ESTUDOS ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS DE PROTEÍNAS Brasília – DF. Elaboração José Luiz de Souza Lopes Assuero Faria Garcia Julio Cesar Pissuti Damalio Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Todos os direitos reservados. W Educacional Editora e Cursos Ltda. Av. L2 Sul Quadra 603 Conjunto C CEP 70200-630 Brasília-DF Tel.: (61) 3218-8314 – Fax: (61) 3218-8320 www.ceteb.com.br [email protected] | [email protected] SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...................................................................................................................................... 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA.................................................................................. 5 Introdução.......................................................................................................................................... 7 Unidade I estrutura e funções das proteínas....................................................................................................... 9 Capítulo 1 Organização hierárquica da estrutura de proteínas............................................................... 11 Capítulo 2 Funções das proteínas .......................................................................................................... 21 Capítulo 3 Binômio estrutura-função de uma cadeia polipeptídica........................................................... 29 Unidade II estudos estruturais.......................................................................................................................... 33 Capítulo 4 A Luz como Fonte de Informação............................................................................................ 35 Capítulo 5 Absorção no UV-Visível.......................................................................................................... 40 Capítulo 6 Difração de raios-X e cristalografia de proteínas.................................................................. 44 Capítulo 7 Outras técnicas espectroscópicas......................................................................................... 46 Capitulo 8 O uso de Microscopia............................................................................................................ 54 PARA (NÃO) FINALIZAR.......................................................................................................................... 56 REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 57 APRESENTAÇÃO Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Pensamentos inseridos no Caderno, para provocar a reflexão sobre a prática da disciplina. Para refletir Questões inseridas para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre sua visão sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho. Textos para leitura complementar Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico. Sintetizando e enriquecendo nossas informações abc Espaço para você, aluno, fazer uma síntese dos textos e enriquecê-los com sua contribuição pessoal. 5 Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas Aprofundamento das discussões. Praticando Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem. Para (não) finalizar Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a reflexão. Referências Bibliografia consultada na elaboração do Caderno. 6 Introdução O Caderno de Estudos e Pesquisa “Estudos Estruturais e Funcionais de Proteínas” foi elaborado com o objetivo de proporcionar a você alguns conhecimentos básicos aplicados na área da Biologia Estrutural de Biomoléculas. Voltaremos o foco do nosso estudo para as proteínas, que são uma das biomoléculas que constituem os organismos vivos. Quando ouvimos falar em proteínas, a primeira ideia que nos vem à cabeça relaciona-se aos nutrientes encontrados em carnes, leites, vegetais, legumes. Costumamos, também, associar proteínas com enzimas. Essas relações apresentam coerência, pois, tanto os alimentos mencionados são fontes ricas dessa molécula quanto as enzimas exercem uma importante função nos organismos. No entanto, essas associações não representam, na sua totalidade, a grande ubiquidade, a importância e a diversidade estrutural e funcional que as proteínas possuem. Mas, então, como podemos descrever as proteínas? O que elas realmente são? Como se organizam e quais as suas funções? E por qual(is) motivo(s) elas merecem ser estudadas em particular? Além disso, como podemos estudá-las? São esses os questionamentos que pretendemos esclarecer ao longo deste caderno. O termo proteína deriva do grego proteíos, que significa “o que tem prioridade”, “o mais importante”. De fato, as proteínas são consideradas as macromoléculas mais importantes das células, chegando a representar o principal componente da massa celular em muitos organismos, constituindo quase 50% de suas massas. Às proteínas cabe a parte mais ativa na constituição do corpo do organismo, que tem papel fundamental na formação, no crescimento, na regeneração e substituição de diferentes tecidos, principalmente dos músculos. Os nossos genes conseguem regular diferentes processos celulares por meio da ação de diferentes proteínas, processos, por exemplo, como o de diferenciação celular. É por meio das proteínas que o código contido no DNA do organismo se manifesta. Dessa forma, a síntese de proteínas num organismo vivo representa muito mais do que um simples processo de fabricação de macromoléculas. Este Caderno visa proporcionar a você um estudo mais detalhado da estrutura e função dessas macromoléculas de essencial importância: as proteínas. 7 Objetivos »» Compreender a organização das proteínas nos seus diferentes níveis estruturais. »» Compreender as proteínas como moléculas tridimensionais. »» Identificar diferentes funções que uma proteína pode exercer. »» Discutir a estreita relação entre a estrutura e a função de uma proteína. »» Associar a função específica de uma proteína com sua estrutura 3D. »» Compreender como as proteínas são estudadas, utilizando a radiação eletromagnética. »» Fornecer princípios básicos de algumas técnicas físicas aplicadas no estudo de proteínas. 8 Unidade I estrutura e funções das proteínas Capítulo 1 Organização hierárquica da estrutura de proteínas As proteínas são macromoléculas biológicas bastante complexas que podem ser vistas como verdadeiras máquinas moleculares capazes de executar, de forma rápida e programada, inúmeras tarefas essenciais à manutenção da vida. Devido ao grande número de proteínas conhecidas e às grandes diferenças encontradas nas propriedades de todas essas moléculas, existem muitos sistemas de classificação das proteínas. Um deles se baseia na solubilidade que elas apresentam: as albuminas (solúveis em água ou solução salina diluída), as globulinas (solúveis em solução salina diluída), as glutelinas (solúveis em soluções ácidas ou alcalinas diluídas), as prolaminas (solúveis em etanol 70-80%), as protaminas (insolúveis em água) e as escleroproteínas (insolúveis em água, soluções salinas, ácidas ou alcalinas). Também podemos classificar as proteínas, quanto à sua composição, em proteínas simples, que são formadas apenas por resíduos de aminoácidos, e proteínas conjugadas, que apresentam grupos de caráter não proteico (grupo prostético) ligados à cadeia polipeptídica. Existem ainda outras classificações que se baseiam na forma da proteína (fibrosa ou globular), no número de cadeias polipeptídicas (monomérica ou multimérica), ou, ainda, na função biológica que a proteína executa, ou quanto à estrutura tridimensional que possui. Aqui, vamos nos focar especialmente na estrutura e na função das proteínas, assim como na sua classificação. Uma das vantagens da classificação das proteínas com base na sua organização estrutural serve para melhor relacionar a proteína com a função que ela desempenha na célula. Mas, para melhor entendermos esse critério de classificação, precisamos nos remeter à hierarquia da organização estrutural que uma proteína apresenta e conhecê-la muito bem. Vamos considerar a molécula proteica em termos de seus níveis de organização estrutural. Podemos encontrar até 4 (quatro) níveis de estrutura: primária, secundária, terciária e, quando possuem, quaternária. Vejamos cada uma delas. 11 UNIDADE I |estrutura e funções das proteínas A estrutura primária das proteínas Do ponto de vista químico, as proteínas são polímeros, ou seja, são longas cadeias moleculares resultantes da união repetida de várias moléculas menores, os resíduos dos L-aminoácidos (Figura 1). O primeiro nível de organização estrutural de uma proteína é dado pela sequência de aminoácidos que vai formar esse polímero, que é chamado de estrutura primária. Esta sequência específica de resíduos de aminoácidos que compõe a cadeia polipeptídica é apresentada iniciando-se pela extremidade N-terminal e finalizando com o resíduo da extremidade C-terminal, pois é nessa ordem que os aminoácidos são adicionados durante a síntese proteica na célula. Figura 1 – Representação da estrutura primária de uma proteína. A cadeia polipeptídica é formada pela ligação covalente dos resíduos de aminoácidos, e é descrita da sua extremidade N-terminal (H3N+) para a sua extremidade C-terminal (COO-). Modificado a partir de http://users.rcn.com/jkimball.ma.ultranet/BiologyPages. Retirado em 11/01/2012. Obteríamos a mesma proteína ao final do processo de síntese, se ela fosse sintetizada na ordem inversa (do C para o N-terminal)? Por quê? Devido ao grande número de sequências de proteínas conhecidas foram criados bancos de dados (GenBank, EMBL, etc.) onde são depositadas tais sequências na memória de computadores que podem ser acessados via internet. Esses bancos de dados são atualizados continuamente devido ao rápido crescimento do número de estruturas conhecidas. Esse primeiro nível estrutural é importante, pois muitas doenças genéticas mostram ser resultado de proteínas que apresentam sequências anormais de aminoácidos, o que pode gerar perda ou prejuízo da sua função normal na célula. 12 estrutura e funções das proteínas | UNIDADE I Obtenha a estrutura primária da hemoglobina humana. Uma característica importante a ser ressaltada neste nível de organização estrutural é o caráter da ligação covalente que se estabelece entre os resíduos de aminoácidos adjacentes, ou seja, a ligação peptídica (Figura 2). A ligação peptídica tem um caráter de dupla ligação, e não pode ser rotacionada, de modo a deixar os quatro átomos dos grupamentos dispostos em um plano rígido. Figura 2 - Representação da ligação peptídica entre dois resíduos de aminoácidos, formando um dipeptídeo. Modificado de: http://www.explicatorium.com/quimica/Proteinas.php Retirado em: 14/07/2011. Apesar de a ligação peptídica impor essa alta rigidez no grupo peptídico, a junção de vários desses grupos peptídicos confere à cadeia polipeptídica linear uma alta flexibilidade, permitindo que ela gire em torno de diferentes ligações químicas. Esse dobramento específico da cadeia linear de resíduos de aminoácidos já nos remete ao segundo nível de organização estrutural das proteínas, a sua estrutura secundária. A estrutura secundária de proteínas Geralmente, a cadeia polipeptídica não assume uma estrutura tridimensional aleatória, ao contrário, forma arranjos regulares de aminoácidos que estão localizados próximos uns aos outros na sua sequência linear. Pequenas regiões numa proteína podem se organizar em arranjos helicoidais, enquanto outras regiões se organizam em arranjos mais estendidos e ou pregueados devido à movimentação dos átomos da cadeia principal dos resíduos de aminoácidos em torno dos seus ângulos de rotação. Esses ângulos são chamados de fi (ø) e psi (ψ), conforme Figura 3, e podem assumir diferentes valores para cada átomo de carbono da cadeia polipeptídica. 13 UNIDADE I |estrutura e funções das proteínas Figura 3 – Ângulos torcionais ø e ψ que determinam a estrutura secundária das proteínas. Fonte: F. Wold, em Macromolecule: Structure and Function (1971) Prentice-Hall, New Jersey. Dessa forma, com a variação dos valores de ø e ψ, a cadeia polipeptídica irá formar diferentes estruturas, mas é essencial lembrar que nem todos os valores de ângulos de rotação são permitidos para a rotação de uma unidade peptídica em relação à anterior. Há um grande número de conformações que são estereoquimicamente proibidas devido à presença das cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos que seriam posicionados em distâncias interatômicas entre átomos não ligados, por serem menores do que o raio de van der Waals correspondente. Quando a cadeia polipeptídica se arranja em uma conformação estereoquimicamente permitida para seus ângulos de rotação, dizemos que ela apresenta uma estrutura secundária que descreve a conformação local dos resíduos de aminoácidos na cadeia proteica. A tabela abaixo fornece os valores dos ângulos ø e ψ para as conformações mais frequentemente encontradas nas proteínas conhecidas. Tabela 1 - Valores dos ângulos diedrais fi e psi para as estruturas regulares mais encontradas. ø ψ α-hélice -57 -47 Fita-ß paralela -119 +113 Fita-ß antiparalela -139 +135 Conformação Fonte: Campbel & Dwek. Biological Spectroscopy. 1984. 14 estrutura e funções das proteínas | UNIDADE I A esse nível de organização estrutural que, para além das ligações peptídicas, também envolve as chamadas ligações por pontes de hidrogênio, um tipo de interação eletrostática entre os átomos de hidrogênio e oxigênio, chamamos elementos de estrutura secundária. Ela é estabilizada principalmente por ligações de hidrogênio entre o grupo amina e o grupo carboxila dos resíduos de aminoácidos da cadeia polipeptídica, que carregam cargas parciais positiva e negativa, respectivamente. Apesar de a ligação de hidrogênio ser uma ligação fraca, é a soma das energias de todas as ligações de hidrogênio numa proteína que as torna com uma energia considerável e capaz de estabilizar tal conformação. No gráfico de Ramachandran, esse famoso cientista foi capaz de determinar todos os ângulos de rotação prováveis que um resíduo de aminoácido pode apresentar e construiu um importante diagrama para as conformações de proteínas em função dos ângulos ø e ψ. Neste momento, cabe lembrar a importância da contribuição desse cientista para as possíveis conformações que uma cadeia polipeptídica pode adquirir. Aprofunde seus estudos, faça uma pesquisa sobre o assunto. Será possível que algum(s) resíduo(s) de aminoácido numa proteína real possa(m) ocupar uma posição desfavorável nesse gráfico de Ramachandran? Dessa forma, a estrutura secundária de uma proteína se refere ao dobramento local da cadeia principal da macromolécula, e pode ser especificada pelos ângulos entre os grupos peptídicos adjacentes. A grande maioria das estruturas secundárias encontradas nas proteínas cai em conformações muito bem definidas. Os quatro tipos mais conhecidos são discutidos abaixo: αhélice A estrutura helicoidal mais comum assumida pela cadeia polipeptídica se enrola em torno de um eixo imaginário, em que cada resíduo é rotado cerca de 100º em relação ao anterior, de modo a deixar 3.6 resíduos por volta, num giro de mão direita (Figura 4). Cada volta apresenta aproximadamente 5.4 Å de comprimento; logo, o passo de cada aminoácido é de 1.5 Å. Esse arranjo alinha os grupos carboxila e os grupamentos amina na direção do eixo da hélice. Além disso, as cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos são posicionadas para o lado de fora da hélice, que é estabilizada por ligações de hidrogênio entre o oxigênio do grupo carboxila (que apresenta carga parcial negativa) e o hidrogênio do grupo amina (que apresenta carga parcial positiva) de quatro resíduos à frente ao longo da cadeia polipeptídica. A natureza polar dos grupos amina e carboxila dos aminoácidos faz com que haja uma tendência natural de um excesso de cargas positivas em uma das extremidades da hélice e um excesso de cargas negativas na outra extremidade, o que resulta na formação da hélice com um dipolo elétrico que pode participar ativamente nas interações eletrostáticas em proteínas. 15 UNIDADE I |estrutura e funções das proteínas Figura 4 – Dobramento da cadeia polipeptídica em elementos de estrutura secundária α-hélice. Modificada a partir de http://www.uic.edu/classes/bios/bios100/lecturesf04am/lect02.htm. Retirada em 11/01/2012. Na estrutura secundária de proteínas, é possível encontrar ainda diversos outros segmentos em arranjos helicoidais, mas que não estão em α-hélice. Discuta essas estruturas. Fitas-β O segundo tipo de estrutura secundária é o de β-estrutura (Figura 5), também chamado de fita-β. Nessa conformação, a cadeia polipeptídica está muito mais estendida, com um espaçamento de 3.5 Å entre os grupos peptídicos adjacentes, e com uma rotação por resíduo de 180º. As cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos apontam para baixo e para cima do plano da fita. Desse modo, não há a ocorrência de ligações de hidrogênio entre os carboxi-oxigênios e amino-hidrogênios em aminoácidos da vizinhança. Entretanto, ao posicionar várias fitas, uma ao lado da outra, é possível a formação de ligações de hidrogênio entre essas cadeias. 16 estrutura e funções das proteínas | UNIDADE I Tais fitas podem se organizar paralelamente (de modo a deixar todas as extremidades carboxi-terminais voltadas para o mesmo lado) ou, ainda, antiparalelas. Figura 5 – Dobramento da cadeia polipeptídica em elementos de estrutura secundária folha-β. (A) Paralelas; (B) Antiparalelas. Modificada a partir de http://www.uic.edu/classes/bios/bios100/lecturesf04am/lect02.htm. Retirada em 11/01/2012. Voltas Também chamadas de voltas-β por fazer a conexão entre duas fitas-β sucessivas. Tal estrutura aparece quase sempre na superfície de proteínas, permitindo que a cadeia polipeptídica se dobre e gire 180º sobre si (Figura 6). É um exemplo de como é possível organizar diferentes fitas de uma folha-β antiparalela. Elas ocorrem geralmente entre quatro resíduos de aminoácidos, no qual o primeiro aminoácido é ligado, por um hidrogênio, ao quarto. Geralmente, um dos resíduos é uma Glicina ou uma Prolina. Figura 6 – Dobra da cadeia polipeptídica em estrutura secundária do tipo volta-β. Fonte: http://www.imtech.res.in/raghava/betaturns/turn.html. Retirada em 11/01/2012. 17 UNIDADE I |estrutura e funções das proteínas Estrutura desordenada Pode ser descrita como qualquer estrutura não regular numa cadeia polipeptídica. Tais regiões também são conhecidas como estrutura não ordenada, irregular, coils, ou randômica. O termo estrutura randômica está saindo de uso, pois os aminoácidos em coil apenas não apresentam uma posição espacial fixa na estrutura da proteína, mas têm uma localização espacial correta para a atividade da proteína. Essas estruturas possuem alta flexibilidade estrutural e, por tal motivo, podem exercer funções importantes na proteína, permitindo a ocorrência de diferentes mudanças conformacionais, como, por exemplo, no centro catalítico de muitas enzimas quando um ligante é introduzido. Outros exemplos incluem as cadeias laterais longas dos resíduos de Lisina e porções N ou C-terminais de muitos polipeptídios. A estrutura terciária das proteínas A estrutura terciária de uma cadeia polipeptídica pode ser vista como a junção de todos os elementos de estrutura secundária que uma cadeia polipeptídica apresenta, e principalmente, o modo como esses elementos estão arranjados no espaço, ou seja, ela descreve a conformação global de uma proteína. Diferentes exemplos estão mostrados na Figura 7. É a estrutura primária da proteína que vai determinar a sua correta estrutura terciária. Para que o correto enovelamento da proteína seja adquirido, deve haver um correto empacotamento dos elementos de estrutura secundária naquilo que chamamos de sua estrutura tridimensional. O arranjo tridimensional (ou conformação) dos átomos da proteína na estrutura terciária é de extrema importância porque geralmente coincide com a sua chamada estrutura nativa, a estrutura que confere à proteína uma função biológica específica. A estabilização da estrutura terciária se dá por diferentes tipos de interação. Uma das mais frequentes é a interação iônica entre resíduos de aminoácidos carregados. Esses resíduos podem estar muito distantes na sequência primária, mas conseguem se posicionar próximos ao espaço devido à maneira como a proteína se enovela. A estabilização da estrutura 3-D de uma proteína tem também contribuição de interações hidrofóbicas das cadeias laterais dos aminoácidos apolares que tendem a se esconder no interior da proteína, enquanto que a cadeia lateral dos resíduos hidrofílicos tem predominância na superfície da proteína, onde podem facilmente interagir com moléculas de água. A estrutura terciária ainda pode ser estabilizada pelas pontes de dissulfeto que se formam logo após o enovelamento. Uma ponte de dissulfeto é uma ligação covalente formada pelos grupos sulfidrila (-SH) de dois resíduos de Cisteína para produzir um resíduo de cistina. Tais pontes são mais comumente encontradas em proteínas da superfície celular e proteínas secretadas do que nas proteínas citossólicas. As ligações de hidrogênio e, ainda, as interações do tipo van der Waals também auxiliam na estabilização da estrutura terciária da proteína. 18 estrutura e funções das proteínas | UNIDADE I Figura 7 – Diferentes tipos de enovelamento ou estruturas terciárias adotadas pelas proteínas, uma vez já adquiridas sua estrutura secundária. Modificado a partir de Felix Frank 1988, Characterization of Proteins. A estrutura quaternária das proteínas A estrutura quaternária descreve como algumas cadeias polipeptídicas se juntam para formar uma proteína funcional; em outras palavras, podemos dizer que ela é o arranjo de múltiplas subunidades polipeptídicas em uma mesma proteína. Essas subunidades também são estabilizadas essencialmente por ligações fracas, tais como interações hidrofóbicas, interações eletrostáticas e ligações de hidrogênio. De acordo com o número de subunidades também é possível classificar uma proteína. Quando a proteína tiver uma cadeia polipeptídica é chamada de proteína monomérica, quando duas cadeias, é dita dimérica, 3 cadeias é trimérica e 4 cadeias é tetramérica, e assim sucessivamente. A estrutura quaternária ocorre quando cadeias polipeptídicas se associam por meio de ligações de hidrogênio, como ocorre, por exemplo, na formação da molécula da hemoglobina (tetrâmero). E ainda, essas subunidades podem atuar de forma independente ou cooperativamente no desempenho da função bioquímica da proteína. A Figura 8 mostra a estrutura quaternária da proteína Aquaporina, molécula envolvida no transporte de moléculas de água via membrana celular em diferentes organismos. 19 UNIDADE I |estrutura e funções das proteínas Figura 8 – Estrutura quaternária da proteína Aquaporina A. Aquaporina está inserida na membrana celular da planta de espinafre, responsável pela facilitação do transporte de moléculas de água via membrana, mostrando a interação entre suas quatro subunidades idênticas para compor a estrutura funcional tetramérica. Modificado a partir de http://www.rcsb.org/pdb/explore/images.do?structureId=1Z98. Retirado em 11/01/2012. Vídeos a respeito do enovelamento de proteínas: http://www.youtube.com/watch?v=swEc_sUVz5I http://www.wiley.com/college/boyer/0470003790/animations/protein_folding/ protein_folding.htm Observe a estrutura tridimensional da hemoglobina humana, de uma ligante de ácidos graxos do fígado (LB FABP) e do inibidor de tripsina de soja (STI) e relacione suas similaridades e diferenças mais marcantes. 20 Capítulo 2 Funções das proteínas No nosso dia a dia ouvimos falar com frequência em algumas das funções de proteínas. Talvez uma das mais conhecidas seja a das enzimas, que aceleram determinadas reações químicas, ou, ainda, a dos anticorpos, que são capazes de identificar e eliminar os agentes invasores, tais como vírus e bactérias. Mas, como bem sabemos, existem ainda muitas outras proteínas que não pertencem a esses dois grupos, mas que apresentam essencial importância para o bom funcionamento do organismo. Numa célula humana, por exemplo, podemos encontrar em média 3000 proteínas diferentes, que executam os mais diferentes papéis. Neste capítulo, vamos relembrar algumas das funções mais importantes que são desempenhadas pelas proteínas nos organismos. Amplie seus conhecimentos com uma leitura mais abrangente em cada uma das funções destacadas para as proteínas. Proteínas que se ligam a outras moléculas As proteínas apresentam a capacidade de se ligar a uma grande diversidade de parceiros. A molécula que é ligada a uma proteína pode ser tão pequena como uma molécula de oxigênio, ou então tão grande como uma sequência de DNA. O reconhecimento específico de outras moléculas é uma das funções centrais das proteínas. A ligação é governada pela forma complementar da molécula que se liga à proteína, bem como regida por interações polares, iônicas e ligações de hidrogênio que se estabelecem entre a proteína e o parceiro. Como algumas proteínas são moléculas estruturalmente flexíveis, suas conformações podem mudar em resposta a variações no pH ou ligação de algum substrato. Além disso, a alta flexibilidade da estrutura terciária é de essencial importância para permitir que as proteínas se adaptem facilmente aos seus ligantes e executem suas funções. Como exemplo desse grupo, podemos citar as proteínas que se ligam aos íons de cálcio na célula (Figura 9), tal como a calmodulina, que participa das vias de sinalização de cálcio e pode interferir na ligação a outras moléculas uma vez ligada ao íon. 21 UNIDADE I |estrutura e funções das proteínas Figura 9 – Estrutura tridimensional da Calmodulina, uma proteína ligante de íon de Cálcio. Esta estrutura mostra a proteína ligada a quatro íons de Cálcio. Modificado a partir de http://www.rcsb.org/pdb/explore/explore.do?structureId=3CLN. Retirado em: 11/-1/2012 É importante lembrar que o grau de flexibilidade varia em proteínas que apresentam funções diferentes dentro de um organismo; uma rigidez mais elevada é encontrada em proteínas que fazem parte do citoesqueleto. Você poderia dizer por quê? Proteínas catalíticas Cada reação química nos organismos vivos é catalisada e, na maioria das vezes, a catálise é promovida por enzimas. As enzimas agem perturbando a estabilidade da molécula de substrato, enfraquecendo as suas ligações covalentes. A eficiência catalítica de enzimas é considerável, de forma que as reações podem ser aceleradas por até 17 ordens de grandeza. Muitas características estruturais contribuem para o poder catalítico das enzimas: a manutenção dos grupos reativos juntos em uma orientação favorável para a reação, ligação do estado de transição da reação mais fortemente que o estado inicial do complexo e catálise ácido-base. 22 As enzimas podem ser moléculas simples, como, por exemplo, as hidrolases, que contêm apenas uma cadeia polipeptídica de baixa massa molecular, como a lisozima e a ribonuclease. Mas também podem ser mais complexas, geralmente oligômeros compostos de diferentes subunidades como as enzimas requeridas para catalisar reações químicas mais complexas, especialmente aquelas envolvendo transferência de grupamentos químicos. estrutura e funções das proteínas | UNIDADE I A atuação de uma proteína no reconhecimento molecular e na catálise de diferentes macromoléculas depende fortemente da complementaridade morfológica que se estabelece entre as duas moléculas. Como sabemos, para que uma proteína adquira a sua forma correta, ela deve ser enovelada. Assim, a formação de ambientes propícios (microambientes especializados) se à interação proteína-ligante também dependem do dobramento (estrutura terciária) proteico. Esses ambientes são chamados de sítio de ligação e podem assumir uma forma côncava, convexa ou mesmo planar. Para a ligação de pequenas moléculas, em geral o sítio de ligação é côncavo e se apresenta como pequenas cavidades ou bolsões na superfície da proteína. Em geral, os sítios de ligação apresentam um caráter parcialmente hidrofóbico, pois apresentam uma quantidade mais elevada de superfícies hidrofóbicas expostas. Essa propriedade faz com que o número de interações fracas entre a proteína e o ligante aumente, resultando numa alta afinidade entre essas moléculas. Além disso, a movimentação de moléculas de água, tanto do sítio de ligação como da superfície do ligante, também auxilia a interação proteína-ligante. Nas enzimas, a ligação ocorre no sítio ativo, que é o local onde ocorre a catálise (Figura 10). Os sítios catalíticos geralmente ocorrem nas interfaces dos domínios e das subunidades de uma proteína. Figura 10 – Estrutura tridimensional da enzima pepsina e detalhe do seu sítio catalítico. Modificado a partir de Rev. Virtual Quim., 2009, 1 (2), 128-137 Proteínas estruturais As proteínas podem também atuar como um dos elementos estruturais mais importantes de um organismo. Essa função depende da associação específica de subunidades da proteína com ela mesma, e também com outras proteínas, carboidratos e outros parceiros. Proteínas que desempenham essa função são ditas proteínas estruturais, que atuam como um sistema de suporte de carga, e são geralmente caracterizadas por apresentarem uma elevada resistência à tração. As proteínas desse grupo são encontradas no exoesqueleto de insetos, em tecidos de sustentação, nos músculos, no capsídeo viral e, também, no citoesqueleto. O formato de uma célula é estabilizado por uma grande rede de proteínas, em forma de microfilamentos e microtúbulos que formam uma espécie de andaime, conhecido como citoesqueleto. Os microfilamentos são formados por moléculas de actina, e os microtúbulos são feitos pela polimerização ordenada de tubulina. 23 UNIDADE I |estrutura e funções das proteínas Outra proteína estrutural muito bem estudada é o colágeno (Figura 11), que forma o tecido conjuntivo da maior parte dos animais, e também ocorre em imunoglobulinas, ossos, pele e córnea dos olhos dos vertebrados. Figura 11 – Estrutura tridimensional do colágeno. O colágeno é uma importante proteína estrutural do tecido conjuntivo, composto por três feixes de proteína que são mantidas unidas numa hélice tripla. Modificado a partir de http://www.rcsb.org/pdb/explore/images.do?structureId=1WZB. Retirado em 11/01/2012. Proteínas de defesa O corpo humano é um ambiente rico em nutrientes. Dessa forma, seria rapidamente colonizado por vírus, bactérias e outros parasitas se não fosse a ação protetora de um sistema imunitário muito eficaz. Esse sistema conta com a ação de proteínas de defesa (anticorpos), que são capazes de reconhecer e inativar microrganismos invasores e outros materiais (antígenos), tornando-os inofensivos. Umas dessas moléculas são as imunoglobulinas (Figura 12), que são proteínas em forma de Y, altamente solúveis, encontradas no sangue, linfa e fluido intersticial. Elas são moléculas responsáveis pelo fornecimento da imunidade adaptativa nos vertebrados. Figura 12 – Representação e estrutura refinada de uma Imunoglobulina (IgG) intacta. As imunoglobulinas são um dos importantes representantes do grupo das proteínas de defesa capazes de reconhecer moléculas estranhas na corrente sanguínea e proteger contra infecções. Modificado a partir de http://www.rcsb.org/pdb/explore/explore.do?structureId=1igt. Retirado em 11/01/2012. 24 estrutura e funções das proteínas | UNIDADE I As bactérias também utilizam moléculas de origem proteica como parte do seu sistema de defesa. No entanto, devido à baixíssima massa molecular que apresentam, essas moléculas são denominadas peptídeos antimicrobianos. Além de estarem presentes nas bactérias, esses peptídios antimicrobianos são largamente distribuídos entre os organismos e podem ser encontrados em toda a escala evolutiva, desde procariontes até animais superiores como mamíferos, onde são produzidos como parte do sistema de defesa, desempenhando um papel fundamental na sobrevivência do organismo. Esses peptídios provavelmente representam uma das primeiras formas de defesa química das células eucarióticas vivas contra invasão por outro organismo vivo. A maioria deles atua alterando a permeabilidade da membrana celular do organismo atacado, o que conduz à perda do controle osmótico ou à lise da membrana celular que resultam na morte do organismo. Ainda dentro desse grupo, destacam-se as proteínas que atuam no sistema de defesa dos organismos, que também são conhecidas por apresentarem propriedades citotóxicas. De um modo geral, citotoxicidade é uma propriedade que significa morte celular induzida por um composto químico. Quando esse composto apresenta caráter proteico, dizemos se tratar de uma proteína citotóxica. As proteínas tóxicas são geralmente moléculas pequenas e altamente móveis. Elas agem por ataque químico que destroem estruturas celulares ou por mecanismos de inibição de processos celulares vitais. O veneno das serpentes, por exemplo, contém diferentes proteínas tóxicas que, uma vez lançadas na circulação de suas presas ou de seus predadores, podem levá-los a morte. Proteínas citotóxicas são também encontradas no reino vegetal, como, por exemplo, a proteína chamada ricina (Figura 13), que é encontrada nas sementes da planta mamona (Ricinus communis). Essa proteína é altamente tóxica e chega a ser considerada uma das substâncias mais tóxicas de ocorrência natural conhecidas atualmente. Ela é uma toxina estável facilmente obtida a partir da mistura (mosto) que permanece após o processamento para o óleo da mamona. A intoxicação pode ocorrer após a inalação, ingestão ou injeção da toxina. A proteína atua impedindo a síntese proteica via inativação dos ribossomos do organismo que teve contato com ela, conduzindo à morte. Figura 13 – Estrutura tridimensional da molécula de ricina, mostrando as duas cadeias polipeptídicas que forma a proteína tóxica. As duas cadeias são mantidas unidas por pontes S-S. Retirado em 11/01/2012 de http://www.ehso.com/ricin.php. 25 UNIDADE I |estrutura e funções das proteínas Proteínas regulatórias Algumas proteínas atuam no organismo como verdadeiros mensageiros químicos. Esse é o caso dos hormônios de origem proteica que, uma vez sintetizados por glândulas ou células especializadas, são lançados na corrente sanguínea ou em outros fluidos corporais, e vão cumprir seu papel com o estímulo ou a inibição da ação de determinados órgãos em um indivíduo. Pequenas quantidades dessas proteínas são requeridas para alterar o metabolismo celular. A insulina é um exemplo desse grupo (Figura 14). Ela é um dos hormônios mais importantes. É produzida no pâncreas e adicionada à corrente sanguínea após as refeições quando os níveis de açúcar são elevados. Essa proteína leva mensagens que descrevem a taxa de glicose no sangue a cada momento. Esse sinal, então, se espalha por todo o corpo: para o fígado, músculos e células de gordura. A insulina está envolvida com a regulação de glicose, pois ela diz aos órgãos para retirarem a glicose do sangue e armazená-lo na forma de glicogênio ou gordura. Figura 14 – Estrutura tridimensional da insulina humana. A insulina é uma proteína pequena que se move rapidamente na corrente sanguínea e é facilmente capturada por receptores celulares específicos, aos quais “entrega” sua mensagem. Os níveis de glicose no sangue podem subir perigosamente quando a função da insulina estiver prejudicada, como, por exemplo, no caso de houver algum dano às células pancreáticas, ou então pelo processo de envelhecimento que pode em alguns casos levar ao aparecimento da diabetes mellitus. Dessa forma, foi necessário realizar a busca de uma fonte abundante de insulina para ser utilizada nesses tratamentos. Uma das primeiras alternativas deu-se com a utilização da insulina de suínos, uma vez que essa proteína se difere da insulina humana por apenas um resíduo de aminoácido: uma treonina posicionada no final da cadeia polipeptídica da insulina humana é substituída por um resíduo de alanina na insulina suína. Devido à grande semelhança, a insulina suína é também reconhecida pelos receptores das nossas próprias células e pode ser usado nessa terapia. Mas, atualmente, devido ao maior domínio das técnicas de produção de proteínas recombinantes, a insulina humana é também obtida por biotecnologia em cultura de bactérias, produzindo, assim, uma proteína recombinante exatamente idêntica à nossa própria proteína. 26 estrutura e funções das proteínas | UNIDADE I Quais as características que as proteínas regulatórias compartilham com os hormônios de origem não proteica? Proteínas de transporte Como bem especificado, as proteínas de transporte são especializadas em veicular íons/moléculas de um lugar para outro, seja numa célula ou ao longo do corpo. Elas transportam substâncias no plasma sanguíneo, conduzindo íons ou moléculas específicas de um órgão para outro, como também por meio das membranas celulares. Exemplos de representantes desse grupo incluem o transporte de gases para os tecidos, principalmente do O2, que é carregado por meio do sangue por proteínas como a hemoglobina presente nos glóbulos vermelhos. Outro exemplo é a molécula de citocromo, que opera na cadeia de transporte de elétrons como uma proteína carreadora de elétrons. Mas a grande parte das proteínas de transporte são proteínas integrais de membrana, e podem ser localizadas nas membranas celulares e nas membranas das organelas citoplasmáticas, onde regulam o fluxo de diferentes íons (Na+, K+, etc.) e moléculas (glicose, aminoácidos, etc) essenciais para dentro e para fora dessas estruturas. Essas proteínas possuem em sua estrutura sítios específicos de ligação, conforme o substrato, que facilitam a entrada/saída (por um processo conhecido como difusão facilitada, Figura 15) de substâncias incapazes de entrar em uma célula por si só. Figura 15 – Ilustração do processo de difusão facilitada. As proteínas de transporte são as responsáveis pela passagem dos solutos do meio interno para o externo e vice-versa. Modificado a partir de: http://www.mundoeducacao.com.br/biologia/difusao-facilitada.htm. Retirado em 11/01/2012. 27 UNIDADE I |estrutura e funções das proteínas Proteínas de reserva As proteínas podem ainda apresentar uma função energética dentro dos organismos vivos, pois é possível a obtenção de energia a partir dos aminoácidos que as compõem. As proteínas de reserva ou proteínas de armazenamento são moléculas quimicamente muito estáveis. Elas são geralmente encontradas em grande concentração em locais do organismo que apresentam baixa umidade. Nas plantas, por exemplo, as sementes são grandes reservatórios desse grupo de proteínas, que podem ser utilizadas para a germinação e crescimento da planta. Essas proteínas servem como fontes de aminoácidos que podem ser oxidados como fonte de energia no mecanismo respiratório, caso haja necessidade energética. Proteínas motoras As proteínas motoras convertem a energia química da hidrólise do ATP em energia mecânica, utilizada, por exemplo, para a movimentação de organelas ao longo das estruturas do citoesqueleto. O músculo esquelético é formado por numerosas fibras, nas quais as proteínas actina e miosina atuam formando um complexo altamente organizado que é responsável pelos processos de contração muscular cuja energia é fornecida pela quebra da molécula de ATP. Muitos protozoários são impulsionados pelo batimento organizado de cílios e/ou pela movimentação de flagelos. Além disso, estruturas ciliares podem ser encontradas nas células epiteliais de vias aéreas numa movimentação muito sincronizada a fim de remover partículas contaminantes. A maioria dos cílios e flagelos apresenta uma estrutura básica formada de microtúbulos. Essas estruturas são formadas de arranjos proteicos. Existem, ainda, outras funções biológicas importantes que as proteínas desempenham em diversos organismos. Pesquise a respeito delas. 28 Capítulo 3 Binômio estrutura-função de uma cadeia polipeptídica Como sabemos, a vida depende amplamente do funcionamento correto de uma enorme quantidade de proteínas, uma vez que muitos processos celulares são controlados e regulados pela ação dessas moléculas, tais como expressão gênica, divisão e sinalização celular, transporte de vitaminas e gases, catálise enzimática, armazenamento, proteção mecânica e química, contração muscular. Dessa forma, muitas patologias podem ocorrer em um organismo que venha a apresentar uma incapacidade de produzir determinada proteína. É o caso, por exemplo, da diabetes de tipo I na qual o indivíduo não é capaz de produzir a proteína insulina. Do mesmo modo, outras patologias também podem ocorrer porque determinadas proteínas são fabricadas com defeito, ou seja, há um erro no processo de síntese proteica. Esse é o caso, por exemplo, das doenças de Parkinson e de Alzheimer resultando em proteínas que apresentam uma alta afinidade entre si e organização em forma de agregados que vão formar fibras que se depositam sobre o tecido neuronal do sistema nervoso central. Cite outras patologias causadas pela incapacidade de produção ou pela síntese defeituosa de alguma proteína? Um dos princípios importantes da Biologia Molecular é a ideia de que a estrutura nativa de uma proteína determine a sua função biológica específica. Como a função de uma proteína depende estritamente da sua estrutura nativa, se alguma pequena falha ocorrer durante o seu processo de enovelamento isso já pode ser suficiente para que a proteína deixe de ser capaz de executar a sua função biológica corretamente. Figura 16 – Binômio estrutura-função de uma cadeia polipeptídica. 29 UNIDADE I |estrutura e funções das proteínas Dessa forma, conhecer a estrutura nativa (estrutura terciária) correta de uma proteína é um processo de suma importância, que é visto como um pré-requisito para o entendimento de sua função biológica e também para o planejamento e desenho de possíveis fármacos, inibidores, parceiros de interação, etc. relacionados com a ação dessa proteína. A estratégia de predizer a função biológica de uma proteína de olho na sua estrutura tridimensional é uma tarefa de grande interesse em biologia estrutural, uma vez que existe um número considerável de estruturas de proteínas resolvidas e um crescente número continua sendo depositado em bases de dados. No entanto, muitas dessas proteínas apresentam pouquíssimas ou nenhuma caracterização funcional. Existem diferentes métodos computacionais de comparação global de estruturas que utilizam diferentes algoritmos para transferir anotações funcionais para um núcleo estrutural comum, pois a compreensão de como a estrutura tridimensional (3D) molecular de proteínas influencia a sua função pode fornecer grandes esclarecimentos sobre o funcionamento dos sistemas biológicos. Por outro lado, um exame mais minucioso das proteínas ilustra que não somente as estruturas singulares se desenvolveram para preencher funções biológicas específicas, mas, também, há uma íntima relação entre as funções biológicas da proteína e a estrutura que ela apresenta. Por exemplo, a maioria das proteínas fibrosas que desempenham papéis estruturais em tecidos específicos apresenta uma sequência de aminoácidos atípica; tais sequências vão determinar um dobramento específico em estruturas secundárias e terciárias que conferem as propriedades mecânicas dessas proteínas. Essa é uma relação importante que despertou a atenção de muitos cientistas e que pode ser vista como tema central de uma abordagem claramente interdisciplinar, pois requer a utilização de ferramentas desenvolvidas em disciplinas como a química, a biologia celular, a fisiologia e a Física. Desse modo, podemos dizer que, de uma forma geral, se compreendermos como a sequência de aminoácidos determina a estrutura nativa de uma proteína, isto é, se compreendermos a relação sequência-estrutura, poderemos desenhar qualquer proteína. Mas essa tarefa não é tão simples e requer algo mais essencial como, por exemplo, a compreensão da questão mais geral e mais fundamental que é a do próprio mecanismo de enovelamento das proteínas. A hemoglobina é uma proteína responsável pelo transporte de oxigênio dos pulmões para as outras células. Ela é composta por 4 subunidades, cada qual possuindo 147 aminoácidos na estrutura primária; porém, uma mutação pontual na sua estrutura leva ao desenvolvimento da anemia falciforme, uma doença hereditária que leva à modificação do formato das hemácias, dificultando o transporte de oxigênio pelo organismo. Qual dos lados do binômio você acredita ser o mais importante: a estrutura de uma proteína determina a sua função? Ou a função que a proteína exerce dita a sua estrutura? Podemos dizer que as proteínas são as moléculas mais versáteis dentro da célula. O fato de algumas proteínas poderem se ligar a distintas macromoléculas (DNA, carboidratos, lipídeos, e as próprias proteínas) explica a sua habilidade de apresentar motivos estruturais diversos e superfícies químicas com diferentes caracteres numa mesma molécula, que podem interagir com parceiros com uma alta especificidade. 30 estrutura e funções das proteínas | UNIDADE I Essa extraordinária diversidade funcional e versatilidade de uma proteína provém da grande diversidade química das cadeias laterais dos seus aminoácidos constituintes, da alta flexibilidade da cadeia polipeptídica, e do grande número de maneiras em que uma cadeia polipeptídica com sequência de aminoácidos diferentes pode se enovelar. As forças que governam o enovelamento proteico são geralmente medidas em termos termodinâmicos. Uma diminuição na energia livre da proteína enovelada fornece a força para o dobramento espontâneo da cadeia polipeptídica. Em ambientes aquosos, por exemplo, as proteínas globulares são mais estáveis no estado enovelado do que quando desenoveladas. Visto a complexidade da estrutura proteica e sabendo que alterações na sua estrutura 3D podem ser responsáveis por sérias enfermidades, nos cabe perguntar: como é possível conhecer a estrutura de uma determinada proteína? Também nos cabe questionar quais técnicas são aplicadas no estudo das alterações conformacionais da estrutura proteica? Tais temas serão discutidos na próxima unidade deste Caderno de Estudo. Uma proteína deve ser altamente ordenada estruturalmente para exercer a sua função? Existem algumas proteínas que desafiam o atual paradigma estrutura-função. O paradigma estruturafunção de uma proteína correlaciona a função de uma proteína com uma estrutura tridimensional bem definida, o que assegura uma correta distribuição espacial dos resíduos de aminoácidos que estão envolvidos no reconhecimento molecular, catálise, etc. A relevância e o sucesso dessa visão são demonstrados por inúmeros artigos científicos que elucidam a função de uma grande variedade de enzimas, receptores e proteínas estruturais. Apesar do imenso valor e conhecimento molecular que essa abordagem nos trouxe, uma recente onda de artigos alerta que ela é ainda uma visão muito simplificada, uma vez que muitas proteínas, ou mesmo grandes regiões numa proteína, e ainda, grandes domínios proteicos se encontram num estado funcional intrinsecamente desordenado. Existe uma grande tendência de chamar essas proteínas de proteínas intrinsecamente desordenadas. Em termos estruturais, as proteínas intrinsecamente desordenadas se assemelham muito com o estado desenovelado de uma proteína ordenada. A falta de uma estrutura ordenada já foi descrita em proteínas essenciais, tal como a RNA Polimerase II. A importância funcional dessas proteínas é também ressaltada pelo fato de que elas ocorrem com muita frequência em proteínas associadas com a transdução de sinais e regulação do ciclo celular, expressão gênica, etc. A falta de ordenamento dessas proteínas lhes confere algumas vantagens sobre as demais, tais como um aumento na velocidade de interação, a habilidade de desempenhar mais do que uma função, pois podem facilmente interagir com distintos parceiros simultaneamente. Isso porque o baixo grau de ordenamento lhes dá uma alta flexibilidade estrutural, característica que as capacitam a se moldarem facilmente para a ligação de diferentes alvos. 31 Unidade II estudos estruturais Capítulo 4 A Luz como Fonte de Informação Esta unidade tem o objetivo de lhe apresentar algumas das principais abordagens que são utilizadas para a realização do estudo estrutural das proteínas. Para isso, vamos iniciar nosso estudo com uma breve apresentação da ferramenta utilizada para essas investigações: a luz. Como é possível examinar a forma de uma molécula tão pequena que não pode ser visualizada nem com o microscópio mais potente? É exatamente esse o cenário que encontramos quando tentamos conhecer a estrutura de uma proteína – não conseguimos visualizá-la. A fim de solucionar esse problema, o que se utiliza é uma medida indireta de uma grande quantidade de moléculas idênticas. Essa medida se dá com o emprego da luz (radiação eletromagnética), que se faz incidir sobre a proteína em estudo. Ao longo dos anos, em sua investigação acerca da estrutura da matéria, a comunidade científica faz uso da radiação eletromagnética. Muito do atual conhecimento científico foi adquirido com o uso de diferentes tipos de radiação, conforme mostrado na Figura 17. Edifícios Humanos Ponta de Borboletas Protozoários Moléculas Átomos Núcleo atômico Agulha Frequência (Hz) 104 108 1012 1015 1016 1018 1020 Figura 17 – Escala comparativa dos diferentes comprimentos de onda e frequência da radiação eletromagnética (luz). Modificado a partir de http://pt.wikipedia.org/wiki/Espectro_eletromagn%C3%A9tico. Retirado em 12/01/2012. 35 UNIDADE II | estudos estruturais As informações provenientes da interação da luz com a matéria é de grande interesse e importância dentro da Física Atômica e Molecular. Ainda hoje, a maioria das informações experimentais que conhecemos dos sistemas atômicos e moleculares é devido ao conhecimento de espectros de absorção e emissão da luz. Faça uma pesquisa e defina com suas próprias palavras a radiação eletromagnética. Vale lembrar que a luz que vemos é apenas parte da radiação eletromagnética capaz de ser detectada pelo olho humano. Ela se situa numa estreita faixa do espectro, que vai desde o violeta, com cerca de 380 nm, até o vermelho, com 700 nm. O espectro da radiação eletromagnética é bastante largo (Figura 18), abrangendo desde radiações de altas energias às radiações de ondas longas. No estudo de sistemas e macromoléculas biológicas utiliza-se uma ampla faixa de radiação que vai desde as ondas de rádio até os raios-gama. 1020 1021 10-12 10-13 1018 1019 10-11 10-10 1017 10-9 1015 1016 10-8 Fonte Física 10-7 1013 1014 10-6 10-5 1012 10-4 1011 10-3 109 1010 10-2 108 10-1 107 10 106 102 105 103 104 104 105 Visível Transições eletrônicas Transições eletrônicas Desintegração nuclear profundas Transições eletrônicas mais externas Vibrações e torções moleculares Rotações e inversões Aceleração circular de elétrons moleculares em campos elétricos e magnéticos Produção prática Reatores nucleares, isótopo radioativos (por exemplo cobalto 60) Forno de Tubo de raio X Lâmpada solar Luz elétrica Aquecedores elétricos Equipamento de transmissão microondas Equipamento de radar 4 x 10-3 m de sinais 7-5 x 10-7 m Figura 18 – O espectro de radiação eletromagnética e as frequências típicas utilizadas pelas técnicas espectroscópicas aplicadas nos estudos em sistemas biológicos. Modificado a partir de http://www.scb.org.br/fc/FC58_19.htm. Retirado em 11/01/2012. A luz apresenta um caráter de dupla natureza: onda e partícula. Portanto, ela é possuidora de atributos de cada uma dessas feições. Nos diversos modos de interação da luz com a matéria é possível descrever tal interação com maior facilidade, ora usando os aspectos ondulatórios, ora considerando seu caráter de partícula. Muitos experimentos foram realizados a fim de verificar e comprovar cada um desses comportamentos da luz. 36 estudos estruturais UNIDADE II Entenda melhor a dualidade onda/partícula assistindo no endereço eletrônico abaixo, na internet, animações do Dr. Quântico que, de um modo muito divertido, explica alguns dos experimentos que comprovam cada um desses comportamentos da radiação. http://www.youtube.com/watch?v=gAKGCtOi_4o&feature=player_embedded#! Em seu aspecto ondulatório, a luz é uma onda eletromagnética. Dessa forma, ela consiste em um campo elétrico e um campo magnético que estão mutuamente perpendiculares e que oscilam de acordo com certa periodicidade (senoidalmente). Mas, em seu aspecto de partícula, a luz é emitida ou absorvida em discretas “unidades” de energia chamadas fótons. Assim, o princípio de dualidade onda-partícula luz que estabelece que a radiação eletromagnética deve ser propagada e transmitida em forma de ondas, mas que é absorvida ou emitida em forma de partículas. Figura 19 – Ilustração referente ao princípio de dualidade onda partícula da luz. Modificado a partir de http://oligo-ion.blogspot.com/2010/12/dualidade-da-materia.html. Retirado em 12/01/2012. A luz é formada por ondas que apresentam comprimentos diferentes. O comprimento de onda (λ) é medido em nm onde 1,0 nm equivale a 10-9 m. A luz apresenta energia inversamente proporcional ao seu comprimento de onda. Dessa forma, os fótons de luz azul, por exemplo, que apresentam comprimentos de onda mais curto (~400nm), são mais energéticos que os fótons de luz vermelha, que apresentam comprimento de onda maiores (700nm). c = λ.f onde f é a frequência da radiação (frequência é o número de ondas que são transmitidas em uma unidade de tempo), λ é o comprimento da onda eletromagnética (distância percorrida pela onda durante um período de tempo correspondente a uma unidade de frequência), e c é a velocidade da luz (3 x 108 m/s). Agora que sabemos como pode ser entendida a radiação eletromagnética, vamos nos aprofundar nas informações que podem ser tiradas quando a luz interage com alguma macromolécula, em especial as proteínas. Um dos fenômenos que podem ocorrer quando a radiação atravessa certo material é que parte da radiação pode ser absorvida, de modo que parte da energia da radiação incidente é transferida ao material, e o feixe de luz transmitida apresenta intensidade menor do que o feixe incidente; isso nos permitirá uma observação do comportamento da amostra analisada (Figura 20). 37 UNIDADE II | estudos estruturais Figura 20 – Ilustração do processo de absorção de luz incidente por uma amostra. Muitas informações sobre a estrutura molecular e sobre a interação de moléculas com seus vizinhos podem ser derivadas de diversos modos a partir dos espectros de absorção gerados quando a radiação interage com os átomos ou moléculas da matéria. Mais adiante olharemos em detalhe como ocorre o processo de absorção, mas já podemos adiantar que a frequência da onda eletromagnética incidente deve ser muito próxima ou igual à frequência natural de vibração dos átomos da amostra. Somente dessa forma os átomos (ou moléculas) da amostra podem passar de um estado de energia mais baixa para um estado de maior energia. Outro fenômeno proveniente da interação da luz com a matéria é o seu espalhamento em ângulos diferentes do ângulo de incidência. Se iluminarmos uma amostra com luz de um comprimento de onda longe de qualquer faixa de absorção, as moléculas podem atuar como uma fonte dispersadora de uma parte da energia em direções diferentes daquela da radiação incidente. Quando uma onda eletromagnética desse tipo encontra uma molécula, ela pode ser espalhada (sua direção de propagação muda, Figura 21). O azul do céu, por exemplo, pode ser explicado pela forte dependência que o espalhamento tem de comprimentos de onda, pois observamos a luz do Sol espalhada pelo ar e seus contaminantes, e a luz azul é a mais espalhada. Figura 21 – Ilustração do processo de espalhamento de luz incidente por uma amostra. 38 Outros processos podem ainda ocorrer quando a radiação interage com a matéria, tais como a reflexão e refração do feixe de luz, ou reações fotoquímicas através da absorção e quebra de ligações. A probabilidade relativa de cada um desses processos acontecerem é uma propriedade da molécula particular a ser estudada. Mas, basicamente, no ramo de estudo denominado espectroscopia, obtemos informações do estudos estruturais UNIDADE II sistema estudado analisando a radiação que é absorvida, emitida ou espalhada, conforme veremos nos capítulos seguintes. A espectroscopia pode ser definida como o estudo ou método utilizado para a análise de elementos simples utilizando a radiação eletromagnética. Uma análise espectroscópica pode ser destrutiva ou não; mas é claro que os exames mais interessantes são os que não destroem as amostras, e dos quais resultem dados precisos. Essa análise é especialmente importante, visto que cada elemento na natureza possui o seu próprio espectro. Os primeiros cientistas a descobrirem esse fato e a utilizarem a espectroscopia foram Gustav Robert Kirchhoff e Robert Wilhelm Bunsen, em 1859, mostrados na Figura 22. Tais cientistas desenvolveram um espectroscópio baseado em um prisma, no qual o espectro luminoso passava por uma fenda e atingia um sistema de lentes que concentrava os feixes de luz, tornando seus raios paralelos. Ao saírem das lentes, os raios luminosos incidiam sobre o prisma, onde eram finalmente separados em suas cores correspondentes. Figura 22 – Imagem dos cientistas Kirchhoff e Bunsen. Retirado de http://www.chemheritage.org/discover/chemistry-in-history/themes/the-path-to-the-periodic-table/bunsen-and-kirchhoff.aspx em 11/01/2012. Os resultados da análise espectroscópica de uma amostra providenciam dados sobre a sua estrutura, tais como geometria de ligação, natureza química de ligantes de um dado átomo, comprimentos de ligações químicas, etc. Nos capítulos seguintes estudaremos o princípio básico de algumas das técnicas espectroscópicas aplicadas ao estudo estrutural de proteínas. 39 Capítulo 5 Absorção no UV-Visível A espectroscopia de absorção molecular é uma ferramenta muito valiosa para a identificação dos grupos funcionais de uma molécula. A espectrofotometria na região do visível e ultravioleta, por exemplo, é um dos métodos analíticos mais usados em diversas áreas, e aplicado nas determinações de compostos orgânicos e inorgânicos, inclusive quantitativamente. A região ultravioleta do espectro da radiação eletromagnética é geralmente considerada na faixa de 200 a 400 nm. Muitos compostos exibem uma faixa de absorção forte nesse intervalo, em proteínas, como, em especial os aminoácidos aromáticos que absorvem mais intensamente na região de 280 nm e a ligação peptídica que apresenta uma absorção muito intensa na região de 220 nm. Já a região da luz visível está entre 400 a 700 nm. Portanto, as energias correspondentes às regiões do UVvisivel vão de, aproximadamente, 40 a 150 kcal/mol, que correspondem, muitas vezes, à diferença entre estados eletrônicos de muitas moléculas. Assim, a absorção de radiação de comprimento de onda na faixa do UV-visível corresponderá às transições entre os níveis de energia eletrônicos das moléculas. Vejamos em detalhes como isso acontece. Em condições normais de temperatura, as moléculas estão num estado vibracional de menor energia do estado fundamental eletrônico. Assim sendo, a energia eletromagnética da luz é absorvida; ao absorver um fóton da radiação que está sendo incidida, as moléculas passarão para um estado eletrônico excitado, ou seja, para um estado eletrônico maior e para os diversos níveis vibracionais e rotacionais desse estado eletrônico. Uma molécula ou sua parte que pode ser excitada por absorção é chamada cromóforo. Assim sendo, o espectro de absorção de uma molécula será composto por um conjunto de bandas, associadas às diversas transições vibracionais e rotacionais possíveis dos dois estados eletrônicos envolvidos na transição. Do ponto de vista prático, quanto maior for o número de moléculas capazes de absorver a luz de certo comprimento de onda, maior será a extensão dessa absorção. Além disso, quanto maior for a eficiência que uma molécula tem de absorver luz de certo comprimento de onda, maior será essa absorção. Com base nestas ideias iniciais pode-se formular uma equação empírica que se chama Lei de Lambert-Beer, que relaciona a intensidade da luz que incide na solução de uma amostra (I0) e a intensidade da luz que sai dessa solução (I). Log (I0/ I) =A=.c.I 40 estudos estruturais UNIDADE II onde A é a absorbância, é o coeficiente de extinção, c é a concentração da amostra e l é a espessura da amostra através da qual a luz passa. O coeficiente de extinção () ou absortividade molar é uma grandeza característica de uma dada substância, e pode variar sob uma série de condições exatamente definidas, tais como comprimento de onda, solvente em que se encontra, e temperatura. Dessa forma, a capacidade que as proteínas apresentam de absorverem luz em determinados comprimentos de onda é frequentemente utilizada para a sua determinação quantitativa e qualitativa, uma vez que o espectro de absorção é característico para uma determinada substância e a quantidade de absorção (intensidade) é dependente da concentração desse composto. Para realizar a medida do espectro de absorção de uma proteína é necessário que se utilize uma luz de comprimento de onda conhecido. O que será medido, então, é a diminuição da intensidade dessa luz após ela passar pela amostra. Para isso, a amostra deve ser colocada num recipiente de espessura também conhecida. Dessa forma, como a absorção de luz na região visível e ultravioleta depende do arranjo dos elétrons nas moléculas ou íons absorventes, os picos de absorção poderão ser facilmente relacionados com o tipo de ligação que existe na amostra estudada. Atualmente, essas medidas são feitas em aparelhos chamados espectrofotômetros (esquema na Figura 23), que possuem uma fonte de luz que produz uma larga faixa de radiação e que é capaz de selecionar o comprimento de onda necessário para ser incidido sobre a amostra. Nas medidas, o feixe de luz atravessa a amostra e, em alguns espectrofotômetros, atravessa também uma referência que contém apenas a solução em que se encontra a amostra analisada; nesse último caso, o resultado é a diferença das intensidades da amostra e da referência. Figura 23 – Esquema básico dos componentes de um espectrofotômetro convencional. Modificada a partir de http://www.infoescola.com/materiais-de-laboratorio/espectrofotometro/. Retirado em 11/01/2012. 41 UNIDADE II | estudos estruturais Quais critérios você utilizaria para a escolha de uma solução a ser usada para diluir a sua amostra a ser estudada com a espectroscopia de absorção no ultravioletavisível? De um modo geral, o espectro de absorção das proteínas apresenta uma intensa banda de absorção centrada próxima a 220nm (Figura 24), correspondente à absorção da ligação peptídica entre os resíduos. A outra banda, menos intensa e porém mais larga, centrada em 280nm, correspondente à absorção da cadeia aromática dos resíduos de aromáticos, em especial o resíduo de triptofano, que apresentam absorção máxima nesse comprimento de onda. A cadeia lateral dos resíduos de tirosina apresenta uma absorção máxima na região de 276 nm, tendo um coeficiente de extinção menos intenso que o triptofano. Figura 24 – Espectro de absorção no UV de uma cadeia polipeptídica evidenciando as bandas na região de 280m nm e 220 nm. Vale lembrar que cada tipo de biomolécula interage com a luz de maneira diferenciada, pois apresenta grupos funcionais diferentes, e isso é refletido no seu espectro de absorção que é característico dos grupamentos químicos dessa molécula. As bases nitrogenadas das moléculas de DNA, por exemplo, absorvem na faixa do UV com máximo de absorção centrado em torno de 260 nm. Para o estudo das proteínas, algumas aplicações importantes dessa técnica estão centradas na: 42 1. Caracterização de substâncias (análise qualitativa). Ao caracterizar as substâncias, é possível determinar qual espécie química está presente na amostra pela identificação dos picos de absorção do espectro. Também é possível detectar contaminações ou processos de decomposição de matérias-primas pela comparação dos espectros de absorção da matéria e do seu padrão. Com base nas bandas de absorção típica de cada substância é possível distinguir e identificar uma molécula pelo seu espectro de absorção típico. Além disso, diferentes ensaios colorimétricos são empregados para monitorar a formação de complexos, estudos estruturais UNIDADE II degradação de substratos pela ação de enzimas, entre outros, uma vez que a ocorrência destas reações leva ao aparecimento de uma banda no espectro da amostra que não estava presente anteriormente na solução. 2. Dosagem de proteínas. As proteínas apresentam um espectro de absorção bem característico, e esse espectro apresenta uma forte dependência com a quantidade de proteína presente na solução. Dessa forma, é possível criar uma curva que correlacione diferentes concentrações de uma proteína conhecida com a intensidade das bandas de absorção. Essa curva pode ser usada para se determinar a concentração de uma solução proteica desconhecida, que é monitorada por diferentes reações colorimétricas a serem ocorridas com a proteína. 3. Contagem de células. A leitura da absorbância em 600 nm corresponde a uma medida da turbidez da solução medida. Se essa medida for realizada numa cultura celular, ela será diretamente proporcional ao número de células da cultura. Portanto, curvas de crescimento celular podem ser construídas com a medida da turbidez da cultura celular em intervalos de tempo regulares. 43 Capítulo 6 Difração de raios-X e cristalografia de proteínas A absorção não é o único fenômeno que pode ocorrer quando incidimos radiação eletromagnética sobre um conjunto de moléculas, mas ela pode também ser espalhada. Com o intuito de medir algo de modo muito preciso, devemos utilizar uma “régua” apropriada. Para medir a distância entre cidades, por exemplo, falamos em termos de quilômetros (km), para medir o comprimento de um livro, utilizamos os centímetros (cm). Já para medir a distância entre os átomos, numa cadeia polipeptídica, por exemplo, os cientistas utilizam os angstroms (Å). Dessa forma, a “régua” utilizada para se medir perfeitamente em angstroms são os raios-X. Um feixe de raios-X pode ser utilizado de modo muito melhor que um feixe luminoso, permitindo, assim, que medições possam ser feitas com ângulos bastante pequenos. O comprimento de onda dos raios-X utilizados por cristalógrafos são da faixa de 0.5 a 1.5 Å, que correspondem ao tamanho da distância entre átomos numa molécula. Dessa forma, o feixe de raios-X que é incidido no cristal é espalhado em muitas direções. Por meio da determinação de cada ângulo de espalhamento e da intensidade do feixe espalhado é possível conhecer a posição espacial (nas coordenadas X, Y e Z) de cada partícula espalhadora de modo a gerar uma imagem tridimensional da molécula no cristal. Por esse motivo, a difração de raios-X é um dos métodos mais utilizados para se conhecer completamente e com exatidão a estrutura molecular de uma proteína. A contribuição da cristalografia de raios-X para a nossa atual compreensão da estrutura de proteínas deve ser bastante enfatizada. Esse modelo requer cristais de proteínas, ou seja, estruturas que contenham uma ordem repetitiva de moléculas idênticas de proteínas (Figura 25). Os cristais de proteínas são formados a partir de uma solução concentrada da proteína de interesse, feito que pode ser um fator limitante para proteínas que aglomeram desordenadamente em função do aumento da concentração. Essa solução deve ter o pH tamponado e conter um agente precipitante, que normalmente é um sal adicionado à proteína a fim de competir com a molécula proteica pelas interações com as moléculas de água, forçando as proteínas a se associarem para satisfazerem suas ligações eletrostáticas. Muitas vezes, mesmo para proteínas muito solúveis é difícil a obtenção de cristais proteicos. Além disso, para cada proteína a ser cristalizada, o protocolo específico de cristalização deve ser primeiramente estabelecido. Por fim, não basta apenas obter os cristais, mas estes devem ainda fornecer bons padrões de difração, de modo a resultar na resolução completa de toda a estrutura proteica. 44 estudos estruturais UNIDADE II Em um cristal, os átomos e moléculas apresentam um padrão muito regular. Quando um feixe de raios-X é dirigido a um cristal e como ele o atravessa, esse cristal funciona como uma forte grade de difração – os elétrons dos átomos são os responsáveis pelo espalhamento das ondas eletromagnéticas que incidem no cristal e produzem um diagrama chamado padrão de difração de raios-X. A partir desse padrão é possível calcular a posição de cada um dos átomos na molécula, o que permitirá a dedução da estrutura de uma molécula individual de proteína. Figura 25 – Imagem microscópica de cristais de proteínas com diferentes morfologias. Modificado a partir de http://mybelojardim.com/biotecnologia-usando-materiais-inteligentes-para-desenvolver-inteligentes-medicamentos. Retirado em 11/02/2012. A coordenada de todos os átomos de proteínas que tiveram sua estrutura determinada por cristalografia de raios-X são acessíveis via internet, em banco de dados eletrônicos (PDB, Protein DataBank) Você sabe qual foi a primeira proteína que teve a sua estrutura cristalográfica resolvida? É hora de conhecer um pouco mais sobre a história da Mioglobina. Busque informações sobre essa proteína e sobre sua estrutura cristalográfica. 45 Capítulo 7 Outras técnicas espectroscópicas Neste capítulo serão apresentadas, brevemente, mais algumas técnicas que são aplicadas no estudo da estrutura das proteínas. O princípio básico dessas técnicas será qualitativamente discutido, e nos focaremos nas possibilidades de aplicação de cada uma delas. Espectroscopia de dicroísmo circular (CD) Vimos que a espectroscopia de absorção de luz é capaz de identificar os compostos presentes numa amostra. Entretanto, nessa técnica todas as proteínas apresentam espectros de absorção na região do UVvisível semelhantes, pois o cromóforo da ligação está presente em todas as proteínas. Mas será possível utilizar uma técnica espectroscópica que seja capaz de diferenciar as proteínas pelo conteúdo de estrutura secundária que elas apresentam? Será possível diferenciar bandas de absorção de uma proteína que apresente uma estrutura secundária majoritariamente composta por elementos helicoidais de uma proteína que apresente uma estrutura secundária majoritariamente formada por elementos-β? Tanto é possível que uma das técnicas espectroscópicas empregadas com esse intuito é a espectroscopia de dicroísmo circular (CD). Vamos entender um pouco dessa técnica pelo estudo das propriedades em que ela se baseia. Primeiramente devemos citar que a técnica de CD se baseia em propriedades físicas que reflitam essa assimetria estrutural das proteínas. Bem sabemos que as proteínas exibem o que chamamos de atividade óptica, pois apresentam uma característica fundamental: a quiralidade. Quiralidade é um termo utilizado em Química para definir objetos não sobreponíveis à sua própria imagem no espelho. Esses objetos geralmente são moléculas e o estudo da quiralidade está associado a um fenômeno cada vez mais atual. Portanto, uma molécula é quiral quando não é sobreponível à sua imagem no espelho. Pesquise mais sobre esse assunto. Ele é de grande importância para nossos estudos. A técnica de CD necessita ainda de um tipo especial de radiação, a radiação circularmente polarizada (Figura 26), para fazer a distinção entre os elementos de estrutura secundária. Quando as proteínas interagem com esse tipo de luz, elas vão provocar alterações na sua polarização, e a técnica de CD detecta 46 estudos estruturais UNIDADE II exatamente essa alteração. A técnica utiliza as diferenças de absorção provenientes da interação da proteína de interesse com a luz circularmente polarizada à direita e a luz circularmente polarizada à esquerda. Plano imaginário dipolos cruzados alimentados a 90 graus B atrasado 92 grau em relação a A. sentido aparente de rotação do vetor mão direita direção de propagação Figura 26 – Esquema da luz circularmente polarizada à direita. Modificada de http://www.qsl.net/py4zbz/antenas/polarizacao.htm. Retirada em 11/01/2012. Reforce os seus conhecimentos sobre ondas polarizadas, e observe as animações dos tipos de polarizações da luz no site abaixo. http://www.qsl.net/py4zbz/antenas/polarizacao.htm Do mesmo modo, como visto nos espectros obtidos de absorção eletrônica, o espectro de CD também é composto por uma série de bandas de absorção. Cada uma dessas bandas corresponde, igualmente, a uma transição eletrônica do estado fundamental para o estado excitado. As bandas são caracterizadas por alguns parâmetros; um deles é o seu posicionamento no comprimento de onda, que é o valor em que a absorção atinge seu valor máximo ou mínimo. Outro parâmetro é a intensidade do sinal, que são os valores dos picos para a banda em questão. A ausência de estrutura regular resulta numa intensidade nula em algumas regiões do sinal de CD, enquanto as estruturas ordenadas apresentam espectros que podem conter sinais positivos e negativos. São os ângulos específicos ø e ψ da cadeia polipeptídica os responsáveis por cada uma das estruturas secundárias conhecidas de proteínas. Cada tipo de estrutura secundária apresenta um espectro de CD característico, com bandas posicionadas em comprimentos de ondas específicos e distintos uns dos outros. Por isso, a forma do espectro de CD de uma proteína dependerá do seu conteúdo de estrutura secundária. Por exemplo, imaginemos que uma proteína apresente majoritariamente os ângulos ø e ψ 47 UNIDADE II | estudos estruturais para a estrutura helicoidal em toda a sua cadeia polipeptídica; dessa forma, ela apresentará as bandas de absorção correspondentes apenas a essa estrutura no seu espectro de CD (Figura 27). De forma semelhante, acontecerá a uma proteína que apresente uma contribuição majoritária de estruturas desordenadas, que também será evidenciado por uma banda específica desse dobramento no espectro de CD. Figura 27 - Espectros de CD associados com os diferentes tipos de estrutura secundária. A curva de linha sólida representa uma proteína composta de 100% de α-hélice. A linha tracejada representa uma proteína de fitas-β; alinha pontilhada para voltas-β; e a curva de linha pontilhada e tracejada representa as estruturas desordenadas. Retirado de Kelly & Price, 1997. BBA 1338 (2). 161-185. Isso permite que as proporções de estruturas helicoidais, estruturas-β, voltas e estruturas desordenadas sejam determinadas com base na análise do espectro de CD de uma proteína. Mas é claro que, como todas as técnicas espectroscópicas, o sinal de CD reflete uma média global de todo tipo de estrutura secundária que se encontra numa molécula. Por isso, a técnica de CD pode determinar que uma proteína contém cerca de 50% de α-hélice, mas ela não sabe dizer quais resíduos específicos na proteína estão envolvidos nessa porção helicoidal. 48 estudos estruturais UNIDADE II O posicionamento dos máximos e mínimos de absorção das estruturas secundárias mais presentes nas proteínas pode ser visto na Tabela 2. Tabela 2 – Posicionamento das bandas de CD de cada uma das estruturas secundárias mais frequentemente encontradas nas proteínas. Conformação α- hélice Fita-ß Voltas-ß Desordenada Mínimos de absorção (nm) Máximos de absorção (nm) 222 e 208 196 216 198 - 215 198 - Fonte: Kelly & Price, 1997. BBA 1338 (2). 161-185. Algumas das vantagens na utilização dessa técnica são que as medidas experimentais são simples e rápidas, e feitas em solução, além de tratar de uma técnica não destrutiva, na qual se realiza a recuperação total da amostra medida. Algumas das aplicações mais utilizadas na espectroscopia de CD estão centradas em: 1. Determinar a estrutura secundária de proteínas, uma vez que o cromóforo que absorve fortemente na região espectral de 190-250 nm é a ligação peptídica, e o sinal de CD surge de acordo com a maneira como cada uma das ligações peptídicas é posicionada ao longo da cadeia polipeptídica. 2. Determinar se uma proteína está enovelada e, dessa forma, caracterizar a sua estrutura secundária, estrutura terciária, e a família estrutural a que pertence. 3. Comparar as estruturas secundárias de uma proteína obtida a partir de diferentes fontes, como, por exemplo, uma delas extraída de fontes naturais e a outra obtida em sistemas de expressão. Ou, ainda, a comparação da estrutura de diferentes versões mutantes de uma mesma proteína. 4. Estudar a estabilidade conformacional de uma proteína sob estresse térmico, presença de agente desnaturante ou caotrópico e variação de pH. 5. Determinar se as interações proteína-proteína ou proteína-ligante são capazes de alterar a conformação da proteína. Caso haja alguma mudança conformacional, o resultado será um espectro de CD que vai diferir da soma dos componentes individuais. Pequenas mudanças conformacionais são vistas, por exemplo, na formação de diferentes complexos receptor-ligantes, proteína-lipídio, proteína-carboidrato, etc. Espectroscopia de fluorescência Sabemos que após a absorção de um fóton, a molécula passa do estado fundamental para um nível mais alto de energia. Mas qual será o destino dessa molécula que se encontra agora no estado eletrônico excitado? Basicamente, dois fenômenos podem ocorrer. O primeiro deles é que toda energia absorvida pode se perder de um modo não radioativo – em muitos casos a energia é transferida em forma de calor para o meio. O segundo fenômeno é a molécula decair do estado excitado para o fundamental, emitindo novamente luz. A emissão de luz por parte de átomos de um elemento ocorre quando elétrons saltam de 49 UNIDADE II | estudos estruturais uma camada energética para outra. No caso de moléculas, a emissão luminosa é baseada nos movimentos de rotação e vibração da molécula e no movimento dos elétrons de seus átomos constituintes. A espectroscopia de fluorescência é a técnica que detecta o espectro da radiação emitida por um átomo ou molécula, quando essa passa do estado excitado para o estado fundamental (Figura 28). Analisando, então, o espectro luminoso de diversos elementos, podemos descobrir muito sobre os seus movimentos. O espectro de fluorescência também serve como uma identificação específica para um composto. Isso, juntamente com o fato de que quantidades muito pequenas de radiação emitida podem ser detectadas, torna a fluorescência uma ferramenta extremamente sensível e de grande utilidade na Biologia, Biologia Celular e Molecular e até em Biofísica Molecular. Conversão Interna Absorção Fluorescência Figura 28 – Diagrama de Jablonski. A absorção de determinada quantidade de energia faz com que um elétron passe do menor estado vibracional do estado fundamental (S0) para um estado vibracional superior do estado excitado S1 ou S2. Após passar por processos não radiativos que conduzem o elétron ao menor nível vibracional do primeiro estado excitado, a emissão de fluorescência pode ocorrer, que é a emissão de um fóton devido ao decaimento do estado S1 para o estado fundamental S0. Na emissão de fluorescência, a luz emitida apresenta frequência diferente da frequência da luz excitadora. Por que isso acontece? Dois importantes parâmetros são obtidos do espectro de fluorescência: o comprimento de onda de emissão máxima (λmax) e a intensidade da luz emitida. Nos estudos de interesse biológico em que se aplica a técnica de fluorescência, se utilizam dois tipos de compostos fluorescentes: os intrínsecos, no caso em que as próprias moléculas em estudo apresentem propriedades fluorescentes; e os extrínsecos, que 50 estudos estruturais UNIDADE II compreendem as substâncias adicionadas ao sistema que podem ou não estar unidas de forma covalente a algum dos componentes do sistema. Nas proteínas, a emissão de fluorescência se deve aos três aminoácidos aromáticos: triptofano, tirosina e fenilalanina, a menos que a proteína contenha outro componente fluorescente. Quase todas as proteínas apresentam esses fluoróforos naturais, já que os aminoácidos aromáticos são abundantes. No entanto, o rendimento quântico da fenilalanina em proteínas é muito pequeno e sua contribuição no espectro de fluorescência é quase sempre imperceptível. A emissão da tirosina em água ocorre por volta de 303 nm, mas esse resíduo é relativamente insensível à polaridade do solvente. A emissão da tirosina é geralmente fraca devido a vários fatores, como a transferência de energia ao triptofano. Dessa forma, o resíduo de triptofano é o fluoróforo mais empregado no estudo das proteínas em solução, pois esses resíduos chegam a determinar cerca de 90% da fluorescência das proteínas. O pico de emissão do triptofano livre em água ocorre por volta de 355 nm, e esse resíduo é sensível à polaridade do solvente, o que quer dizer que esse valor de emissão máxima pode variar de acordo com a polaridade da microvizinhança em que esse aminoácido se encontra (Figura 29). Figura 29 – Espectros de emissão de fluorescência do resíduo de triptofano em diferentes posições na estrutura proteica. As localizações variam desde mais protegidos de interações com o solvente (em 1) até totalmente exposto à solução (em 4). Retirado de Lakowicz, J.R. Principles of Fluorescence. 2006. O estudo da fluorescência intrínseca de proteínas geralmente é realizado com excitação na máxima absorção (perto de 280 nm), ou em comprimentos de ondas maiores. A absorção de proteínas em 280 nm é devida aos resíduos de tirosina e triptofano. Em comprimentos de ondas maiores do que 295 nm, 51 UNIDADE II | estudos estruturais a absorção é devida principalmente ao triptofano. Alguns cofatores, como NADH, riboflavina, flavina mononucleotídeo, e flavina adenina dinucleotídeo também são moléculas fluorescentes que podem ser estudadas por essa técnica. Algumas das aplicações dessa técnica são as seguintes: 1. Monitorar o processo de desnaturação de uma proteína ocasionado por diferentes fatores (temperatura, agentes desnaturantes, pH, adição de solventes, etc.). A emissão de fluorescência do resíduo de triptofano pode ser usada como uma sonda do estado enovelado da proteína, pois o máximo de emissão do espectro de fluorescência do triptofano é deslocado para comprimentos de ondas mais curtos à medida que a polaridade do solvente diminui. No estado nativo enovelado, as proteínas geralmente posicionam os resíduos aromáticos em núcleos hidrofóbicos, protegidos das interações com o solvente. O monitoramento do deslocamento do máximo de emissão do resíduo de triptofano para comprimentos de ondas cada vez mais próximos de 355 nm indica o desenovelamento da cadeia polipeptídica. 2. A presença de um aminoácido de triptofano num sítio de ligação de uma proteína pode fornecer uma boa estratégia para se monitorar a ligação de alguma molécula/ substratos nesse sítio, pois seu microambiente pode apresentar polaridades diferentes tanto na ausência quanto na presença deste substrato, e isso resulta em diferentes espectros de emissão de fluorescência do resíduo aromático. Espectroscopia de Infravermelho Quase todos os compostos que tenham ligações covalentes são capazes de absorver frequências de radiação eletromagnética na região do infravermelho. A radiação infravermelha corresponde, aproximadamente, à parte do espectro eletromagnético situada entre as regiões do visível (acima de 800nm) e das micro-ondas. No entanto, a região que mais tem interesse na química é a região vibracional, que inclui comprimentos de onda da radiação de 2.5 μm e 25 μm. Do mesmo modo que acontece em outros tipos de absorção de energia, quando as moléculas absorvem radiação no infravermelho são excitadas para atingir um estado de maior energia. Mas a absorção de radiação no infravermelho corresponde a alterações de energia que correspondem às frequências vibracionais de estiramento, e dobramento das ligações na maioria das moléculas. Como cada tipo de ligação tem sua frequência natural de vibração, e como dois tipos idênticos de ligação em dois compostos diferentes estão em ambientes levementes diferentes, os padrões de absorção no infravermelho dessas duas moléculas não serão exatamente idênticos. Assim, o espectro de infravermelho pode servir para moléculas da mesma forma que impressões digitais servem para os humanos. A espectroscopia de infravermelho aplicada ao estudo de proteínas também é outra técnica utilizada para se conhecer a estrutura secundária de proteínas. No infravermelho de proteínas, certos grupos 52 estudos estruturais UNIDADE II apresentam transições vibracionais em frequências características, como, por exemplo, o C=O, que tem uma frequência fundamental de estiramento de cerca de 1700 cm-1. Esse grupo apresenta transições sensíveis ao ambiente e às ligações de hidrogênio. Tanto o C=O como as vibrações -NH são muito sensíveis a ligações de hidrogênio. Uma vez que esses grupos estejam envolvidos em ligações de hidrogênio, a frequência de vibração será deslocada para valores mais baixos. Se, por exemplo, uma cadeia polipeptídica estiver na configuração helicoidal, os grupos C=O estarão ligados por ligações de hidrogênio, e isso resultará num decréscimo da frequência de estiramento dos grupos carbonilas livres para o valor de 1650 cm-1. Na prática, as duas bandas mais informativas no estudo de proteínas no infravermelho são as chamadas banda amida I, que corresponde a C=O, e banda amida II, uma combinação das vibrações de deformação –NH e de alongamento CN. As frequências de vibração das estruturas secundárias mais comuns estão mostradas na Tabela 3. Uma das grandes dificuldades na utilização da análise infravermelha em materiais biológicos é a forte absorção da água que ocorre nas duas regiões em torno de 3400 cm-1 e 1600 cm-1, dificultando o estudo de proteínas nas duas bandas mais representativas. Tabela 3 – Frequências de infravermelho da banda Amida I e Amida II de cadeias polipeptídicas em diferentes estruturas secundárias. Conformação Amida I (cm-1) Amida II (cm-1) Desordenada 1656 1535 αHélice 1650 1546 Fita-ß paralela 1630 1530 Fita-ß antiparalela 1632 1530 Fonte: Campbel & Dwek. Biological Spectroscopy. 1984. Outras técnicas Abaixo, seguem breves informações sobre outras técnicas físicas experimentais de espalhamento e/ou absorção de luz que também são frequentemente empregadas na caracterização estrutural de proteínas: 1. Espalhamento de luz dinâmico (DLS) – Utilizado para dar informações sobre o tamanho médio das partículas em solução, e pode sugerir graus de oligomerização. 2. Espalhamento de raios-X a baixos ângulo (SAXS) – Técnica que permite tirar informações mais precisas a respeito do tamanho, forma e grau de oligomerização de uma proteína. 3. Ressonância Paramagnética eletrônica (EPR) – Técnica utilizada na identificação e caracterização estrutural de centros metálicos em metaloproteínas, ou em moléculas que apresentem elétrons desemparelhados. 4. Ressonância magnética nuclear (RMN) – técnica que permite resolver a estrutura de proteínas inteiras, porém é empregada em proteínas em solução, e não requer a obtenção de cristais. É mais utilizada para pequenas cadeias polipeptídicas, e fornece informações tanto estruturais (curto alcance) como dinâmica. 53 Capitulo 8 O uso de Microscopia Há milhares de anos a estrutura da matéria desperta o interesse do homem, pois de posse do conhecimento detalhado da estrutura de um material é possível prever suas propriedades físico-químicas e também o seu comportamento frente a diferentes condições. No entanto, o conhecimento da estrutura dos materiais está intimamente ligado à disponibilidade e ao aperfeiçoamento de técnicas experimentais. Nas mais diferentes áreas do conhecimento, umas das abordagens experimentais mais utilizadas no estudo dos materiais é a microscopia. Dentro dessa técnica, três diferentes tipos de microscopia são amplamente utilizados: 1. A microscopia óptica (MO), que é uma técnica rápida, econômica e que permite a realização da análise de grandes áreas em pequenos intervalos de tempo. O microscópio óptico é um instrumento de simples utilização, empregado para ampliar estruturas pequenas que não podem ser visualizadas a olho nu. Seu funcionamento está ligado à utilização de um conjunto de lentes que permitem controlar um feixe de luz de componente óptico para ampliar as imagens desejadas. O uso de luz nesse tipo de microscopia permite aumentar a visualização em até 1500 vezes. Embora esse aumento não seja tão significativo, a MO é frequentemente empregada no estudo de culturas celulares, cortes em tecidos, etc. Uma limitação é que não é possível alcançar grandes detalhes da estrutura celular. 2. A microscopia eletrônica de varredura (MEV), que se apresenta como uma técnica que fornece excelente profundidade de foco, o que torna possível analisar superfícies irregulares do corpo de seres vivos com grandes aumentos, e estudo mais rico e detalhado das estruturas celulares. O potencial de aumento do microscópico de MEV é muito superior ao do óptico, pois não há utilização de feixe de luz, mas sim de um feixe de elétrons. Pode-se atingir um aumento da ordem de 10 000 vezes, pois tal técnica possibilita que a amostra seja varrida por um feixe muito fino de elétrons. 3. A microscopia eletrônica de transmissão (MET), que se difere do MEV por estudar as estruturas cortadas em fatias muito finas, permitindo a análise de defeitos e fases internas dos materiais, como defeitos de empilhamento. Para a realização de medidas no microscópio eletrônico é necessário, inicialmente, fixar e corar o material a ser estudado com sais de metais pesados para favorecer os contrastes em todas as estruturas das células. Os corantes fazem com que as estruturas fiquem menos permeáveis aos feixes de elétrons, no qual as 54 estudos estruturais UNIDADE II estruturas mais coradas são visualizadas em preto e branco ou ainda cinza-escuro e as que são menos coradas, em cinza-claro. Devemos destacar que essas técnicas são complementares e cada uma delas tem seu campo específico de aplicação. Já sabemos que nem de posse do microscópio mais potente conseguimos observar a estrutura de uma proteína individual, de modo a observar o posicionamento espacial dos seus átomos. Mas, devido à capacidade que as proteínas apresentam em se associarem a outras subunidades proteicas, organizandose em oligômeros bem maiores, ou formando estruturas em forma de fibras, complexos proteicos fazem com que a microscopia eletrônica possa ser aplicada no estudo desses arranjos. Além disso, o estudo estrutural das proteínas que estão inseridas nas membranas biológicas é uma área de interesse que apresenta grande dificuldade, uma vez que a retirada dessas moléculas da membrana é feita com uma solubilização com detergentes, o que torna ainda mais difícil a aquisição de cristais dessas moléculas, pois a proteína quando solubilizada se apresenta complexada com esses detergentes. Entretanto, como essas proteínas conseguem formar arranjos bidimensionais na membrana, esses arranjos podem ser estudados pela microscopia eletrônica. Mas é claro que a resolução dessas imagens é muito limitada, por volta de 10-20 Å, não sendo possível descrever a ligação peptídica ao longo da cadeia principal da proteína. 55 PARA (NÃO) FINALIZAR Ao longo desta disciplina estudamos mais detalhadamente as proteínas como polímeros biológicos altamente organizados em diferentes níveis estruturais e destacamos as mais diferentes funções que elas podem desempenhar nos organismos vivos. Foi visto também que o bom desempenho de cada uma dessas funções específicas só pode ser atingido uma vez que a proteína esteja enovelada corretamente no seu estado nativo. O estudo do enovelamento de proteínas é outra área de estudo de grande interesse em Biologia Estrutural, na qual frequentemente aparecem teorias para tentar desvendar como tal processo é realizado na célula. Discutimos também que, para conhecermos a estrutura dessa biomolécula em laboratórios de biofísica, devemos utilizar diferentes regiões da radiação eletromagnética (luz) para interagir com a nossa proteína de interesse. Muitas são as técnicas experimentais que podem ser aplicadas nesse intuito, e, atualmente, cada uma dessas técnicas está sendo continuamente aprimorada a fim de obtermos informações estruturais cada vez mais precisas e com mais exatidão. Devemos ressaltar também que, juntamente com o desenvolvimento/aprimoramento das técnicas físicas, o grande avanço estrutural/funcional que se obteve no estudo de proteínas nessas últimas décadas deve-se também ao domínio das técnicas de obtenção de proteínas recombinantes. O domínio das técnicas de clonagem e o sucesso da obtenção das proteínas recombinantes em diferentes sistemas de expressão, aplicado para os mais diferentes tipos de proteínas já apresentados, foram capazes de suprir as quantidades de amostra necessárias ao estudo estrutural de cada uma das técnicas físicas utilizadas. 56 REFERÊNCIAS BRANDEN, Carl; TOOZE, John. Introduction to Protein Structure. 2. ed. 410 p. 1998. MURAY, Robert K.; et al. Bioquímica Ilustrada. 27. ed. 620p. 2007. PAVIA, Donald l.; et al. Introdução à espectroscopia. Cengage Learning. 4. ed. 700p. HOLDE, Van; KENSAL, Edward. Bioquímica física. MELO, Alexandre – São Paulo; BLUCHER, Edgard – Brasília (trad.) Brasília, INL, 1975. 194 p. Fundamentos da Bioquímica Moderna. LEHNINGER, A.L.; NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica. 4. ed. São Paulo: Sarvier, 2006. CANTOR, C.R.; SCHIMMEL, P.R. Biophysical chemistry: Part III ‘The behavior of biological macromolecules: W.H. Freeman, San Francisco, 1980. 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