O PORTO DE SANTOS: MUDANÇAS NA ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DO TRABALHO PORTUÁRIO AVULSO. Jamir Mendes Monteiro, FatecRL, [email protected] Área Temática: transporte e movimentação de cargas Resumo O início da utilização das áreas portuárias como meio de entrada e saída de mercadorias de um país data do final do século XV, com o desbravamento dos mares pela civilização ibérica, muito embora povos mais antigos, como os Vikings, já houvessem se aventurado pelos mares afora, sem, contudo, darem a essas incursões caráter comercial. O enfrentamento do desconhecido, em função do parco conhecimento científico da época, deu aos homens dos mares a conotação de valentes e destemidos, reputação que facilmente foi transferida para os trabalhadores portuários a partir do século XVI. O trabalhador portuário, pelas suas próprias características históricas, se diferencia das demais categorias por apresentar um perfil profissional mais independente e dissociado da rigidez de uma estrutura hierárquica dominadora. Esta pesquisa, de caráter exploratório, utiliza preferencialmente métodos qualitativos, procurando identificar a evolução da organização do trabalho portuário avulso, a partir de 25/02/1993, data da introdução da Lei 8.630, cuja essência trata da reorganização de toda a estrutura de trabalho e da gestão portuária, regulamentando a primeira e introduzindo a influência do capital privado na segunda. As avaliações dos dados demonstraram a ocorrência de transformações dos métodos de trabalho de movimentação de cargas no porto e potencial impacto na produtividade. A análise dos questionários, respondidos pelos trabalhadores portuários avulsos, indica que a organização do trabalho está levemente acima do ponto médio entre a organização funcional, positivista, e hierarquicamente estruturada, e a organização orientada para os processos de negócios, mais horizontalizada, enxuta, multifuncional e próxima dos princípios de autogestão. Palavras-chave: Portos – Santos, Gestão Portuária, Lei 8.630/93 de Modernização dos Portos. Abstract The beginning of large scale utilization of sea docks as a way of importing/exporting goods dates from the end of the 15th century, when Iberic kingdoms promoted the discovery of alternative ways to reach Asia, although older civilizations, such as the Vikings, had also endeavored in long-range naval explorations in the past, but not in a way that resulted in establishing regular commercial activity. The adventurous character from challenging the oceans and facing the unknown, given the scanty pertinent scientific knowledge available at the time, gave the seamen an intrepid and independent reputation, which was easily transferred to dock workers, from the 16 th century onwards. Dock workers, due to their peculiar historical tradition, present a behavior that sets them apart from other types of workers, assuming a more independent attitude, strongly dissociated from strict formal hierarchical work structures. The present qualitative exploratory study aims to identify the evolution of the freelance dock work organization from 02/25/1993 on (the beginning of the application of the Dock Modernization Law number 8,630), whose essence promotes the full 1 reorganization of the labor structure and dock management, regulating the former and introducing the influence of private-initiative capital in the latter. An analysis of the data collected herein shows that the procedures for moving and handling cargo at the docks have undergone a marked change, with potential impact on the productivity. Furthermore, results from a survey conducted among freelance dock workers showed that the current work structure is just somewhat beyond the frontier between hierarchically structured positivist functional organization and business-process oriented one, which is more horizontal, leaner, more multifunctional and closer to the tenets of self-management. Keywords: Docks – Santos, Dock Management, Dock Modernization Law. Introdução e Objetivo Estudar a evolução dos processos operacionais no Porto de Santos implica pesquisar registros históricos que remontam ao final do século XIX, com a construção do porto e recolher relatos e publicações esparsas ao longo do século XX, quando a administração do porto, em grande parte sob a gestão da Cia. Docas de Santos (CDS), pertencente às famílias Gaffrée e Guinle, sofreu interrupções administrativas, com as intervenções militares de 1930 (ditadura Vargas), 1932 (revolução constitucionalista) e do movimento de 1964 (tomada do Governo Brasileiro pelos militares). Esse processo, estudado através do filtro da história, pode ser desmembrado em quatro fases, detalhadas a seguir. De 3 de novembro de 1892 até 1930: compreendendo o período que vai da organização da Cia. Docas de Santos (CDS), em 3 de novembro de 1892 até 1930, quando a “CDS perdeu para o Sindicato dos Estivadores de Santos (SES) o mercado de trabalho avulso e as operações de estivagem e desestivagem das cargas no porão e no convés dos navios, passando a administrar basicamente as operações realizadas em terra” (SILVA, 1995, p. 3). A partir de 1930 até os anos 1960: quando o trabalho avulso se consolidou em torno dos sindicatos, preponderando, nesse período, os conflitos de gestão entre os sindicatos e a CDS. O período pós-1964 até 7 de novembro de 1980: quando foi assinado o “Termo de entrega de bens móveis e imóveis do patrimônio do porto de Santos”, transferindo ao poder público todo o acervo, instalações e pessoal da Companhia Docas de Santos, pondo fim à concessão de 90 anos. E o período contemporâneo: a partir do fim da concessão, quando a estrutura e a organização do trabalho avulso foram, pouco a pouco, sendo reavaliadas e alteradas, culminando com a promulgação da Lei 8.630, de Modernização dos Portos, em 1993, que deu à administração do trabalho portuário as feições atuais. Modernizar portos envolve não só atualizar a base tecnológica estrutural, composta por guindastes com controles numéricos, esteiras rolantes e sugadores a vácuo para movimentação de graneis sólidos, instalações refrigeradas e movimentadoras de granéis líquidos, mas, também, requalificar a mão de obra de apoio e de gestão, devidamente apoiadas por modernos sistemas de informação e controle. O horizonte de demanda de atendimento também se constitui em fator crítico. Desenvolver programas de qualificação com base nas demandas atuais ou de curto prazo pode levar rapidamente ao obsoletismo, face à rapidez das transformações das trocas internacionais por via marítima. “Tão importante quanto a radiografia do que pensa o 2 trabalhador portuário hoje, do que ele demanda, do que ele crê ser necessário, é a elaboração de cenários dessas variáveis para horizontes de 2, 5, 10, 15 ou mais anos.” (BUSSINGER, 2003). Este trabalho de pesquisa envolve o desenvolvimento do tema, utilizando dois instrumentais de pesquisa qualitativa: entrevistas abertas com os dirigentes dos principais atores no processo portuário em Santos, aqui tratadas pelo ferramental intitulado “Discurso do Sujeito Coletivo”, bastante utilizado quando se trata da construção de um discurso coletivo a partir de entrevistas individuais; e um questionário de avaliação, constituído de cinco características que definem um processo de trabalho, com cinco alternativas de respostas, onde a primeira alternativa aponta para o processo de trabalho tradicional, engessado, extremamente especializado, e a quinta, para a gestão por processos de negócios, onde o trabalho flui através da multidisciplinaridade e da conexão entre equipes. A terceira alternativa representa o ponto médio de evolução de um tipo de gestão para outro, enquanto que a segunda e quarta alternativas, respectivamente, denotam uma aproximação ainda forte da gestão tradicional e um encaminhamento próximo do tipo de gestão contemporâneo. Essa segunda parte da pesquisa foi tratada pelo Método da Escala de Lickert, ferramenta adequada quando se trata de medir a opinião dos respondentes sobre um determinado assunto. O objetivo principal que norteia todo o trabalho resume-se em: avaliar a evolução do processo de trabalho portuário avulso no porto de Santos, em face dos dezoito anos de promulgação da Lei nº 8.630/93, de modernização dos portos. A relevância do tema Stopford (2004, p. 226, tradução do autor) sinaliza que o comércio marítimo representa uma das maiores estórias de sucesso econômico dos últimos 50 anos, apresentando crescimento de 782% entre os anos 1950 e 1995, evoluindo de 0,55 para 4,3 toneladas brutas (TPB), fazendo da navegação marítima um dos setores econômicos que mais cresceram na economia do pós-guerra. Essa mesma publicação coloca o Brasil em 11º lugar, entre as 100 maiores economias que exploram o comércio marítimo, com base no volume de comércio entre os anos 1990/1991,. Contando com uma extensão de atracação da ordem de 11.042 m, “o Porto de Santos é o maior da América Latina, contando com 64 berços de atracação de navios e mais de 140 empresas atuando em atividades relacionadas com o movimento de mercadorias” (LUCCI & SCARE, 2004, p. 2). A pujança da economia brasileira e a crescente necessidade de ampliação dos mercados consumidores faz desse porto o principal elemento de progresso no País, tendo em vista a sua hinterland, que engloba o Estado de São Paulo, maior centro industrial da América Latina, e mais o Estado do Paraná, o Sul dos Estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás e o Norte de Santa Catarina. A canalização da produção industrial e agropecuária, gerada por essa imensa área geográfica, coloca o Porto de Santos em uma posição, no que se refere ao volume de mercadorias, muito acima da registrada pelos demais portos brasileiros, conforme evidenciam os dados da Tabela 1. 3 Tabela 1 – PORTOS BRASILEIROS ORDENADOS SEGUNDO SUA PARTICIPAÇÃO NA BALANÇA COMERCIAL Até outubro/2010 (em bilhões de dólares americanos) RANKING LUGAR SANTOS 1º VITÓRIA 2º PARANAGUÁ 3º ITAGUAÍ 4º RIO GRANDE 5º RIO DE JANEIRO 6º SÃO LUIS 7º ITAJAÍ 8º MANAUS 9º SÃO FRANCISCO 10º Outros Portos SUBTOTAL Outros Modais BRASIL EXPORTAÇÃO + IMPORTAÇÃO US$ FOB 78,7 26,7 20,1 19,3 13,3 13,2 12,3 11,4 6,4 6,2 36,7 244,4 67,6 312,0 PARTICIPAÇÃO % 25,2 8,6 6,5 6,2 4,3 4,2 3,9 3,7 2,0 2,0 11,8 78,3 21,7 100,0 Fonte: Adaptado de CODESP (2010b) Com dados de outubro de 2010, a Tabela 1 posiciona o Porto de Santos como responsável por 25,2% do total de mercadorias, movimentadas nos principais portos do Brasil e em outros modais de transportes, num isolado primeiro lugar, sendo o segundo maior porto em relevância, o de Vitória, que apresenta uma participação de apenas 8,6% do total de movimentação de mercadorias no Brasil. Uma rápida história da evolução do trabalho portuário avulso em Santos Historicamente, o porto de Santos teve seu início, como empreendimento, com a promulgação pela Princesa Isabel, em 12 de julho de 1888, do Decreto nº. 9.979, definindo os vencedores da concorrência, aberta em dezembro de 1886, para exame do Governo Imperial. O prazo de concessão, inicialmente de 39 anos, foi elevado, em novembro de 1890, para 90 anos, através de Decreto Imperial. O início da construção do porto se fez sob a gestão da empresa Gaffrée, Guinle & Cia., constituída pelos vencedores da concorrência, mais tarde, em 3 de novembro de 1892, incorporada para formar a Cia. Docas de Santos (CDS), quando o porto já se encontrava em operação. Além da construção e exploração do porto, a nova sociedade tinha como objetivos expressos nos seus estatutos o comércio geral e os serviços de comissária, agências de navegação e transportes terrestres. Começava, assim, a estruturação do trabalho na faixa do cais sob a orientação e liderança de uma empresa com fortes raízes familiares, pertencentes a duas das mais fortes oligarquias brasileiras: os Guinles e os Gaffrées. A abertura da imigração europeia para o Brasil, na última década do século XIX e primeiros anos do século XX, estimada em um milhão e duzentas mil pessoas, notadamente da Itália e da Espanha, mudou bastante o perfil de trabalho no porto, pois esses imigrantes introduziram no Brasil uma experiência política e uma noção de direito do trabalho até então desconhecidas em nosso País. Há quem diga que a imigração foi a principal responsável pela politização do trabalho no porto de Santos (AGUIAR, 2002, p. 55-78). 4 Durante a Primeira Guerra Mundial, pela primeira vez, o porto de Santos sofreu um refluxo na sua movimentação de cargas, devido à forte redução do movimento comercial com a Europa, motivado pela eclosão do conflito. Em julho de 1919, a segunda geração da família assumiu os destinos da companhia, quando a presidência da CDS foi transferida para o jovem Guilherme Guinle, que permaneceu por quatro décadas à frente da empresa, colocando definitivamente a marca da sua personalidade na forma de administração do porto. Em 1930, a administração portuária sofreu sua primeira intervenção militar, por ocasião do movimento que conduziu à ditadura de Getúlio Vargas, grupo que se manteve no poder, no Brasil, por um período de 15 anos. Com a perda de poder da oligarquia cafeeira, motivada pela política corporativista do Estado Novo, a estrutura de organização sindical dos trabalhadores avulsos foi se fortalecendo ao longo do tempo, culminando com a revolta do Governo Paulista contra o Governo de Vargas, na chamada Revolução Constitucionalista de 1932. As perdas financeiras, sofridas pela Cia. Docas, em função da obstrução do porto pelo Governo Federal, foram enormes. Durante o transcorrer da Segunda Guerra Mundial, o movimento de mercadorias no porto sofreu um decréscimo de 12,6% e o porto passou a viver a expectativa de iminentes ataques alemães (AGUIAR, 2002). Com o fim da guerra e a reestruturação da Europa, o porto de Santos viu aumentar gradativamente sua movimentação de cargas, consolidando-se a organização do trabalho avulso portuário, sob forte direção sindical, onde eram cada vez mais frequentes as ocorrências de greves e reivindicações trabalhistas. O golpe de 1964, com fortes motivações anticomunistas e antissindicais, foi o divisor de águas na administração portuária de Santos: começava ali um novo ciclo para o gerenciamento do porto. A Lei de Modernização dos Portos: uma reação a anos de descalabros administrativos ou exigência dos novos tempos? A Lei nº 8.630, promulgada em 25 de fevereiro de 1993, surge, então, com a necessidade de se modernizar os processos portuários; da dificuldade que o Estado tem em investir; para propiciar a redução do “Custo Brasil” e para reorganizar o Sistema Portuário Nacional, pela confusa situação que tomou conta do setor portuário após a extinção da PORTOBRÁS, empresa estatal holding da administração portuária no Brasil . Essa lei, que dispõe sobre o regime jurídico de exploração dos portos organizados e instalações portuárias, foi concebida com base na nova postura liberalizante vigente em nosso país, no sentido de diminuir a intervenção estatal e de propiciar a liberdade econômica e a abertura de mercados. Estabeleceu, portanto, uma nova estrutura para o Sistema Portuário Nacional, objetivando: aumentar a produtividade; racionalizar o ambiente de trabalho; estimular a participação do setor empresarial; e incentivar a participação dos usuários, de modo a aumentar a competitividade das exportações e desenvolver a navegação de cabotagem, considerando que os portos exercem um papel regulador de fluxo de entrada e saída de mercadorias, de fomento às atividades portuárias, propriamente ditas, como o atendimento às embarcações, às tripulações, o armazenamento das mercadorias, os financiamentos às atividades mercantis, etc. Sua entrada em vigor trouxe, sem dúvidas, avanços notáveis, criando as condições para a: (i) desregulamentação do setor portuário, principalmente quanto à contratação de serviços e a estruturação das tarifas; (ii) descentralização das decisões, mediante transferência para as comunidades locais; (iii) livre concorrência entre os portos; (iv) quebra do monopólio sindical, no âmbito de cada porto; (v) exclusão de taxas e de tarifas 5 por serviços não prestados; e (vi) inserção objetiva do setor privado na operação portuária. Em linhas gerais, a nova lei revoga quase toda a legislação portuária anterior e a legislação trabalhista, no tocante ao trabalho portuário avulso, e institui um novo regime jurídico para a exploração portuária além daquele que rege relações de trabalho específicas para o setor. Uma de suas mais relevantes inovações foi a criação do Conselho de Autoridade Portuária (CAP), a ser instituído em cada um dos portos organizados, sobre os quais exercerão jurisdição, acima da Administração dos Portos. Esses Conselhos passam a funcionar como órgãos normativos, de fomento e de deliberação sobre os assuntos relativos ao funcionamento dos portos, cabendo-lhe, dentre outras atribuições, regulamentar a sua exploração, homologar as tarifas e instituir Centros de Treinamento Profissional. O CAP é constituído por quatro blocos de membros titulares e seus suplentes, onde cada bloco tem direito a um voto, cabendo ao representante do governo federal, como presidente do Conselho, o voto de qualidade, no caso de empate. Essa prerrogativa aumenta bastante a capacidade de influência do governo na condução dos trabalhos. A Administração do porto, que pode ser exercida diretamente pela União ou por entidade concessionária, teve sua esfera de competência bastante ampliada e reestruturada para desempenhar, de forma integrada e harmônica, o papel de Autoridade Portuária, juntamente com as demais autoridades que exercem funções no porto organizado (aduaneira, marítima, sanitária, de saúde e de polícia marítima). Suas atribuições estão voltadas, principalmente, para a construção, manutenção e modernização de toda a infraestrutura do porto, cabendo-lhe também pré-qualificar os operadores portuários, os responsáveis pela realização das operações portuárias, definidas na lei como as de movimentação e armazenagem de mercadorias, destinadas ou provenientes do transporte aquaviário, no interior do porto organizado. Aliás, a Administração do porto é considerada pré-qualificada, como tal, conforme dispõe o parágrafo 3º, do artigo 9º, da mencionada lei. Outra grande novidade da Lei nº 8.630, de fundamental importância, é o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), constituído pelos operadores portuários de cada um dos portos organizados, com a finalidade principal de substituir os sindicatos dos trabalhadores portuários na tarefa de suprir os trabalhadores avulsos para movimentar a carga. Trata-se de um órgão de utilidade pública, sem fins lucrativos, cuja criação faz parte de uma mudança radical das relações trabalhistas vigentes nos portos, pois extingue o poder sindical quanto ao fornecimento de mão de obra avulsa. Resultados da Pesquisa As entrevistas de caráter aberto foram realizadas junto aos dirigentes dos principais atores que se responsabilizam pelas atividades portuárias em Santos, a saber: Secretaria de Assuntos Portuários e Marítimos – SEPORT e Secretaria de Meio Ambiente – SEMAM, órgãos da Prefeitura Municipal de Santos encarregadas de estreitar a relação PortoCidade no que concerne a implementação de políticas públicas que promovam o crescimento econômico sem abalar as estruturas do meio ambiente urbano e natural; Conselho de Autoridade Portuária – CAP que se encarrega das aplicações dos processos regulatórios do Porto Organizado; Cia. Docas do Estado de São Paulo – CODESP que atua como Autoridade Portuária e o Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO que se responsabiliza pela gestão da mão de obra portuária avulsa. Do lado dos trabalhadores portuários foram entrevistados os dirigentes dos principais sindicatos de trabalhadores avulsos e vinculados, a saber: Sindicato dos Consertadores de Carga e Descarga nos 6 Portos do Estado de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores Administrativos em Capatazia nos Terminais Privativos e Retroportuários e na Administração em Geral dos Serviços Portuários do Estado de São Paulo – SINDAPORT, Sindicato dos Conferentes de Capatazia do Porto de Santos e Sindicato dos Empregados Terrestres em Transportes Aquaviários e Operadores Portuários do Estado de São Paulo – SETTAPORT, sendo que os dois primeiros já operavam no Porto de Santos antes da promulgação da Lei 8.630 e os dois últimos tiveram suas atividades regulamentadas após a implementação da mesma. Essas entrevistas tiveram como objetivo identificar a percepção de cada ator com relação às mudanças promovidas pela aplicação da nova legislação. Os questionários, por sua vez, tiveram a intenção de medir o ponto onde se localiza atualmente a organização do trabalho portuário avulso, da gestão clássica taylorista, engessada, especializada por sindicato para o tipo de gestão orientada para processos de negócios, generalista, colaborativa e multifuncional. Foram aplicados 50 questionários, em 4 dias alternados, em duas semanas consecutivas, no principal ponto de escalação de mão de obra avulsa, denominado P3, localizado ao longo da faixa do cais. Do total de questionários aplicados retornaram 44 integralmente preenchidos, perfazendo um percentual de 88% de atendimento. Dado a exiguidade do espaço para este trabalho, serão registrados, a seguir, apenas os principais resultados do tratamento das entrevistas e dos questionários: Investigação do Trabalho Avulso antes da Lei 8.630/93 O tratamento deste quesito com base na metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo sintetizou as falas dos entrevistados em duas categorias: Requisição de Trabalhadores e Controle do Trabalho Avulso, dando-se prioridade aqui à segunda categoria: O Sindicato da Estiva ele era o tomador do serviço, ele era o próprio pagador, ele tinha o controle de tudo. Passou tudo para o OGMO. Então, o controle financeiro que o sindicato tinha, perdeu tudo. Então passou a depender do repasse do OGMO. É meio histórico isso ai. Tinha uma sala maior do que essa aqui no sindicato que era o cofre, o dinheiro ficava lá. Não existia tanta violência e roubo como existe hoje. Então, o cara entrava na porta para receber o dinheiro. Depois, mudou-se, atualizou-se, e passou a pagar no ponto, mas quem carregava a mala com o dinheiro era o próprio pagador do sindicato. Então, toda a arrecadação era o sindicato. E o sindicato negociava diretamente com os armadores através da SUNAMAM, através da DPL, que eram os ministérios na época. Quadro 1: Categoria B – Controle do Trabalho Avulso Comentário Analítico: todo o controle do trabalho avulso era feito pelos Sindicatos de Trabalhadores Avulsos, sendo o Sindicato dos Estivadores, o maior deles, aquele que efetivamente controlava o trabalho portuário; através da medição da produção, feita pelos Conferentes de Carga e Descarga, os valores eram cobrados diretamente das Agências de Navegação e repassados aos trabalhadores avulsos, na sede do próprio sindicato, ou nos postos de chamada. Investigação do Trabalho Avulso após a Lei 8.630/93 As categorias aqui selecionadas foram em número de três: Gestão do Trabalho Avulso, Categorias de Trabalho Avulso e Função do Sindicato, dando-se maior relevância à segunda delas. Por razões de espaço, será registrado apenas o comentário analítico: Comentário Analítico: após a promulgação da Lei nº 8.630/93 toda a gestão do trabalho portuário avulso passou para o OGMO que funciona como uma grande Central de 7 Trabalhadores Avulsos; é ela quem registra as requisições eletrônicas de trabalhadores avulsos, realizadas pelos Operadores de Terminais; disponibiliza essas informações aos trabalhadores; gerencia a escala de trabalho; controla o atendimento de todo o trabalho portuário avulso dentro e fora dos navios; realiza a medição da produção; recebe os valores apontados e paga os trabalhadores, dentro de regras e prazos rígidos. Problemas atuais dos Sindicatos Com relação a este tema, a consolidação do discurso apresentou um formato muito extenso, razão por que será registrado apenas o comentário analítico: Comentário Analítico: percebe-se pela análise dos DSCs que os sindicatos de trabalhadores avulsos apresentam como problema o esvaziamento das funções que mantinham antes da Lei nº 8.630/93, de monopolização da oferta de trabalho portuário avulso; também, argumentam que os novos trabalhadores confiam mais no OGMO do que nos Sindicatos, não se interessando pela sindicalização; e que a renovação dos contratos de arrendamento pode trazer novos problemas, caso outras empresas assumam a administração operacional dos terminais privados, pois, não há, na legislação, nenhum item que proteja os interesses dos trabalhadores vinculados. A alteração da diretoria da CODESP, feita por indicação política, também é apontada como problema; da mesma forma, a conscientização dos sindicatos quanto a crescente automação das atividades de carregamento/descarregamento de mercadorias nos navios, o que exige melhoria de qualidade da mão de obra avulsa, e, cada vez, menor número de trabalhadores; finalmente, a inexistência de uma área de Recursos Humanos na CODESP, também, é vista por alguns dirigentes sindicais como um problema a ser corrigido. A relação Cidade-Porto na visão da Administração Pública Municipal A este quesito será dado tratamento igual ao anterior: Comentário Analítico: a análise conjunta do discurso dos dois secretários municipais mais envolvidos com a questão portuária em Santos demonstra que o poder municipal procura atuar mais na melhoria da infraestrutura da cidade que dá acesso á área portuária. Aparece como preocupação constante o gerenciamento de execução das obras da Perimetral que liga o complexo rodoviário Anchieta/Imigrantes ao Cais do Porto. A criação da Câmara Intersetorial em Desenvolvimento Portuário no âmbito da Prefeitura Municipal, por outro lado, constitui um fórum que reúne as principais Secretarias envolvidas com o Porto, melhorando consideravelmente os níveis de decisão do Poder Público sobre os processos que envolvem a relação cidade-porto. A administração pública de um porto operacional privado Foram várias as categorias selecionadas nesta entrevista, bastante longas, por sinal. Será registrado aqui apenas o comentário analítico da questão que envolvia a administração portuária: Comentário Analítico: nesta questão, a fala do sujeito CODESP traz como principal informação o fato de que ela não opera o Porto de Santos, mas, sim, atua como Autoridade Portuária, administrando o uso do porto pelas Operadoras de Terminais Privados. O próprio Cais Público não é operado pela CODESP, funcionando como complemento dos espaços de acostamento arrendados aos Operadores de Terminais Privados, que, quando precisam de mais espaço, alugam espaços adicionais no Cais 8 Público à CODESP. A figura metafórica utilizada, de Síndico de Condomínio, por sinal, é a que melhor retrata a atuação operacional da Administradora Portuária. A modernização da gestão do trabalho portuário avulso Neste quesito, bastante longo também, será registrado apenas o comentário referente ao Planejamento de Recursos Humanos para o Trabalho Portuário Avulso: Comentário Analítico: o planejamento de Recursos Humanos para o trabalho portuário avulso está em andamento. Atualmente, o discurso acima demonstra que o OGMO está na fase das descrições das funções de trabalho envolvidas nos processos operacionais portuários; a partir daí, serão desenvolvidos planos de carreira, tabelas salariais, etc. O próprio plano de treinamento e qualificação apresentará mais sustentação, segundo a entrevistada, após consolidados os processos anteriores. Outra ferramenta de gestão importantíssima, também em andamento, é a implantação do sistema ERP (Enterprise Resource Planning), que controlará todos os processos operacionais do OGMO, fornecendo importantes informações de gestão em tempo real. Organização do Trabalho Portuário Avulso O tratamento deste quesito pelo método da Escala de Lickert apresenta o seguinte quadro: Tabela 2: Organização do Trabalho Portuário Avulso Características Pontos 1 2 3 4 5 TOTAL 1. Autonomia Operacional 14 1 4 11 13 43 2. Natureza do Trabalho 11 8 2 9 14 44 3. Capacitação dos Trabalhadores 18 1 1 2 21 43 4. Escala de Valores 7 3 4 2 27 43 5. Organização do Trabalho 35 2 0 1 6 44 Total 85 15 11 25 81 217 Somatório Escala Likert 217 434 651 868 1085 Média Aritmética Ponderada: -----------------------------> 653 O resultado final do tratamento das respostas aos questionários aponta para o ponto 653 da escala, levemente acima do ponto médio (651), denotando que o processo de evolução da organização do trabalho portuário avulso, da organização funcional com princípios hierárquicos rígidos para a organização voltada a processos de negócios, horizontalizada, multifuncional, seguindo princípios de autogestão, está em franco processo de transição, após 18 anos decorridos da implantação da Lei nº 8.630/93. A discussão sobre os ajustes a serem realizados e os desafios futuros fazem parte do capítulo das conclusões deste trabalho de pesquisa. Conclusões A análise conjunta dos discursos extraídos das entrevistas com os Secretários de Governo, com os dirigentes da Autoridade Portuária, com o OGMO e com os principais dirigentes Sindicais aponta caminhos que, se bem explorados, poderão trazer amplos 9 benefícios à estrutura das operações portuárias em Santos. A introdução de modernos equipamentos de movimentação de carga, a profissionalização dos trabalhadores portuários avulsos, a integração sistêmica das atividades do porto de Santos e os mecanismos de controle de acesso às plataformas portuárias criam uma sinergia de trabalho capaz de redundar em aumento crescente de produtividade e geração de resultados positivos para todos os atores que dependem direta ou indiretamente das atividades portuárias. Dados de desempenho, publicados pela CODESP, relacionado aos últimos 10 anos, sinalizam que, enquanto a função importação alterna períodos de estabilidade com outros, de leve crescimento, a curva de exportação apresenta crescimento contínuo em todo o período, demonstrando que as mudanças no ambiente portuário, quer no modelo de operação e administração do porto, quer na gestão dos Recursos Humanos Avulsos, vêm dando atendimento suficiente às necessidades requeridas pela integração do Brasil ao Comércio Internacional. Até outubro de 2010, verifica-se uma movimentação geral de mercadorias da ordem de 81.288.107 toneladas, incremento de 17,8% com relação ao mesmo período de 2009, com expectativa de fechar o ano, até dezembro de 2010, com 96.434.557 toneladas, 15,9% acima do total de 2009 (CODESP, 2010). Referências AGUIAR, Maria Aparecida Ferreira de. O Sindicato dos Estivadores na Contramão do Processo de Modernização do Porto de Santos In: JUNQUEIRA, Luciano A. Prates (Org.). 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