Função reflexiva e capacidade de mentalização na psicoterapia de crianças abrigadas
com indicadores de depressão
Larissa Goulart dos Santos, Vera Regina R. Ramires1 (orientador)
Resumo
Introdução
Este estudo, que compõe a tese de Dissertação de Mestrado de Soraia Schwan, buscou
analisar o desenvolvimento da função reflexiva e da capacidade de mentalização na
psicoterapia de crianças em situação de abrigamento, que apresentavam características
depressivas.
A literatura vem reconhecendo a importância e a presença dos quadros depressivos na
infância (Bahls, 2002; Bahls & Bahls, 2003; Calderaro & Carvalho, 2005; Cruvinel &
Boruchovitch, 2003; Dutra, 2001; Fensterseifer & Werlang, 2003). Diante desse fato,
considera-se importante o estudo da depressão nessa população, para que possam ser
pensadas propostas de intervenção adequadas e, assim, prevenir problemas posteriores.
O afastamento do núcleo familiar pode produzir o rompimento dos vínculos afetivos
com os objetos primários e incidir negativamente sobre o desenvolvimento saudável na
infância (Alexandre & Vieira, 2004). Esse rompimento de vínculos também pode contribuir
para o desenvolvimento do distúrbio depressivo em crianças (Runyon, Faust & Orvaschel,
2002).
Fonagy e colaboradores vêm estudando os conceitos de função reflexiva e capacidade
de mentalização e o seu desenvolvimento na psicoterapia psicanalítica (Allen & Fonagy,
2006; Bateman & Fonagy, 2003; Bateman & Fonagy, 2004; Bateman & Fonagy, 2006;
Fonagy, 1999; Fonagy, 2000; Fonagy & Bateman, 2006; Fonagy & Bateman, 2007).
Essa capacidade de mentalizar pode apresentar falhas no contexto do rompimento de
vínculos. Um dos pressupostos deste estudo, portanto, é que crianças que passaram por
experiências traumáticas apresentam falhas na mentalização. Também não existem muitas
pesquisas voltadas a esse processo com crianças, e Fonagy (2003) aponta sua importância.
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Metodologia
O referencial teórico utilizado foi o da vertente psicanalítica da teoria do apego, mais
precisamente as contribuições de pesquisadores que vêm trabalhando com os conceitos de
função reflexiva e capacidade de mentalização, e o seu desenvolvimento na psicoterapia. Foi
adotada a abordagem qualitativa exploratória de pesquisa. O procedimento adotado foi o de
Estudos de Casos Múltiplos.
Os participantes foram duas crianças, uma de 7 e outra de 9 anos de idade que
buscaram atendimento. Os indicadores de depressão e a capacidade de mentalização desses
participantes foram avaliados antes da psicoterapia, através de entrevistas individuais não
estruturadas e dos seguintes instrumentos: Hora de Jogo, uma adaptação do Manchester Child
Attachment Story Task (MCAST) para avaliar a capacidade de mentalização e o Children’s
Depression Inventory (CDI) para avaliar os indicadores de depressão. Cada criança foi
atendida por um período aproximado de seis meses. Todas as sessões de avaliação e
atendimento foram gravadas (sob autorização) e, posteriormente, transcritas para análise de
conteúdo.
Ao final dos seis meses, os instrumentos foram novamente aplicados com o objetivo
de analisar se houve alguma modificação na capacidade de mentalização das crianças e nos
indicadores de depressão
Resultados (ou Resultados e Discussão)
Os principais resultados apontaram para uma melhora significativa nos indicadores de
depressão nos dois casos. Quanto à capacidade de mentalização, as mudanças foram mais
limitadas.
No caso 1, no início da psicoterapia, a capacidade de mentalização era pobre ou
restrita,e a criança apresentava dificuldades para identificar os estados emocionais dos outros.
Após as 20 sessões, houve um desenvolvimento da capacidade de mentalização, embora ainda
existam limitações. A capacidade de mentalização pareceu mais elaborada em relação aos
estados mentais do outro do que em relação aos próprios.
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No caso 2, no início da psicoterapia, havia desorganização do self e dificuldade em
identificar os estados mentais próprios e dos outros. Após as 20 sessões, a capacidade de
mentalização pareceu limitada ou não pode ser identificada, apontando para a necessidade de
continuação da psicoterapia. Porém, houve um desenvolvimento na organização do self, que
se mostrou mais coeso e integrado.
Constatou-se que a psicoterapia baseada na mentalização pode significar uma
possibilidade promissora para crianças que vivenciaram rompimento de vínculos afetivos,
uma vez que age sobre suas representações mentais. Ela mostrou-se bastante efetiva no que
diz respeito à superação dos sintomas de depressão.
Conclusão
As duas crianças começavam a se tornar mais capazes de desenvolver uma narrativa
articulada sobre seu presente e passado, reconhecendo os sentimentos associados às suas
vivências, tais como raiva, tristeza, entre outros.
Quanto à capacidade de mentalização, constatou-se que é necessário um período mais
longo de psicoterapia para auxiliar esses pacientes a superar os traumas associados às rupturas
vivenciadas e a reorganizar a representação do self.
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