XII Semana de Letras da Ufop Pluralidade da Memória: literatura, tradução e práticas discursivas 23 a 26 de outubro de 2012 Ufop – Mariana, MG, Brasil Análise das Funções Emotivas de Interjeições Encontradas em “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll Thaís Rios de Aguiar1 (UNIMONTES) ... Resumo: O presente artigo refrata de forma dual a obra Alice no País das Maravilhas e a Análise de Discurso a fim de contextualizar a função emotiva das interjeições presentes no texto. Dentro de um discurso, as interjeições carregam o maior número de expressões feitas pelo locutor, interjeições tais, que inúmeras vezes servem de muleta para que os mesmos abusem de seu uso de forma que o receptor perceba o que há de real ou irreal nas entrelinhas do texto. No decorrer da obra, os personagens perpassam em suas falas sentimentos que suscitam e ridicularizam o próprio sentimento do personagem. A partir disso, como a função emotiva de linguagem projeta-se dentro do discurso? Palavras-chave: Interjeições. Discurso. Linguagem. 1 Introdução Em 1865, o escritor britânico Charles Lutwidge Dodgson mais conhecido pelo pseudônimo de Lewis Carroll publica “Alice no país das Maravilhas”. Integrando-se ao gênero ficção fantástica e aventura, a obra é marcada por peculiaridades que disseminam aspectos nonsense encontrados dentro do texto e até mesmo em suas ilustrações feitas por John Tenniel a partir das características dadas pelo escritor aos seus personagens. O livro conta a história de Alice, uma menina curiosa, esperta e ao mesmo tempo doce em que numa típica tarde de descanso com a sua irmã se surpreende ao ver um coelho vestido feito gente, correndo e ainda por cima falando. A partir daí a história de Alice começa a desabrochar-se, a menina então corre atrás do coelho e de repente se vê dentro de sua toca, dali em diante iniciam-se as aventuras de Alice no país das Maravilhas. “Alice no país das Maravilhas” possibilita refratar o literário em o que há de mais ilusório, onírico e fantástico dentro do texto. A função emotiva inserida numa obra literária apresenta-se para o leitor como objeto que transparece e induz ao entendimento - de forma subjetiva - aquilo que o emissor e/ou remetente diz a partir do não dito. A atual pesquisa nasceu da inquietude e curiosidade perante o jogo de palavras do sujeito dentro do texto, partindo da premissa que as palavras são cruas e não possuem significados por elas mesmas, mas sim, formam acepções a partir do momento que o sujeito se posiciona e entra no contexto da história. Assim, nesta análise descritiva bibliográfica, as interjeições funcionam como um dispositivo que permite identificar a forma que esse sujeito se apresenta ao leitor, atravessa o discurso, o imaginário, chegando ao país das Maravilhas e identificando a origem e os meios pelos quais essa máquina de imaginação produz. 2 A linguística no “País das Maravilhas” O percurso e o desenvolver de toda trama, seja de qual gênero for, trás em seu texto, em seu discurso e em suas passagens as relações com a historicidade, a ideologia que inscreve na construção do sujeito feita pelo leitor. Esse caminho é construído a partir dos elementos disponíveis XII Semana de Letras da Ufop Pluralidade da Memória: literatura, tradução e práticas discursivas 23 a 26 de outubro de 2012 Ufop – Mariana, MG, Brasil em um discurso, elementos tais que proporcionam uma organização serializada de comunicação. O emissor, o receptor, o código, o referente e a mensagem – discurso – bailam dentro do texto a fim de fazer sentido numa dança entre o verbal e até o mesmo o não verbal, onde nem sempre haverá uma linearidade de passos. A língua não é só um código entre outros, não há essa separação entre emissor e receptor, nem tampouco eles atuam numa seqüência em que primeiro um fala e depois o outro decodifica etc. Eles estão realizando ao mesmo tempo o processo de significação e não estão separados de forma estanque. (ORLANDI, 2012. p.21). Em Alice no País das Maravilhas, há um notório número de personagens que são apresentados no decorrer da obra. Não só notório a quantidade de personagens no texto, mas também é notória a efetiva participação desses sujeitos na história. Alice não está sozinha. E ao tratar dessa efetividade como sujeitos totalmente cruciais, não é trivial abordar o comprometimento e a influência que o discurso sofre. A organização estrutural involuntária que o texto possui constrói e dinamiza o discurso. Ao analisar o discurso de Alice no País das Maravilhas tendo como dispositivo a função emotiva, analisa-se o entreposto do discurso pela linguagem. A criação semântica através das estratégias que o autor se apodera para fazer sentido funciona para o leitor como interpretações exatas. Sobre a exatidão de interpretações feitas pelo leitor, o texto lança seus jogos de palavras, seus simbolismos e suas figuras para a produção de significados que variam de leitor para leitor, a homogeneidade do texto é inexistente. Como lembra Fiorin (2011), as diversas leituras que o texto aceita já estão nele inscritas como possibilidades. Isso quer dizer que o texto que admite múltiplas interpretações possui indicadores dessa polissemia. No latim, interjeição significa “meter entre”, e é assim que as interjeições aparecem dentro do discurso, seja para incorporar uma sentença, dinamizá-la e/ou fundamentá-la. O processo de inserção das interjeições dentro do texto afeta o discurso levando-o as interpretações. Interpretações tais que, são construídas a partir dos jogos simbólicos do texto e, em Alice no País as Maravilhas esses acontecimentos são compassados. O estudo das interjeições cambia com o estudo da semântica dentro do texto, visto que são dessas propriedades que o discurso nasce, faz-se sentido e a comunicação acontece. O sentido do texto é feito pelo percurso que o autor apropria-se para os seus sujeitos. Especialmente na obra analisada, encontram-se características de nonsense, que não só significa o não fazer sentido, mas paradoxalmente, comungam com idéias de absurdo, de disparate que divergem num primeiro momento com a acepção da semântica, mas que se apropria da mesma para fazer sentido. 1 2 2.1 Funções emotivas de interjeições em “Pela Toca do Coelho” Ao ver um Coelho agindo feito gente, Alice ao segui-lo, cai de repente em sua toca e, é desse instante que a história nasce. No primeiro momento, Alice sozinha, promove uma série de pensamentos sobre as estranhezas que estão acontecendo desde a sua queda. Tendo Alice como esse sujeito que dá o pontapé inicial para o desenvolvimento dessa história, é pertinaz a observação do ponto de partida, do percurso e da forma que esse sujeito fala e apresenta dentro desse texto e dessa história. Centrada no código e na mensagem, a função emotiva organiza-se no discurso para fazer sentido a um sujeito canalizado no receptor, podendo haver uma relativização na organização do discurso. Dentro do texto, a incorporação da função emotiva é revelada pelas interjeições, que exclamam o sentimento, a sensação, a verdade e a expressão desse sujeito partícipe do discurso. A função emotiva, evidenciada pelas interjeições, colore, em certa medida, todas as nossas manifestações verbais, ao nível fônico, gramatical e lexical. Se analisarmos a linguagem do ponto de vista da informação que veicula, não poderemos restringir a noção de informação ao aspecto cognitivo da linguagem. (JAKOBSON, 2003, XII Semana de Letras da Ufop Pluralidade da Memória: literatura, tradução e práticas discursivas 23 a 26 de outubro de 2012 Ufop – Mariana, MG, Brasil p. 124) Em certa passagem da obra, Alice parece não querer chorar e usa do artifício da interjeição para mostrar a sua resistência a fraqueza, que talvez seja o choro, e não se contendo diz “Come, there’s no use in crying like that!” Said Alice to herself, rather sharply; “I advise you to leave off this minute!” She generally gave herself very good advice, (though she very seldom followed it).1 (CARROLL, 1994, p.19). Através de duas interjeições exemplificadas acima, Alice transpôs em sua mensagem um sentimento que suscita e ridiculariza o próprio sentimento da personagem. Nesta passagem do texto, nota-se que o sujeito fala para o próprio sujeito, desmistificando a teoria da existência de um emissor e um receptor como figuras distintas dentro do texto. Alice fala para ela e para o leitor. O ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação com vistas a fazer o enunciatário crer naquilo que se transmite, como afirma Fiorin (2011). Logo, esse sujeito a quem remete uma mensagem está sempre passível de ser persuadido, instigado e/ou convencido perante as idéias do enunciador. Em Pela Toca do Coelho, capítulo primeiro da obra, Alice muda de tamanho por doze vezes, cresce e diminui. Tal fenômeno acontece após Alice beber um líquido de uma garrafinha que, em cujo gargalo estava enrolado um rótulo de papel com as palavras “BEBA-ME”, Carroll (2002). Com esses acontecimentos cada vez mais estranhos, Alice refletindo sobre o assunto, exclama: “What a curious feeling!” Said Alice; “I must be shutting up like a telescope.”2 (CARROLL, 1994, p. 18). Ao comparar-se com um telescópio, Alice, como sujeito no texto, apropria de uma linguagem metafórica para expressar o sentimento de estar crescendo e diminuindo. Diversos mecanismos de linguagem, como as interjeições e o uso da metáfora dentro do discurso, causam a isotopia do texto. Partindo para um campo psicológico, pode-se dizer que, a partir desse fenômeno de encolher e não encolher, esse sujeito que fala – Alice – transparece que gosta de fingir ser duas pessoas ao mesmo tempo. Nessas doze ocasiões em que Alice muda de tamanho, Gardner (2002) afirma que, Richard Ellmann sugere que Carroll talvez estivesse simbolizando inconscientemente a grande disparidade entre a pequena Alice que ele amava, mas com quem não podia se casar, e a Alice grande que ela logo se tornaria. Essa especulação parte dos rumores que a pequena Alice realmente existira na vida do autor. 2.2 Uma conversa animada sobre o tempo em “Um chá Maluco” Em “Um chá Maculo”, Alice, ao encontrar com o Chapeleiro Maluco, a Lebre de Março e o Caxinguelê confabula sobre o tempo (cronológico) que é uma paixão do Chapeleiro. Alucinado pelo tempo, a imagem dessa criatura faz, por sua vez, alusão ao matemático e lógico britânico Bertrand Russell, Gardner (2002). A discrepância do sujeito e da história com o real é quase inexistente quando se trata da análise profunda sobre a origem da linguagem desse remetente que fala, como ele fala e por quais meios ele comunica. Hall (2006) propõe um estudo sistematizado sobre a priori do discurso, o que ele chama de a identidade do sujeito. Para ele, o discurso produzido por esses indivíduos são dotados de aspectos sociais, culturais e nacionais. A forma de comunicar, de agir, está ligada diretamente a cultura que o sujeito está inserido. Essas representações do sujeito no discurso elaboram as inúmeras e distintas realidades do texto, contextualizando a função emotiva que é demarcada tanto pelas interjeições, quanto por outros jogos de linguagem. O sujeito recorre a estratégias de comunicação, fazendo-se refém das mesmas. Maingueneau (2006) afirma que o discurso é orientado e isso ocorre não somente porque ele é concebido em função de uma meta do locutor, mas também porque se desenvolve no tempo. Com efeito, o discurso é construído em função de um fim, julga-se que tenha uma destinação. E, é essa suposta destinação que a análise do texto trabalha, e crê que, a função emotiva evidenciada pelas interjeições é o percurso de uma 1 “Vamos, não adianta nada chorar assim!” disse Alice para si mesma, num tom um tanto áspero, “eu aconselho a parar já!” Em geral dava conselhos muito bons para si mesma (embora raramente os seguisse). CARROLL. 2 “Que sensação estranha!” disse Alice; “devo estar encolhendo como um telescópio!” CARROLL. XII Semana de Letras da Ufop Pluralidade da Memória: literatura, tradução e práticas discursivas 23 a 26 de outubro de 2012 Ufop – Mariana, MG, Brasil leitura exata desse discurso que o sujeito emite. O chá das cinco de origem inglesa, mas conhecido também como tea time, sugere ao título de um dos capítulos da obra, a reafirmação da inscrição cultural no discurso. “The Hatter was the first to break the silence, ‘What Day of the month is it?’ he said, turning to Alice (…) Alice considered a little, and then said ‘The fourth.’(…) ‘Two days wrong’ sighed the Hatter.”3 (CARROLL, 1994, p.82). As insistentes considerações sobre o tempo cronológico que aparecem no envolto da obra evocam o jeito inglês de ser, construindo a identidade do sujeito dentro do discurso por diversas vezes. Nós só sabemos o que significa ser inglês devido ao modo como a “inglesidade”(Englishness) veio a ser apresentada – como um conjuntos de significados – pela cultura nacional inglesa. Segue-se que a nação não é apenas uma entidade política mas algo que produz sentidos, um sistema de representação cultural. (HALL, 2006, p.48). Os temas abordados na obra são de aspectos variados, embora dêem sentido e fluência para o texto. O sujeito, sem se preocupar, contam histórias para além delas, ou seja, histórias que não fazem parte do texto. A relação do discurso com exterioridade é pertinente em símbolos, figuras e características dos próprios personagens. Segundo Gardner (2006), ao ler “Alice no País das Maravilhas”, o leitor estará lidando com uma espécie de nonsense curioso, complicado, escrito para leitores britânicos de outro século, e que precisaríamos conhecer um grande número de coisas que não fazem parte do texto se quisermos apreender todo o seu espírito e sabor. A era Vitoriana em que a obra está inserida, influencia Carroll, como autor, a fazer uso de características comuns que ilustram esse tempo histórico da Inglaterra. É o caso da chave de ouro que destrancava portas misteriosas, que Alice apodera logo no capítulo primeiro da obra para abrir uma passagem, Gardner (2006). “‘There’s no such thing!’”Alice was beginning very angrily, but the Hatter and the March Hare went ‘Sh! Sh!’ and the Dormouse sulkily remarked, ‘If you can’t be civil, you’d better finish the story for yourself.’”4 (CAROLL, 1994, p. 88). No exemplo acima, apresenta-se um emissor, que é Alice, e dois receptores que ao comunicar, acaba fazendo o papel de emissores também. O Chapeleiro Maluco e a Lebre de Março pedem para Alice se calar como se a moçinha estive a atrapalhá-los a contar uma história, e em seguida rispidamente, o Caxinguelê, diz para Alice continuar a história já que ela não consegue ficar quieta, ser educada e ouvir a história em silêncio. O sentimento que essa passagem da obra suscita é o de impaciência, tanto por Alice, tanto pelo Chapeleiro, o Caxinguelê e pela Lebre. A função emotiva das interjeições distribui-se ao longo do discurso dos sujeitos como uma ponte que constrói a palavra seca, estancada, até uma repleta fonte de sentidos. Conclusão O estudo sistematizado de uma obra como Alice no País das Maravilhas, que não apresenta um sistema de escrita exato, nem sequer um empirismo de idéias, é um convite ao quebra-cabeça refratado da literatura. As interjeições encontradas no texto de “Alice no país das Maravilhas” trazem, de forma subjetiva, mais emoção, ação, contextualiza de forma consistente o enredo, dinamiza o texto para mostrar ao leitor um prisma de sentidos e características incumbidas a cada personagem da obra. A função emotiva projetada no discurso alcança a realidade do sujeito, e desinibe a forma e o porquê esse sujeito fala. As palavras sozinhas, sem contexto, sem cor, são palavras soltas na imensidão da semântica. É preciso colori-las, desmanchá-las, refazê-las e por fim, 3 “O Chapeleiro dói o primeiro a quebrar o silêncio. ‘Que dia do mês é hoje?’ disse, voltando-se a Alice (...) Alice pensou um pouco e disse ‘Dia quatro.’ (...) ‘Dois dias de atraso!’ suspirou o Chapeleiro.” CARROLL. 4 “‘Isso não existe!’ Alice estava começando a dizer, muito irritada mas o Chapeleiro e a Lebre de Março fizeram “Pss! pss!”e o Caxinguelê observou amuado: “Se não pode ser educada, é melhor você mesma terminar a história.” CARROLL. XII Semana de Letras da Ufop Pluralidade da Memória: literatura, tradução e práticas discursivas 23 a 26 de outubro de 2012 Ufop – Mariana, MG, Brasil entendê-las. Em situação de poço, a água equivale a uma palavra em situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma e porque assim estanque, estancada; e mais; porque assim estancada, muda e muda porque com nenhuma se comunica, porque cortou-se a sintaxe desse rio, o fio de água por que ele discorria. (MELO NETO, 2010, p. 216) Referências Bibliográficas 1] CARROLL, Lewis. Alice’s Adventures in Wonderland. 20° Edição. New Zealand: Penguin Group, 1994. 2] ORLANDI, Eni. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10ª Edição. Campinas, São Paulo: Pontes Editores, 2012. 3] FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 15ª Edição. São Paulo: Contexto, 2011. 4] GARDNER, Martin. Alice Edição Comentada Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do Espelho. Trad. Maria Luíza X. De A. Borges. 1° edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 2002. 5] JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. 19° edição. São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix Ltda, 2003. 6] HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11ª Edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. 7] MAINGUENEAU, Discurso Literário. Trad. Adail Sobral. 1° edição. São Paulo: Editora Contexto, 2006. 8] MELO NETO, João Cabral de. Os melhores poemas. 10ª Edição. São Paulo: Global, 2010.