OVERDIAGNOSIS E O IMPACTO NOS SISTEMAS DE SAUDE Helena Cristina Alves de Oliveira¹ Chennyfer Dobbins Paes da Rosa² RESUMO O diagnóstico precoce de doenças é indiscutivelmente necessário para a boa prática da medicina. Contudo, nas últimas décadas, prevalece o diagnóstico de doenças ou de condições clínicas que não promovem ao longo do tempo sintomas ou abreviação do tempo de vida. Concomitantemente à expectativa e anseio de uma vida longa por parte da sociedade, a indústria do diagnóstico desenvolve tecnologias que abreviam a avaliação médica, transferindo a arte do diagnóstico baseada em conhecimento e bom trato em interpretação de resultados. Definições de doenças e de normalidade são modificadas a partir de consensos de especialistas parcialmente embasados em estudos científicos de qualidade que as justifiquem. O excesso de diagnósticos, referido aqui como overdiagnosis, promove excesso de tratamentos com consequências físicas e psicológicas, além do aumento dos custos nos sistemas de saúde. Este artigo científico buscou revisão bibliográfica do tema na literatura nos últimos dez anos. Palavras-chave: Diagnósticos. Medicalização. Conflito de interesse. Indústrias da saúde. ¹Aluna do curso de especialização em Gestão em Saúde da Universidade Aberta do Brasil/UNIFESP com formação em medicina. ² Professora orientadora. ABSTRACT Early diagnosis of diseases is arguably necessary for the proper practice of medicine. However, in recent decades, the diagnosis of diseases or medical conditions that do not promote over time symptoms or shortening the lifetime prevails. Concurrently with the expectation and desire for a long life by society, the diagnostic industry develops technologies that shorten the medical evaluation, the art of transferring knowledgebased diagnosis and good treatment in interpreting results. Definitions of disease and normality are modified from a consensus of experts partially grounded in scientific quality studies that justify them. The overdiagnosis promotes excessive treatments with physical and psychological consequences, in addition to increased costs in health systems. This scientific article sought bibliographic review the literature in the last ten years. Keywords: Diagnostics. Medicalization. Conflict of interest. Health industries. . 1 OVERDIAGNOSIS E O IMPACTO NOS SISTEMAS DE SAUDE Helena Cristina Alves de Oliveira ¹ Chennyfer Dobbins Paes da Rosa² INTRODUÇÃO O excesso de diagnóstico ocorre quando é dado a quem não apresenta sintomas ou com risco muito baixo de desenvolvimento de uma doença. Os mecanismos envolvidos mais comumente são os exames de imagem e biomarcadores mais sensíveis e as mudanças nos limites de normalidade e de definições de doenças (BERO, COOKE, DOUST, HILL, MOYNIHAN, 2013). Os sistemas de saúde têm como características serem complexos, incertos, pouco mensurados, com variabilidade nas decisões políticas, além de informações assimétricas e de ser terreno para conflito de interesses e corrupção. Apenas 11% de 3.000 intervenções têm boa evidência que as justifiquem. Um terço das ações em saúde nos Estados Unidos da América não produzem benefício algum, segundo um estudo publicado ( DOMENIGHETTI , 2012 ). O tema é discutido em outros países e visto como epidemia na medicina moderna (HOFFMAN, COOPER, 2012), com consequências tangíveis nos custos dos serviços de saúde e na população, quando o tratamento promove mais danos do que benefícios ( SCHWARTZ,WELCH,WOLOSHIN,2011). O primeiro relato na literatura ocorreu em 1973, no periódico Science, do autor John E. Wennberg, mencionando o excesso do atendimento médico e a produção de doença.( WELCH, 2013) ¹Aluna do curso de especialização em Gestão em Saúde da Universidade Aberta do Brasil/UNIFESP com formação em medicina. ² Professora orientadora. 2 O impacto no orçamento da saúde pode ser percebido por estudos econômicos. Os custos elevam-se à medida que são reconhecidas e tratadas doenças que antes não eram diagnosticadas, salvando muitas vidas, o que é positivo, certamente. Contudo, na década de 1970, ganhava-se um ano de vida a mais gastando $ 7,400 mas na década de 1990, o custo é de $ 36,000, com a inflação corrigida ( CUTLER, 2006 ). Calcula-se que anualmente 765 bilhões de dólares , cerca de 30 centavos de um dólar gastos em saúde nos Estados Unidos, sejam gastos sem acrescentar benefício à população ( SULMASY, WEINBERGER, 2014). E uma parcela deste valor, estimados em 210 bilhões, são relacionados a serviços desnecessários e sob controle de médicos, incluindo excesso e uso inadequado de testes diagnósticos e tratamentos, que são dispendiosos e que podem causar danos. Há crença geral, falsa, que a detecção precoce de prováveis doenças diminui os custos em atendimentos de saúde. Porque a triagem envolve muito mais pessoas acessando os serviços de saúde, a tática, em verdade, aumenta os custos. Mais pessoas são avaliadas com testes e mais apresentarão resultados considerados não normais, que necessitarão de mais exames para esclarecimentos, mais consultas e mais medicações prescritas. Como poucos são realmente beneficiados - aqueles que realmente são doentes ou ficarão doentes, os altos custos ultrapassam a economia dos custos desejada ( SCHWARTZ, WELCH, WOLOSHIN, 2011 ). A maioria dos atores diretamente envolvidos - gestores públicos, políticos, pesquisadores, mídia, população, médicos e organizações de doentes, acreditam que o diagnóstico precoce salva vidas ou melhora a sobrevida. Outro mecanismo presente, notadamente nos Estados Unidos da América, é a judicialização da medicina, quando ações são ajuizadas contra os médicos por pacientes, sendo esta a justificativa apresentada por 69% dos neurocirurgiões para a solicitação de HEARY, NAHED, 2012). excessivos exames complementares (BABU, Além dos custos orçamentários gastos com o excesso de diagnóstico, há muito tempo despendido em tais ações, diminuindo a atenção, tratamento investimentos em quem realmente está doente. O excesso de diagnóstico prejudica os saudáveis e também os doentes. ( GLASZIOU, 2013). O excesso de diagnóstico comumente leva a excesso de tratamento, mostrando uma relação complexa principalmente com a indústria farmacêutica (BLACK, 1998). Tendo prognóstico benigno, o paciente em uso do tratamento proposto e evoluindo bem acredita que o tratamento é correto e necessário como preventivo, difundindo os resultados conquistados para os demais, aumentando a crença no diagnóstico precoce de pseudodoenças como efetivo, 3 contribuindo para o aumento da cliente consumidora de medicamentos e exames ( MOYNIHAN, 2014). Com o reconhecimento crescente do overdiagnosis, propostas e ações ocorrem em alguns países com o objetivo de divulgar e de conscientizar. Conferências como Preventing Overdiagnosis na Europa, Chosing Wisely nos Estados Unidos e a proposta, já em prática, do Slow Medicine na Itália, ao abordarem essa temática, incitam o retorno de uma discussão antiga, a de definição de doença. Em 1979, a British Medical Journal promoveu votação com médicos, ambiente acadêmico e alunos do ensino secundário com resultados impressionantes. Algumas situações rotineiras foram definidas como doença (SMITH, 2002). Doença é normalmente definida como o que não é normal, esquecendo que normalidade é de difícil definição e que é constituída socialmente. Cada civilização escolhe suas próprias doenças ( ILLICH, 1976). A importância da discussão do tema é indiscutível. Além dos danos psicológicos e corporais causados pelo excesso de diagnósticos, como disfunções eréteis em pacientes tratados para cânceres de próstata que não se desenvolveriam, há o aumento dos custos em saúde que oneram o subfinanciado sistema de saúde público brasileiro e o de outros países. A discussão, contudo, não pode sobrepor-se a importância da prevenção que deve ser feita. Os riscos e danos consequentes a resultados de testes de triagem devem ser esclarecidos, principalmente para os pacientes, que devem entender as consequências de resultados positivos. (SCHARTZ, 2012). Este artigo apresenta revisão bibliográfica sobre o excesso de diagnóstico médico para doenças, com foco nas situações clínicas mais comuns, suas causas e impactos nos sistemas de saúde e nas pessoas, e propostas para solucionar a questão. Tem como objetivo desenvolver o tema sobre o excesso de diagnósticos médicos, indicando a necessidade da discussão na gestão dos serviços de saúde e do impacto no financiamento dos mesmos. 4 2 METODOLOGIA Para esta revisão bibliográfica sobre excesso de diagnósticos foram escolhidos os descritores overdiagnosis, overdiagnosed e sobrediagnostico e foram estabelecidos dois critérios para refinar os resultados: abrangência temporal, entre 2004 e 2014, e os idiomas selecionados foram o inglês e o espanhol. As bases de dados utilizadas foram Medline, Cochrane e Lilacs. Outra estratégia adotada foi pesquisa livre na internet, através do sítio de busca Google, utilizando o descritor overdiagnosis com a intenção de selecionar textos publicados em jornais e revistas não científicas que são direcionadas ao público. Outra fonte utilizada foi livro de autoria de três estudiosos do tema. 3 DISCUSSÃO A revisão bibliográfica encontrou 1.115 artigos científicos. A tabela apresenta os achados de acordo com os descritores: Descritor Número de artigos encontrados Overdiagnosis 899 Overdiagnosed 186 Sobrediagnóstico 30 1.115 Total As situações clínicas mais frequentemente estudadas nessas revisões são as neoplasias malignas, sendo o câncer de mama a condição que mais recebeu estudos, seguido do de próstata, pulmão, tireoide e pele. Na revisão em língua espanhola, o tema mais frequente é o diagnóstico de amebíase intestinal. A maioria dos artigos avalia o excesso de falsos diagnósticos em exames de imagem que não se confirmam em exames patológicos, acarretando em cirurgias e terapias desnecessárias, ou para diagnóstico de tumores que não evoluiriam para estágios mais fatais e que acabam por receber tratamentos agressivos ou mutilantes, acarretando em danos pessoais e psíquicos. A maioria dos estudos não apresenta outra consequência de indubitável importância para os sistemas de saúde que é o custo financeiro. Excessos de diagnósticos envolvem frequentemente prescrição de exames 5 complementares além de medicações que, além de elevar os custos em saúde e de promoverem efeitos colaterais em quem os usa, estimulam o mercado da saúde, financiador de muitos estudos científicos que definem as novas condutas terapêuticas a serem seguidas pela classe médica. Os custos elevam-se à medida que são reconhecidas e tratadas doenças que antes não eram diagnosticadas, salvando muitas vidas, o que é positivo, certamente. Contudo, na década de 1970, ganhava-se um ano de vida a mais gastando $ 7,400 mas na década de 1990, o custo é de $ 36,000 com a inflação corrigida. Os mecanismos mais frequentemente envolvidos nos excessos de diagnóstico são as mudanças dos valores predefinidos como não normais e a evolução da tecnologia de exames de imagens que, ao longo do tempo, conseguem detectar alterações de pequena magnitude ou de evolução lenta que não promovem sintoma ou diminuição da sobrevida, e se tornam em novos diagnósticos que recebem opções de tratamento. Nessa situação, é frequente a solicitação de outros exames para confirmar o achado anterior, ampliando os custos e a angústia pela solução do caso. Em relação a mudança dos valores, especialistas médicos divulgam novas referências e condutas a serem seguidas baseados em expectativas pouco embasadas em estudos científicos que frequentemente são financiados pela indústria farmacêutica ou estudos com pouca qualidade estatística. Com a prática recém-introduzida de divulgação de conflito de interesses em publicações científicas, pouco se sabe como essa relação amplia as definições de doenças, contribuindo para o excesso de diagnósticos. Levantamento feito entre 2000 e 2013 de painéis internacionais para alteração de definições e de critérios para diagnóstico de doenças, 16 painéis foram encontrados, sendo 14 em doenças comuns, e em 10 houve proposta para mudança de definição de doenças, propondo diagnóstico para condições de pré-doença sem definir as consequências correlatas, em pessoas que anteriormente não receberam diagnósticos. Em 75% desses estudos, havia relação de interesse entre os pesquisadores e a indústria que, na maioria dos painéis, é a financiadora da terapêutica proposta. A melhor conduta terapêutica para a doença deveria ser definida por estudos epidemiológicos baseados em estudos clínicos randomizados e não em crenças ou experiências pessoais, que fomentam paradigmas de difícil ruptura. O exemplo mais notório é o manejo da hipertensão. Debates existem quanto ao momento adequado para o início do tratamento medicamentoso, momento a partir do qual o benefício excede os efeitos colaterais 6 dos medicamentos utilizados como, por exemplo, quedas. Consensos médicos são utilizados sem evidência comprovada, como o ocorrido em 2003, com a definição do termo préhipertensão (140-159/90-99 mmHg) e sua futura remoção em 2013, que promoveu tratamento de contingentes populacionais sem promover benefícios clínicos comprovados. O grupo Cochrane publicou revisão em 2012 que não mostra benefício de tratamento medicamentoso, comparando com placebo, para a população que apresenta hipertensão moderada. A partir de então, vários grupos declararam que não há consenso e não determinam terapêutica para esse grupo. Contudo, na prática clínica, tal conduta permanece. O mesmo acontece com outra situação clínica comum, o diabetes. Até 1997, existia uma regra numérica para o diagnóstico, que era o valor maior do que 140 de glicose no sangue e que foi modificada, aleatoriamente pela classe médica, para acima de 126 e que, instantaneamente, transformou mais de um milhão de americanos em portadores de uma nova doença, merecendo tratamento, com efeitos benéficos duvidosos porque os benefícios são menores quando os tratamentos são administrados a pessoas com alterações mais brandas. O mesmo ocorre com outras situações clínicas comuns, como osteoporose e colesterol sanguíneo. Prática comum é a extrapolação de resultados, quando a ciência médica comprova que intervenções promovem melhoria importante na sobrevida de grupos de alto risco e passa-se a supor que tais condutas também podem ser benéficas para os outros grupos com anormalidades mais leves, os grupos de baixo risco. Mas os desfechos desfavoráveis nesses últimos grupos são tão raros que seriam necessários grandes estudos, com longo acompanhamento temporal e um número grande de participantes, para provar que tais condutas são mais benéficas, o que na prática não acontece. O exemplo mais citado na literatura e na revisão bibliográfica apresentada é o de câncer de mama. Sendo uma das causas mais comuns de morte em mulheres, incluindo jovens, há preocupação em vários sistemas nacionais de saúde com a prevenção e o tratamento mais adequados. Contudo, em alguns países como os Estados Unidos ainda não há consenso para definição da melhor abordagem. Em outros países, e o exemplo mais citado é o da Inglaterra, que preconiza prevenção há cerca de 4 décadas com mamografias, provou-se através de estudos populacionais que não houve diminuição do número de diagnósticos de câncer em mulheres nos anos 2000, mesmo com a realização do exame iniciando-se rotineiramente partir da década de 1970. Esperava-se uma diminuição dos diagnósticos nas mulheres mais velhas que realizaram o exame quando mais jovens, em décadas mais posteriores, o que não ocorreu. O diagnóstico de câncer de mama menos 7 agressivo é frequente em mulheres que rotineiramente fazem a prevenção com mamografias e que desencadeiam condutas terapêuticas às vezes mais agressivas sendo que os casos letais podem desenvolver-se após uma mamografia normal, em tempo rápido, e com desfecho desfavorável - situações que deveriam promover maior reflexão e debate. Pouco se fala do excesso de radiação a que essas mulheres são submetidas e o número excessivo de falsospositivos em exames radiológicos que não se confirmam nos exames patológicos realizados a partir de biópsias que frequentemente promovem danos psicológicos, e que também desencadeiam a realização de outros exames, como ultrassonografia e ressonâncias, onerando os sistemas de saúde. O excesso de diagnósticos também ocorre com o câncer de próstata. Com mais de ¾ da população masculina próxima dos 70 anos com focos diminutos de câncer em próstata e com mortalidade apenas 3%, definiu-se a necessidade de prevenção a partir da utilização do teste conhecido como PSA, com referências de normalidade definidas arbitrariamente a ser pesquisados em homens. O teste já não é mais preconizado pela US Preventive Task Force desde 2012 mas continua tendo prática corrente. A elevação desses valores, que sofrem influência da atividade sexual e do tabagismo, preconiza a realização de biópsias, também definidas aleatoriamente, tanto o número de amostras como o local das mesmas, e que diagnosticam condições pré-neoplásicas ou neoplásicas que provavelmente não modificariam a sobrevida mas que promovem cirurgias que culminam em disfunção erétil e indicação para tratamento radioterápico que propicia sangramentos retais de difícil manejo e cura.( WELCH, SCHARTZ, WOLOSHIN, 2011). O avanço tecnológico dos exames de imagem também tem participação no processo de overdiagnosis, quando detecta anormalidades que não evoluiriam para doença mas produzem doentes, que recebem, por exemplo, diagnóstico de sinusopatias e anormalidades estruturais em coluna lombar diagnosticados por tomografias ou ressonâncias. Voluntários com quadro clínico de resfriado submeteram-se a tomografias e aproximadamente 86% apresentavam inflamação dos seios da face sem sintomatologia e, em outro estudo, cerca de 50% dos avaliados por ressonância nuclear apresentaram alterações em discos lombares e eram assintomáticos ( WELCH, SCHARTZ, WOLOSHIN, 2011). 8 Outra causa responsável pelo excesso de diagnósticos é reconhecida. Médicos americanos, receosos com a judicialização, praticam a chamada medicina defensiva solicitando excessivos exames complementares. Contudo, análise feita por uma associação americana em 2008 evidenciou que apenas 5% das reivindicações vão a juízo, com 90% das decisões favoráveis aos médicos (SULMASY, WEINBERGER, 2014). Apesar de pouco discutido no Brasil, outros países estudam o tema há décadas. Os estudos frequentemente abordam o excesso de diagnósticos e os danos causados à população e os mecanismos envolvidos e poucos atrelam o custo financeiro para os sistemas de saúde, foco de importância inequívoca principalmente nas últimas décadas, com o envelhecimento populacional e expectativas maiores de vida que abarcam a idealização de mais diagnósticos preventivos. Ações acontecem em alguns países com a intenção de promover o conhecimento no tema e atitudes que possam dirimir tais condutas. Congressos, grupos acadêmicos e iniciativas governamentais ocorrem predominantemente nos Estados Unidos, Reino Unido e Itália. Preconizando condutas racionais e financeiramente compatíveis com as necessidades reais de saúde populacional, trazem à tona reflexões e questões éticas acerca do que é considerado socialmente como doença e qualidade de vida. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O que se pode observar após concluída a revisão bibliográfica é que o tema é de relevância extrema por apresentar consequências físicas, psicológicas e financeiras aos envolvidos, tanto para a população quanto para médicos e sistemas de saúde. É necessária a avaliação crítica do diagnóstico antecipado e reconhecer que pode promover danos mais do que benefícios. Valorizar a presença de sintomas, que é um dos melhores preditores de gravidade. Para uma mesma doença, o desfecho desfavorável é mais comum em sintomáticos do que em assintomáticos. Agindo assim também estaremos promovendo o bem estar ao aliviar esses sintomas no indivíduo, que passa a perceber e valorar o tratamento aplicado. Não confundir diagnóstico antecipado com prevenção, sendo que o primeiro é apenas um aspecto da questão. Lembrar que saúde tem uma definição maior do que somente ausência de doença e que a promoção da saúde deve ser o norteador de todos os sistemas de saúde, e não somente a procura de doenças. E utilizar os estudos clínicos randomizados ou com a melhor qualidade estatística como parâmetros para as melhores condutas profissionais. 9 O enfrentamento da questão é árduo. Vários fatores contribuem para a dificuldade da abordagem sobre a questão. Relações de poder da corporação médica, sobretudo com a clientela que acredita ou tem receio em questionar o desenvolvimento da indústria médica, que apresenta avanços científicos diários, com a promessa da vida duradoura, clientela que também não percebe que há motivos próprios para o incentivo do excesso de diagnósticos para manter o mercado da medicina, que é gerido frequentemente pela classe médica que a atende. Há o enfrentamento com a mídia, que divulga a tecnologia médica ora com mensagens emotivas, ora com informação sem embasamento científico, mas que encontra na indústria farmacêutica grande cliente, que investe bilhões em propaganda maciça e que encontra brechas em legislações que não conseguem regular o mercado. Há de se rever também os programas de prevenção dos sistemas de saúde que podem exagera o risco, utilizando o medo, para que a população tome alguma iniciativa e que, quase nunca, esclarecem os malefícios que podem advir de um diagnóstico precoce. Há de se estimular o desenvolvimento do tema no nosso país, um dos maiores sistemas públicos de saúde e com expressivo mercado de consumo de tecnologia de saúde. Protocolos de tratamento devem ser revistos e repensados sob essa nova ótica. Relações de interesse entre indústria e médico devem ser explicitadas e o assunto ser apresentado e discutido nos centro de formação médica. 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