Capítulo 4 DINÂMICA (CINÉTICA) DAS PARTÍCULAS 4.1 INTRODUÇÃO Quando uma partícula está sujeita a um sistema de forças não equilibrado, essa partícula terá um movimento acelerado. A cinética consiste no estudo das relações entre sistemas de forças não equilibrados e nas mudanças de movimentos por eles provocados. As propriedades dos sistemas de forças foram abordadas na Mecânica I (Estática) e o estudo do movimento da partícula (cinemática da partícula) foi abordado no capítulo 1. Neste capítulo serão abordadas as leis governativas das relações entre força e movimento. Existem quatro conceitos fundamentais no estudo da dinâmica: o espaço, a massa, o tempo e a força. Os conceitos de espaço, massa e tempo já foram abordados nos capítulos anteriores. Noção de força: Força é toda a causa capaz de modificar o estado de repouso ou de movimento de um corpo ou de lhe causar deformações. No caso geral, as forças que actuam nos corpos deformáveis são funções da posição do corpo (isto é, do ponto de aplicação), da sua velocidade e do tempo. Na Mecânica II será considerado apenas o movimento dos corpos rígidos (sem deformações). Quando se compara os resultados das acções de uma mesma força sobre diferentes corpos é-se levado à noção de inércia, da qual a massa do corpo é importante e uma medida dessa inércia. Isto porque quando actua uma mesma força 109 Dinâmica (cinética) das partículas sobre corpos de massas diferentes em tempo iguais, os diferentes corpos ocuparão diferentes posições e serão animados de velocidades diferentes. Noção de inércia: A inércia é função da quantidade de matéria de um corpo, sendo, por isso, caracterizada à custa da massa do corpo e é proporcional a ela, daí que possa ser mecanicamente referido que a massa de um corpo é uma medida da sua inércia. De uma forma simplificada, pode-se dizer que a inércia caracteriza a propriedade que os corpos têm para se oporem a uma variação de velocidade sob a acção das forças que lhe estão aplicadas. Na mecânica clássica newtoniana, a massa é uma grandeza positiva, escalar e constante para cada corpo. Também o tempo é considerado absoluto, isto é, ocorre simultaneamente no universo mecânico newtoniano. Na mecânica relativista de Einstein, a massa não é constante e o tempo não é absoluto. Na realidade, a massa depende da velocidade dos corpos: m= m0 v2 1− 2 c (4.1) onde c representa a velocidade da luz medida no vácuo. No capítulo 2, onde se abordou a cinemática de sistemas de partículas, foi já referido o carácter relativo do conceito de movimento e foi também enunciado o designado princípio da relatividade newtoniana em relação a determinados referenciais. Desta forma, é preciso definir os sistemas de referência para os quais são válidos os princípios fundamentais da dinâmica que a seguir serão apresentados. Para tal, Newton introduziu a noção de espaço absoluto e a noção de referencial absoluto (ou de Copérnico). 110 Capítulo 4 Noção de espaço absoluto e de referencial absoluto: O referencial absoluto é aquele cuja origem é o centro do sistema solar e cujas direcções dos eixos coordenados são as três determinadas estrelas fixas que podem ser consideradas como em repouso no espaço absoluto. As hipóteses e princípios fundamentais da dinâmica, além de serem válidas no referencial absoluto, são também válidas em qualquer outro referencial em translação rectilínea e uniforme relativamente ao referencial absoluto (conforme se verificou no capítulo 2, na secção 2.6.4). Um referencial desta natureza designa-se referencial de Galileu ou referencial de inércia. Deste modo, as leis da dinâmica newtoniana são as mesmas em todos os referenciais de inércia pois estes são mecanicamente equivalentes. Teoricamente, dever-se-ia estudar o movimento, de qualquer corpo à superfície da Terra, relativamente a um referencial de inércia. No entanto, verifica-se que para a grande maioria de experiências e fenómenos da mecânica newtoniana são ainda válidas relativamente a um referencial ligado à Terra. É em relação a um tal referencial que, sempre que possível, se irá efectuar o estudo da dinâmica dos corpos rígidos. 4.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DINÂMICA O estudo da dinâmica assenta em princípios básicos designados por princípios fundamentais da dinâmica (ou da mecânica), encarados como postulados em consequência dos trabalhos de Galileu, Kepler e Newton. 4.2.1 Primeiro princípio – Princípio da inércia ou de Galileu Todo o corpo permanece no seu estado de repouso ou rectilíneo e uniforme se nenhuma causa exterior actuar sobre ele. Deste princípio resulta que não há diferença fundamental entre repouso e movimento rectilíneo e uniforme, de acordo com o já referido princípio da relatividade newtoniana. Assim, o movimento rectilíneo e uniforme e o repouso são duas faces da mesma realidade mecânica e pode-se então afirmar que o movimento 111 Dinâmica (cinética) das partículas rectilíneo e uniforme é um estado natural dos corpos. Por isso, a dinâmica só analisará as perturbações a partir de tal estado natural. 4.2.2 Segundo princípio – Princípio fundamental da dinâmica Este princípio consiste na segunda lei de Newton, que relaciona o movimento do corpo com as forças nele actuantes. A segunda lei de Newton pode enunciar-se como se segue: “Se a resultante das forças actuantes numa partícula não for zero, esta adquirirá uma aceleração proporcional à intensidade da força resultante, na mesma direcção e no mesmo sentido desta”. A demonstração desta lei é puramente experimental, sendo o seu significado descrito pela seguinte experiência: r Uma partícula de massa m está sujeita a uma força F1 com direcção constante e intensidade F1 constante. Sob a acção desta força, a partícula desloca-se segundo uma linha recta, com a mesma direcção e o mesmo sentido da força. Figura 4.1 – Segunda lei de Newton. Determinando a posição da partícula em vários instantes, verifica-se que a aceleração tem uma intensidade constante a1. Repetindo esta experiência com as forças F2, F3, ..., com diferentes intensidades ou direcções, conclui-se que em cada instante a partícula se move na direcção da força actuante, e que as intensidades a1, a2, a3, ..., das acelerações são proporcionais às intensidades F1, F2, F3, ..., das forças correspondentes, então: F1 F2 F3 F = = = ... = = constante a1 a2 a3 a (4.2) O valor constante que se obtém para a razão das intensidades das forças e das acelerações é uma propriedade da partícula que não se altera. Essa propriedade é a 112 Capítulo 4 inércia da partícula que corresponde à sua resistência em alterar a sua velocidade. r Para uma partícula de grande inércia, a aceleração gerada pela aplicação da força F será menor que a aceleração de uma partícula de pequena inércia sujeita à mesma r força F . A massa m é usada como uma medida dessa inércia e, por isso, este 2º princípio fundamental da dinâmica pode ser expresso por: r r F = m⋅a (4.3) 4.2.3 Terceiro princípio – Princípio da igualdade da acção e reacção Toda a acção de um corpo sobre outro provoca da parte deste uma reacção oposta e de grandeza igual à acção. Figura 4.2 – Igualdade da acção e da reacção. 4.2.4 Quarto princípio – Princípio da independência do efeito das forças simultâneas Quando várias forças actuam simultaneamente sobre um corpo, este adquire uma aceleração que é a resultante das acelerações que isoladamente cada força lhe comunicaria. Assim, este quarto princípio pode ser encarado como um corolário do princípio fundamental da dinâmica (segundo princípio): n n r r r r = ⋅ = ⋅ F m a m ∑ i ∑ i ∑ ai = m ⋅ a n i =1 i =1 (4.4) i =1 r na qual o somatório ∑ Fi representa a soma, ou a resultante, de todas as forças actuantes na partícula. 4.3 TIPOS DE PROBLEMAS DA DINÂMICA Os problemas da dinâmica podem ser distinguidos em dois tipos: 113 Dinâmica (cinética) das partículas – Conhecem-se as leis de movimento dos corpos e pretende-se saber as forças que sobre eles actuam. – Conhecem-se as forças e pretende-se saber as leis do movimento. O primeiro tipo de problemas não apresenta grandes dificuldades de resolução pois, por aplicação do princípio fundamental da dinâmica, facilmente se determinam as forças multiplicando as acelerações pela massa m, obtendo-se de imediato as forças que actuam sobre o corpo: r r (t ) → r v (t ) → r a (t ) → r r F = m⋅a (4.5) Os problemas do segundo tipo podem não ser de fácil resolução pois poderão surgir equações diferenciais não lineares e de coeficientes funcionais de difícil resolução. No caso geral, as forças dependem do tempo, do espaço e da velocidade: r r r r r F = F (t , r , v ) = F (t , x, y, z , x& , y& , z& ) (4.6) e, por aplicação do princípio fundamental da dinâmica, vem: r r r r r r d 2r F = F (t , r , v ) = m ⋅ a = m ⋅ 2 dt (4.7) ou seja, a equação do movimento será dada pela seguinte equação diferencial: r r r r d 2r F (t , r , v ) = m ⋅ 2 dt (4.8) Nos casos correntes, esta equação diferencial é habitualmente uma equação diferencial ordinária de coeficientes constantes. Mas, no caso geral, estas equações de movimento poderão ser de resolução, analítica ou numérica, extremamente complicada. Para contornar esta dificuldade recorrer-se-á a princípios e teoremas de dinâmica derivados do princípio fundamental da dinâmica que facilitam grandemente a resolução dos problemas comuns da dinâmica. Tais princípios permitem analisar certos aspectos particulares, certas características especiais da dinâmica dos corpos, sem ser necessário estudá-los instantaneamente na íntegra através das equações diferenciais do movimento. 114 Capítulo 4 4.4 PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DINÂMICA APLICADO À DINÂMICA DA PARTÍCULA O princípio fundamental da dinâmica aplicado à dinâmica da partícula, ou alternativamente o ser corolário (quarto princípio), assumirá o seguinte aspecto: n r n r r r F = ∑ Fi = m ⋅ ∑ ai = m ⋅ a i =1 (4.9) i =1 r sendo a aceleração a o vector resultante das acelerações que individualmente cada r r r r r r força Fi lhe comunicaria. Quando a = 0 então F = ∑ Fi = 0 e diz-se que, nestas circunstâncias, a partícula está em equilíbrio, ou seja: n F Fi = 0 = x ∑ i =1 n Fy = ∑ Fi = 0 i =1 n F = z ∑ Fi = 0 i =1 x n r r ∑F = 0 i =1 i ⇒ y (4.10) z as quais traduzem as condições necessárias e suficientes de equilíbrio da partícula. Note-se, todavia, que pelo facto da partícula estar em equilíbrio não significa que esteja em repouso. Recorde-se o conceito relativo de movimento e o princípio da relatividade newtoniana. 4.5 QUANTIDADE DE MOVIMENTO Considerando a expressão que traduz o princípio fundamental da dinâmica r r r r ( F = m ⋅ a ) e a aceleração a pela derivada dv / dt , vem: r r n r dv (4.11) F = ∑ Fi = m ⋅ dt i =1 Uma vez que a massa é constante, então: 115 Dinâmica (cinética) das partículas r r n r d r dp F = ∑ Fi = (m ⋅ v ) = dt dt i =1 ; r r p = m⋅v (4.12) r O vector p é designado por quantidade de movimento da partícula. Dimensões: [ pr ] = M ⋅ L ⋅ T −1 S.I.: kg·m·s-1 Figura 4.3 – Quantidade de movimento de uma partícula Note-se que a massa m da partícula é considerada constante na mecânica newtoniana. No entanto, nos problemas que envolvam o movimento de corpos que ganham ou perdem massa (tais como os foguetes), a expressão anterior contínua a ser válida: r r dpr d (m ⋅ vr ) dm r dv F= = = ⋅v + m⋅ (4.13) dt dt dt dt Na mecânica relativista de Einstein, a massa varia com a sua velocidade e, por isso, o quociente dm/dt não é nulo. r r Da equação (4.12) pode-se concluir que se ∑ Fi = 0 , a taxa de variação da r quantidade de movimento, ( m ⋅ v ), é nula. Assim, se a força resultante que actua na partícula for nula, a quantidade de movimento da partícula permanece constante, quer em intensidade, quer em direcção e em sentido. Este é o princípio da conservação da quantidade de movimento de uma partícula, que pode ser reconhecido como um enunciado alternativo à primeira lei de Newton. Exemplo de aplicação: 116 Capítulo 4 4.6 IMPULSO DE UMA FORÇA – TEOREMA DA QUANTIDADE DE MOVIMENTO O princípio da quantidade de movimento é particularmente adequado na resolução de problemas que envolvam força, massa, velocidade e tempo, nomeadamente, problemas que envolvam movimento impulsivo ou choque. r Considere-se uma partícula de massa m sob a acção de uma força F . De acordo com a segunda lei de Newton: 117 Dinâmica (cinética) das partículas r dpr d r F= = (m ⋅ v ) dt dt (4.14) r r em que p = m ⋅ v é a quantidade de movimento da partícula. Multiplicando ambos os termos por dt e integrando desde o instante t1 até ao instante t2, vem: Figura 4.4 – Impulso de uma força. r r r F dt = d (m ⋅ v ) = m ⋅ dv ⇒ ⇒ ⇒ t r r ∫ F dt = m ⋅ ∫ dv ⇒ r r r F ∫ dt = m ⋅ v2 − m ⋅ v1 t2 2 t2 t1 t1 t1 r r r F dt = p − p 2 1 ∫ ⇒ t2 (4.15) t1 Resultando na expressão que traduz o teorema da quantidade de movimento: t r r r r r r I1→2 = ∫ F dt = p2 − p1 = m ⋅ v2 − m ⋅ v1 2 (4.16) t1 De acordo com esta expressão, quando uma partícula se encontra sob a acção de r uma força F durante um certo intervalo de tempo, a quantidade de movimento r final, m ⋅ v2 , da partícula pode obter-se pela adição vectorial da sua quantidade de r r movimento inicial, m ⋅ v1 , com o impulso exercido pela força F durante o intervalo de tempo considerado. Assim, r r r m ⋅ v1 + I1→2 = m ⋅ v2 (4.17) 4.7 NOÇÃO DE CAMPO Na natureza existem fenómenos que podem ser traduzidos por grandezas escalares ou vectoriais, cuja variação é contínua assumindo valores numéricos nos diferentes pontos de uma região finita ou infinita. Ao universo constituído pela variação destas grandezas chama-se campo. 118 Capítulo 4 Exemplos de campos escalares: – temperatura – energia potencial gravíticas devida às acções – energia electromagnética – energia electrostática Exemplos de campos vectoriais: – momentos – velocidades – acelerações – forças de atracção gravítica – forças electromagnéticas – forças electrostáticas Quando os campos variam com o tempo, designam-se então por campos escalares variáveis ou campos vectoriais variáveis. Quando os campos não dependem do tempo designam-se de campos invariáveis e dependem apenas do ponto. r Se C representar um campo escalar e C um campo vectorial, a sua representação simbólica será: – para campos variáveis: r C = C ( r , t ) = C ( x, y , z , t ) ou r r r r C = C ( r , t ) = C ( x, y , z , t ) (4.18) ou r r r r C = C ( r ) = C ( x, y , z ) (4.19) – para campos invariáveis: r C = C ( r ) = C ( x, y , z ) ou ainda: r C = (C x , C y , C z ) (4.20) O conceito de campo é útil para o estudo do movimento de uma partícula sujeita à acção de uma força, nomeadamente, para a sua interpretação e representação. 119 Dinâmica (cinética) das partículas Como se referiu na introdução deste capítulo, as forças que actuam sobre uma partícula são funções da posição da partícula, da sua velocidade e do tempo. Isto é: r r r r r r drr r r F = F (t , r , v ) = F t , r , = F (t , r ) dt (4.21) r ou seja, como o vector posição r (t ) define completamente o movimento da r r r r r partícula, pode-se dizer que a função vectorial F depende de t e r : F = F (t , r ) . Esta é a expressão analítica de um campo vectorial de forças. Portanto, quando se diz que uma partícula executa um movimento sujeito à acção de uma força, é equivalente a dizer que a partícula se move num campo de forças dado. 4.8 TRABALHO REALIZADO POR UMA FORÇA Considere-se uma partícula que se desloca de A para um ponto vizinho B. r Sendo r o vector posição do ponto A, o pequeno vector que liga o ponto A ao ponto B pode representar-se pelo r vector elementar dr e designa-se por deslocamento da partícula. Figura 4.5 – Trabalho elementar realizado por uma força. r Considere-se que F é a força que actua sobre essa partícula e que provoca o r r r deslocamento dr . O trabalho realizado pela força F durante o deslocamento dr é definido pela quantidade: r r dW = F ⋅ dr (4.22) Representando a intensidade da força e a intensidade do deslocamento r r respectivamente por F = F e dr = ds e por α o ângulo que estes dois vectores formam entre si, e recordando a definição de produto escalar de dois vectores, então: dW = F ⋅ ds ⋅ cos α 120 (4.23) Capítulo 4 Considerando as coordenadas cartesianas da força e do deslocamento, r r respectivamente F = ( Fx , Fy , Fz ) e dr = (d x , d y , d z ) , o trabalho dW pode também ser escrito por: dW = Fx ⋅ dx + Fy ⋅ dy + Fz ⋅ dz (4.24) Tratando-se de uma grandeza escalar, o trabalho tem intensidade e sinal, mas não tem direcção. Verifica-se também que o trabalho deve expressar-se em unidades tais que resultem da multiplicação de unidades de força por unidades de deslocamento: [W] = [forças] × [espaço] = (M·L·T-2) · (L) = M·L2·T-2 no S.I.: [W] = N · m = J (Joule) (4.25) Nota: O Joule (J) é a unidade de energia no sistema internacional, S.I., quer na forma mecânica (trabalho, energia potencial, energia cinética), quer na forma química, eléctrica ou térmica. Deve notar-se que apesar de N·m = J, o momento de uma força deve expressar-se em N·m e não em joules, uma vez que o momento de uma força não constitui uma forma de energia. r O trabalho realizado pela força F ao longo de um deslocamento finito da partícula desde o ponto A1 ao ponto A2 obtém-se pela integração da equação de definição de dW ao longo da trajectória descrita pela partícula. Este trabalho, A 2 , obtém-se da seguinte forma: designado por W A 1 A A r WAA = ∫ dW = ∫ F ⋅ dr 2 2 2 1 A1 ou W A2 A1 (4.26a) A1 A2 = ∫ Ft ⋅ ds (4.26b) A1 r sendo Ft a componente tangencial da força F , ou WAA = 2 1 A2 ∫ (F x ⋅ dx + Fy ⋅ dy + Fz ⋅ dz ) (4.26c) A1 121 Dinâmica (cinética) das partículas Análise da expressão do trabalho: Tendo em conta que a força depende das leis do movimento (isto é, do tempo, do espaço e da velocidade), ou seja, depende da trajectória e da lei horária, então: r r r r F = F (t , r , v ) (4.27) como, r r = ( x, y , z ) e r dx dy dz v = , , = ( x& , y& , z& ) dt dt dt (4.28) então: r r F = F (t , x, y , z , x& , y& , z& ) (4.29) Consoante o tipo de dependência do trabalho com as leis de movimento, pode distinguir-se os seguintes três casos: 1º caso – Caso geral – O trabalho depende das leis do movimento que o ponto de aplicação da força (isto é, da partícula ) executa ao ir do ponto A1 para o ponto A2. 2º caso – Campo invariável – O trabalho depende da trajectória mas não depende do modo como o movimento é realizado ao longo da trajectória (isto é, não depende da lei horária). 3º caso – Campo conservativo – O trabalho não depende da trajectória, ou seja, qualquer que seja o percurso e a lei horária entre os pontos A1 e A2, o trabalho será sempre o mesmo. Para cada um destes três casos típicos, as expressões do trabalho serão do seguinte tipo: – 1º caso: Caso geral de campos variáveis r r F = F (t , x, y, z , x& , y& , z& ) = ( Fx , Fy , Fz ) r dr = (dx, dy, dz ) como 122 (4.30) (4.31) Capítulo 4 Fx = Fx (t ) ; Fy = Fy (t ) ; Fz = Fz (t ) (4.32) dx = x& dt ; dy = y& dt ; dz = z& dt (4.33) então, A r r A WAA = ∫ F dr = ∫ [Fx (t ) ⋅ x& (t ) + Fy (t ) ⋅ y& (t ) + Fz (t ) ⋅ z& (t )]dt 2 2 A1 A1 2 1 W A2 A1 = (4.34) t A2 ∫ f (t ) dt (4.35) t A1 Assim, no caso geral, se dois pontos A1 e A2 são ligados por dois percursos (isto é, duas trajectórias) distintos e para cada um deles existem duas leis horárias distintas, então obtém-se quatro trabalhos distintos: WAA 2 1 traj .1 l . h .1 ≠ WAA 2 1 traj .1 l . h .2 ≠ WAA 2 1 traj .2 l . h .1 ≠ WAA 2 1 traj .2 l . h .2 (4.36) Figura 4.6 – Campo variável. – 2º caso: Campos invariáveis Neste caso, o trabalho (e a força) não depende do tempo, por isso, r r F = F ( x, y, z , x& , y& , z& ) = ( Fx , Fy , Fz ) (4.37) r dr = (dx, dy , dz ) (4.38) Figura 4.7 – Campo invariável. como, 123 Dinâmica (cinética) das partículas x = x( s ) ; y = y ( s) ; z = z (s) (4.39) então: dx dx ds = ⋅ = v ⋅ x′( s ) ; y& = v ⋅ y ′( s ) ; dt ds dt x& = dx = x′( s ) ds ; dy = y ′( s ) ds ; Fx = Fx ( s ) ; Fy = Fy ( s ) ; z& = v ⋅ z ′( s ) dz = z ′( s ) ds Fz = Fz ( s ) (4.40) (4.41) (4.42) logo, W A2 A1 r r = ∫ Fx dr = A2 A2 A1 A1 ∫ [F (s) ⋅ x′(s) + F ( s) ⋅ y′(s) + F (s) ⋅ z′(s)]ds x W y A2 A1 = z (4.43) s A2 ∫ g (s) ds (4.44) s A1 Neste caso, o trabalho é dado pelo integral de linha da função g(s). Considerando o exemplo anterior dos dois percursos alternativos entre A1 e A2 e com diferentes leis horárias. Num campo de forças invariável ter-se-ia: WAA 2 1 traj .1 l . h .1 = WAA 2 1 traj .1 l . h .2 ≠ WAA 2 1 traj .2 l . h .1 = WAA 2 1 traj .2 l . h .2 (4.45) – 3º caso: Campos conservativos Neste caso, como o trabalho não depende da trajectória nem da lei horária, o trabalho realizado pela força será apenas uma função escalar do ponto de aplicação, conforme será referido adiante mais detalhadamente. Na simbologia de trabalho, trajectórias e leis horárias atrás consideradas ter-se-á: WAA 2 1 124 traj .1 l . h .1 = WAA 2 1 traj .1 l . h .2 = WAA 2 1 traj .2 l . h .1 = WAA 2 1 traj .2 l . h .2 (4.46) Capítulo 4 Exemplo 1: 125 Dinâmica (cinética) das partículas Exemplo 2: 4.9 TEOREMA DAS FORÇAS VIVAS OU TEOREMA DA ENERGIA CINÉTICA Considere-se uma partícula de massa m e r sujeita à acção de uma força F e que se desloca ao longo de uma trajectória que pode ser rectilínea ou curva. Figura 4.8 – Partícula de massa m sujeita a uma força. 126 Capítulo 4 O teorema das forças vivas1 ou teorema da energia cinética diz que: o trabalho r realizado pela força F durante o deslocamento de A1 para A2 é igual à variação da energia cinética da partícula: WAA = TA − TA = 2 1 2 1 1 1 ⋅ m ⋅ v A2 − ⋅ m ⋅ v A2 2 2 2 (4.47) 1 – 1ª forma de “demonstrar” este teorema: A r r A W AA = ∫ F dr = ∫ F ⋅ cos α ds 2 2 (4.48) 2 1 A1 A1 Ft onde, Ft = F ⋅ cos α dv dv ds dv = m⋅ ⋅ = m⋅v⋅ Ft = m ⋅ at ⇒ Ft = m ⋅ ds ds dt dt dv at = dt (4.49) substituindo na expressão (4.48) vem: W A2 A1 A2 dv = ∫ m ⋅ v ⋅ ds ds A ⇒ W A2 A1 ⇒ 1 1 ⋅ m ⋅ v A2 − ⋅ m ⋅ v A2 2 2 (4.50) r r A r r A d 2 rr r 1 d 2 r dr = ∫ F dr = ∫ m ⋅ 2 dr = ⋅ m ⋅ ∫ 2 ⋅ 2 ⋅ dt dt 2 dt dt A A A (4.51) WAA = 1 v 1 ⋅ m ⋅ [v 2 ]v 2 ∫ m ⋅ v dv v A1 1 2 = v A2 A2 A1 ⇒ WAA = 2 1 2 1 – 2ª forma de “demonstrar” o teorema: W A2 A1 A2 2 2 1 1 1 como, 1 Na Física, designa-se a grandeza m·v2 como força viva. 127 Dinâmica (cinética) das partículas r r r r r r r r d 2 r dr d dr dr d dr dr dr d dr = 2⋅ ⋅ = ⋅ + ⋅ = 2⋅ 2 ⋅ dt dt dt dt dt dt dt dt dt dt dt r r d dr dr d r r d = ⋅ = (v ⋅ v ) = v 2 dt dt dt dt dt (4.52) substituindo na expressão (4.51) vem: W A2 A1 v A2 A2 1 1 1 1 d = ⋅ m ⋅ ∫ v 2 dt = ⋅ m ⋅ ∫ dv 2 = ⋅ m ⋅ v A2 − ⋅ m ⋅ v A2 2 2 2 2 A dt v 2 1 (4.53) 1 A1 Aplicações deste teorema: A aplicação do teorema das forças vivas, ou teorema da energia cinética, simplifica consideravelmente a resolução de muitos problemas que envolvam forças, deslocamentos e velocidades. Considere-se, como exemplo, o pêndulo OA , que é formado por uma esfera A de r peso P , ligada a uma corda de comprimento l. Solta-se o pêndulo da posição horizontal OA1 , sem imprimir qualquer velocidade inicial, que executa o movimento no plano vertical. Pretende-se determinar a velocidade da esfera quando passa pela posição A2, situada na vertical de O. Figura 4.9 – Movimento de um pêndulo. Num instante intermédio qualquer, as forças que actuam na esfera são o seu r r r peso P e a força F exercida pela corda. Note-se que a força F não realiza r trabalho, já que é normal à trajectória; o peso P é a única força que realiza trabalho. Este trabalho obtém-se multiplicando a intensidade P pelo deslocamento vertical l: dW = − P ⋅ dy ⇒ A2 y2 ∫ dW = ∫ − P dy A1 ⇒ WAA = − P ⋅ ( y 2 − y1 ) 2 1 ⇒ y1 W AA = P ⋅ l 2 1 (4.54) Analisando agora a energia cinética da esfera e tendo que parte de uma situação de repouso (vA1=0), então: 128 Capítulo 4 TA = 0 ; 1 TA = 2 1 ⋅ m ⋅ v A2 2 ; 2 m= P g (4.55) Aplicando o teorema da energia cinética ( W AA = TA − TA ): 2 1 P ⋅l = 1 P 2 ⋅ ⋅ vA 2 g 2 ⇒ 2 1 vA = 2 ⋅ g ⋅ l 2 (4.56) Note-se que esta velocidade é a mesma que a de um grave em queda livre a uma altura l. O exemplo aqui considerado ilustra as seguintes vantagens deste método: 1. – Para a determinação da velocidade em A2, não é necessário determinar a aceleração numa posição intermédia A e, depois, integrar a expressão obtida entre A1 e A2. 2. – Todas as grandezas envolvidas são escalares e podem ser adicionadas directamente, sem recurso às componentes x e y. 3. – As forças que não realizam trabalho podem, desde logo, eliminar-se na resolução do problema. Há, no entanto, desvantagens na aplicação deste método pois: – Não pode ser utilizado para obter directamente a aceleração. – A determinação de uma força que é perpendicular à trajectória de uma partícula, e que por isso não realiza trabalho, se deve complementar com a aplicação directa da segunda lei de Newton. Supondo que se pretende determinar a força na corda do pêndulo do exemplo anterior, no instante em que a esfera passa por A2: Exprimindo a segunda lei de Newton em função das componentes tangencial e normal, as equações ΣFt=m·at e ΣFn=m·an conduzem respectivamente a: Figura 4.10 – Equilíbrio do pêndulo. 129 Dinâmica (cinética) das partículas ∑ Ft = 0 2 P vA ∑ Fn = F − P = m ⋅ an = ⋅ g l (4.57a) 2 Considerando a expressão (4.56), at = 0 P 2⋅ g ⋅l F = P + ⋅ = 3⋅ P g l (4.57b) F = 3⋅ P (4.57c) Então: 4.10 ENERGIA POTENCIAL. CAMPOS CONSERVATIVOS Considere-se um corpo de peso P que se desloca ao longo de uma trajectória curva desde o ponto A1 de altura y1 para um ponto A2 de altura y2. O trabalho da força de gravidade P durante o correspondente deslocamento é: W A2 A1 A2 = ∫ − P dy = P ⋅ y1 − P ⋅ y 2 (4.58) A1 Figura 4.11 – Energia potencial. Portanto, o trabalho de P pode obter-se pela subtracção do valor da função P·y correspondente à segunda posição do corpo, ao valor que a referida função toma para a primeira posição. O trabalho de P é independente da trajectória que o corpo segue de facto; ele depende somente dos valores iniciais e finais da função P·y. Esta função designa-se por energia potencial do corpo em relação à força de gravidade P e é representada por UA = P·y. Pode-se escrever: WAA = U A − U A ; com UA = P·y 2 1 130 1 2 (4.59) Capítulo 4 Note-se que se UA2 > UA1, isto é, se a energia potencial aumenta durante o deslocamento (como é o caso aqui considerado), o trabalho WAA é negativo. Se, por outro lado, o trabalho de P é positivo, a energia potencial diminui. Por esta razão, a energia potencial UA do corpo fornece uma medida do trabalho que pode ser realizado pelo seu peso P. Dado que a expressão anterior (4.59) envolve apenas a variação de energia potencial, e não o valor real de UA, pode-se adicionar uma constante arbitrária à expressão obtida para UA: 2 1 WAA = ( P ⋅ y1 ) − ( P ⋅ y 2 ) = ( P ⋅ y1 + k ) − ( P ⋅ y 2 + k ) = U A − U A 2 1 1 2 (4.60) Por outras palavras, pode-se escolher arbitrariamente o nível, ou linha de referência, a partir do qual se mede a altura y. r Considere-se um campo de força F qualquer. Diz-se que um campo de forças é conservativo quando o trabalho realizado pelo vector do campo de forças ao deslocar-se de um ponto para o outro é independente da trajectória percorrida. Como se viu anteriormente, isto significa que se pode associar a cada ponto do espaço um escalar que é o valor do trabalho realizado pelo campo de forças desde r um ponto genérico escolhido para origem (caracterizado pelo vector posição rO ) até r ao ponto corrente (caracterizado pelo vector posição r ): r rA r r W = ∫ F ⋅ dr A O r rO (4.61) r Este escalar dependerá do ponto do espaço (portanto de r ) e dependerá também do ponto arbitrário escolhido como origem. Mas, uma vez escolhida a origem, se o campo for conservativo, o trabalho realizado pelo vector do campo será apenas função do ponto considerado. Isto significa que para uma origem arbitrária, r caracterizada por rO , estará associado a cada ponto do espaço um campo escalar que é um campo dos valores do trabalho realizado pelos vectores do campo de forças desde essa origem arbitrária até ao ponto em questão. Ao escalar simétrico (ou de valor negativo) do trabalho realizado pelo vector do campo desde uma origem arbitrária até ao ponto corrente dá-se o nome de energia potencial no ponto corrente: r rA r r U A = − ∫ F ⋅ dr r rO (4.62) 131 Dinâmica (cinética) das partículas Ou seja, a energia potencial não é o trabalho realizado, mas a capacidade de o poder realizar, pois é definido como o simétrico de um trabalho realizável. A energia potencial não tem existência física e, como tal, não se mede. O que é mensurável são as diferenças de energia potencial, que correspondem a trabalho realizado: W AA = WAO + WOA 2 1 2 1 r rO r r rA1 r rO r r r r r = ∫ F ⋅ dr + ∫ F ⋅ dr = A2 r rA1 r r r r r r = − ∫ F ⋅ dr − ∫ F ⋅ dr = r rr r = UA −UA A2 O O 1 2 (4.63) Como os trabalhos correspondem a concretizações, então podem-se medir. O comportamento dimensional e as unidades de energia potencial e de trabalho são as mesmas. 4.11 CARACTERIZAÇÃO DE CAMPOS CONSERVATIVOS r Tal como se referiu na secção anterior, a força F que actua na partícula é dita conservativa quando o trabalho WAA é independente da trajectória percorrida pela partícula A à medida que se desloca desde a posição A1 até à posição A2. Nesta situação, como se viu, o trabalho WAA é dado pela diferença entre as energias potencial de A1 e A2 (UA1 e UA2). 2 1 2 1 Conforme se viu, a energia potencial num ponto genérico caracterizado pelo r vector posição r é o escalar: r r r r r U ( r ) = U ( x , y , z ) = − ∫ F ⋅ dr A r rO (4.64) então o valor elementar da energia potencial, dU, é: r r dU = − F ⋅ dr = −dW expressando em função das suas componentes: 132 (4.65) Capítulo 4 dU ( x, y, z ) = −( Fx , Fy , Fz ) ⋅ (dx, dy, dz ) = −( Fx ⋅ dx + Fy ⋅ dy + Fz ⋅ dz ) (4.66) Face a esta expressão, existem três critérios equivalentes para caracterizar e verificar se um campo de forças é conservativo. 1º Critério: O vector campo de forças é o gradiente de um potencial A energia potencial elementar dU pode ser escrita como: dU ( x, y, z ) = ∂U ∂U ∂U ⋅ dx + ⋅ dy + ⋅ dz ∂x ∂y ∂z (4.67) considerando a expressão (4.66), então: ∂U ∂U ∂U ⋅ dx + ⋅ dy + ⋅ dz = −( Fx ⋅ dx + Fy ⋅ dy + Fz ⋅ dz ) ∂x ∂y ∂z (4.68) ou seja: ∂U Fx = − ∂x ∂U Fy = − ∂y ∂U Fz = − ∂z ⇒ r ∂U ∂U ∂U , , F = ( Fx , Fy , Fz ) = − ∂x ∂y ∂z r F = −∇U = −grad U (4.69) Face ao exposto, verifica-se que num campo conservativo o vector do campo é o simétrico do gradiente de um potencial. 133 Dinâmica (cinética) das partículas 2º Critério: Igualdade das derivadas parciais cruzadas das componentes do vector do campo Se a função escalar do ponto U(x, y, z), designada de energia potencial for uma função contínua da classe C2, isto é, função contínua e de primeiras e segundas derivadas contínuas, então: ∂ 2U ∂ 2U = ∂x∂y ∂y∂x ∂ 2U ∂ 2U = ∂ ∂ ∂z∂y y z ∂ 2U ∂ 2U = ∂z∂x ∂x∂z (4.70) pois só para este tipo de continuidade é que a ordem de derivação é permutável. As três igualdades anteriores correspondem respectivamente: ∂ 2U ∂ ∂U ∂ = (− Fy ) = ∂Fy ∂Fx ∂x∂y ∂x ∂y ∂x = ⇒ ⇒ ∂ ∂ x y ∂ 2U ∂ ∂U ∂ = = (− Fx ) ∂y∂x ∂y ∂x ∂y ∂Fy ∂Fx =0 ⇒ − ∂y ∂x ∂ 2U ∂ ∂U ∂ = = (− Fz ) ∂y∂z ∂y ∂z ∂y ∂Fz ∂Fy ⇒ = ⇒ 2 ∂ ∂ y z ∂U ∂ ∂U ∂ = (− Fy ) = ∂z∂y ∂z ∂y ∂z ∂Fy ∂Fz =0 ⇒ − ∂y ∂z ∂ 2U ∂ ∂U ∂ = = (− Fx ) ∂z∂x ∂z ∂x ∂z ∂Fx ∂Fz = ⇒ ⇒ 2 z x ∂ ∂ ∂U ∂ ∂U ∂ = = (− Fz ) ∂x∂z ∂x ∂z ∂x 134 (4.71a) (4.71b) Capítulo 4 ⇒ ∂Fz ∂Fx − =0 ∂x ∂z (4.71c) Portanto, o 2º critério pode ser traduzido pelas seguintes igualdades: ∂Fx ∂Fy ∂y − ∂x = 0 ∂Fy ∂Fz − =0 ∂ ∂ z y ∂F ∂F z − x =0 ∂x ∂z (4.72) 3º Critério: O campo conservativo é irrotacional r O vector rotacional de F é: r r r rot F = ∇ × F = r r r ∂ r ∂ r ∂ r = ⋅ i + ⋅ j + ⋅ k × Fx ⋅ i + Fy ⋅ j + Fz ⋅ k ∂y ∂z ∂x ∂F ∂F r ∂F ∂F r ∂F ∂F r = z − y ⋅ i + x − z ⋅ j + y − x ⋅ k ∂z ∂x ∂y ∂z ∂y ∂x ( ) (4.73) Tendo em conta as três igualdades obtidas no 2º critério, verifica-se que num campo conservativo o vector rotacional r desse campo é um vector nulo, isto é, o campo de forças F é irrotacional: r r r r rot F = ∇ × F = 0 (4.74) 4.12 PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DA ENERGIA MECÂNICA De acordo com o teorema das forças vivas, o trabalho realizado por uma força durante o deslocamento de A1 para A2 é igual à variação de energia cinética: WAA = TA − TA 2 1 2 1 (4.75) 135 Dinâmica (cinética) das partículas Viu-se também que o trabalho realizado por uma força conservativa se pode exprimir como uma variação de energia potencial: r W AA = U A − U A , se F for conservativa (4.76) 2 1 1 2 Então, num campo de forças conservativas verifica-se a seguinte igualdade: TA − TA = U A − U A 2 1 1 2 ⇒ TA T A + U A = T A + U A 2 1 1 2 1 (4.77) Isto significa que, quando uma partícula se desloca sob a acção de forças conservativas, a soma da sua energia cinética e da sua energia potencial se mantém constante: r se F é conservativo : T (t ) + U (t ) = constante (4.77) Esta constatação traduz o Principio da Conservação da Energia Mecânica: Num campo conservativo, a energia mecânica total, E(t) = T(t)+U(t), permanece invariável. Portanto, num campo de forças conservativas ocorrem apenas transformações de energia cinética em energia potencial e vice-versa e, como tal, não poderão existir fontes dissipadoras de energia tais como atritos sólidos, resistência de fluidos, etc. Exemplo clássico: Campo gravítico (uniforme) de Galileu 136 Capítulo 4 Exemplo 2: Oscilação de um pêndulo 137 Dinâmica (cinética) das partículas O princípio da conservação da energia mecânica só é válido, como se viu, em campos conservativos. No entanto, existe um princípio escalar mais geral designado de Princípio da Conservação de Energia, segundo o qual, em qualquer sistema mecânico (conservativo ou dissipador) a energia total de todas as fontes permanece constante. Ou seja, ∀t E total (t ) = constante = Emecânica (t ) + Ecalorífica (t ) + Eradioactiva (t ) + ... (4.78) Por exemplo, as forças de atrito são forças não conservativas. Por isso, o trabalho realizado por uma força de atrito depende da trajectória percorrida pelo seu ponto de aplicação, sendo sempre negativo. Daqui resulta que quando existe atrito num sistema mecânico, a sua energia mecânica total diminui. Porém, a energia do sistema não se perde; ela é transformada em calor, e a soma da energia mecânica e da energia térmica do sistema mantém-se constante. 4.13 POTÊNCIA A potência é definida como sendo o trabalho realizado durante a unidade de tempo. Se ∆W for o trabalho realizado durante o intervalo de tempo ∆t, durante este tempo a potência média é dada por: 138 Capítulo 4 Potência média : Pmed = ∆W ∆t (4.79) No limite, quando ∆t tende para zero, obtém-se a potência instantânea: P= dW dt (4.80) r r Substituindo dW pela sua definição ( dW = F ⋅ dr ) e operando convenientemente, vem: r r r r r dW F ⋅ dr r dr P= = =F⋅ = F ⋅v (4.81) dt dt dt As unidades de potência obtêm-se pela divisão de unidades de trabalho por unidades de tempo: [P] = M ⋅ L 2 T No sistema internacional, SI: ⋅ T −2 = M ⋅ L2 ⋅ T −3 (4.82) [P] → J/s = Watt = W Nota: Quando da selecção de um motor, a potência constitui um critério mais importante do que a própria quantidade de trabalho que se deve realizar. Para obter uma certa quantidade de trabalho pode-se utilizar desde um motor de pequena potência até um motor de grande potência; a diferença é que o motor de menor potência necessitará de mais tempo para realizar o mesmo trabalho. 4.14 MOMENTO CINÉTICO OU MOMENTO ANGULAR. TEOREMA DO MOMENTO CINÉTICO Considere-se uma partícula de massa m movendo-se relativamente a um sistema de referência newtoniano Oxyz. Como se viu na secção 4.5, a quantidade de r r movimento de uma partícula num dado instante é igual ao vector p (t ) = m ⋅ v (t ) . 139 Dinâmica (cinética) das partículas Designa-se momento cinético ou momento angular da partícula em relação ao r ponto O no instante t ao momento do vector p em relação ao ponto O, designa-se por HO: r r r r r H O (t ) = r (t ) × p (t ) = r (t ) × m ⋅ v (t ) (4.83) r O vector H O características: tem as seguintes Figura 4.12 – Momento cinético. r - direcção: perpendicular ao plano que contém r r e p; - sentido: determinado a partir da regra do sacar rolhas, fazendo rodar a direcção de r r sobre a direcção de p ; - grandeza: H O = r ⋅ m ⋅ v ⋅ senφ ; φ é o ângulo r r formado por r e m ⋅ v . As unidades do momento cinético obtêm-se pela multiplicação da unidade de comprimento pela unidade da quantidade de movimento: [H ] = L ⋅ M ⋅ L ⋅ T −1 O = M ⋅ L2 ⋅ T −1 = (M ⋅ L2 ⋅ T −2 ) ⋅ T (4.84) energia No sistema internacional, SI: [HO] → J.s O teorema do momento cinético da partícula deduz-se derivando em ordem ao tempo a expressão de definição do momento cinético: r r r dH O d r r dr r r dp = (r × p ) = × p+r× (4.85) dt dt dt dt r r r dr r = v // p = m ⋅ v como dt 140 ⇒ r dr r r × p = 0 , então: dt Capítulo 4 r r dH O r dp r r =r× =r×F dt dt (4.86) Assim, de acordo com o teorema do momento cinético, em qualquer instante a derivada temporal do momento cinético da partícula num ponto qualquer é igual ao momento nesse ponto das forças exteriores aplicadas à partícula nesse instante: r r dH O (t ) r = r (t ) × F (t ) dt (4.87) 4.15 PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DO MOMENTO CINÉTICO A derivada temporal do momento cinético será nula se a partícula não estiver sujeita a forças exteriores (ou a resultante das forças for nula), r r F = 0 , ou se a força actuando na partícula tiver a direcção do ponto fixo O, sendo O referido como o centro da força. Assim, nestas condições, resulta: Figura 4.13 – Direcção da força actuante passa pelo ponto fixo O. r dH O (t ) r =0 dt ⇒ r H O (t ) = constante (4.88) Esta expressão traduz o princípio da conservação do momento cinético, que diz: O momento cinético de uma partícula não actuada por forças exteriores, ou com resultante nula; ou, ainda, sujeita a uma força com direcção que passa por um ponto fixo em qualquer instante; é constante no tempo. 141 Dinâmica (cinética) das partículas 4.16 FORÇAS CENTRAIS. MOVIMENTO SOB A ACÇÃO DE UMA FORÇA CENTRAL Designa-se por força central aquela cuja direcção em qualquer instante de tempo passa por um ponto fixo designado de centro ou pólo do campo de forças. O movimento de uma partícula sujeita à acção de uma força central diz-se movimento da partícula num campo de forças centrais. Este modelo tem aplicação imediata explícita na mecânica celeste e na física atómica. Figura 4.14 – Forças centrais. r Num campo de forças centrais, o vector F pode ser obtido por: r r F ( x, y, z , t ) = − f ( x, y , z ) ⋅ r (t ) (4.89) As principais características do movimento no campo de forças centrais são as seguintes: – 1ª) O momento cinético é constante Como se referiu na secção anterior, numa partícula sujeita a uma força central, verifica-se o seguinte: r r r r r r // F ⇒ r × F = 0 r ⇒ dH O r r r =r×F =0 dt r H O (t ) = constante (4.90) Portanto, no campo de forças centrais o momento da quantidade de movimento no pólo (isto é, o momento cinético no pólo) é independente do tempo (vector constante). 142 Capítulo 4 – 2ª) A trajectória da partícula num campo de forças centrais é plana r r r Como H O (t ) = r × p = constante , então o plano formado pelos vectores r r r r e p = m ⋅ v é constante ao longo do tempo. r r Como r (t ) e v (t ) pertencem ao plano osculador da trajectória no instante t e como este plano é constante ao longo do tempo, isto significa que a trajectória da partícula num campo de forças centrais é plana. – 3ª) Lei das áreas do campo de forças centrais r r A grandeza do produto vectorial r × ∆r corresponde à área do paralelogramo representado na figura: r r r r r × ∆r = r ⋅ ∆r ⋅ senα (4.91) h Figura 4.15 – Paralelogramo formado r r por r e ∆r . Verifica-se então que a área do triângulo corresponde a metade da r r grandeza do produto vectorial r × ∆r : ∆A = r 1 r ⋅ r × ∆r 2 (4.92) A área elementar, correspondente ao triângulo, por unidade de tempo será: r r 1 r ∆r ∆A 1 1 r = ⋅ r × ∆r = ⋅ r × ∆t ∆t 2 ∆t 2 (4.93) Define-se velocidade areolar, c, da partícula à área varrida pelo vector posição por unidade de tempo numa partícula sujeita a uma força central: r 1 r ∆r ∆A c = lim = lim ⋅ r × ∆t →0 ∆t ∆t →0 2 ∆t ⇒ c= 1 r r ⋅ r ×v 2 ⇒ (4.94) 143 Dinâmica (cinética) das partículas r r r r r Sendo o momento cinético dado por: H O (t ) = r × p = m ⋅ r × v ; então a velocidade areolar está relacionada com a grandeza do momento cinético por : r HO c= 2⋅m (4.95) Como o momento cinético de uma partícula sujeita a uma força central é constante, então: r HO c= = constante 2⋅m (4.96) Isto é a velocidade areolar é constante. Daqui resulta a lei das áreas do campo de forças centrais: “Num campo de forças centrais, as áreas varridas pelos vectores posição num certo intervalo de tempo são proporcionais aos tempos necessários para os varrer.” Tendo em conta que: r HO dA c= = = constante (4.97) 2 ⋅ m dt então obtém-se o seguinte: dA = c dt ⇒ A2 t 2 + ∆t A1 t1 ∫ dA = ∫ c dt Área = c ⋅ ∆t ⇒ (4.98) Figura 4.16 – Lei das áreas. Alternativamente, a lei das áreas pode ser enunciada por: “áreas iguais são varridas em iguais intervalos de tempo”. As três características referidas para um campo de forças centrais encontram-se traduzidas na segunda lei de Kepler da Mecânica Celeste, derivada a partir das observações empíricas do dinamarquês Tycho-Brake: 144 Capítulo 4 “Quando uma partícula está sujeita à acção de um campo de forças centrais, descreve uma trajectória plana segundo a lei das áreas”. 4.17 LEI DA GRAVITAÇÃO UNIVERSAL. CAMPO GRAVITACIONAL DE NEWTON Como se viu na secção anterior, a força gravítica exercida quer pelo Sol sobre um planeta, quer pela Terra sobre um satélite em órbita, constitui um bom exemplo de uma força central. Por outro lado, a modelação do campo gravítico como uniforme (campo gravítico de Galileu) só é aplicável a lançamentos de projécteis a pequenas alturas acima da superfície da Terra e desde que só alcancem pequenas distâncias para ser duplamente desprezável a variação da gravidade em altura e o efeito da curvatura da Terra. A modelação do campo gravítico, mais em geral, é devida a Newton através da lei da gravitação universal entre dois corpos de massas M e m, respectivamente, situados à distância r entre si. Lei da gravitação universal: “Dois corpos de massas M e m, respectivamente, situados à distância r, atraem-se com uma força dirigida segundo a direcção das massas, proporcional ao produto das massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas”. F =G⋅ M ⋅m r2 Figura 4.17 – Lei da gravitação universal. A constante de proporcionalidade G é designada de constante de gravitação e é determinada experimentalmente pela balança de Cavendish. 145 Dinâmica (cinética) das partículas A força de atracção que se exerce entre a Terra e um seu satélite tem a grandeza de: F =G⋅ M ⋅m r2 (4.99) Figura 4.18 – Força de atracção. sendo a sua representação vectorial, tomando como origem o centro da Terra, dada por: r M ⋅m r F = −G ⋅ 3 ⋅ r r (4.100) Os resultados experimentais mostram que a constante de gravitação universal, G, é igual a: G = (66.73 ± 0.03) × 10 −12 m 3 / kg ⋅ s 2 (4.101) em unidades do sistema internacional, SI. Por intermédio da modelação newtoniana do campo gravítico terrestre, e admitindo um campo gravítico uniforme apenas à superfície da Terra (abstraindo dos achatamentos polares e da bojura equatorial da Terra) mas não em altura, poder-se-á determinar a variação em altura da aceleração gravítica terrestre sobre qualquer objecto. O peso P de um corpo de massa m, situado sobre, ou próximo, da superfície da Terra, define-se como sendo a força que esta exerce sobre o corpo. Ou seja, substituindo F pela intensidade do peso, P = m·g (onde g representa a aceleração gravítica) e r pelo raio R da Terra, obtém-se: P = m⋅ g = GM ⋅m R2 ⇒ g= GM R2 (4.102) sendo G≅66.73×10-12m3/kg·s-2, de acordo com a expressão (4.101), o raio da Terra igual a R≅6.37×106m e a massa da Terra igual a M≅5.97×1024kg; então a aceleração gravítica é igual a: Figura 4.19 – Corpo de massa m à altura h acima da Terra. 146 Capítulo 4 g= 66.73 × 10 −12 × 5.97 × 10 24 = 9.81 m ⋅ s -2 6 2 (6.37 × 10 ) (4.103) A variação em altura da aceleração gravítica pode ser obtida através da consideração de um corpo à altura h em relação à superfície média terrestre: g ( h) = G⋅M ( R + h) 2 (4.104) Quadro 4.1 – Variação em altura da aceleração gravítica. ∆= h (m) 0 1 000 10 000 100 000 1 000 000 g(h) 9.807 0.9997g 0.9969g 0.9695g 0.7480g 0 0.03 0.31 3.1 26 g ( h) − g (0) × 100% g (0) As principais características do campo gravitacional newtoniano são: – 1ª) O campo gravitacional newtoniano é um campo de forças centrais Em cada instante, a força de atracção entre os dois corpos de massas M e m é: r M ⋅m r M ⋅m r F = −G 3 ⋅ r = −G 2 ⋅ e (4.105) r r r r r onde e = r / | r | é o versor radial. Figura 4.20 – Campo gravitacional newtoniano. Como a força de atracção está dirigida para o centro das massas, logo o corpo de massa m roda em torno do corpo de massa M com uma força central dada por (4.105). – 2ª) O campo gravitacional newtoniano é um campo conservativo O campo gravitacional newtoniano corresponde a um campo sujeito a forças centrais, logo, como se viu anteriormente, a trajectória do 147 Dinâmica (cinética) das partículas movimento do satélite de massa m em torno do corpo de massa M é uma trajectória plana descrita pela lei das áreas. Considere-se então o plano xy da trajectória no qual a força atractiva é: r M ⋅m F = ( Fx , Fy ) = −G ⋅ 3 ⋅ ( x, y ) r (4.106) sendo r 2 = x 2 + y 2 , então: r x y F = −G ⋅ M ⋅ m ⋅ 2 , 2 2 3/ 2 2 3/ 2 (x + y ) (x + y ) (4.107) As derivadas parciais ∂Fx ∂y e ∂Fy ∂x são: ∂Fx x ∂ = = − G ⋅ M ⋅ m ⋅ 2 2 3 / 2 ∂y ∂y ( x + y ) 3 − x ⋅ ⋅ ( x 2 + y 2 )1 / 2 ⋅ 2 ⋅ y 2 = −G ⋅ M ⋅ m ⋅ ( x 2 + y 2 )6 / 2 = 3⋅G ⋅ M ⋅ m ⋅ ∂Fy ∂x = x⋅ y ( x + y 2 )5 / 2 2 (4.108) y ∂ = − G ⋅ M ⋅ m ⋅ 2 2 3 / 2 ( x y ) ∂x + 3 − y ⋅ ⋅ ( x 2 + y 2 )1 / 2 ⋅ 2 ⋅ x 2 = −G ⋅ M ⋅ m ⋅ ( x 2 + y 2 )6 / 2 = 3⋅G ⋅ M ⋅ m ⋅ ∂F x⋅ y = x 2 5/ 2 (x + y ) ∂y 2 (4.109) Logo, de acordo com o segundo critério de campos de forças conservativos, verifica-se que o campo gravitacional newtoniano é conservativo. 148 Capítulo 4 Portanto, à Mecânica Celeste e à Mecânica do Sistema Solar poderá ser aplicado o princípio da conservação da energia mecânica e o princípio de conservação do momento cinético. 4.18 PRINCÍPIO DE D’ALEMBERT O princípio de D’Alembert recorre a uma força fictícia sem existência física, designada de força de D’Alembert ou força de inércia, e por intermédio da qual o equilíbrio dinâmico de uma partícula em movimento é analisado como se tratasse de um equilíbrio estático. A força fictícia de D’Alembert (ou força de inércia) é definida como o simétrico do produto da massa pela aceleração da partícula: r r Finércia = −m ⋅ a (4.110) Figura 4.21 – Força de D’Alembert. Deste modo, o princípio de D’Alembert diz que é nula em qualquer instante a soma vectorial de todas as forças actuantes sobre uma partícula em movimento, quando nesse somatório está incluído a força de inércia. ∀t : r r r F + F = 0 ∑ k inércia n (4.111) k =1 Por intermédio deste princípio, o equilíbrio dinâmico da partícula pode ser traduzido como um pseudo-equilíbrio estático em qualquer instante, recorrendo à noção de força de D’Alembert ou força de inércia. 149 Dinâmica (cinética) das partículas Exemplo de aplicação 150