
depositado nos locais de morte celular, resultando em calcificação patológica. Finalmente, o
envelhecimento celular também é acompanhado de alterações morfológicas e funcionais
características.
Nesse capítulo, primeiro discutimos como as células se adaptam ao estresse e depois as
causas, mecanismos e consequências das diferentes formas de dano celular agudo, incluindo lesão e
morte celular. Concluímos abordando as alterações sub-celulares induzidas por estímulos sub-letais,
deposições intra-celulares, calcificação patológica e envelhecimento celular.
Adaptação celular ao crescimento e diferenciação
As células respondem ao aumento da demanda e ao estímulo externo por meio da hiperplasia ou hiper-trofia, e respondem á redução de nutrientes e de fatores de crescimento pela atrofia.
Em algumas situações, as células mudam de um tipo para outro, um processo conhecido como
metaplasia. Existem vários outros mecanismos moleculares para a adaptação celular. Algumas
formas de adaptação são induzidas através da estimulação direta das células pelos fatores
produzidos pelas próprias células afetadas ou por outras células no ambiente que as circunda.
Outras ocorrem devido á ativação de vários receptores na superfície celular e vias de sinalização a
jusante. As adaptações podem estar associadas com a indução da síntese de novas proteínas pelas
células-alvo, como na resposta das células musculares pelo aumento das exigências físicas, e a
estimulação da proliferação celular, como ocorre na resposta do endométrio ao estrogênio. As
formas de adaptação também podem envolver uma mudança na produção de um tipo de proteína
para outro pela célula ou pelo aumento acentuada na produção de uma proteína; é o que ocorre na
inflamação crônica e na fibrose com as células que produzem vários tipos de colágeno e proteínas
de matriz extra-celular.
Revisão de lesão e morte celular
Como foi dito no início do capítulo, a lesão celular ocorre quando as células são submetidas
a um estresse tão severo que não são mais capazes de se adaptar ou quando são expostas a agentes
perniciosos. A lesão pode progredir por um estágio reversível e culminar na morte celular (estágio
irreversível). As alterações bioquímicas e as anormalidades morfológicas associadas são descritas
mais adiante nos “mecanismos das lesões celulares”. Essas alterações podem divididas nos
seguintes estágios:
− Lesão celular reversível: Inicialmente, a lesão se manifesta por meio de alterações
funcionais e morfológicas que são reversíveis se o estímulo nocivo for retirado. As
características da lesão reversível incluem a redução da fosforilação oxidativa, redução na
quantidade de adenosina tri-fosfato (ATP) e edema celular causado por alterações na
concentração de íons e influxo de água.
− Lesão irreversível e morte celular. Com a progressão do dano, a lesão se torna irreversível e
a célula, então, não tem mais como se recuperar. Existe um evento bioquímico crítico (o
“ataque letal”) responsável pelo ponto irreversível? Não existe uma resposta para essa
pergunta. Entretanto, como abordamos mais adiante, nos tecidos isquêmicos, tais como o
miocárdio, certas alterações estruturais (e.g., densidades amorfas nas mitocôndrias,
indicativas de dano mitocondrial severo) e funcionais (perda da permeabilidade da
membrana) são indicativos de que as células sofreram dano irreversível.
Células que sofreram lesões irreversíveis invariavelmente sofrem alterações morfológicas
que são reconhecidas como morte celular. Existem dois tipos de morte celular, necrose e apoptose,
que diferem quanto a sua morfologia, mecanismos e papéis que desempenham nas doenças e
fisiologia. Quando o dano ás membranas é severo, as enzimas lisossômicas entram no citoplasma e
digerem a célula e os componentes celulares vazam, resultando em necrose. Alguns estímulos
nocivos, especialmente aqueles que danificam o DNA, induzem outro tipo de morte celular, a
apoptose, que se caracteriza pela dissolução celular sem perda total da integridade das membranas.
Enquanto a necrose é sempre um processo patológico, a apoptose ocorre em várias funções normais
e não está necessariamente associada á lesão celular. Apesar de enfatizarmos as distinções entre
necrose e apoptose, pode haver alguma sobreposição e mecanismos comuns a essas duas vias. Além
disso, pelo menos alguns tipos de estímulos podem induzir tanto a apoptose quanto á necrose,
dependendo da intensidade e duração do estímulo, da rapidez do processo de morte celular e das
alterações bioquímicas induzidas na célula danificada. Os mecanismos e o significado dessas duas
vias de morte celular são discutidos mais adiante nesse capítulo.
Nas seções seguintes, abordaremos as causas e os mecanismos da lesão celular. Primeiro
descrevemos a sequência de eventos na lesão celular e seu resultado final, a necrose, e discutimos
exemplos ilustrativos de lesão celular e necrose. Concluímos com uma discussão do padrão único
de morte celular representado pela apoptose.
Causas das lesões celulares
As causas das lesões celulares variam da grande violência física externa de um acidente de
automóvel a causas endógenas, tais como mutações genéticas sutis causando a ausência de uma
enzima vital que altera a função metabólica normal. A maioria dos estímulos nocivos pode ser
agrupada nas seguintes categorias.
Ausência de oxigênio. Hipóxia significa deficiência de oxigênio, causando lesão celular
pela redução da respiração aeróbica oxidativa. A hipóxia é uma causa extremamente importante e
comum de lesão e morte celular. Ela deve ser diferenciada da isquemia, que é a perda do suprimento
sanguíneo devido á obstrução do fluxo arterial ou redução da drenagem venosa de um tecido. A
isquemia compromete não apenas o suprimento de oxigênio mas também de substratos metabólicos,
incluindo a glicose (normalmente fornecida pelo sangue circulante). Consequentemente, tecidos
isquêmicos são danificados mais rápida e severamente do que os tecidos hipóxicos. Uma causa de
hipóxia é a oxigenação inadequada do sangue devido á insuficiência cardio-respiratória. A perda da
capacidade carreadora de oxigênio do sangue, como ocorre na anemia ou na intoxicação por
monóxido de carbono (produzindo uma carboxi-hemoglobina estável que bloqueia o transporte de
oxigênio) é uma causa menos frequente de deficiência de oxigênio que resulta em uma lesão
importante. Dependendo da gravidade da hipoxemia, as células podem se adaptar, sofrer alguma
lesão ou morrer. Por exemplo, se o diâmetro da artéria femoral é diminuído, as células dos músculos
esqueléticos da perna podem diminuir de tamanho (atrofia). Essa redução de massa celular atinge
um equilíbrio entre as necessidades metabólicas e o suprimento de oxigênio disponível. A hipóxia
mais grave acarreta dano e morte celular.
Agentes físicos. Agentes físicos capazes de causar lesão celular incluem o trauma
mecânico, temperaturas extremas (queimaduras ou frio intenso), mudanças bruscas na pressão
atmosférica, radiação e choque elétrico (capítulo 9).
Agentes químicos e drogas. A quantidade de produtos químicos que produzem lesão
celular é capaz de produzir uma lista interminável. Substâncias químicas simples como a glicose ou
o sal em concentrações hiper-tônicas podem causar lesão celular diretamente ou pela alteração da
homeostasia eletrolítica das células. Até mesmo o oxigênio em altas concentrações é altamente
tóxico. Quantidades mínimas de agentes conhecidos como venenos, tais como o arsênico, o cianeto
ou os sais de mercúrio, podem destruir um grande número de células em poucos minutos ou horas e
causar a morte. Outras substâncias, entretanto, nos acompanham diariamente; poluentes do meio
ambiente e do ar, inseticidas e herbicidas; ameaças industriais e ocupacionais, tais como o
monóxido de carbono e o asbestos; estímulos sociais, tais como o álcool e narcóticos; e a sempre
crescente variedade de drogas terapêuticas.
Agentes infecciosos. Esses agentes variam de vírus sub-microscópicos a grandes solitárias.
Entre eles estão riquétsias, bactérias, fungos e formas mais desenvolvidas de parasitas. Esse grupo
heterogêneo de agentes biológicos que causa lesões variadas é abordado no capítulo 8.
Reações imunológicas. Apesar de o sistema imunológico desempenhar uma função
essencial na defesa contra agentes infecciosas, as reações imunológicas podem, de fato, causar lesão
celular. A reação anafilática a uma proteína estranha ou a uma droga é um exemplo importante, e as
reações aos auto-antígenos são responsáveis por várias doenças auto-imunes (capítulo 6).
Distúrbios genéticos. Defeitos genéticos como causa de lesão celular são de grande
interesse para os cientistas e médicos atualmente (capítulo 5). A lesão genética resulta em um
defeito tão grave como uma mal-formação congênita associada com a síndrome de Down, causando
por uma anormalidade cromossômica, ou tão sutil a ponto de reduzir a vida dos eritrócitos devido á
substituição de um único aminoácido na hemoglobina S, na anemia falciforme. Os vários erros
inatos do metabolismo decorrentes de anormalidades enzimáticas, geralmente a falta de uma
enzima, são excelentes exemplos de dano celular causado por uma alteração sutil em nível de DNA.
As variações na composição genética também podem influenciar a suscetibilidade das células a
lesões por substâncias químicas e outros ataques ambientais.
Desequilíbrios nutricionais. Os desequilíbrios nutricionais continuam a ser a principal
causa de lesão celular. Deficiências proteico-calóricas causam um número impressionante de
mortes, especialmente na população de baixo poder aquisitivo. Deficiência de vitaminas específicas
são encontradas em todo o mundo (capítulo 9). Problemas nutricionais podem ser causados pela
própria pessoa, como no caso da anorexia nervosa ou da desnutrição auto-induzida. Ironicamente,
excessos nutricionais também se tornaram causas importantes de lesão celular. O excesso de lipídios
predispõe á aterosclerose, e a obesidade é a manifestação da saturação de algumas células do corpo
com gordura. A aterosclerose é virtualmente endêmica nos Estados Unidos e a obesidade está
disseminada. Além dos problemas da desnutrição e do excesso de alimentos, a composição das
dietas é uma importante contribuição para várias doenças. Doenças metabólicas como o diabetes
também causam lesão celular grave.
Mecanismos das lesões celulares
Os mecanismos bioquímicos responsáveis pela lesão celular são complexos. Entretanto,
existem vários princípios que são relevantes na maioria das lesões celulares:
− A resposta celular a estímulos nocivos depende do tipo da lesão, sua duração e sua
gravidade. Assim, pequenas doses de uma toxina química ou breves períodos de isquemia
podem causar uma lesão irreversível, enquanto grandes doses da mesma toxina ou uma
isquemia mais prolongada pode resultar em morte celular instantânea ou em uma lesão lenta,
irreversível, que levará inexoravelmente á morte celular.
− As consequências da lesão celular dependem do tipo, estado e grau de adaptação da
célula danificada. O estado nutricional e hormonal da célula e suas necessidades
metabólicas são importantes na resposta ás lesões. Por exemplo, qual o grau de
vulnerabilidade de uma célula á perda do suprimento sanguíneo e hipóxia? A célula
muscular estriada na perna pode ser colocada em repouso absoluto quando é privada de
suprimento sanguíneo; mas o mesmo não acontece com o músculo estriado do coração. A
exposição de duas pessoas a concentrações idênticas de uma toxina, como o tetracloreto de
carbono, pode não produzir nenhum efeito em uma e morte celular na outra. Isso ocorre
devido a variações genéticas que afetam a quantidade e a atividade das enzimas hepáticas
que convertem o tetracloreto de carbono em metabólitos tóxicos (capítulo 9). Com o
mapeamento completo do genoma humano, existe um grande interesse em identificar
polimorfismos genéticos que afetam a resposta das células a agentes deletérios.
− A lesão celular resulta de anormalidades funcionais e bioquímicas em um ou mais
componentes celulares essenciais. Os alvos mais importantes dos estímulos nocivos são:
(1) a respiração aeróbica envolvendo a fosforilação mitocondrial oxidativa e a produção de
ATP; (2) a integridade das membranas celulares, da qual depende a homeostasia iônica e
osmótica da célula e de suas organelas; (3) a síntese proteica; (4) o cito-esqueleto; (5) a
integridade do componente genético da célula.
Na seção a seguir, descrevemos cada um dos mecanismos bioquímicos que são responsáveis
pela lesão celular induzida por diversos estímulos. Devemos levar em consideração que, com a
maioria dos estímulos, vários mecanismos contribuem para a lesão e que, no caso de vários
estímulos nocivos, a localização bioquímica exata da lesão permanece desconhecida.
Lesão celular reversível e irreversível
Até o momento enfocamos as causas e os mecanismos bioquímicos gerais da lesão celular.
Nessa seção abordaremos os caminhos responsáveis pela sequência de eventos em que a lesão
reversível se torna irreversível, levando á morte celular, especialmente a necrose.
Como mencionado anteriormente, as primeiras alterações associadas ás diversas formas de
lesão celular incluem a redução na geração de ATP, perda da integridade da membrana celular,
defeitos na síntese de proteínas, dano ao cito-esqueleto e lesão do DNA. Dentro de certos limites, a
célula pode compensar essas alterações e, se o estímulo nocivo cessar, ela retornará ao estado de
normalidade. Entretanto, estímulos nocivos persistentes ou excessivos levam a célula a cruzar o
limiar da lesão irreversível. Isso está associada a dano extenso a todas as membranas celulares,
edema dos lisossomos e vacuolização das mitocôndrias com redução da capacidade de gerar ATP. O
cálcio extra-celular entra na célula e os estoques intra-celulares de cálcio também são liberados,
resultando na ativação de enzimas que podem catabolizar as membranas, proteínas, ATP e ácido
nucleico. A seguir, a perda de proteínas, coenzimas essenciais e ácido ribonucleico através da
membrana plasmática hiper-permeável continua, com extravasamento de metabólitos celulares
vitais para a reconstituição do ATP, diminuindo ainda mais a concentração intra-celular de fosfatos
de alta energia.
Os mecanismos moleculares que conectam a maior parte das lesões celulares com a morte
celular têm-se mostrado elusivos por várias razões. Em primeiro lugar, existem diversas maneiras
de se danificar uma célula, e nem todas são invariavelmente fatais. Em segundo lugar, as numerosas
macro-moléculas, enzimas e organelas dentro da célula são tão interdependentes que é difícil
distinguir uma lesão primária dos efeitos secundários (e não necessariamente relevantes). Em
terceiro lugar, o “ponto sem volta”, no qual ocorreu dano irreversível, ainda não foi identificado;
assim, não temos um ponto preciso para determinar sua causa e efeito. Por fim, provavelmente não
existe um caminho único que leva á morte celular, tornando-se difícil definir o estágio a partir do
qual a célula está irreversivelmente destinada á destruição. E quando a célula realmente morre?
Consequentemente, dois fenômenos caracterizam a irreversibilidade. O primeiro é a incapacidade
de reverter a disfunção mitocondrial (ausência de fosforilação oxidativa e geração de ATP), mesmo
após a resolução do dano original. O segundo é o desenvolvimento de alterações profundas na
função da membrana. Como foi dito anteriormente, a lesão das membranas do lisossomos resulta
em extravasamento de suas enzimas para o citoplasma; as hidrolases ácidos são ativadas quando
expostas ao reduzido pH intra-celular da célula isquêmica e degradam os componentes celulares e
nucleares. Essa dissolução da célula danificada é característica da necrose, um dos padrões de morte
conhecidos. Existe, também, um extravasamento extra-celular disseminado de enzimas celulares
potencialmente destrutivas, que danificam os tecidos adjacentes e evocam uma resposta do
hospedeiro (capítulo 2). Independentemente de quais sejam os mecanismos de lesão á membrana, o
resultado final é um extravasamento maciço de materiais intra-celulares e um grande influxo de
cálcio, com as consequências já descritas.
Devemos notar que o extravasamento de proteínas intra-celulares, através da membrana
celular degradada, para a circulação periférica, fornece um meio de detecção específico de lesão e
morte tissular usando amostras de sangue. O músculo cardíaco, por exemplo, contém uma isoforma
específica da enzima creatina-fosfoquinase e da proteína contrátil troponina; o fígado (e mais
especificamente o epitélio do ducto biliar) contém uma isoforma resistente á temperatura da enzima
fosfatase alcalina; e os hepatócitos contêm transaminases. A lesão celular irreversível e a morte
celular nesses tecidos se refletem, consequentemente, em um aumento nos níveis de tais proteínas
no sangue.
Morfologia do dano celular e da necrose
As células sofrem alterações bioquímicas e morfológicas sequenciais conforme a lesão
progride e finalmente sofrem necrose. Todas as influências estressantes e nocivas exercem seus
efeitos em nível molecular e bioquímico. Existe um período de tempo entre o início do estresse e o
desenvolvimento das alterações morfológicas da lesão celular ou morte; a duração desse período
pode variar com a sensibilidade dos métodos usados para detectar essas mudanças. Usando-se
técnicas histoquímicas e ultra-estruturais, as alterações podem ser visualizadas em minutos ou horas
após uma lesão isquêmica; entretanto, pode levar muito mais tempo (horas a dias) antes que as
alterações possam ser vistas pela microscopia ótica ou ao exame macroscópico. Como seria de se
esperar, as manifestações morfológicas da necrose levam mais tempo para se desenvolver do que as
do dano reversível. Por exemplo, o edema celular é uma alteração morfológica que pode ocorrer em
questão de minutos. Entretanto, alterações indistinguíveis de morte celular ao microscópio ótico não
ocorrem no microscópio até 4 a 12 horas após a isquemia total, mas sabemos que a lesão
irreversível ocorre em 20 a 60 minutos.
Exemplos de lesão celular e necrose
Após termos feito uma breve revisão das causas gerais, mecanismos e morfologia da lesão e
necrose celular, descrevemos, a seguir, algumas formas comuns de lesão celular, ou seja, lesões
hipóxica e isquêmica, assim como alguns tipos de lesão tóxica. Apesar de a apoptose contribuir para
a morte celular em alguns desses casos, ela possui muitas características singulares, discutidas mais
adiante.
Apoptose
A apoptose é a via de morte celular que é induzida por um programa intra-celular altamente
regulado, no qual as células destinadas a morrer ativam enzimas que degradam seu DNA nuclear e
as proteínas citoplasmáticas. A membrana plasmática da célula permanece intacta, mas sua estrutura
é alterada de forma que a célula apoptótica s orna um alvo primário de fagocitose. A célula morte é
eliminada rapidamente, antes que seu conteúdo possa extravasar e, desa forma, esse tipo de morte
celular não desencadeia uma reação inflamatória pelo hospedeiro. Consequentemente, a apoptose é
fundamentalmente diferente da necrose, que é caracterizada pela perda da integridade da membrana,
digestão enzimática das célula e que frequentemente desencadeia uma reação do hospedeiro.
Entretanto, algumas vezes a apoptose e a necrose coexistem, podendo ter algumas características e
mecanismos em comum.
Respostas sub-celulares á lesão
Até o momento, o foco em sido a célula como uma unidade. Entretanto, determinadas
condições estão associadas com alterações distintas nas organelas celulares ou no cito-esqueleto.
Algumas dessas alterações coexistem com as que foram descritas no tópico sobre dano letal agudo;
outras, representam formas mais crônicas de lesão celular, enquanto outras representam uma
adaptação com o objetivo de manter a homeostasia. Aqui, abordamos somente algumas das reações
mais comuns ou interessantes.
Deposições intra-celulares
Uma das manifestações das alterações metabólicas nas células é o acúmulo intra-celular de
quantidades anormais de várias substâncias. As substâncias acumuladas pertencem a três categorias:
(1) um componente celular normal, tal como água, lipídios, proteínas e carboidratos; (2) uma
substância anormal, exógena, como um mineral ou produtos infecciosos, ou endógena, como um
produto de uma síntese anormal ou do metabolismo; e (3) um pigmento. Essas substâncias podem
se acumular transitoriamente ou permanentemente, podendo ser inócuas para as células, mas
ocasionalmente são altamente tóxicas. Elas podem se localizar no citoplasma (frequentemente no
interior de fago-lisossomos) ou no núcleo. Em alguns casos, a célula pode produzir a substância
anormal e em outros somente estocar os produtos de processos patológicos que ocorrem em outra
parte do corpo.
Muitos processos resultam em uma deposição intra-celular anormal, mas a maioria das
deposições é atribuída a três tipos de anormalidade.
1. Uma substância endógena normal é produzida a um índice normal ou aumentado, mas a
velocidade de seu metabolismo é inadequada para removê-la. Um exemplo desse tipo de
processo é a alteração gordurosa que ocorre no fígado devido ao acúmulo intra-celular de
triglicerídios. Outro, é o aparecimento de gotículas de reabsorção de proteínas nos túbulos
renais devido ao aumento da transudação de proteínas no glomérulo.
2. Uma substância endógena normal ou anormal que se acumula devido a defeitos genéticos ou
adquiridos do metabolismo, armazenamento, transporte ou secreção dessas substâncias. Um
exemplo é o grupo de condições causadas por defeitos genéticos de enzimas específicas
envolvidas no metabolismo de lipídios e dos carboidratos, resultando na deposição intracelular dessas substâncias, especialmente nos lisossomos. Essas doenças de armazenamento
são discutidas no capítulo 5. Outra é a deficiência da alfa1-anti-tripsina, na qual a
substituição de um único aminoácido na enzima resulta em defeitos no processo de dobra da
proteína e acúmulo da enzima no retículo endoplasmática do fígado na forma de inclusões
eosinofílicas (capítulo 18).
3. Uma substância exógena anormal é depositada e se acumula, pois a célula não possui as
enzimas necessárias para degradá-la nem a habilidade de transportá-la para outros locais. A
deposição de partículas de carbono e substância químicas não-metabolizáveis, como a sílica,
são exemplos desse tipo de alteração.
Qualquer que seja a natureza e a origem da deposição intra-celular, ela implica o
armazenamento de alguns produtos pelas células individualmente. Se o excesso ocorrer devido a
uma alteração sistêmica que pode ser controlada, o acúmulo é reversível. Nas doenças genéticas de
deposição, o acúmulo é progressivo e as células podem se tornar tão sobrecarregadas que ocorre
lesão secundária, levando, em alguns casos, á morte do tecido e do paciente.
Calcificação patológica
A calcificação patológica é a deposição anormal de sais de cálcio, juntamente com pequenas
quantidades de ferro, magnésio e outros sais minerais nos tecidos. É um processo comum em várias
condições patológicas. Existem duas formas de calcificação patológica. Quando a deposição é local,
em tecidos que estão morrendo, é chamada de calcificação distrófica; ela ocorre apesar de os níveis
séricos de cálcio serem normais e também na ausência de alterações no metabolismo de cálcio. Por
outro lado, a deposição de sais de cálcio em tecidos normais é conhecida como calcificação
metastásica e quase sempre resulta de hiper-calcemia secundária a algum distúrbio no metabolismo
do cálcio.
Envelhecimento celular
Shakespeare provavelmente foi quem melhor caracterizou o envelhecimento com sua
descrição elegante das sete idades do homem. Elas começam no momento da concepção, envolvem
a diferenciação e o amadurecimento do organismo e de suas células, em alguma época da vida leva
á perda progressiva da capacidade funcional, característica do envelhecimento, e termina com a
morte.
Com o envelhecimento ocorrem alterações fisiológicas estruturais em praticamente todos os
sistemas do corpo. O envelhecimento individual é, em grande parte, afetado por fatores genéticos,
dieta, condições sociais e ocorrência de doenças relacionadas ao envelhecimento, como a
aterosclerose, o diabetes e a osteo-artrite. Além disso, existem bastante evidências de que alterações
celulares induzidas pela envelhecimento são um componente importante do envelhecimento do
corpo. Nessa seção vamos abordar o envelhecimento celular, pois pode representar o acúmulo, ao
longo dos anos, de lesões sub-letais que podem levar á morte celular ou ao menos a uma diminuição
da capacidade da célula em reagir ás lesões.
O envelhecimento celular é o resultado de um declínio progressivo na capacidade
proliferativa, e no tempo de vida das células, e o efeito da exposição continuada a influências que
resultam no acúmulo progressivo de danos celulares e moleculares. Esses processos são revistos a
seguir.
Alterações estruturais e bioquímicas do envelhecimento celular. Várias funções
celulares diminuem progressivamente com a idade. A fosforilação oxidativa das mitocôndrias está
reduzida, assim como a síntese de ácidos nucleicos e de proteínas estruturais e enzimáticas,
receptores celulares e fatores de transcrição. A capacidade das células envelhecidas em captar
nutrientes e reparar lesões cromossômicas está reduzida. As alterações morfológicas nas células
envelhecidas incluem núcleos irregulares e anormalmente lobulados, mitocôndrias pleomórficas
com vacúolos, redução do retículo endoplasmático e aparelho de Golgi distorcido.
Concomitantemente, existe um acúmulo constante de lipofuscina que, como já foi visto, representa
um produto da peroxidação lipídica e evidência de lesão oxidativa; aumento dos produtos finais da
glicação resultantes da glicolisação não-enzimática e que são capazes de fazer ligações cruzadas
com proteínas adjacentes; e o acúmulo de proteínas incorretamente dobradas. O papel da lesão
oxidativa é discutido mais adiante. O aumento dos produtos finais da glicação é importante na
patogenia do diabetes melito, sendo abordado no capítulo 24, mas também podem ser importantes
no envelhecimento. Por exemplo, a glicolisação das proteínas do cristalino relacionadas ao
envelhecimento pode ser a base das cataratas senis. A natureza das proteínas incorretamente
dobradas já foi discutida nesse capítulo.
Envelhecimento do processo de multiplicação. O conceito de que as células têm uma
capacidade limitada para se multiplicarem foi desenvolvido a partir de um modelo simples de
envelhecimento. Quando fibroblastos humanos normais são postos em cultura de tecidos, eles
apresentam um potencial limitado de divisão. As células de crianças se multiplicam mais do que as
células de pessoas mais velhas. Por outro lado, as células de pacientes com síndrome de Werner,
uma doença rara caracterizada pelo envelhecimento precoce, apresentam uma redução acentuada da
sobrevida in vitro. Após um número fixo de divisões, as células estacionam em estágio terminal sem
capacidade de se dividir, conhecido como senescência celular. Ocorrem várias alterações na
expressão dos genes durante o envelhecimento celular, mas a questão principal é determinar quais
são as causas e quais são os efeitos da senescência celular. Por exemplo, algumas das proteínas que
inibem a progressão do ciclo de crescimento celular (detalhado no capítulo 7) – como os produtos
dos genes inibidores da ciclinocinase (e.g., p21) – se expressam excessivamente nas células
senescentes.
A maneira como as células em proliferação podem contar o número de divisões está sendo
investigado. Um possível mecanismo é que a cada divisão celular ocorra uma replicação incompleta
das extremidades do cromossomo (encurtamento telomérico) o que leva, em última instância, á
parada do ciclo celular. Telômeros são pequenas sequências repetidas de DNA (TTAGGG)
presentes nas extremidades dos cromossomos, sendo importantes para assegurar a replicação
completa dessas e protegê-las da fusão ou da degradação.
Quando as células somáticas se multiplicam, uma pequena porção do telômero não é
duplicada, tornando-se progressivamente mais curtos. Conforme os telômeros encurtam, as
extremidades dos cromossomos não podem mais ser protegidas e são vistas como DNA
enfraquecido, dando o sinal para que o ciclo celular seja interrompido. O comprimento dos
telômeros é normalmente mantido pela adição de nucleotídeos mediada pela enzima telomerase. A
telomerase é um complexo RNA-proteína especializado que usa seu próprio RNA como molde para
adicionar nucleotídeos ás extremidades dos cromossomos. A atividade da telomerase é inibida por
proteínas reguladoras que restringem o alongamento do telômero fornecendo, assim, um mecanismo
de detecção do comprimento. A sua atividade se expressa nas células germinativas e está presente,
em níveis baixos, nas células tronco, mas geralmente encontra-se ausente na maioria dos tecidos
somáticos. Consequentemente, conforme as células envelhecem, seus telômeros ficam
progressivamente mais curtos até que interrompem o ciclo celular, resultando na incapacidade de
gerar novas células para substituir as que foram danificadas. Por outro lado, nas células cancerosas
imortais, a telomerase é reativada e os telômeros não encurtam, sugerindo que o alongamento dos
telômeros possa ser uma etapa importante – possivelmente essencial – na formação do tumor.
Apesar dessas observações fascinantes, a ligação entre a atividade da telomerase e o comprimento
dos telômeros com o envelhecimento e o câncer ainda precisam ser determinadas mais
precisamente.
Genes que influenciam o processo de envelhecimento. Estudos feitos na Drosophila, C.
elegans e em camundongos estão relevando a existência de genes que influenciam o processo de
envelhecimento. Um grupo interessante de genes envolve a via insulina/fator de crescimento
semelhante á insulina do tipo 1. A redução da sinalização através do IGF-1 resultante da redução da
ingestão calórica ou de mutações no receptor resultam no prolongamento da vida do C. elegans. A
sinalização a jusante do receptor do IGF-1 envolve várias cinases e pode impedir a expressão de
determinados genes estimulando, assim, o envelhecimento. Estudos em seres humanos com
envelhecimento precoce também estão estabelecendo o conceito fundamental de que o
envelhecimento não é um processo ao acado, mas regulado por genes, receptores e sinais
específicos.
Acúmulo de danos genéticos e metabólicos. Além da importância do tempo e do relógio
genético, o tempo de vida da célula também pode ser determinado pelo equilíbrio que existe entre o
dano celular resultante de eventos metabólicos que ocorrem na célula e as respostas moleculares
que podem repará-los. O tempo de vida de animais pequenos é geralmente menor e sua taxa de
metabolismo é mais rápida, sugerindo que o tempo de vida de uma espécie é limitado por um
consumo metabólico fixo durante sua vida. As espécies reativas de oxigênio representam um grupo
de substâncias derivadas do metabolismo celular normal. Como já foi visto, esses sub-produtos da
fosforilação oxidativa causam modificações covalentes nas proteínas, lipídios e ácidos nucleicos. A
extensão do dano oxidativo, que aumenta conforme o organismo envelhece, pode ser um
componente importante da senescência, e o acúmulo de lipofuscina nas células é considerado como
uma indicação de tal dano. As observações seguintes são compatíveis com essa hipótese: (1) a
variação da longevidade entre as diferentes espécies é inversamente proporcional á taxa de geração
do ânion superóxido pela mitocôndria e (2) com a expressão exagerada das enzimas antioxidativas
dismutase superóxido (SOD) e a catalase aumenta o tempo de vida de formas transgênicas de
Droshophila. Assim, parte do mecanismo que determina o envelhecimento pode ser o dano
cumulativo que é gerado por sub-produtos tóxicos do metabolismo, tais como os radicais de
oxigênio. O aumento do dano oxidativo pode ser consequência da exposição ambiental repetitiva de
influências como a radiação ionizante, redução progressiva dos mecanismos de defesa antioxidantes (e.g., vitamina E, glutationa peroxidase) ou ambos.
Várias respostas protetoras contrabalançam o dano progressivo das células, e uma das mais
importantes é o reconhecimento e reparo de danos no DNA. Apesar de a maior parte do dano ao
DNA ser reparada por enzimas endógenas específicas, alguns danos persistem e se acumulam
conforme a célula envelhece. Várias evidências indicam a importância do reparo do DNA no
processo de envelhecimento. Pacientes com a síndrome de Werner apresentam envelhecimento
prematuro e o produto do gene defeituoso é uma DNA helicase – uma proteína envolvida na
replicação e reparo do DNA e outras funções que requerem que o DNA seja desenrolado. Um
defeito nessa enzima causa um acúmulo rápido de danos cromossômicos que imitam as lesões que
normalmente se acumulam durante o processo de envelhecimento celular. A instabilidade genética
nas células somáticas também é característica de outra desordem, na qual os pacientes apresentam
uma taxa acentuada de algumas manifestações do envelhecimento, como a ataxia-telangiectasia,
cujo gene que sofreu mutação codifica uma proteína envolvida no reparo da disjunção da dupla
hélice do DNA (capítulo 7). Estudos envolvendo espécies mutantes de fungo em desenvolvimento e
da C. elegans demonstram que a expectativa de vida é aumentada se as respostas a dano ao DNA
são estimuladas. Assim, o equilíbrio entre o dano metabólico cumulativo e a resposta a ele podem
determinar a taxa de envelhecimento. Nesse cenário, o envelhecimento pode ser adiado,
diminuindo-se o acúmulo de danos ou aumentando-se as respostas a esses danos.
Não apenas o DNA danificado que se acumula nas células conforme elas envelhecem;
organelas danificadas também se acumulam. Em parte, isso pode ser o resultado do declínio da
função do proteossoma, o mecanismo proteolítico que serve para eliminar proteínas anormais e
indesejadas.
Para concluir, é evidente que as diversas formas de danos e adaptações celulares descritas
nesse capítulo abrangem um amplo espectro que incluem as adaptações de tamanho, crescimento e
funções celulares; as formas reversíveis e irreversíveis de lesão celular aguda; a morte celular
regulada pela apoptose; as alterações patológicas nas organelas celulares; e as formas menos
nefastas de deposições intra-celulares, incluindo os pigmentos. Todas essas alterações são
mencionadas ao longo deste livro pois todas as lesões aos órgãos e as consequentes doenças clínicas
urgem de alterações na estrutura e função das células.
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Adaptação, dano e morte celular