A Psicologia, Uma Ciência?
Marcia Moraes*
O título em forma de interrogação tem como objetivo apontar para o estatuto
controvertido da cientificidade da psicologia. O que está em questão é retomar o referido tema
tão amplamente discutido desde o século passado, nos longos debates entre Wundt e seus
críticos, como Ebbinghaus, Kulpe e tantos outros[1] até os dias atuais. Embora Figueiredo afirme
um “progressivo desinteresse pelas questões epistemológicas (e metodológicas)”*2+, fazendo
referência principalmente ao que ele chama de epistemologia forte, isto é, uma epistemologia
que funciona como uma espécie de juíza do conhecimento delimitando que tipo de conhecimento
deveria ser tomado como válido, acredito que a questão volta a ganhar relevância à luz de alguns
estudos contemporâneos que analisam o modo como os conteúdos das ciências são produzidos
na prática dos cientistas, nas bancadas dos seus laboratórios. Figueiredo esclarece bem o
problema quando esvazia o sentido da questão acerca da cientificidade da psicologia referindo-a
a uma epistemologia forte. No entanto, a meu ver, o que ele chama de epistemologia forte não
esgota o campo possível no qual essa questão pode ser levantada. Os trabalhos produzidos no
âmbito da teoria ator-rede - que tem em Bruno Latour o seu principal representante - são a esse
respeito referências necessárias, não apenas pela sua atualidade mas também pelas inovações
que trazem para o campo dos estudos em ciências.
Partindo de uma investigação etnográfica minuciosa da prática dos cientistas, bem como
acompanhando as suas controvérsias, Latour nos mostra como os conteúdos da ciência são
tramados, agenciados nesse domínio heterogêneo do qual fazem parte as inscrições, os
dispositivos técnicos, as instituições de financiamento de pesquisa, as revistas científicas, os
colegas - “os caros colegas”. A ciência é afirmada como uma prática híbrida, distante da imagem
epistemológica que a encerrava no domínio das teorias e dos conceitos. Prática híbrida no sentido
de estar longe de ser puramente objetiva, de lidar com fatos e apenas fatos, ao contrário o
hibridismo da ciência se faz notar quando acompanhamos a sua empiria, a sua praxis no contexto
mesmo do laboratório. Ao longo de suas pesquisas, Latour questiona as distinções clássicas entre
o que se faz no universo purificado e asséptico do laboratório e a sociedade lá fora. Sociedade e
Natureza são efeitos, são negociadas e produzidas no laboratório - é o que Latour nos mostra em
seus estudos sobre Pasteur[3]. Trata-se de mostrar como a ciência, definida por seu
funcionamento híbrido, impura por nascimento, define o que é a sociedade em que vivemos e a
natureza a qual nos referimos. Não vivemos num mundo separado por pólos opostos, natureza de
um lado, sociedade de outro. Vivemos num mundo povoado por objetos que já não sabemos se
são naturais ou sociais. São mistos de natureza e sociedade, de objeto e sujeito. As velhas
dicotomias já não nos permitem viver. Exemplos disso nos surgem todos os dias nas páginas dos
jornais. Num artigo recentemente publicado no jornal O Globo[4] ficamos sabendo que o príncipe
herdeiro do Japão, Naruhito, de 37 anos é esteril e estuda a possibilidade de inseminação artificial
de sua mulher, a princesa Masako, de 33 anos com o sêmem do pai dele. Seria uma maneira de
garantir a continuidade da dinastia japonesa. Se tudo ocorrer como se espera, a criança será filha
do sogro com a nora e irmã do seu padrasto. É a ciência comparecendo na redefinição
inteiramente original das relações de parentesco e, com isso, levantando questões políticas,
biológicas, sociais e éticas. É a ciência tal como é tratada por Latour, como ciência nômade,
ciência híbrida ou ciência como rede heterogênea. Acredito que um enfoque como esse permite
trazer à tona a questão da cientificidade da psicologia numa visada inteiramente diferente
daquela proposta por certas leituras epistemológicas. Neste artigo, faço uma apresentação do
modo epistemológico de tratar a ciência tomando a epistemologia não como um fardo a ser
eliminado, criticado e rebatido, mas sim tentando entrever de que modo ela lida com essa
heterogeneidade da ciência. Não pretendo afirmar um dualismo a mais: ou epistemologia ou rede
heterogênea, mas sim mostrar que a primeira é, em certo sentido, um caso da segunda, como um
de seus modos. Vale notar que quando falo de epistemologia faço referência principalmente aos
trabalhos de Canguilhem. As razões dessa escolha apontam para o seu caráter fraco - para usar a
terminologia de Figueiredo -, isto é, uma epistemologia cuja finalidade não se esgota na tarefa de
julgar a ciência, mas sim de acompanhar o modo como ela se constrói a partir de uma conexão
peculiar entre erros e acertos, entre ideologia e ciência. Por fim, somos levados a nos aventurar
no modo latouriano de tratar a ciência, tomando como positiva a sua multiplicidade.
Questões Epistemológicas
O estatuto polêmico da cientificidade da psicologia, particularmente como este é tratado
por Canguilhem nos convida a um exame minucioso acerca da própria epistemologia e neste caso
cumpre investigar se há um sentido para a palavra ciência próprio da epistemologia. Dito de outro
modo, existe um terreno próprio da epistemologia? Sobre o que exatamente incidem as questões
que a epistemologia levanta em relação a uma ciência qualquer e, em particular, em relação à
psicologia? Importa estabelecer um sentido amplo para a epistemologia, mais do que propor
especificações detalhadas do modo como cada autor que trata deste tema se refere ao termo
epistemologia. Neste sentido, não pretendo mapear os muitos sentidos do termo, mas antes
estabelecer um sentido geral que me permita avançar nos trabalhos de Canguilhem ao mesmo
tempo que situar os pontos de vista de Latour acerca deste assunto. Assim o objetivo é mais fazer
operar a noção de epistemologia no corpo deste trabalho e menos propor uma exaustiva
taxionomia sobre o assunto.
A epistemologia não deve ser confundida com uma reflexão racionalista - no sentido
cartesiano - a respeito das ciências. Isto porque, conforme nos adverte Lebrun[5], não há no
trabalho de Descartes uma reflexão sobre as ciências praticadas por seus contemporâneos, ao
contrário, trata-se de se servir da ciência para elaborar um discurso no interior do qual nós
saberemos, seguramente e sem riscos, classificar os conteúdos, ordenar as dificuldades, localizar
o incognoscível e estabelecer as verdades, sem distinção de gênero ou domínios. A edificação de
um discurso homogêneo que unificará tanto a produção quanto o encadeamento de todos os
enunciados ditos científicos é o que está em jogo. Mas, uma vez que a ciência não é analisada
como produtora de uma racionalidade, e sim como meio para a construção da reflexão filosófica
quanto ao conhecimento humano, não há epistemologia. No sentido cartesiano, em vez de
estudar tal ou qual ciência em sua região específica, importa apenas tomá-las como casos
particulares de um conhecer.
Na perspectiva de Lebrun, só há epistemologia pós-cartesiana, já que é próprio dela
tomar as ciências em sua facticidade, em sua dispersão empírica, como regiões de conhecimento
que produzem sua própria racionalidade. Desse modo, diante do faktum das ciências positivas,
dois enfoques podem ser adotados: um consiste em deixar na sombra a sua facticidade, a sua
positividade para mostrar ser a ciência em questão uma explicitação da estrutura humana do
conhecer, este é o estilo racionalista. Já o outro consiste em afirmar o caráter autóctone dos
princípios que uma ciência dá a si mesma e, além disso, o caráter singular de seu arcabouço
conceitual e teórico que permitem determinar de maneira inédita um certo objeto de
conhecimento. Em resumo, ao invés de tomar a ciência como exemplo de uma racionalidade
dada, interessa apontar o modo como a ciência produz os enunciados e as regras capazes de
construí-la, tal é o estilo epistemológico, pois é o estado de fato das ciências o que consagra e
batiza a epistemologia.
É por isto que Lebrun afirma que a “epistemologia como saber emancipado pode nascer
apenas sobre o fundo de positivismo”*6+, entendendo por positivismo a decisão radical de só
reconhecer sentido nas proposições da ciência empírica positiva. Por certo há no positivismo a
noção de uma coordenação universal, de um método homogêneo, da mesma forma que também
para Comte a matemática possuía a chave da maneira uniforme de raciocinar aplicável aos
diversos temas sobre os quais o espírito humano pode se exercer. Mas neste ponto, Lebrun faz
uma ressalva ao dizer que os obstáculos regionais encontrados pela matemática são tomados por
Comte não apenas como fracassos, mas principalmente como índices de uma revisão
indispensável da noção de saber, consistindo esta revisão justamente em restituir às ciências o
seu domínio heterogêneo desembaraçadas de uma Razão unificadora. Cito,
“... ciência e razão pura não se sobrepõem mais. E é a partir deste momento, em
que a razão pura cessa de lançar sobre as ciências o olho egoísta do genitor que
vai se despregar a curiosidade epistemológica” (Lebrun, G. op. cit., p.13).
Uma ciência só se torna objeto da curiosidade epistemológica na medida em que
comporta uma unidade que não é garantida por uma razão a priori, mas uma unidade que remete
a um trabalho produtivo, empírico, normatizado por regras locais, revisáveis e instáveis. Do ponto
de vista epistemológico, a unidade de uma ciência, longe de ser remetida a “monstros identitários
forjados por manuais”*7+, é afirmada no domínio singular e local de uma prática científica. Seria
possível traçar duas condições essenciais ao surgimento da epistemologia: em primeiro lugar,
sendo cada ciência considerada pelo que ela tem de diferencial, de heterogêneo e vista como
produtora de um conhecimento singular, autêntico e legítimo do ponto de vista de sua facticidade
e, em segundo lugar, cada ciência prestando-se a um exame ao mesmo tempo histórico e
crítico[8], ao invés de aparecer como uma constelação de verdades. Neste sentido, podemos dizer
ser a epistemologia uma investigação que vem após a positividade empírica da ciência
interrogando-a acerca dos seus princípios, seus fundamentos, suas estruturas, suas condições de
validade[9]. Aqui vale notar que a epistemologia não se confunde com uma pura e simples
descrição dos conceitos científicos, já que, para apenas descrevê-los, seria preciso considerá-los
como elementos dados, isoláveis, discretos. Como, nesse enfoque epistemológico, uma
configuração conceitual é mais do que a soma de elementos suficientes para uma enumeração,
ela é uma articulação que possui uma coesão interna, uma pertinência intrínseca. A epistemologia
seria antes semelhante a um “mapamundi”*10+ que representa os relevos conceituais de uma
ciência singular. Trata-se de buscar os obstáculos com os quais se depara uma ciência na
edificação de seu conjunto conceitual, mostrar como se articulam os conceitos científicos e de
que modo podemos passar de um domínio conceitual para outro.
Podemos concluir que há um modo eminentemente epistemológico de tratar as ciências,
isto é, há um sentido de ciência próprio da epistemologia. Neste ponto utilizo uma citação do
texto de Lebrun:
“No lugar deixado vazio pela humana sabedoria, eis que nascem os ‘gais savoirs’,
as epistemologias - saberes ainda adolescentes, agressivos, insolentes,
dissolventes, desrespeitosos da cientificidade de direito divino porque mais
respeitosos da ciência como trabalho e como documento ... as ciências não se
tornam agradáveis senão quando se as toma por jogos dos quais é preciso buscar
as regras, elas não se tornam interessantes senão quando não se crê mais na
Verdade” (Lebrun, G. op. cit., p. 21).
Não crer mais na Verdade é justamente o que Canguilhem nos convida a fazer quanto
delimita o campo de aplicação da epistemologia em relação à história das ciências. Uma história
das ciências, isenta de qualquer contaminação epistemológica, acaba por reduzir uma ciência,
num momento dado, a uma exposição das relações cronológicas entre os seus enunciados. A
epistemologia, ao contrário, problematiza a noção de passado de uma ciência: “essa ciência do
passado é um passado da ciência atual?”*11+ Esta é, parece-me, a questão fundamental para
tratar da epistemologia no sentido que lhe confere Canguilhem e nela está precisamente o tema
da Verdade embutido. Porque, quando o autor se pergunta sobre o passado de uma ciência atual,
o que está em jogo é uma aliança entre algo que é sancionado pela atualidade da ciência em
questão e aquilo que não é mais. Canguilhem nos faz ver a insipidez de uma história apenas da
Verdade, sendo o entrelaçamento da ciência com a ideologia científica o que impede a redução
da história de uma ciência à pobreza de um simples quadro sem sombras de relevo[12]. Segundo
Delaporte[13], em relação à epistemologia bachelardiana, o trabalho de Canguilhem apresenta
um princípio de inversão: ao invés de lidar com obstáculos, trata-se de descobrir as condições de
possibilidade; de registrar as filiações, e não apenas as rupturas; de inscrever numa história do
sancionado aquilo que, à primeira vista, pertenceria à história do superado. Há uma revalorização
da noção de continuidade através da restituição de dignidade teórica ao pré-científico. Em lugar
de considerar a negatividade ou o caráter ilusório de uma formação discursiva para suprimi-la do
conhecimento científico, é preciso estar atento para o seu núcleo positivo, de modo a mostrar
que ela pertence à história da formação do saber. Canguilhem afirma a positividade de tais
formações discursivas, situando-as no campo do saber. Assim, ele problematiza[14] a idéia de que
a formação de um discurso científico se constitui por purificação ou expurgo das crenças, das
ilusões imaginárias e aceita menos tal idéia como uma regra epistemológica, que segundo
Delaporte[15], se refere a principio à epistemologia bachelardiana.
Existe portanto, no trabalho de Canguilhem, uma oscilação entre duas posições em
história: uma continuísta e outra descontinuísta. O epistemólogo deve trabalhar em dois registros
articulados: aquele da ideologia científica e aquele da constituição do discurso científico. Por
tratar a constituição de uma ciência a partir de elementos díspares e heterogêneos, este enfoque
toma as ciências em sua facticidade e é o próprio autor quem aponta para esta heterogeneidade
quando afirma que “por se querer construir a história apenas da verdade, acaba-se por fazer uma
história ilusória (...) a história da verdade, e só da verdade, é uma noção contraditória”*16+.
Conservamos uma distância entre a epistemologia de Canguilhem e uma epistemologia
unipolar, que lida apenas com o ponto de vista da afirmação da racionalidade do discurso
científico. De acordo com Delaporte é possível dizer que Canguilhem afirma uma epistemologia
bipolar, no sentido de lidar tanto com os obstáculos à formação de um conceito científico, quanto
com os elementos díspares, que são a sua condição de possibilidade. Para ele é a ideologia
científica aquilo que funciona ao mesmo tempo como condição de possibilidade e como obstáculo
à formação de uma ciência[17]. No caso da formação de um discurso científico, a ideologia é
afirmada como uma “aventura intelectual sobre a racionalização”*18+, de forma que uma história
das ciências inclui uma história das ideologias científicas.
Uma ideologia científica não se confunde com uma falsa ciência, porque, diferentemente
desta última, numa ideologia científica há uma ambição explícita de ser ciência, ao modo de
qualquer modelo de ciência já constituída. Para Canguilhem, a existência paralela e preliminar de
discursos científicos é resultante de tais ideologias. Mas é necessário notar que uma ideologia
científica desconhece as exigências metodológicas e operatórias da ciência, embora não ignore de
modo algum a função da ciência. Por este motivo, o autor nos adverte para não confundir
ideologia com uma superstição, já que ela ocupa um lugar no espaço do conhecimento, e não no
da crença. Apesar de se encontrar no campo do conhecimento, a ideologia científica está
deslocada em relação ao lugar que a ciência vem ocupar. Citando o exemplo da química,
Canguilhem diz que, quando a química e a física constituíram o conhecimento científico do
átomo, este não apareceu na mesma região que a ideologia atomista lhe reservara. “O que a
ciência encontra não é o que a ideologia oferecia à investigação.”*19+ Uma ideologia científica só
se constitui como tal a posteriori, isto é, depois do aparecimento de um discurso científico que
delimita seu campo de validade e dá as suas provas pela coerência e pela integração de seus
resultados. É somente a posteriori que uma ideologia científica é determinada por exclusão do
campo científico, assim, a história de uma ciência, tal como exposta pela epistemologia, é uma
história atravessada por desvios, impasses, obstáculos, acidentes. A atividade científica enquanto
tal é entendida como um processo contínuo de ideologização e desideologização.
Dois pontos são relevantes neste enfoque epistemológico das ciências. Primeiro as ciências são
tomadas em sua facticidade, em sua historicidade empírica que comporta elementos díspares e
heterogêneos. Em segundo lugar, cumpre ressaltar que a ciência é afirmada como prática
produtora de seus próprios meios de validade e verificação. O trabalho de Canguilhem é a este
respeito exemplar, pois, ao afirmar o caráter bipolar da epistemologia, o autor enfatiza uma
articulação inseparável entre erro e errância[20] no campo da ciência. Em outras palavras, a
constituição de uma ciência não se explica pura e simplesmente por um expurgo dos erros ou
ilusões imaginárias, mas antes por uma deriva ou errância da qual fazem parte indissoluvelmente
as ideologias científicas. A história de uma ciência é irredutível a uma oposição maniqueísta e
unipolar entre o verdadeiro e o falso; ela é um certo modo de articulação da qual fazem parte
tanto o verdadeiro quanto o falso. Por isso insisto na importância do aspecto errante próprio da
ciência afirmado pela epistemologia e penso que uma das riquezas do trabalho de Canguilhem
reside precisamente em fazer da ciência uma deriva.
Considerando a ciência como uma deriva, como uma articulação entre erro e errância,
Canguilhem se apresenta como um autor interessante para discutir o problema da cientificidade
da psicologia. Porque, conforme salientei, importa levar adiante esse debate não apenas como
uma forma de julgamento da psicologia; não se trata de convocar um tribunal para julgar e decidir
finalmente se a psicologia é ou não ciência. Ao positivar o erro e a errância no campo da ciência,
Canguilhem abre uma brecha nas análises epistemológicas: por meio dessa brecha é possível
acompanhar, seguir a deriva de uma ciência na constituição de efeitos de racionalidade,
objetividade e veracidade. Uma ciência não é analisada apenas por meio da repetição de
elementos-chave ou da redundância de uma racionalidade cujos parâmetros são estabelecidos de
antemão. O trabalho de Canguilhem aponta para um enfoque sobre as ciências, em particular
sobre a psicologia, que permite ver suas hesitações, suas derivas como elementos que lhes são
constitutivos e não como resíduos a serem descartados.
Num texto em que analisa o trabalho de Canguilhem, Foucault[21] afirma a importância
do trabalho epistemológico porque, segundo ele, com a epistemologia, a questão da
racionalidade é levantada tanto em relação aos seus fundamentos ou à sua natureza, quanto, e
principalmente em relação à sua história e à sua geografia. A partir da análise epistemológica, a
questão da racionalidade não pode ser dissociada de uma interrogação acerca da sua condição de
possibilidade. Foucault ressalta quatro pontos relevantes no trabalho de Canguilhem. Em primeiro
lugar, trata-se do tema da descontinuidade. A descontinuidade em história não é um postulado, é
antes uma exigência mesma do fato que, na história das ciências, tal como Canguilhem a entende,
a verdade não é uma aquisição definitiva já que é constituída numa certa articulação do
verdadeiro e do falso, sendo esta dupla articulação aquilo que dá a especificidade e o domínio de
uma história da ciência epistemologicamente orientada. Esta história é a história de discursos
verídicos, isto é, discursos que se retificam, se corrigem e operam sobre eles mesmos um trabalho
de elaboração para construir um “dizer verdadeiro”. E neste ponto a análise de Foucault pareceme que se coaduna com a de Delaporte, exposta anteriormente. De acordo com o enfoque
foucaultiano, em vez de eliminar o erro pela força de uma verdade que pouco a pouco seria
revelada, a epistemologia consistiria numa formação de uma nova maneira de “dizer verdadeiro”.
Em segundo lugar, Foucault afirma que a história do discurso verídico se faz por meio do
método recorrente. Para ele, por meio de uma recorrência histórica é possível ver que as
transformações sucessivas de um discurso verídico produzem sem cessar remanejamentos em
sua própria história, a ponto das descontinuidades não serem adquiridas de uma vez por todas,
mas constantemente retomadas, rearranjadas, refeitas. O passado atual de uma ciência está em
constante reconstrução a partir de uma veracidade atual provisória. Dessa forma, o ponto de vista
epistemológico se situa entre o enfoque do puro historiador e o do cientista e sua especificidade
consiste em mostrar a verdade científica como um episódio, um termo provisório. Em outras
palavras, o processo de eliminação e seleção dos enunciados, das teorias, dos objetos se fazem
sempre em função de uma norma, que não se identifica a uma estrutura teórica dada nem a um
paradigma, porque a verdade científica é sempre episódica e provisória. Nas palavras de Foucault,
o ponto de vista da epistemologia “não é uma teoria geral de toda ciência e de todo enunciado
científico possível; ele é a pesquisa da normatividade interna às diferentes atividades científicas,
tais como elas têm sido efetivamente construídas”*22+.
Foucault ressalta em terceiro lugar que, traçando sua perspectiva históricoepistemológica sobre as ciências da vida, Canguilhem fez aparecer um conjunto de traços
essenciais que a singularizam em relação às outras ciências. O conhecimento da vida encontra sua
especificidade na interrogação sobre a doença, a morte, a monstruosidade, o erro e disso decorre
uma situação paradoxal, própria às ciências da vida. Se, por um lado, em sua constituição ela
depende da constituição de domínios como a química celular, os modelos matemáticos, por
outro, ela é estreitamente ligada ao vitalismo, entendido aqui mais como um indicador da
especificidade das ciências da vida do que como um filosofia dos biólogos.
Finalmente, as ciências da vida levantam um problema relacionado ao próprio conhecer,
porque a biologia deve dar conta da vida como objeto específico e, mais do que isto, ela deve dar
conta do fato de haver, dentre os vivos, seres capazes de conhecer. É o caso de buscar, do lado
dos sistemas vivos, um sentido originário para o conhecer ou, dito de outro modo, de enraizar o
conhecimento na vida. No cerne desta questão está o problema do erro porque, “no limite, a vida
- daí seu caráter original - é o que é capaz de errar”*23+. A este dado fundamental é preciso
interrogar a respeito das anomalias, das mutações e também, por fim, sobre este fato singular
que faz com que o homem seja um vivo votado a errar , a sempre se enganar. A vida é para o
epistemólogo uma “experiência, quer dizer, improvisação, utilização de ocorrências; é tentativa
em todo o seu sentido. De onde o fato, (...) de que a vida tolera monstruosidades”*24+. Partindo
do princípio de que o conceito é, para Canguilhem, a resposta oferecida pela vida a este
imperativo que faz dela uma errância, é preciso convir que o erro está na raiz do pensamento
humano e de sua história. Daí ser importante ressaltar a relação da errância do humano com a
própria história das ciências, de tal modo que esta última, entendida como uma articulação entre
o falso e o verdadeiro, entre ciência e ideologia científica, seja talvez “a resposta mais tardia a
esta possibilidade de errar intrínseca à vida”*25+. Assim, como a história das ciências comporta
uma descontinuidade, isto é, como só podemos analisá-la em termos de uma série de correções,
que não atinge jamais uma verdade definitiva, o erro não deve ser considerado como um
esquecimento, uma falha, ou um fracasso mas algo inerente à dimensão própria da vida e,
portanto, do pensamento. O erro é semelhante a uma perturbação permanente em torno da qual
se constitui a história da vida e a história das ciências, em torno da qual, poderíamos dizer,
desenrola-se o devir dos homens. É neste sentido que Foucault se refere a Canguilhem como o
“filósofo do erro”*26+, o que significa dizer ser o erro o ponto de partida para ele destacar os
problemas filosóficos da verdade e da vida. Ao lado de uma tradição filosófica que relaciona
verdade e sujeito, Canguilhem opera um deslocamento ao relacionar o conhecimento à errância
da vida.
Uma questão se faz pertinente: por que erramos? Por que o ser humano é um ser votado
a errar, a sempre se enganar? Qual é o estatuto do erro na epistemologia de Canguilhem?
Questão que me parece pertinente e que pode ser entendida de duas maneiras. A primeira
consiste em fazer do erro um fato a ser incluído e corrigido numa norma. Nesse caso, estaríamos
vinculados a um enfoque fundado, de direito, na coerção de uma norma sendo o erro um limite
ou uma limitação a ser transposta por essa norma mais do que uma potência ou um solo de
invenção. A segunda maneira de encarar essa questão é aquela que considera o erro um
acontecimento de direito; o que significa dizer que ele tem um estatuto ontológico e constitutivo
do ser. Dizer que o erro é ontológico tem como conseqüência a afirmação de uma potência do
erro que não se confunde com um limite a ser transposto, trata-se antes de uma diferença em si,
de um modo de apresentação dos seres, de um modo de distribuição dos seres que não se pauta
em nenhum princípio de correção ou de superação; distribuição nomádica ou errante mais do que
corretiva. A epistemologia de Canguilhem considera o erro como um limite a ser corrigido por
uma norma e, suas leituras sobre a psicologia são marcadas por essa pressuposição. Assim,
embora a epistemologia de Canguilhem não se identifique com um tribunal das ciências, ela não
prescinde por completo de um certo princípio de julgamento. O interessante no enfoque de
Canguilhem é justamente essa flexibilização do sentido de epistemologia: flexibilização porque
inclui em seu domínio uma certa margem de variação, de deriva.
A teoria ator-rede e a potência do erro
A investigação da teoria ator-rede tal como proposta por Latour, Callon e outros segue um
rumo inteiramente novo quanto às práticas dos cientistas. David Hess[27] traça um mapa dos
estudos sociológicos de ciência e tecnologia que vai desde as pesquisas de Merton até os
trabalhos de Latour. O que está em jogo é que tais estudos sociológicos das ciências deixavam
fora de suas análises o conteúdo mesmo da ciência, isto é, seus métodos, teorias e fatos. Segundo
Hess, a partir dos trabalhos de Kuhn os estudos sociais em ciência começam a colocar em questão
o conteúdo da ciência. A partir da segunda metade da década de 70, um grupo de pesquisadores
de língua inglesa começou a promover uma mudança significativa nessa área de estudos. Em 1976
David Bloor lançou as bases para um programa forte nos estudos sociais de ciência. Segundo
Latour & Woolgar, a idéia de Bloor era “encorajar os historiadores e os sociólogos que ainda
hesitavam em passar de uma história e de uma sociologia dos cientistas para uma história e uma
sociologia das ciências”*28+. Conforme a leitura de Latour e Woolgar, Bloor chamava de programa
fraco a idéia segundo a qual para ser chamado de historiador ou sociólogo da ciência bastava
estabelecer algum tipo de proximidade entre a dimensão cognitiva das ciências e certos fatores
sociais. O programa forte, ao contrário, propunha submeter a escrutínio o conteúdo da ciência, de
modo que a sociologia da ciência deveria levar em conta, ao mesmo tempo, o contexto social e o
conteúdo científico. Para alcançar esse resultado, Bloor propôs o princípio de simetria segundo o
qual os mesmos tipos de causa deveriam explicar a verdade ou a falsidade das crenças, isto é, não
se poderia mais explicar a verdadeira ciência - a ciência sancionada - referindo-se à natureza e a
falsa ciência referindo-se à sociedade[29]. Segundo Latour[30], o princípio de simetria é aepistemológico na medida em que afirma uma continuidade radical entre o verdadeiro e o falso.
Vale ressaltar a importância de tais estudos para o trabalho a ser desenvolvido por Latour. Em
suas análises acerca da prática dos cientistas, Latour propõe uma extensão do princípio de
simetria de Bloor afirmando um princípio de simetria generalizado segundo o qual não só o erro e
o acerto devem ser simetricamente estudados mas, principalmente, a natureza e a sociedade[31].
Por isso, o trabalho de Latour é duas vezes simétrico: “aplica-se ao verdadeiro e ao falso, esforçase por reelaborar a construção da natureza e da sociedade”*32+. Ao tomar a prática científica
como campo privilegiado de suas investigações, Latour mostra como a partir dessa prática são
construídas simultaneamente tanto a natureza quanto a sociedade. Para isso, é preciso focar não
a ciência feita, pronta e confirmada mas a ciência em ação, a ciência se fazendo nas bancadas dos
laboratórios e definindo no mesmo processo o seu conteúdo e o contexto social.
O autor simboliza essa escolha com a figura do rei romano Janus, guardião das entradas e
dos portões, na qual vemos duas faces: uma anciã, voltada para o passado, representando a
ciência feita, alvo das investigações clássicas acerca da ciência. Outra, a face jovem, voltada para o
futuro, representando a ciência em ação. Latour[33] afirma uma mudança de paradigma na
direção da prática científica e do mundo da pesquisa porque nestes últimos campos percebemos
a incerteza, o risco, as ligações numerosas com o político, a sociedade, enfim as conexões
heterogêneas, múltiplas que caracterizam a prática dos cientistas e que ficam fora de cena
quando as ciências feitas são o cerne das investigações. É no campo múltiplo das práticas
científicas que, segundo Latour, serão construídas a Natureza e a Sociedade.
Em sua obra, Latour nos permite pensar em bases novas o dilema quanto à cientificidade
da psicologia. Pela novidade de suas análises, acredito na importância de considerá-las como solo
para discutir a cientificidade da psicologia no que diz respeito aos seus impasses e limites. Penso
ainda que ao afirmar uma ontologia múltipla e heterogênea para as ciências, Latour nos permite
renovar as discussões acerca da ciência psicológica. É no livro sobre os Modernes Faitiches[34]
que ele apresenta a tese segundo a qual a psicologia e a epistemologia são como duas faces da
mesma moeda, duas pontas articuladas pelo projeto da modernidade, cuja definição é entendida
por Latour como a operação que separa primeiramente sujeito do conhecimento e objeto a ser
conhecido e, em segundo lugar, separa a teoria como um domínio de conhecimento puro da
prática como um universo de ação no qual estas dicotomias parecem não operar. Parece-me que
o projeto da modernidade segundo Latour, é uma das facetas do que Deleuze chama a imagem
dogmática do pensamento. A este respeito, penso que há uma ressonância entre o trabalho de
Latour e o de Deleuze, uma vez que, enquanto este último coloca na fundação da filosofia um
pensar intempestivo, aquele toma como alvo de suas análises a prática mesma dos cientistas para
fundá-las num domínio de ação díspar, intempestivo e paradoxal. O trabalho de Latour parece
estar por isso mesmo bem próximo da ontologia afirmada na filosofia deleuziana. Parece-me,
portanto, que Latour desdobra a ontologia deleuziana na sua pesquisa acerca da prática dos
cientistas e com isto traz um nomadismo para as ciências. Penso que esse é um dos pontos
interessantes do trabalho de Latour: trazer para o campo dos estudos em ciência problemas
ontológicos discutidos na filosofia da diferença. Afirmar a ciência como prática híbrida, nômade e
heterogênea, prática que tem por efeito definir ao mesmo tempo a sociedade e a natureza, o
sujeito e o objeto. Enfim, as dicotomias que desde o século XVII supomos como dadas de
antemão, são elas próprias efeitos de uma ação díspar que Latour chama de prática científica. Se
a modernidade é definida pela separação radical entre esses pólos, sujeito de um lado, objeto de
outro, então podemos afirmar com Latour, a não-modernidade das práticas científicas. São nãomodernas porque são atravessadas por uma disparidade que lhes é intrínseca e, mais do que isto,
porque misturam sem cessar o que o pensamento moderno havia separado: os humanos de um
lado, as coisas de outro. E são justamente estes pontos que fazem de Latour um autor pertinente
e necessário para renovar as discussões em torno da cientificidade da psicologia. Poderíamos
pensar numa psicologia nômade? Quais seriam as suas bases, as condições de sua formulação? Se
no projeto da modernidade a psicologia e a epistemologia são duas faces da mesma moeda, como
poderíamos pensar uma psicologia não-moderna, isto é, uma psicologia definida a partir de uma
ontologia híbrida? Somos levados a nos aventurar pelo mundo não-moderno que Latour traz para
as ciências e, em particular, somos levados a perguntar sobre o lugar da psicologia nesse mundo.
Pensar um nomadismo na psicologia abre duas vias importantes na investigação
psicológica: em primeiro lugar, trata-se de buscar um estilo de ciência para a psicologia que não
seja pautado num modelo tomado de empréstimo de outras ciências, em outras palavras, trata-se
de um estilo de ciência próprio à psicologia. Em segundo lugar, um nomadismo na ciência permite
redefinir o estatuto do erro como campo de estudos da psicologia. Numa ontologia híbrida o erro
não é visto como algo a ser corrigido ou como uma imagem revertida do verdadeiro. O erro, neste
caso, está articulado a uma hibridação ontológica, a uma errância que faz derivarem as formas do
pensamento. Ao definir a ciência como uma prática híbrida, a teoria de rede de atores lança luz
sobre a possibilidade de uma psicologia nômade, uma psicologia híbrida. E, consequentemente,
uma psicologia cujas alianças não são mais aquelas da filosofia cartesiana, da ciência e do bom
senso, mas sim aquela que torna positivo esse domínio híbrido. As filosofias da diferença de
Michel Serres e Deleuze & Guattari talvez sejam, nesse caso, alianças necessária ao saber
psicológico entendido como rede de atores.
Bibliografia
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Serres, M. Filosofia Mestiça. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993.
* Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP.
[1] Cf. Danziger, K. 1979, 1980.
[2] Figueiredo, L.C.M. 1995,p.14.
[3] Latour, B. 1995, 1992.
[4] Duarte, C. O Incesto Tecnológico, Casos de Inseminação Artificial entre Parentes Provocam
Polêmica sobre a Ética Médica. O Globo, Jornal da Família, 18/05/97. Devo a Maria de Nazaré
Freitas Pereira a sugestão desta referência, que aliás aparece na sua tese de doutorado, cf.
Pereira, M.N.F. 1997, p.282.
[5] Cf. Lebrun, G. 1977.
[6] Lebrun, G. op. cit., p.13.
[7] Lebrun, G. op. cit., p.16.
[8] Mais adiante, quando formos tratar da epistemologia tal como é entendida para Canguilhem,
será explicitado o sentido das noções de história e de crítica.
[9] Cf. Blanché, R. 1972.
[10] Lebrun, G. 1977, p.19, grifo nosso.
[11] Canguilhem, G. 1977, p.13.
[12] Canguilhem, G. 1977, p. 41.
[13] Cf. Delaporte, F. 1994.
*14+ “É inevitável interrogarmo-nos se a história do que é ciência autêntica deve excluir, ou
tolerar, ou ainda reivindicar ou incluir também, a história das relações de evicção do inautêntico
pelo autêntico. É intencionalmente que falamos de evicção, quer dizer de expropriação jurídica de
um bem adquirido de boa fé. Há muito que deixamos de qualificar, como o fazia Voltaire, as
superstições e as falsas ciências como maquinações e fraudes, cinicamente inventadas por
dervixes e perpetuadas por amas ignorantes.” Canguilhem, G. 1977, p.31, grifo nosso.
[15] Cf. Delaporte, F. 1994.
[16] Canguilhem, G. 1977, p.42.
[17] Canguilhem toma a noção de ideologia num sentido diferente daquele que lhe é conferido
por Marx. Falar de ideologia científica na perspectiva marxista é uma aberração porque nesta,
segundo Canguilhem, uma ciência só se constitui autenticamente por oposição e separação da
ideologia e neste caso as ideologias aparecem, pois, como ilusões, erros. No entanto, Canguilhem
aceita um sentido geral dado pelo marxismo de ideologia como um desvio, um deslocamento do
ponto de aplicação de um estudo. Cf. Canguilhem, G. op. cit., p. 35-6.
[18] Canguilhem, G. op. cit., p.42.
[19] Canguilhem, G. op. cit., p.37.
[20] O sentido que atribuímos a este termo corresponde a um dos sentidos de errar: vaguear,
vagabundear, espalhar-se em várias direções. Cf. Ferreira, a. b. h. Novo Dicionário Aurélio de
Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1986, p.679. Cf. também o uso que
Delaporte, F. 1994, p.38 faz do mesmo termo.
[21] Cf. Foucault, M.,1994.
[22] Foucault, M. op. cit., p.771.
[23] Foucault, M. op. cit., p.774.
[24] Canguilhem, G. 1976, p.138.
[25] Foucault, M. 1994, p.775.
[26] Foucault, M. op. cit., p.775.
[27] Hess, D. 1993.
[28] Latour, B. & Woolgar, S. 1997, p.22.
[29] Hess, D. 1993, p. 03.
[30] Latour, B. 1994, p.93.
[31] Latour, B. op.cit. p.95; Latour, B. & Woolgar, S. 1997, p. 24.
[32] Latour, B. & Woolgar, S. op.cit., p.24.
[33] Latour, B. 1995, p.12.
[34] Cf. Latour, B. 1996, p.74 e segts.
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