Anais do XXXIV COBENGE. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, Setembro de 2006. ISBN 85-7515-371-4 A FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA E O ENSINO DE ENGENHARIA: CONTEXTO E PERSPECTIVAS Aline Pâmela Perfoll – [email protected] Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí Rua Dr. Guilherme Gemballa, 13 89160-000 – Rio do Sul - SC Mikael Frank Rezende Junior – [email protected] Universidade Federal de Itajubá, Instituto de Ciências Exatas Departamento de Física e Química Av. BPS 1303 - Pinheirinho 37500-903 – Itajubá - MG Resumo: A Física Moderna e Contemporânea (FMC) abrange todo o avanço cientifico e tecnológico desenvolvido nesta área de conhecimento a partir do final do século XIX com o advento da Teoria da Relatividade Restrita de Einstein e os Quanta de Planck (e todo desenvolvimento posterior da Física Quântica). Seu impacto inaugurou um novo período que modificou não somente a nossa visão de mundo, mas a visão da própria Física e das tecnologias. Contudo, raramente esses elementos estão presentes nos cursos voltados a áreas tecnológicas, como no caso das Engenharias, onde a ausência desses elementos pode estar suprimindo da formação tecnológica todas as beneficies teóricas e desenvolvimentos decorrentes. O presente trabalho consiste na análise das ementas e estruturas curriculares de diferentes cursos de graduação em Engenharia, visando detectar a presença de elementos da Física do século XX, no intuito de fornecer um quadro com as principais frentes de formação tecnológica, acompanhado de uma análise das Diretrizes e propostas para a inserção destes tópicos no Ensino Superior. Neste exercício, constatou-se que um grande número de Instituições de Ensino Superior simplesmente não menciona a FMC em suas estruturas curriculares. Verificou-se também que Instituições que abordam tais elementos, fazem por iniciativa própria, uma vez que não há uma legislação ou propostas que regulamentem tal abordagem. Já no Ensino Médio, desde 1960 vem sendo discutidas propostas para a inserção da FMC, mas pesquisas têm apontado que há ainda muitas dificuldades a serem enfrentadas, como a formação docente e a falta de material didático específico. Palavras-chave: Ensino de engenharia, Ensino médio, Física moderna e contemporânea. Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.55 1. INTRODUÇÃO Elementos da Física do século XX estão cada vez mais freqüentes em nosso dia-a-dia e, consequentemente, nos meios de comunicação como jornais, revistas, internet e televisão1. Devido a grande abrangência e facilidade ao acesso à informação, torna-se cada vez mais comum, no cotidiano escolar, indagações feitas por estudantes sobre esses elementos: De onde vem a energia das estrelas? Quais são os perigos e utilidades da energia nuclear? Como funciona o aparelho de ressonância magnética? O que é a fotossíntese? Qual a importância das descobertas de Einstein? Do que trata a Teoria das Cordas? Além de diversas outras curiosidades envolvendo a radioatividade, os supercondutores, e as nanotecnologias. Pesquisas têm mostrado que incentivos na formação escolar básica com o tratamento de temas e tópicos de Física Moderna e Contemporânea (FMC), por vezes, podem influenciar a escolha por carreiras voltadas para áreas científicas (Kalmus, 1992; Wilson, 1992; Stannard, 1990). Entretanto, a opção por carreiras científicas não tem se consolidado como uma regra no espaço de escolarização básica. No Brasil, dentre o universo de alunos que optam por cursos, por exemplo, de Física ou Engenharia, são raros aqueles que recebem durante o seu período de escolarização básica qualquer tipo de formação referente à FMC. (Rezende Jr. e Ricardo, 2003). E apesar da presença constante e crescente da Física do Século XX em nosso dia-a-dia, ainda não há no Brasil uma proposta efetiva para a inserção desses elementos em cursos de graduação em Engenharia2. Já no que tange ao Ensino Médio (EM), nas últimas décadas muito vem sendo estudado, através de propostas (teórico-educacionais, legislacionais, didático-metodológicas, conceituais e experimentais) para a inserção da FMC no EM. Tal preocupação já tem reflexos concretos observados na produção de teses e dissertações, artigos e discussões em eventos especializados que abordam esses assuntos e suas implicações no ensino em geral. Entretanto, há ainda muitas dificuldades para serem enfrentadas. “Mesmo considerando os obstáculos a superar, uma proposta curricular que se pretenda contemporânea deverá incorporar como um dos seus eixos as tendências apontadas para o século XXI. A crescente presença da ciência e da tecnologia nas atividades produtivas e nas relações sociais, por exemplo, que, como conseqüência, estabelece um ciclo permanente de mudanças, provocando rupturas rápidas, precisa ser considerada”. (Brasil, 1999, p.12) De forma geral, no presente argüiremos sobre a importância da FMC na educação básica, e sua extensão aos cursos de graduação em Engenharia, conjuntamente com a análise de sua presença na estrutura curricular atual dos cursos de engenharia, no intuito de promover uma discussão sobre a relevância da presença de tais conceitos em cursos de formação básica de engenheiros, o que oportunizaria ao profissional desta área uma preparação para aplicar conhecimentos científicos ao desenvolvimento de estruturas, tecnologias, dispositivos e processos adequados ao atendimento das necessidades humanas, contribuindo assim com o desenvolvimento do país e o avanço da Ciência e Tecnologia de forma geral. 1 Que constituem, segundo Delizoicov e Angotti (1992), meios de educação não-formal. 2 Nas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Engenharia – Parecer nº.: CNE/CES 1362/2001 – a Física faz parte dos conteúdos básicos, entretanto simplesmente são requeridas práticas de laboratório, não especificando os conteúdos que devem ser abordados. Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.56 2. A FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NA EDUAÇÃO BÁSICA Dos objetivos apregoados pela legislação educacional vigente, deve-se admitir no Ensino Médio (EM), independentemente da interpretação dada, a necessidade de contemplar alguns aspectos básicos dessa área do conhecimento humano chamada Física, permitindo não somente uma preparação para o Ensino Superior, mas também para uma intervenção mais crítica que permita aos alunos pensar e interpretar o mundo que os rodeia. O que se denomina por aspecto básico é constituído de um corpo de conhecimentos da Física que permite uma discussão mais ampla de aspectos específicos de Ciência e Tecnologia associados, visto que no mundo contemporâneo, esses conhecimentos quando contextualizados socialmente, tornam-se importantes tanto para a inserção do cidadão no mercado de trabalho quanto para uma melhor compreensão dos fenômenos da natureza e dos artefatos tecnológicos que estão a sua volta. Acrescenta-se a isso o fato de que a Ciência esteve e está presente em decisões socialmente significativas, legitimando discursos. Se não a temos, no mínimo como ferramenta para negociações, não podemos sequer questionar, ou adquirir um posicionamento acerca de importantes decisões que nos envolvem. Nesta compreensão, os conhecimentos científicos e tecnológicos, quando abordados de forma adequada na escola, devem dotar o individuo de um instrumental de pensamento e de leitura de mundo para que se interprete e se transforme a sociedade. Porém, aparentemente é no momento de cumprir esta função, de formação do homem-cidadão, que a escola atualmente entra em contradição, pois os conteúdos e metodologias adotados na verdade não tem atendido às necessidades dos indivíduos, qual seja, capacitá-los a uma intervenção efetiva e ativa na sociedade contemporânea. Incorpora-se aqui também a ausência dos conhecimentos além da fronteira dos clássicos tradicionalmente desenvolvidos há várias décadas no EM, por exemplo, a Física e as tecnologias desenvolvidas depois de 1900. "Para o Ensino Médio meramente propedêutico atual, disciplinas científicas, como a Física, têm omitido os desenvolvimentos realizados durante o século XX e tratam de maneira enciclopédica e excessivamente dedutiva os conteúdos tradicionais. Para uma educação com o sentido que se deseja imprimir, só uma permanente revisão do que será tratado nas disciplinas garantirá atualização com o avanço do conhecimento científico e, em parte, com sua incorporação tecnológica.” (Brasil, 1999, p.209). Neste sentido, atualmente não é mais necessário se remeter a extensas justificativas para conduzir uma discussão sobre a necessidade, em caráter emergencial, de dispor aos alunos que não seguirão carreiras científicas, elementos da Física do século XX. (Ostermann, 1999; Terrazzan 1994) A inserção da FMC somente pelo conteúdo específico por si só já se justificaria, mas é necessário ressaltar que, a partir dele, é possível caracterizar um grandioso movimento da Física e da história da ciência moderna, com as tortuosas relações científicas entre os pares através de debates, das discussões das evidências experimentais e de todas as controvérsias geradas, bem como um movimento histórico-científico que trouxe profundas modificações na maneira de ver o mundo. Porém, é ainda merecedor de discussões o que se pretende com essa “nova” Física na educação básica. (Rezende Jr., 2001) E como qualquer outra manifestação científica, a FMC no EM também não se justifica somente dentro das perspectivas de atualização curricular, mas porque entende-se que a Física é parte da cultura contemporânea. A Física Moderna não traz em seu âmbito apenas o conteúdo de Física ou de mais uma disciplina do currículo escolar. Ela carrega em sua essência, assim como qualquer outra área do conhecimento humano, as características de um Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.57 momento histórico e social que permeia toda forma de manifestação com componentes de tradição e revolução. No sentido de uma atualização, as Ciências Naturais caracterizam-se não somente como um produto “da natureza”, mas sim uma elaboração humana, com história, portanto parte da cultura em contínua elaboração. No âmbito justificacional, trabalhos têm indicado as beneficies da presença de elementos de FMC em espaços de escolarização amplos (Alvetti, 1998; Terrazzan, 1994; Greca, 2000), inclusive tem sido apresentada, conforme já apresentado anteriormente, por autores como instrumento motivador para a escolha por carreiras científicas (Kalmus, 1992; Wilson, 1992; Stannard, 1990). Porém, independentemente da opção dos alunos quanto ao seu futuro profissional, e para além daqueles que terão a oportunidade de se aprofundarem e se especializarem, é necessário voltar nossa preocupação com a Física escolar, pois é nesse espaço, e talvez o único, onde ela é formalmente acessada, e onde se definirão os contornos nos quais se dará o contato dos indivíduos com o mundo da Física. Ainda que merecedora de críticas pontuais, as diretrizes educacionais brasileiras formalizadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+) constituíram-se como um grande avanço, porém, reafirma-se aqui que não se trata simplesmente de incorporar conteúdos da Física do século XX nos já inchados currículos escolares e livros didáticos, pois, uma mera adição de conteúdos dentro da tradicional axiomatização da física, claramente não privilegiará os objetivos enunciados de uma ciência escolar voltada à formação do cidadão contemporâneo. Em âmbitos regionais, por exemplo, a Proposta Catarinense cita a necessidade indiscutível de tratar de conhecimentos e teorias mais modernas, mesmo considerando a fragilidade dos conhecimentos de física clássica pelos alunos e também pelos professores, reportando-se, ainda, à necessidade de um trabalho para desenvolver, na didática específica da física, formas de atender este aprendizado. (PCSC, 1998) Ainda assim, era de se esperar que a Física na escola ajudasse a promover essa inclusão cientifica básica, não somente para aqueles que irão seguir seus estudos específicos em Física, mas para todos aqueles que terão, em sua grande maioria, o espaço escolar médio como terminal. Isto parece não estar ocorrendo. 3. FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA: UM BREVE HISTÓRICO Cronologicamente, apesar de não haver um consenso que delimite os períodos clássicos, modernos e contemporâneos, pode-se dizer que a Física Moderna se estabeleceu entre o final do século XIX até a década de 40 e a Física Contemporânea, após o inicio da Segunda Guerra Mundial até os dias atuais (Ostermann, 1999). O marco histórico da 2ª grande Guerra deve-se ao fato do grande avanço científico e tecnológico decorrido neste período. Em um período anterior a 1900 podemos agrupar os desenvolvimentos científicos da Física em um período denominado de Clássico. Historicamente, a Física Clássica, que compreende o conhecimento físico desenvolvido até o final do século XIX não conseguia mais explicar, de modo adequado, diversos fenômenos como: a estabilidade do átomo, a permanência dos elétrons orbitando em torno o núcleo, a invariância da velocidade da luz e o espectro das radiações emitidas por um corpo quente. Apesar disso são ainda incontestáveis todos os sucessos da Física Clássica. Como propulsores da Física Moderna destacam-se a Teoria da Relatividade Restrita de Einstein e os Quanta de Planck no final do século XIX. Seu impacto inaugurou um novo período que modificou não somente a nossa visão de mundo, mas a visão da própria Física e das tecnologias. Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.58 A Teoria da Relatividade de Einstein – que aborda situações em que corpos se deslocam a velocidades próximas à da luz e, que ao mesmo tempo, derruba a idéia de tempo e espaço absolutos – conjuntamente com os quanta de Planck tornaram possíveis a interpretação de fenômenos atômicos e subatômicos que antes intrigavam muitos cientistas. Essa revolução nos conceitos proporcionou intensos e profundos debates no âmbito das ciências exatas com decorrências em áreas como a Filosofia, reestruturando de forma inigualável a Física no século XX. Contudo, reafirmamos que a Física Clássica não foi e nem poderá ser desconsiderada. Apenas os fenômenos que ela pode explicar foram limitados. Para ressaltar a sua importância, basta lembrarmos da presença da Física Clássica na Física Contemporânea em áreas como a Mecânica dos Fluidos e Sistemas Não Lineares, dentre outras. A velha Física Quântica inaugurada por Planck, atua em dimensões microscópicas e em grandes velocidades, próximas à da luz. Para os demais fenômenos, como por exemplo, para explicar o movimento dos corpos comuns, como objetos que caem ou um satélite em órbita, continuam valendo as leis da Mecânica Clássica. Dessa maneira, com a passagem da Física Clássica para a Física Moderna, amplia-se o elenco de fenômenos que pode ser compreendido e descrito. É preciso ressaltar que o grande sucesso da Era Quântica tem chamado muito a atenção de diversas áreas, sendo que muitas aplicações e definições de termos da Física têm aparecido de maneira ingênua e até perigosa3. Por se tratar de uma teoria que descreve de forma eficiente o mundo a um nível de precisão e detalhes sem precedentes na ciência, a Mecânica Quântica gerou, e ainda o faz, certo grau de otimismo, sendo extremamente aceita apesar de suas controvérsias que decorrem de seus pressupostos na atualidade pela comunidade científica: “Pode-se afirmar com segurança que a Mecânica Quântica é a teoria científica mais abrangente, precisa e útil de todos os tempos”. (Chibeni, 2001) 4 Os avanços obtidos através do desenvolvimento teórico e experimental da Física Quântica e de toda a Física do século XX estão cada vez mais presentes em nosso dia-a-dia. Esses elementos, frequentemente, passam despercebidos pela sociedade em geral, devido a suas escalas micro ou nanoscópicas, mas estão inseridos tanto em medicamentos que agem diretamente no ponto minimizando efeitos colaterais, como em pinturas antiarranhão para automóveis e embalagens que aumentam a vida-de-prateleira dos alimentos. Ainda podemos citar a energia nuclear, o microscópio eletrônico, o laser, o transistor, os radioisótopos na medicina e os supercondutores. 4. OS CURSOS DE CONTEMPORÂNEA ENGENHARIA E A FÍSICA MODERNA E Assim como as ciências básicas e aplicadas, a Engenharia também é responsável por tecnologias para o desenvolvimento da sociedade, sendo que desempenha um significativo papel em todo o decorrer da história da humanidade. Pode-se dizer que suas contribuições começaram com a capacidade do ser humano de dar formas a objetos naturais e a empregá-los para determinados fins. Depois, com a expansão dos conhecimentos científicos e com a sua 3 Segundo Mota (2000, p.17, notas) a palavra Quântica tem sido empregada em livros de assuntos variados: O direito quântico de Godofredo Telles Jr. (Direito); A cura quântica de Deepak Chopra (Medicina); Em busca da empresa Quântica de Clemente Nóbrega (Negócios); O ser quântico de Zohar Danah (Auto-ajuda); Dos faraós a física quântica de Ricardo de Bernardi (Esoterismo); A obra do artista – Uma visão holística do universo de frei Betto; Psi quântico de Hermani Guimarães Andrade (Psicanálise). 4 Documento eletrônico - Revista Com ciência/SBPC http://www.comciencia.br/reportagens/fisica/fisica04.htm acessado em 10/02/2006. Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.59 aplicação aos problemas práticos, surge o engenheiro, que é resultado de uma evolução ocorrida durante séculos. A Engenharia ainda esteve presente em muitos outros momentos da história desenvolvendo, dentre outras coisas, os sistemas de transporte e comunicação, sistemas de produção, processamento e estocagem de alimentos, sistemas de distribuição de água e energia. Criando instrumentos, informações, dispositivos ou processos, os engenheiros contribuem para que se garanta ao homem um trabalho menos árduo e uma vida mais digna. Contudo, a educação técnica e tecnológica compõe uma outra etapa da história. Instituições de educação técnica surgiram em muitos países para dar instrução avançada em Engenharia. No Brasil, a Engenharia foi introduzida através das atividades dos oficiaisengenheiros e dos mestres construtores de edificações civis e religiosas, sendo a Academia Real Militar a primeira escola de Engenharia, criada em 1810. (Bazzo, 2000) Com o passar das décadas, a educação científica e tecnológica de massas que atendessem as necessidades imediatas se tornaram estruturais para o desenvolvimento de qualquer nação. No Brasil, em uma perspectiva atual, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Engenharia (2001), espera-se que: “o perfil dos egressos de um curso de engenharia compreenderá uma sólida formação técnico científica e profissional geral que o capacite a absorver e desenvolver novas tecnologias, estimulando a sua atuação crítica e criativa na identificação e resolução de problemas, considerando seus aspectos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais, com visão ética e humanística, em atendimento às demandas da sociedade” Assim, o novo engenheiro deve estar qualificado a desenvolver tecnologias em favor das transformações da sociedade nos mais variados setores, numa espécie de ciência multidisciplinar. Num sentido amplo pode-se dizer que a Engenharia modifica constantemente a sociedade, não apenas através do desenvolvimento tecnológico, mas pela mudança de comportamento e pelas implicações sociais que estas inovações acarretam. E para a execução de tarefas cada vez mais complexas e especificas, os Engenheiros estão trabalhando conjuntamente com biólogos, médicos, químicos e físicos no intuito de partilhar o conhecimento em todas as escalas, desde as visíveis até em matéria de interações atômicas e moleculares, com as quais pode-se desenvolver, por exemplo, nas áreas de: • Ciências da vida: Nanomedicina (nanorobôs), tecidos artificiais, drogas “inteligentes” que auxiliam no rápido diagnóstico da doença e submetem a tratamentos não evasivos. • Tecnologias de Informação e Comunicação: microeletrônica de ultra compactação, que com escalas significativamente pequenas, permitem a manipulação de quantidades extremamente grandes associadas a rápidas velocidades de processamento. • Energia, Transporte e Ambiente: nanopartículas e nanomateriais para a conversão e armazenamento de energia, revestimentos resistentes à corrosão, ecomateriais, pinturas antiarranhão, desenvolvimento de métodos corretivos derivados das nanotecnologias que permitem a reparação de danos ambientais e a despoluição (por exemplo, hidrocarbonetos na água ou solo). Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.60 • Aeroespacial: sensores, materiais ultraleves e ultra resistentes, células solares de elevado rendimento (Fortunato, p.8, 2005). Através dos exemplos acima e muitos outros, é possível de se constatar que há elementos da Física Moderna e Contemporânea nas mais diversas áreas da Engenharia, onde compete ao profissional desta área – em parceria com profissionais de outras áreas ou não – possuir as ferramentas básicas para desenvolvê-los ou, no mínimo, conhecimentos para discutir a sua utilização em áreas distintas. Ainda segundo Fortunato (2005), especialistas afirmam que o mercado para produtos das nanotecnologias é atualmente de 2,5 milhões de Euros, mas que este poderá aumentar para centenas de milhares de milhões de Euros até 2010 e mais tarde para a casa dos bilhões. Galembeck5 (2005), por exemplo, distribui as aplicações das nanotecnologias de forma que 31% estão voltadas à área de materiais; 21% à área médica e farmacêutica; 14% a pesquisas; 11% à eletrônica; 7% a produtos de consumo e 16% a outras áreas. Mesmo perante essa demanda de novos produtos e tecnologias, da grande abrangência em diversas áreas e dos fortes investimentos atuais e previstos, muito pouco da FMC está presente nos cursos de graduação em Engenharia, excluindo da formação profissional a abordagem de conceitos importantes que propiciem a participação e competição destes engenheiros no desenvolvimento de tecnologias decorrentes das ciências do século XX. Para estabelecer um quadro com uma projeção da situação atual do país no que se refere à formação de profissionais aptos ao desenvolvimento científico de todo esse patamar de tecnologias e juntamente com as principais frentes de formação tecnológica, investigaremos aqui as ementas e estruturas curriculares de aproximadamente 10% de todos os cursos de graduação em Engenharia no Brasil, buscando detectar a presença de elementos característicos da FMC nesse espaço de formação superior profissional. 5. METODOLOGIA As grades curriculares das Instituições6 de Ensino Superior (IES) selecionadas para a análise dos cursos de graduação em diversas áreas de Engenharia foram escolhidas em função da disponibilidade inicial de seus endereços eletrônicos no Guia de Universidades7, que fornece o endereço eletrônico das Instituições de cada Estado separadamente, o que possibilita uma coleta de dados regionalizada. O sistema de busca de instituições oferecido pelo Ministério da Educação8 – MEC – também foi consultado para uma investigação mais direcionada a estes cursos. Foram assim consultadas as ementas e programas tanto de Instituições de Ensino Superior (IES) Privadas quanto Públicas, em todas as regiões do país. É preciso ressaltar que muitas Instituições não fornecem seu ementário via internet, sendo que as mesmas foram descartadas nesta fase inicial da pesquisa, cujo interesse maior é caracterizar através de um quadro representativo dos cursos de Engenharia e não o de consultar todas as IES e seus respectivos cursos. Foi considerado também por esta pesquisa 5 Documento eletrônico – Revista Plástico Moderno - http://www.plastico.com.br/revista/pm359/interplast2.htm acessado em 10/02/2006. 6 Instituições Federais, Estaduais, Municipais, Particulares, Centros, Institutos e Fundações. 7 http://www.ufac.br/guiadeuniversidades/index.htm 8 http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/funcional/busca_instituicao.stm Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.61 que somente através da nomenclatura da disciplina, não seria possível detectar a presença ou ausência de elementos da Física Moderna e Contemporânea, portanto, os cursos que disponibilizaram somente a estrutura curricular desprovido do ementário e programas não fizeram parte desta fase. 6. ANÁLISE DE DADOS Foram analisadas as estruturas dos cursos de graduação em Engenharia de 177 Instituições de Ensino Superior sendo que somente 54 destas disponibilizaram o ementário, resultando em 161 matrizes curriculares analisadas, de diversas áreas de Engenharia: Mecânica, Elétrica, Eletrônica, Alimentos, Civil, Ambiental, Florestal, Química, Produção, Materiais, Minas, Computação, Mecatrônica, Telecomunicação, Controle e Automação, dentre outras. As disciplinas que caracterizaram a presença dos elementos da FMC nesses cursos, na grande maioria, são introdutórias e de baixa carga horária (geralmente em torno de 60 horas/aula), abrangendo conteúdos tais como: Introdução à Mecânica Quântica, Noções de Relatividade e Tópicos de Física Moderna. Desta forma poucas informações são acrescentadas aos acadêmicos desses cursos, não garantindo os conhecimentos necessários para o desenvolvimento de tecnologias – principalmente se considerado a complexidade e implicações didáticas para a compreensão desses elementos da FMC – sendo que a caracterização dessas disciplinas indica somente levantar um histórico do grande avanço cientifico e tecnológico do século XX. Os programas de disciplinas analisados, resultaram em um percentual superior a 10% de todos os cursos de graduação em Engenharia do país9. Regionalmente, tal índice foi de 16% para a região Sul, 9,5% da região Sudeste, 14,8% da região Centro-Oeste, 9,5% da região Norte e 9,8% da região Nordeste. Com base nos dados obtidos, constatou-se que a presença da Física Moderna e Contemporânea é mais freqüente em cursos de Engenharia Mecânica, Elétrica e Civil, provavelmente pelo fato de que esses cursos são mais voltados às áreas de eletrônica e materiais onde, atualmente, há uma maior aplicação dos elementos da FMC. Entretanto, cursos tais como os de Engenharia Ambiental e Agrícola, mesmo que com menor freqüência, também apresentaram tópicos da Mecânica Quântica e da Teoria da Relatividade em suas ementas, principalmente quando a IES possui tradição no que se refere à cursos de Engenharia. A distribuição dos cursos que possuem a FMC inserida em seus currículos apresentou certa disparidade entre as regiões do país, havendo maior concentração em algumas delas como pode ser conferido pela Tabela 1. 9 De acordo com os dados oferecidos pelo Sistema de Busca do MEC – http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/funcional/busca_curso.stm – consultado em 16/02/2006. Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.62 Tabela 1 – Detecção de elementos de FMC nos cursos de engenharia em regiões distintas Região Cursos de Engenharia (total) Sul Sudeste Centro-Oeste Norte Nordeste Total 285 829 74 74 184 1446 Ementas analisadas Total % 46 79 11 7 18 161 16 9,5 24,8 9,5 9,8 11,13 Cursos que abordam a FMC Total % 35 44 3 3 15 100 76,09 55,70 27,27 42,86 83,33 62,11 Cursos que não abordam a FMC Total % 11 35 8 4 3 61 23,91 44,30 72,73 54,14 16,67 37,89 Uma análise comparativa por regiões pode ser também visualizada pelo gráfico a seguir: Gráfico 1 - Presença de FMC em cursos de engenharia distribuídos por regiões no País. 50 40 30 Sim 20 Não 10 0 SUL SUDESTE CENTROOESTE NORTE NORDESTE Essa notável concentração de cursos que apresentam elementos da FMC em seus currículos nas regiões Sul e Sudeste, provavelmente, deve-se ao fato da grande demanda de cursos de Engenharia nessas regiões, que representam 77% de todo o ensino de Engenharia do país, bem como a grande participação dessas regiões em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Segundo os Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo (2004), em 2002 este estado apresentou gastos totais em P&D cerca de R$ 4 bilhões, correspondendo a 36,3% do dispêndio nacional. De acordo com a base de dados SCIE do ISI – referência em nível internacional10 -, em 2002 a produção brasileira foi de 15.846 artigos indexados (1,5% da produção mundial), nesse mesmo período, a produção paulista foi de 8.538 artigos (0,8% da produção mundial indexada na base SCIE). Ainda segundo os Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo, a produção científica das regiões Sul e Nordeste também tem apresentado significativo crescimento. A desigualdade econômica também é um fator que influi nessa disparidade científica e tecnológica. Guimarães Neto (1997) cita o Levantamento de Oportunidades, Intenções e Decisões de Investimento Industrial no Brasil 10 Base de dados Science Citation Index Expanded (SCIE) do Institute for Scientific Information (ISI) Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.63 (1997/2000)11 que aponta a região Sudeste como a portadora do maior índice para investimentos (64,3%) e a Centro-Oeste com o menos índice (1,2%). Apresenta também alguns indicadores dessa desigualdade econômica: As regiões Sul e Sudeste apresentaram elevados níveis de produtividade, desenvolvimento humano, saneamento básico, população ocupada vinculada à previdência social e PIB – Produto Interno Bruto. Enquanto que as regiões Nordeste e Norte apresentaram elevados índices na participação de pobres na população e em participação de pessoas ocupadas que recebem até um salário mínimo. Através da presente pesquisa, pode-se constatar que nas regiões norte, nordeste e centro-oeste a grande maioria dos cursos oferecidos pelas IES são voltados às áreas de ciências humanas. Em termos de Instituições Públicas ou Privadas, a distribuição desses cursos também apresentou uma disparidade. As IES públicas apresentaram um maior índice de cursos que abordam a FMC, talvez isto seja em função da tradição dessas Instituições em cursos de Engenharia, como também pelo alto custo desses cursos que necessitam de laboratórios especializados, o que requer investimentos de alto valor financeiro. A distribuição dos cursos consultadas dentre as IES públicas e privadas pode ser observada pela Tabela 2. Tabela 2 – A FMC nas Instituições Públicas e Particulares Não apresentam Apresentam elementos da FMC elementos da FMC IES Públicas 56 21 IES Particulares Total 44 100 40 61 Total 77 84 161 Traçando um comparativo entre IES públicas e privadas, pode-se constatar que a rede Pública de ensino apresentou um maior índice (73% contra 52% da Rede Privada) quanto à presença da FMC no ementário e programas de seus cursos de Engenharia. Contudo esses valores mais elevados devem estar relacionados ao fato de que nas Instituições Privadas a demanda e a tradição dos cursos de Engenharia são mais significativas, abrangendo um número mais expressivo de cursos oferecidos. Outro ponto interessante demarcado por essa pesquisa é que geralmente quando a FMC é abordada em um determinado curso de uma instituição, ela se encontra presente em todos os demais cursos de Engenharia, independentemente da área, oferecidos por aquela Instituição. Referindo-se a esse ponto, foram raras exceções encontradas onde a temática FMC, por exemplo, quando ofertada por uma determinada instituição em um curso de engenharia elétrica, foi excluída de cursos como Engenharia Ambiental ou Florestal. 7. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS De acordo com a pesquisa realizada no ementário das disciplinas de diversas Instituições de Ensino Superior pode-se constatar que já existe um número considerável de Instituições que, por iniciativa própria, abordam a FMC em seus currículos. Contudo esses dados não indicam necessariamente que a Física do século XX já esteja inserida satisfatoriamente no Ensino Superior, principalmente se levarmos em consideração o grande número de Instituições que não forneceram seu ementário e o caráter introdutório das disciplinas. Tal fato configura-se como um grande problema principalmente em cursos voltados a áreas tecnológicas, visto que os mesmos podem se encontrar na contramão da vanguarda. 11 Fonte: MICT – Secretaria de Política Industrial Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.64 Segundo o Grupo de Trabalho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (2005) não haverá um desenvolvimento tecnológico, industrial e de inovação tecnológica no país, sem a presença de uma ciência vigorosa, moderna e de bases sólidas no campo das Engenharias. Afinal, engenheiros competentes, atualizados e com amplo treinamento em pesquisa são a condição essencial do avanço da pesquisa industrial e da criação de novos produtos, de novos materiais e de serviços nas áreas tecnológicas. Para tanto, o ensino de graduação em Engenharia deve ser modernizado e atividades de pesquisa interdisciplinares (com químicos, físicos, biólogos, matemáticos, etc.) devem ser induzidas e apoiadas. A necessidade e atualidade dessas propostas são confirmadas pelo sucesso de países emergentes em Ciência e Tecnologia, como a Coréia do Sul, onde a quantidade e qualidade de engenheiros presentes no processo de desenvolvimento e produção industrial são muito superiores à situação de nosso país. Neste caso, uma formação excluindo esses conceitos pode estar contribuindo para formar consumidores profissionais de tecnologia, ou seja, profissionais que não estarão capacitados para o desenvolvimento dessas tecnologias e que o torna inevitavelmente dependente de grandes centros de desenvolvimento tecnológico, que se encontram principalmente em países com tradição cientifica. E com a presença cada vez mais marcante da FMC em produtos que utilizamos em nosso cotidiano, são evidentes os interesses e investimentos do mercado nessas tecnologias, requerendo para tanto profissionais aptos a desenvolvê-las. Finalizando, o objetivo central deste trabalho foi o de estabelecer um panorama da atual situação do país no que se refere à educação para o desenvolvimento de tecnologias, analisando tanto as Instituições que oferecem cursos de graduação em Engenharia quanto as Diretrizes e propostas para a inserção de elementos da Física do Século XX em seus currículos. Atingimos cerca de 10% dos cursos oferecidos em todo o país. Para uma próxima fase dessa pesquisa, será realizado um levantamento de dados mais amplo, primeiramente concluindo o mapeamento por Estados da Federação de forma que, mesmo as ementas de Instituições que não estão disponíveis em seus sites, serão buscadas junto às coordenadorias e responsáveis pelos cursos. Após essa primeira etapa, um comparativo com os centros internacionais será realizado, com o intuito de ampliar a discussão da necessidade e importância da inclusão programática de FMC em cursos voltados à área científica e tecnológica e da respectiva pesquisa, visando o seu desenvolvimento e respectiva apropriação conceitual por profissionais de áreas científicas e tecnológicas formados no Brasil. Agradecimentos Ao professor Mikael Frank Rezende Junior, orientador e amigo, pelo incentivo, atenção e paciência ao longo do desenvolvimento deste trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVETTI, M. A. S. e DELIZOICOV, D. Ensino de Física Moderna e Contemporânea e a Revista Ciência Hoje. In: ENCONTRO DE PESQUISADORES EM ENSINO DE FÍSICA, 6., 1998, Florianópolis. Atas... Florianópolis, Imprensa Universitária da UFSC, p.232-234, 1998. BAZZO, W.A. Introdução à Engenharia, Editora da UFSC, Florianópolis, 2000. BRASIL, MEC, Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Engenharia. 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However, is not always these elements are presents in the courses of technological areas, as in the case of Engineering’s courses, where the absence of these elements can be suppress of the technological formation all benefits of these topics. The present work consists of the analysis of summaries and curricular structures of different Engineering graduation courses, aiming to detect the presence of elements of the Physics of century XX, in intention to supply a view with the main fronts of technological formation, accompanied of an analysis of the Guidelines and proposals for the insert of these topics in the Superior Instruction. In this work, it was verified that a great number of Institutions simply does not mention the MCP in their curricular structures. And too that Institutions that approach such elements, do for own initiative, once that a legislation does not have or proposals that regulate such approach, Already in the High School Teaching, since 1960 it has been discussed proposals to insertion of the MCP, but research has pointed that it still a lot of difficulties, as the teaching formation and the lack of specific didactic materials. Key-words: Education of engineering, High school education, Modern and Contemporary Physics Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia 11.68