O uso do Tangram em uma aula de estágio em Matemática
Dulcyene Maria Ribeiro1
1Colegiado do Curso de Matemática – Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Campus de Cascavel
[email protected]
Resumo: Neste texto discorremos sobre o Tangram, um quebra-cabeça originário
da China que tem sido usado como material didático. Durante atividades de
estágio realizado por um grupo de alunos do curso de Matemática da Unioeste, no
ano de 2010, o Tangram foi explorado em atividades didáticas, que tinham como
intuito ensinar frações, bem como outros conceitos relacionados à geometria, a
um grupo de alunos de 8ª séries. Portanto, faz-se um relato de como se
desenvolveram as atividades com os alunos utilizando o Tangram. Também
apresenta-se um modo de construção do Tangram, bem como comentários sobre a
existência de outros Tangrans.
Palavras-chave: Tangram, Material didático, Estágio.
1. O contexto
Durante o ano letivo de 2010, alguns alunos (que denominaremos daqui
em diante de discentes para diferenciar da forma como nos referiremos aos alunos
da escola envolvidos no projeto), do terceiro ano do curso de licenciatura em
Matemática da Unioeste, campus de Cascavel, sob a minha orientação, realizaram
algumas atividades do estágio na Escola Estadual Olinda Truffa de Carvalho.
Por motivos diversos os discentes realizaram algumas atividades do
estágio, no período noturno. Como na maioria das escolas em Cascavel, não há
Ensino Fundamental na modalidade regular no período noturno, já que era com
esse público que se devia trabalhar, acabamos por realizar um trabalho
diferenciado, uma espécie de projeto, no qual não se exige que seja numa classe já
formada.
Temerosos com a baixa procura que o curso pudesse ter, nos
surpreendemos com a quantidade de alunos que se inscreveram. Em média o
número de alunos que compareceram aos encontros era 15, havendo dias em que
teve mais de 20. Os alunos envolvidos eram das 8ª séries do referido colégio.
Realizaram-se encontros semanais, de 3 horas de duração, sempre às terças-feiras.
Embora com suas especificidades, o grupo de alunos inscrito garantiu as
características do que se pode chamar de uma “classe normal”. Nela havia alunos
que conversavam muito, mas faziam o que lhes era solicitado, alunos que
conversavam, não faziam as atividades e ainda influenciavam de maneira negativa
o comportamento dos colegas, alunos que faziam as atividades sem fazerem
algazarras, alunos comportados que faziam seus trabalhos, alunos comportados
mas que não faziam as atividades solicitadas, mostrando-se apáticos, alunos que
eram ignorados pelos demais, outros que estavam muito envolvidos, enfim,
podemos dizer que a classe montada com voluntários era representativa da
realidade de uma classe de 8ª séries da escola.
Nesses encontros foram trabalhados conteúdos variados, sem a sequência
rígida de uma unidade de conteúdo. Foram trabalhados, por exemplos,
potenciação, usando a ideia de fractal por meio do triângulo de Sierpinski,
radiciação, fazendo um paralelo com os números irracionais, produtos notáveis
utilizando o algeplan e, por último, geometria, por meio da confecção de sólidos
geométricos feito com canudos de plástico e da construção com régua e compasso
de polígonos regulares.
Conteúdos variados foram pensados justamente porque se tratava de um
projeto diferenciado do que acontece normalmente em sala de aula. Então como
uma forma de tentar garantir público e, por relacionar vários conteúdos já vistos
pelos alunos nas séries anteriores, optamos por adotar metodologias diferenciadas
e temas diversos.
Além dos conteúdos listados anteriormente, foi trabalhado também com as
noções de área, perímetro e com frações, utilizando o Tangram. É sobre a
abordagem deste tema que discorreremos daqui em diante, destacando os aspectos
que foram tratados com os alunos e a forma como eles corresponderam.
2. A aula
Ao preparar o encaminhamento da aula, estabeleceu-se como objetivo,
levar os alunos a: perceber formas geométricas e criar figuras com base nelas;
desenvolver a capacidade de visualização, de percepção espacial, de análise e
criatividade; estabelecer proporções de figuras com relação ao todo ou às demais
partes do Tangram; estabelecer relações de área e perímetro entre figuras ou com
o todo, tomando como referência as peças do Tangram.
Quanto ao desenvolvimento metodológico, começou-se por apresentar o
Tangram e contar uma lenda que explica sua criação.
O que é o Tangram?
É um quebra-cabeça originário da China, formado por cinco triângulos, um
paralelogramo e um quadrado. Essas figuras, juntas, podem formar um quadrado.
A seguir está o esboço do Tangram tradicional 1, o mais conhecido e explorado em
atividades didáticas.
Figura 1
Não se sabe exatamente quando, nem quem inventou o Tangram. A
origem desse jogo chinês é contada por diversas lendas. Uma delas diz que um
sábio chinês deveria levar ao imperador uma placa de jade, mas no meio do
caminho, o sábio tropeçou e deixou cair a placa que se partiu em sete pedaços
geometricamente perfeitos. Eis que o sábio tentou remendar e, a cada tentativa,
surgia uma nova figura. Depois de muito tentar, ele, finalmente, conseguiu formar
novamente o quadrado e levou ao imperador. Os sete pedaços representariam as
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Outros tipos de Tangram serão mencionados no fim deste texto.
sete virtudes chinesas, e uma delas, com certeza, seria a paciência. O sábio
mostrou aos seus amigos as figuras que havia conseguido montar e cada um
construiu o seu Tangram.
Depois desse preâmbulo foi proposto aos alunos o manuseio do Tangram.
Cada um recebeu um quebra-cabeça reconhecendo, por meio das explicações de
um dos estagiários, cada uma das figuras geométricas que compõem o Tangram.
Foi solicitado que utilizando as peças do quebra-cabeça, os alunos montassem um
quadrado e que resolvessem algumas atividades, relacionando as peças. Alguns
alunos apresentaram um pouco de dificuldade para encontrar o lugar de cada uma
das peças na montagem do quadrado.
O Tangram é formado por dois triângulos grandes (T1), um triângulo
médio (T2) e dois triângulos pequenos (T3), um paralelogramo (P) e um quadrado
(Q). Ao considerar o quadrado formado pelas sete peças, como um inteiro, podese estabelecer relações entre as peças do Tangram. As atividades seguintes foram
organizadas para que os alunos respondessem:
1ª) Um triângulo grande (T1) representa _____________ do inteiro;
2ª) O quadrado (Q) representa _____________ do inteiro;
3ª) O triângulo médio (T2) representa _____________ do inteiro;
4ª) O paralelogramo (P) representa _____________ do inteiro;
5ª) Um triângulo pequeno (T3) equivale a _____________ do inteiro;
As peças do Tangram também podem ser relacionadas umas com as
outras. Então foi proposto que os alunos respondessem:
1ª) O triângulo médio (T2) representa _____________ do triângulo grande (T1);
2ª) Um triângulo pequeno (T3) equivale a _____________ do triângulo médio
(T2);
3ª) Um triângulo pequeno (T3) equivale a _____________ do triângulo grande
(T1)
4ª) O paralelogramo (P) representa _____________ do triângulo médio (T2);
5ª) Um triângulo grande (T1) equivale a __________ triângulos médio (T2);
6ª) O quadrado (Q) representa _____________ do triângulo grande (T1);
7ª)Dois triângulos (T1) correspondem a ___________ do inteiro;
8ª)Dois triângulos (T3) correspondem a ___________ do inteiro.
Para resolver essas relações os alunos sobrepunham umas peças
sobre as outras para visualizar quantas unidades de uma peça “caberia” em outra.
Depois de sobreporem as peças, eles anotavam as relações entre as peças. Os
alunos apresentaram dificuldades para fazer essas relações solicitadas. Quando
conseguiam entender a ideia do quanto uma peça representava do todo, se
animavam e tentavam fazer sozinhos as demais relações.
Também foi relembrado com os alunos os conceitos de perímetro e
área da seguinte forma: Perímetro de uma figura é a medida de seu contorno e
Perímetro de um polígono é a soma das medidas de seus lados. Área de um
polígono é a região limitada pelos seus lados. Depois foi proposto comparar as
áreas e perímetros das peças do Tangram e realizar as seguintes atividades que
utilizavam esses conceitos.
1ª) Qual a relação da área do triângulo médio (T 2), do quadrado (Q) e do
paralelogramo (P)? Qual a relação entre os perímetros desses polígonos?
2ª) A área do triângulo médio (T 2) equivale a metade da do triângulo grande (T 1).
Essa proporção se mantém em relação ao perímetro? Explique.
3ª) A área do triângulo grande (T1) é quatro vezes a área do triângulo pequeno
(T3). Essa proporção se mantém em relação ao perímetro
4ª) A área do inteiro é igual à somas das áreas das sete peças. O perímetro do
inteiro é a soma dos perímetros das sete peças?
Os alunos apresentaram mais dificuldade para realizar essa atividade e
poucos conseguiram entender essas relações. Por esse motivo, um dos estagiários
resolveu no quadro, desenhando e mostrando as relações e incentivando a
participação dos alunos que, no geral, participaram da correção.
Em seguida foi distribuída aos alunos uma folha contendo figuras
possíveis de ser construídas utilizando o Tangram, como a que segue e foi
solicitado que eles tentassem formar as figuras.
Figura 2
Os alunos demonstraram entusiasmo para montar as figuras. Em algumas
delas apresentaram um pouco de dificuldade, mas os colegas indicavam como
poderiam fazer. Os estagiários apenas auxiliavam quando solicitados e
acompanhavam o envolvimento e as descobertas dos alunos sobre como uma
figura era montada.
Alguns alunos não realizaram as atividades iniciais como esperado, pois
ficaram o tempo todo tentando montar figuras utilizando o Tangram, já que as
imagens da Figura 2 estavam juntas com o material inicial. Disso conclui-se que
se esperamos que todos façam as atividades iniciais envolvendo os conteúdos
matemáticos, não se pode colocar no mesmo material imagens que serão
utilizadas no momento lúdico da aula. De qualquer maneira, essa atitude dos
alunos mostra como o Tangram pode ser bem aproveitado já que desperta o
interesse dos alunos.
Como foi apenas um encontro e tinha-se como objetivo relembrar
conteúdos já aprendidos, como área, perímetro e frações, omitimos nesse relato
aspectos que poderiam ser levados em conta se os alunos fossem de faixa etária
menor do que os que participaram, como por exemplo, solicitar que os alunos
representassem por desenhos as relações entre as peças. Para alunos mais jovens,
o ideal é fazer mais associações com representações geométricas, como as que são
apresentadas no livro de Souza et al.
3. Um breve comentário
Ao utilizar materiais pedagógicos como o Tangram como recurso para o
ensino da Matemática, é preciso ter em mente os objetivos do trabalho e para que
alunos as atividades serão dirigidas. Assim,
As atividades iniciais, para o reconhecimento das peças e das relações entre
elas, devem ser feitas com os alunos de qualquer série, pois, como vimos, as
relações entre as peças formam a base para o uso do material no estudo de
conceitos envolvendo área ou frações, bem como para a construção do
quebra-cabeça. No entanto, com alunos de maior escolaridade podemos
aprofundar a reflexão colocando outros questionamentos, promovendo
discussões e novas sistematizações das conclusões do grupo ou da classe
como um todo (SOUZA et al, 2008, p.64).
No trabalho de SOUZA et al (2008) referenciado acima a descrição mais
detalhada se dá com base em um trabalho realizado com alunos de 1ª a 4ª séries
ou de 1º ao 5º anos, com os quais a necessidade de representações geométricas de
cada passo realizado é de muita importância. Com os alunos de 8ª séries como os
que participaram do trabalho conosco julgamos que todas as representações não
eram necessárias.
Como tínhamos pouco tempo para desenvolver nosso trabalho com os
alunos, optamos por levar os Tangrans prontos. Mas a construção do quebracabeça é rica para se explorar diversos conteúdos matemáticos, como vértice,
ângulos, diagonal, área, além do reconhecimento de diversas figuras geométricas.
Tangrans podem ser construídos de várias formas. No livro de SOUZA et
al (2008), são apresentadas duas formas de construção do Tangram por meio de
dobraduras e outra utilizando régua e compasso. Apresentaremos a forma que
temos utilizado para a construção do Tangram utilizada em outros trabalhos que
temos realizado.
4. Uma construção do Tangram
Construa um quadrado de 13 cm de lado. Trace a diagonal.
De um dos vértices, trace um segmento de reta até alcançar a diagonal já
marcada, para isso tome como referência a diagonal BD. O ponto de encontro é
denominado de O e marca o centro do quadrado. Assim, ficam obtidas duas peças
do Tangram, os dois triângulos grandes.
Em seguida, deve-se localizar os pontos médios dos lados do quadrado que
não delimitam os triângulos grandes. Esses pontos podem ser encontrados usando
a régua, já que foi estabelecido a medida do lado do quadrado em 13 cm. Ao ligar
esses pontos marca-se o triângulo médio, a terceira peça do quebra-cabeça.
Prolongue a diagonal BD, até alcançar o lado maior do triângulo médio.
Chamemos o ponto de intersecção de G. Então trace um segmento perpendicular a
AC, passando pelo ponto médio do lado DC (essa é apenas uma das maneiras de
traçar esse segmento). Ficam delimitados outras duas peças do Tangram, um
triângulo pequeno e o quadrado.
Por fim, une-se o ponto G ao ponto médio de OA, obtendo as duas peças
do Tangram que ainda faltavam: um triângulo pequeno e o paralelogramo.
5. Outros Tangrans
O Tangrans utilizado no trabalho ora relatado é apenas um dos vários tipos
de Tangrans existentes. Souza et al (2008, p.90-102) apresenta seis tipos de
Tangrans, conforme as respectivas imagens seguintes: Tangram de Pitágoras,
também formado com base em um quadrado é composto de sete peças, Tangram
de Nove Peças, formado tendo como base um retângulo, Tangram Retangular,
formado de sete peças, Tangram Circular, formado por dez peças, Tangram
Oval, um quebra-cabeça de dez peças também conhecido como ovo mágico e o
Coração Partido, como o próprio nome já diz tem como base um coração
composto de sete peças. Os três últimos apresentam como característica comum
serem formados com base em figuras arredondadas. Além desses existem outros
Tangrans.
Figura 32
2
Figura 4
Figura 5
As figuras 3, 4 e 5 tem como base o texto de Souza et al. As figuras 6, 7 e 8 têm por base o site
<http://www.uff.br/cdme/tangrans_geometricos/index.html> .
Figura 6
Figura 7
Figura 8
Durante a construção de cada um dos Tangrans o professor pode fazer
explorações semelhantes as que se faz com o Tangram tradicional, discutindo
noções de área, perímetro, semelhança, congruência, simetria entre outros
conteúdos matemáticos.
6. Bibliografia
KALEFF, Ana Maria Martensen Roland. Tangrans geométricos especiais. Disponível
em: http://www.uff.br/cdme/tangrans_geometricos/index.html. Acesso em: 26 set. 2010.
LORENZATO, Sergio. O laboratório de ensino de matemática na formação de
professores. São Paulo: Autores Associados, 2006.
SMOLE, Kátia Critina Stocco et al Cadernos do Mathema: Ensino fundamental:
jogos de matemática de 6º a 9º ano. Porto Alegre: Artmed, 2007.
SOUZA, Eliane Reame de et al. A Matemática das sete peças do tangram. São
Paulo: CAEM/IME-USP, 2008. 102p.
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O uso do Tangram em uma aula de estágio em Matemática