A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social A TUTELA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DA PESSOA IDOSA: A DISCRIMINAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA E A NECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE COTAS COMO POLÍTICA PÚBLICA DE INCLUSÃO SOCIAL Carlos Henrique Bezerra Leite*1 Sofia Varejão Filgueiras**2 Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo***3 RESUMO Indaga se o idoso sofre discriminação do mercado de trabalho, sendo necessário criar cotas. Após pesquisas documental, bibliográfica e entrevistas, conclui que: os direitos metaindividuais das pessoas idosas são fundamentais e devem ser assegurados, independentemente da dimensão, por instrumentos de tutela e seus legitimados, destacandose a ação civil pública e o Ministério Público; inexiste correspondência entre o conceito jurídico de idoso e o do mercado de trabalho, pois a pessoa, a partir dos 40 anos, já é considerada “velha” para o trabalho, sendo difícil conseguir emprego formal; é preciso criar cotas como política pública de inclusão social, desde que temporárias e destinadas aos setores onde se constatar discriminação negativa, para promover a igualdade de oportunidades e a restauração do equilíbrio etário. Palavras-Chave: Direitos metaindividuais. Pessoa idosa. Discriminação. * Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP; professor do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da FDV; professor da UFES; procurador regional do trabalho. ** Mestre e especialista em Direitos e Garantias Constitucionais pela FDV; advogada. *** Graduada em Direito na FDV. Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 153 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo ABSTRACT It was investigated if the senior suffers discrimination of the job market, being necessary create quotas. After documental and bibliographical researches and interviews, it was concluded that: the senior people’s “metaindividuais” rights are fundamental and they must be insured, independently of the dimension, by protection instruments and yours legitimated, standing out the public civil action and the Public prosecution service; there is no correspondence between senior’s juridical concept and the one of the job market, because the person starting from the 40 years is already considered “old” to the work, being difficult to get formal job; it suggests to create quotas as public politics of social inclusion, as long as temporary and destined to the sections where if it verifies negative discrimination, to promote the equality of opportunities and the restoration of the age balance. Keywords: “Metaindividuais” Rights. Senior person. Discrimination. INTRODUÇÃO O tema da pesquisa gira em torno da questão da tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa e a sua delimitação se consubstancia na discriminação do mercado de trabalho sofrida pelo idoso no município de Vitória, Capital do Estado do Espírito Santo, e na necessidade de criação de cotas como política pública de inclusão social. O problema central do presente trabalho se traduz no seguinte questionamento: a pessoa idosa sofre discriminação do mercado de trabalho, tornando-se necessária a criação de cotas, a fim de tutelar seus direitos metaindividuais? Jutifica-se a escolha da temática por se tratar de assunto atualmente de suma importância social, na medida em que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2002), com fundamento no Censo de 2000, há, no País, quase 15 milhões de pessoas com 60 anos de idade ou mais, o que equivale a 8,6% da população brasileira, sendo a previsão, para os próximos 20 anos, de que se esse número ultrapasse os 30 milhões de idosos no Brasil, o que representará quase 13% da população. Nesse sentido, apesar de ser notório o crescimento nacional 154 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social e mundial da população idosa, sobremaneira graças ao avanço tecnológico e da Medicina, que proporcionaram a elevação da expectativa de vida, a escolha do tema surgiu em virtude da constatação de que pouco se pesquisa no Brasil, especificamente acerca da defesa dos direitos metaindividuais dos idosos, sob a perspectiva dos direitos humanos fundamentais, sobretudo no tocante à discriminação do mercado de trabalho e à possibilidade de se instituir uma política de cotas para tais pessoas, como forma de inclusão social. A importância teórica da presente pesquisa reside na possibilidade de se perquirir acerca da viabilidade da criação de vagas para pessoas idosas, sobretudo no setor privado, a fim de se concretizar inclusive o objetivo constitucional de promoção social, de modo a minimizar a discriminação etária pelo mercado de trabalho, tutelando os direitos metaindividuais dos idosos, na busca da sua cidadania plena e integração social. Ademais, em termos práticos, a relevância social da temática se manifesta efetivamente, quando se verifica que a sociedade contemporânea vive a crise do Estado Social, sendo certo que a “economia de mercado”, imposta pelo neoliberalismo econômico, tem por objetivo primordial o lucro, e não a pessoa humana, o que justifica a necessidade de uma pesquisa científica que aborde a questão da concretização dos direitos metaindividuais das pessoas idosas na perspectiva dos direitos humanos. Dentre os objetivos específicos da pesquisa, estão: identificar os direitos humanos, as suas dimensões e os direitos metaindividuais; verificar se há coincidência de conceitos da pessoa idosa no Direito e na Economia (sob o enfoque do mercado de trabalho); identificar os instrumentos e os legitimados à tutela dos direitos metaindividuais das pessoas idosas no Brasil; verificar se existe discriminação etária no mercado de trabalho; identificar discriminação positiva e negativa; verificar a viabilidade ou não da criação de cotas em empresas com determinado número de empregados ante a discriminação do mercado de trabalho; analisar o resultado da pesquisa de campo realizada no município de Vitória, no Espírito Santo. No tocante à metodologia, cumpre registrar que o método adotado foi o dialético, optando-se pela abordagem qualitativa. As técnicas de pesquisa escolhidas foram a documentação indireta e a Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 155 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo direta. Com relação à primeira, cabe destacar que o levantamento de dados ocorreu por meio da pesquisa documental e bibliográfica. Já quanto à documentação direta, para se alcançar os objetivos propostos, foram realizadas entrevistas, por amostragem, contendo basicamente a qualificação das pessoas e quatro perguntas fechadas relativas à temática, com 60 homens e mulheres, todos acima de 40 anos de diferentes classes sociais, profissões e bairros do município de Vitória, Capital do Estado do Espírito Santo. No tocante à pesquisa propriamente dita, inicialmente, abordarse-á o conceito de direitos humanos, em seguida os conceitos de pessoa idosa. Ato contínuo, analisar-se-á a tutela dos direitos metaindividuais, seus instrumentos e legitimados. Posteriormente, identificar-se-á a discriminação positiva e negativa do mercado de trabalho, bem como a criação de cotas. Por fim, tratar-se-á do resultado e da análise da pesquisa de campo realizada em Vitória. 1 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS José Afonso da Silva (1997) sustenta que o alargamento e a mudança dos direitos fundamentais do homem, ao longo da história, dificulta definir-lhes um conceito sintético e preciso, sobretudo porque são muitas suas denominações: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem. Nesse contexto, Paulo Bonavides (2000) esclarece que o uso mais comum das expressões “direitos humanos” e “direitos do homem” se dá entre os autores anglo-americanos e latinos, ao passo que a expressão “direitos fundamentais” aparentemente se restringe aos publicistas alemães. Já no sentir de Norberto Bobbio (1992) a expressão “direitos do homem” pode provocar equívocos, na medida em que leva a crer que há direitos relativos a um homem abstrato e, assim, subtraídos do fluxo histórico. Os direitos humanos seriam produtos da civilização humana e não da natureza, como os direitos históricos seriam mutáveis, suscetíveis a transformações e ampliações. De acordo com Dalmo de Abreu Dallari (1999, p. 7), “direitos 156 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social humanos” seria uma abreviatura de direitos fundamentais da pessoa humana, que seriam “[...] considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida”. Nessa mesma linha, o Programa Nacional de Direitos Humanos, em sua introdução, prescreve: Direitos humanos são os direitos fundamentais de todas as pessoas, sejam elas mulheres, negros, homossexuais, índios, idosos, portadores de deficiências, populações de fronteiras, estrangeiros e migrantes, refugiados, portadores de HIV, crianças e adolescentes, policiais, presos, despossuídos e os que têm acesso à riqueza. Todos, enquanto pessoas, devem ser respeitados e sua integridade física protegida e assegurada (POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO, 1998, p. 45). Portanto resta evidente que, dentre os direitos humanos, se encontram os direitos fundamentais das pessoas idosas, conforme consta expressamente do Programa Nacional de Direitos Humanos. Logo, devem ser tutelados, independentemente de qual seja a dimensão ou a geração. 1.1 DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS A doutrina e a jurisprudência vêm classificando os direitos humanos, de regra, em três gerações ou dimensões, muito embora não exista previsão legal a respeito. Os direitos da primeira geração seriam os individuais, os da segunda seriam os sociais e os da terceira seriam direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade. Os controversos direitos de quarta geração se consubstanciariam no direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Contudo vale registrar que o termo “dimensão” substitui “geração” por razões lógicas e qualitativas, sendo falso o entendimento de que o último vocábulo significaria somente sucessão cronológica e importaria na caducidade dos direitos das demais gerações (BONAVIDES, 2000). De igual modo, a exemplo de Ingo Wolfgang Sarlet (2003), que também aponta a existência da quarta geração, optou-se pela classificação dos direitos humanos empregando a terminologia dimensões em prol da clareza, uma vez que o reconhecimento Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 157 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo progressivo de novos direitos fundamentais possui o caráter de um processo cumulativo, ou seja, de complementaridade. Noutros termos, de acordo com o Programa Nacional de Direitos Humanos, existiriam três gerações de direitos humanos: a primeira corresponderia a dos direitos civis e políticos; a segunda, aos direitos sociais, econômicos e culturais; e a terceira, aos direitos coletivos (POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO, 1998). De qualquer sorte, os direitos fundamentais das pessoas idosas, como direitos humanos, merecem ser tutelados, independentemente da preferência pelo vocábulo geração ou dimensão, pois se deve buscar agregar e não excluir direitos. 1.2 DIREITOS METAINDIVIDUAIS Os direitos fundamentais não são absolutos, por estarem em constantes transformações, dependendo do estágio de desenvolvimento socioeconômico e do ordenamento jurídico de cada Estado. Nesse sentido, a teoria dos interesses metaindividuais surgiu devido à preocupação da sociedade ocidental com a denominada “questão social”, fruto da “sociedade de massa” (LEITE, 2001). De fato, segundo o jusfilósofo Norberto Bobbio (1992), os direitos do homem se modificaram e permanecem se alterando no decorrer da História, sobretudo ante a disponibilidade de meios para sua realização e graças aos avanços tecnológicos. Direitos metaindividuais, transindividuais ou coletivos lato sensu são gênero, sendo suas espécies, em razão do previsto no art. 81, do Código de Defesa do Consumidor: os direitos difusos, coletivos stricto sensu e os individuais homogêneos (SILVA, 2003). No tocante ao aspecto terminológico, Hugo Nigro Mazzilli (2004) entende que seria preferível o vocábulo transindividual, porque consiste no neologismo formado pelo prefixo e radical latinos, ao passo que metaindividual decorreria de hibridismo, somandose prefixo grego a radical latino. Apesar disso, preferiu-se, neste trabalho, o uso do termo metaindividual e não transindividual, na medida em que, via de regra, a doutrina e a jurisprudência os têm empregado indistintamente, ao se referir ao gênero que possui por espécies os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 158 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social Para Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1998), a visão individualista que, em outros tempos, já predominou está se unindo a uma concepção social e coletiva, cuja transformação pode garantir a concretização dos interesses difusos. Nessa linha, também está o entendimento de Juliana Carlesso Lozer (2005, p. 18), para quem “[...] os direitos humanos progrediram e superaram as tradicionais dicotomias entre direitos individuais ou sociais, públicos ou privados, positivos ou negativos, culminando na tipologia dos direitos e interesses metaindividuais”. Com efeito, hodiernamente, os direitos metaindividuais são o que existe de mais “[...] importante na operacionalização do Estado Democrático de Direito, cujos princípios e objetivos fundamentais estão calcados na dignidade da pessoa humana e na construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária” (LEITE, 2005, p. 7). Nesse diapasão, os direitos metaindividuais dos idosos podem ser considerados direitos fundamentais, na medida em que o ordenamento pátrio prestigia a população idosa, e não podia ser diferente, já que a Constituição, em seu art. 3º, I, prevê o princípio da solidariedade e afasta a posição individualista retrógrada, sobretudo ao estabelecer, no inciso IV, a promoção do bem a todos, não admitindo qualquer discriminação etária, como faz o mercado de trabalho com as pessoas idosas. Assim, os direitos metaindividuais das pessoas idosas podem ser considerados também direitos fundamentais, levando-se em conta o princípio constitucional da solidariedade, os avanços tecnológicos e da medicina, bem como o fato de que hodiernamente há maneiras de concretizá-los, sobretudo com o advento da tutela coletiva. Ora, a sociedade contemporânea vive a crise do Estado Social, urgindo, pois, que se busque tutelar os direitos metaindividuais dos idosos na perspectiva dos direitos humanos, principalmente no Brasil, por se tratar de país subdesenvolvido no qual a participação de todos é de suma importância, a fim de proporcionar à crescente população idosa cidadania plena, dignidade e inclusão social. Afinal, resta evidente que a Constituição Federal, nos seus arts. 229 e 230, prestigiou os idosos, sendo inquestionável sua intenção de tutelá-los. Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 159 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo 2 CONCEITOS DE PESSOA IDOSA Quem é idoso? Muito embora, à primeira vista, pareça simples responder a tal indagação, não é tarefa fácil conceituar pessoa idosa. Afinal, há várias acepções distintas possíveis, a saber: jurídica, sociológica, cronológica, burocrática, psicológica, etc. Resta cristalino que o conceito de idoso varia ao longo da História, conforme o local ou a sociedade, ou seja, modifica-se de acordo com o tempo e o espaço. De fato, até pouco tempo, antes do desenvolvimento tecnológico e da Medicina, a expectativa de vida no mundo e no Brasil era muito inferior, comparando-se com a atual. Logo, é natural que a concepção de pessoa idosa mude também. Concorda-se com Pérola Melissa Vianna Braga (2005), quando adverte que a velhice se revela um processo individual, apesar de a Organização das Nações Unidas (ONU) estabelecer 60 anos como critério cronológico para o envelhecimento. No caso vertente, para fins da análise da discriminação sofrida pela pessoa idosa, entendeu-se relevante verificar se há coincidência de conceitos do idoso no Direito e na Economia, sob o enfoque do mercado de trabalho. 2.1 O DIREITO E O IDOSO Não é recente a relação entre o direito e as pessoas idosas. Flávio da Silva Fernandes (1997) preleciona que investigações arqueológicas apontam que, aproximadamente, em 2300 antes de Cristo, o Código de Hamurabi já estabelecia as primeiras distinções jurídicas entre a infância e a idade adulta, bem como continha certas formas de direitos dos idosos. Ademais, destaca que, na Antiguidade Clássica, antes da Lei das XII Tábuas, existia uma norma não escrita, estipulando que aquele que matasse pai ou mãe deveria ter a cabeça cortada, tendo sido, nesse período, que Cícero deixou suas observações e comentários com o título de De Senectude, provavelmente o primeiro tratado acerca da velhice. No Brasil, a Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso e cria o Conselho Nacional do Idoso, esclarece: “Art. 2º Considera-se o idoso, para os efeitos desta lei, a 160 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social pessoa maior de sessenta anos de idade” (POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO, 1998, p. 11). Nessa mesma linha, a Lei nº 10.741, 1º de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, define como pessoa idosa aquela com 60 anos ou mais de idade, nos seguintes termos: “Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos” (BRASIL, 2004, p. 19). Apesar disso, a própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 230, não utilizou tal critério, quando estipulou que: “[...] §2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos” (BRASIL, 2004. p. 91). De igual modo, não adotando o parâmetro previsto no Estatuto do Idoso, o Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995, em seu art. 1º, estabelece: O benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993, é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, com 70 anos ou mais, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Logo, verifica-se que, no Brasil, considera-se, para fins legais, via de regra, idosa a pessoa maior de 60 anos, muito embora a legislação preveja, para concessão de certos benefícios, idades distintas. Cumpre registrar que, em vários outros países, são tidas como idosas as pessoas somente após os 65 anos, como é o caso da Argentina, Espanha, Estados Unidos, Itália, Suécia e Canadá (FERNANDES, 1997). Passa-se à analise do conceito de pessoa idosa na Economia sob o enfoque do mercado de trabalho. 2.2 A ECONOMIA (SOB O ENFOQUE DO MERCADO DE TRABALHO) E A PESSOA IDOSA As modificações ocorridas na ordem econômica mundial, denominadas globalização econômica, e o aumento dos conflitos de massa entre as forças do capital e do trabalho exigem nova mentalidade, Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 161 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo baseada, sobremaneira, na tutela dos direitos fundamentais de terceira dimensão (LEITE, 2001). A “economia de mercado” imposta pelo neoliberalismo econômico, indubitavelmente, possui por escopo primordial o lucro e não a pessoa humana, o que só vem a dificultar a relação entre o mercado de trabalho e as pessoas de idade avançada que, por vezes, possuem limitações e sofrem discriminação, sendo, inclusive, questionada sua contribuição econômica. Concorda-se com Elida Séguin (2001, p. 97-98) quando preleciona: A maioria das pessoas idosas em todo o mundo continua a trabalhar em atividades remuneradas e não remuneradas, dando significativa contribuição para a prosperidade econômica de suas comunidades, apesar deste trabalho não ser valorizado. A aposentadoria numa idade determinada não tem base econômica nem biológica. Nas sociedades desenvolvidas há crescente reconhecimento de que os idosos devem ter condições para trabalhar enquanto desejarem. A faixa etária não deve impedir ou dificultar a obtenção de emprego por uma pessoa, e os benefícios da idade devem ser reconhecidos e recompensados. Nesse contexto, dentre os princípios das Nações Unidas em favor das pessoas idosas, em reconhecimento a suas contribuições às sociedades, vale lembrar que: “[...] 18. as pessoas de idade devem receber um tratamento digno, independentemente da idade, sexo, raça ou origem étnica, dependência/incapacidade e outras condições, e ser valorizadas sem que isto dependa de sua contribuição (ou capacidade) econômica” (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2003, p. 727). Pérola Melissa Vianna Braga (2005, p. 1) aborda o envelhecimento sob o enfoque econômico nos seguintes termos: Existe uma diferença muito grande entre envelhecer em países em desenvolvimento como o Brasil (com seus graves problemas econômicos) e em países do chamado primeiro mundo, como os países da Europa e os Estados Unidos. Nesses países, as condições econômicas favoráveis, além de elevarem a expectativa de vida das pessoas, ainda lhes permite chegar à idade avançada com uma maior capacidade econômica, garantindo não apenas uma vida melhor, mas uma verdadeira força dentro da sua sociedade, pois os idosos formam um grupo numeroso e influente. 162 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social Com efeito, apesar do aumento da expectativa de vida, infelizmente, muito antes dos 60 anos, o brasileiro se depara com o estigma de “velho” imposto pelo mercado de trabalho, sobretudo em virtude da “economia de mercado” e pelo fato de o Brasil ser um país subdesenvolvido de predomínio atual de jovens com alto índice de desemprego e farta mão-de-obra barata. Prova de que o estigma de “velho” para o mercado de trabalho está sendo imputado cada vez mais cedo, não só no Brasil, mas em outros países, vale registrar que o combate à discriminação do mercado de trabalho implantado nos Estados Unidos já atinge as pessoas a partir de 40 anos, pois: [...] A cada dia, a legislação americana de proteção ao idoso e ao incapacitado torna-se mais complexa, porém mais eficiente. Uma das mais importantes leis é a chamada ‘The Age Discrimination in Employment Act of 1967 (ADEA)’, que protege indivíduos, com mais de 40 anos, de discriminação do mercado de trabalho. Como estratégia de realmente fazer valer as leis e não apenas editá-las, essa Lei mencionada tem sua eficácia garantida por dois grupos: o Comitê para Iguais Oportunidades de Emprego e o Departamento de Discriminação da Idade no Trabalho. Assim, nota-se que existe uma cultura voltada para o mais importante, que é a valorização dos mais velhos na sociedade dos Estados Unidos. Porém, é importante notar que essa valorização não apenas visa os membros da tradicionalmente chamada terceira idade, mas até mesmo pessoas com 40 anos, tradicionalmente deixados de fora nas estratégias de proteção aos mais velhos, mas também discriminadas (BRAGA, 2003, p. 2). Assim, não basta que o Estatuto do Idoso estabeleça o conceito jurídico de pessoa idosa; torna-se necessária, cada vez mais cedo, a tutela dos direitos metaindividuais das pessoas consideradas “velhas” pelo mercado de trabalho. 3 TUTELA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS IDOSOS Segundo Norberto Bobbio (1992), o desafio atual, no tocante aos direitos do homem, se consubstancia na sua garantia e não mais na sua fundamentação, sendo tal problema jurídico e, num sentido mais amplo, político e não filosófico. Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 163 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo A Lei nº 10.741, de 2003 (Estatuto do Idoso), em seu Capítulo III, dispõe acerca da tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos, ou seja, dos interesses metaindividuais das pessoas idosas, que devem ser assegurados por instrumentos de tutela com vários legitimados, dentre os quais se destacam a ação civil pública e o papel do Ministério Público. Nesse sentido, os direitos metaindividuais dos idosos necessitam atualmente nem tanto de reconhecimento, mas, sobretudo, de tutela, a qual pode ser assegurada por instrumentos jurídicos e seus legitimados. 3.1 INSTRUMENTOS DE TUTELA Os instrumentos para a tutela dos direitos metaindividuais consistem no arsenal processual e procedimental apto para tal fim, que compõe o processo coletivo (SILVA, 2003). De fato, há vários instrumentos extrajudiciais e judiciais que podem ser utilizados na defesa dos direitos metaindividuais das pessoas idosas, sobretudo no âmbito da tutela coletiva: inquérito civil, termo de ajustamento de conduta, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, outras ações coletivas, etc. A ação civil pública e o termo de ajustamento de conduta estão regulamentados pela Lei n.º 7.347, de 1985. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, instituiu o mandado de segurança coletivo em seu art. 5º, LXX, bem como previu, ainda, no art. 129, o inquérito civil e a ação civil pública como uma das funções do Ministério Público. O Estatuto do Idoso, em seu art. 82, dispõe que “[...] para defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ação pertinentes” (BRASIL, 2004, p. 35). Também de acordo com o art. 74, da Lei nº 10.741 de 2003 (BRASIL, 2004, p. 33-34), compete ao Ministério Público: instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a tutela dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso, bem como zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados à pessoa idosa, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis, dentre outras tantas atribuições. 164 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social Passa-se, a seguir, a analisar, especificamente, os legitimados ativos à tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa. 3.2 LEGITIMADOS No tocante à legitimação ativa nas ações coletivas, Sandra Lengruber da Silva (2003, t. I, p. 105) destaca: [...] a opção legislativa foi a de atribuir legitimação ativa a determinados entes, os quais não agem em busca de direito próprio, mas sim em prol de interesses metaindividuais, conseqüência de que a lide não se refere à somatória dos direitos individuais. Se a lei elencou um rol taxativo quanto aos legitimados para a propositura das ações coletivas, é justamente em face da natureza das lides coletivas, nas quais não há como, por vários motivos, ingressarem em juízo todos os indivíduos materialmente lesados. A Lei nº 7.347 de 1985 (BRASIL, 2004 p. 81) em seu art. 5º (caput e incisos), prevê, para a ação civil pública, os seguintes legitimados: Ministério Público, União, Estados, Municípios, autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que esteja constituída há pelo menos um ano e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao interesse em questão. Contudo, o § 6º do referido dispositivo limitou aos órgãos públicos a legitimidade no tocante ao termo de ajustamento de conduta. Por sua vez, no que se refere aos legitimados a impetrar mandado de segurança coletivo, dispõe o texto constitucional no inciso LXX do art. 5º: LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados [...] (BRASIL, 2004, p. 81). Ademais, o art. 129 do texto constitucional destaca, dentre as funções institucionais do Ministério Público: “[...] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos [...]” (BRASIL, 2004, p. 86). Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 165 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo Nesse sentido, vale transcrever algumas decisões judiciais a respeito: PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO IDOSO – O Ministério Público possui legitimação para atuar como titular da ação civil pública para a tutela dos interesses sociais coletivos, difusos e individuais homogêneos. Se houve lesão de uma comunidade, a qual contribuiu de boa-fé para a realização de um bingo beneficente a favor de um asilo cujo desdobramento foi manifestamente ilícito, decorre, daí, inquestionavelmente, a legitimação do Ministério Público na defesa dos direitos dos consumidores e dos direitos dos idosos. Provimento da apelação. (TJPR – AC 0068316-3 (15969) – 1ª C.Cív. – Rel. Dês. Conv. Domingos Ramina – DJPR 08.03.1999) (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2003, v. 3, t. II, p. 463). ACÓRDÃO RESP 242643/SC; RECURSO ESPECIAL 1990/0115845-1 FONTE DJ DATA: 18/12/2000 PG: 00202 RSTJ VOL.: 00145 PG: 00348 RELATOR MIN. RUY ROSADO DE AGUIAR (1102) DATA DA DECISÃO 19/10/2000 ÓRGÃO JULGADOR T4 – QUARTA TURMA Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Ministério Público. Legitimidade. Ingresso gratuito de aposentados em estádio de futebol. Lazer. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa de interesse coletivo dos aposentados que tiveram assegurados por lei estadual o ingresso em estádio de futebol. O lazer do idoso tem relevância social, e o interesse que dele decorre à categoria dos aposentados pode ser defendido em juízo pelo Ministério Público, na ação civil pública. Recurso conhecido e provido (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2003, v. 3, t. II, p. 463). No tocante à legitimação para a tutela dos direitos metaindividuais das pessoas idosas, o Estatuto do Idoso prevê, expressamente, no: Art. 81. Para as ações cíveis fundadas em interesses difusos, coletivos, individuais indisponíveis ou homogêneos, consideram-se legitimados, concorrentemente: I – o Ministério Público; II – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; III – a Ordem dos Advogados do Brasil; IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre os fins institucionais a defesa dos interesses e direitos 166 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social da pessoa idosa, dispensada a autorização da assembléia, se houver prévia autorização estatutária (BRASIL, 2004, p. 34-35). Ademais, a própria Constituição Federal de 1988 consagrou o papel relevantíssimo do Ministério Público na tutela dos direitos metaindividuais, inclusive da pessoa idosa, nos arts. 127, caput, e 129, II e III. Concorda-se com o entendimento de Rodolfo de Camargo Mancuso (1997) de que do Ministério Público almeja a sensibilidade, a coragem e a criatividade para a efetiva promoção dos interesses metaindividuais. Hugo Nigro Mazzilli (2004, p. 577) em sua brilhante obra sobre a defesa dos interesses difusos em juízo, reserva um capítulo específico acerca da defesa das pessoas idosas, prelecionando que “[...] por força de sua destinação institucional, o Ministério Público deve voltar sua atenção para a tutela jurídica das pessoas idosas, até porque essa é uma condição natural que pode chegar para todos nós”. Ademais, assevera que além de instrumentos conhecidos “[...] na defesa de hipossuficientes, o que inclui a luta, até no campo penal, contra todas as formas de discriminação, ainda deve o Ministério Público empreender a defesa transindividual dos interesses dos idosos”. De fato, a atuação do Ministério Público, na sociedade contemporânea massificada, revela-se imprescindível, sobremaneira na defesa dos direitos metaindividuais da população idosa ante a discriminação do mercado de trabalho. 4 DISCRIMINAÇÃO TRABALHO ETÁRIA DO MERCADO DE O verbo discriminar significa diferenciar, distinguir, separar (AULETE, 1980). Por sua vez, o vocábulo discriminação tem origem angloamericana e, sob o prisma etimológico, quer dizer o caráter infundado de uma distinção (BARROS, 2000). Segundo Rilma Aparecida Hemetério (2005, p. 2), a não discriminação no trabalho implica imparcialidade, competência, eficiência e igualdade de oportunidades. Salienta que: Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 167 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo [...] nem toda distinção pode ser considerada discriminatória. Tratamento diferenciado embasado em inerentes requisitos para o emprego é um procedimento plenamente legítimo. Ora, a prática de uma fé particular é freqüentemente vista como pré-requisito para lecionar religião em estabelecimento educacional, pois opinião política ou religiosa pode, dentro de certos parâmetros, ser qualificação fidedigna para determinados postos. De fato, existem vários tipos de discriminação na sociedade, sobretudo no mercado de trabalho. Há quem discrimine em virtude de cor, raça, sexo, idade, etc., apesar de a Constituição Federal preconizar a igualdade de todos em seu art. 5º. A discriminação pode ser direta ou indireta, positiva ou negativa e pode ser analisada sob o enfoque do sexo, cor, raça ou idade. Nesse sentido, cumpre ressaltar que a nomenclatura e a classificação empregadas pela doutrina pátria não são uniformes. Há quem prefira a classificação em direta ou indireta. A direta implica um tratamento desigual baseado em motivos proibidos e a indireta consiste num tratamento formalmente igual, mas que produzirá efeito diferente sobre certos grupos (BARROS, 2000). Contudo o presente trabalho se restringirá a analisar a discriminação do mercado de trabalho em razão da idade avançada, optando-se por distinguir a discriminação positiva da negativa, bem como se seria o caso da criação de cotas para as pessoas ditas idosas (como há para deficientes), como política pública de inclusão social. 4.1 DISCRIMINAÇÃO POSITIVA Não é correto afirmar que toda discriminação é odiosa, pois a finalidade da regra de direito está exatamente no estabelecimento de distinções entre pessoas, coisas ou situações a fim de dar-lhes um tratamento diferenciado (BOSON, 2000). Joaquim B. Barbosa Gomes (2001) esclarece que, em alguns casos excepcionais, há hipóteses de discriminação legítima, em que o tratamento discriminatório é admitido pelo Direito, como é o caso da discriminação decorrente das necessidades inerentes ao trabalho a executar. No direito pátrio, permite-se a exigência do sexo feminino para candidatura a cargos de guardas de presídio feminino. Outro 168 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social exemplo de discriminação positiva ou ação afirmativa consiste no tratamento preferencial a um grupo historicamente discriminado, de caráter temporário e redistributivo, visando a restaurar a igualdade. No tocante às exigências baseadas em qualificações requeridas para um certo emprego, está a Convenção 111 da OIT de 1951, que certamente influenciou a Lei n.º 5.473, de 1968, sobre as sanções por discriminação à mulher. A Resolução nº 162 da Organização Internacional do Trabalho a respeito do trabalho, especificamente quanto ao trabalhador idoso, prescreve o seguinte: [...] 1) que se adapte o trabalho ao homem, mais que o homem ao trabalho; 2) que se garanta completa igualdade nas oportunidades de trabalho do idoso perante o adulto, na mesma função; 3) que sejam adotadas formas de proteção específicas nos locais onde trabalham pessoas idosas, e 4) que se assegure liberdade de escolha do momento que o indivíduo queira deixar o trabalho ativo, isto é, aposentar-se (POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO, 1998, p. 36). Nesse sentido, o direito brasileiro permite, em alguns casos, certas distinções, sobretudo com o objetivo de atender ao princípio da dignidade da pessoa humana, contudo a regra geral continua sendo o combate à discriminação negativa. 4.2 DISCRIMINAÇÃO NEGATIVA De acordo com Elida Séguin (2001, p. 39), “[...] o preconceito veste várias roupagens que vão desde a agressão física até a omissão estatal e o escárnio público, num estereótipo de que o velho só pensa em comer, dormir, reclamar e dar palpite”. A discriminação negativa e o estigma de “velho”, precocemente, por parte do mercado de trabalho, pode ocorrer antes, durante e depois da relação de emprego. A título de exemplo, cita-se o caso Western Airlines contra Criswell, em que a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu que a exigência de aposentadoria aos 50 anos para pilotos de avião constituía discriminação por idade (GOMES, 2001). Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 169 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo De acordo com Maurício Godinho Delgado (2000, p. 97), a origem da discriminação está, por vezes, no cru preconceito, ou seja, num juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em razão de uma das suas características, determinada externamente, e identificadora de um grupo mais amplo de indivíduos. Por exemplo, em virtude de cor, raça, sexo, nacionalidade, idade, dentre outros. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 em art. XXIII já dispunha que “1) Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego” (POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO, 1998, p. 36). A Organização Internacional do Trabalho também condena a discriminação do mercado de trabalho, sobretudo na Convenção nº 100, de 1951, sobre a igualdade de remuneração, e na de nº 111 de, 1958, contra qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por fim destruir ou modificar a igualdade de oportunidade ou tratamento em matéria de emprego ou profissão. A Constituição brasileira veda a discriminação etária em seu art. 3º, IV, estipulando, expressamente, como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “[...] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 2004, p. 74). Noutras palavras, discriminar significa excluir, negar cidadania e a própria democracia, pois não se trata de eliminar as diferenças, mas de se obter a igualdade (ARNS, 2000). No mesmo sentido, a Lei n.º 8.842, de 4 de janeiro de 1994, estabelece que a política nacional do idoso reger-se-á por vários princípios, dentre eles, o seguinte: “[...] III – o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza.” (ARNS, 2000, p. 135). Apesar da proibição constitucional e infraconstitucional, resta evidente que os idosos sofrem discriminação no Brasil, sendo esse o entendimento da doutrina pátria. Para Dalmo de Abreu Dallari (2003), o idoso é, antes de tudo e essencialmente, uma pessoa humana. No entanto, por incompreensão, insensibilidade ou egoísmo, muitas vezes a pessoa idosa é tratada com menosprezo, é discriminada ou marginalizada, sendo vítima de 170 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social um tratamento agressivo ou desatencioso, sofrendo discriminação e marginalização, negando-se a ela o mínimo de respeito devido a qualquer pessoa humana. Quando se nega ao idoso a oportunidade de conviver sem discriminações na vida social e de procurar utilizar o máximo de suas faculdades, para o trabalho, o estudo, o esporte, o lazer e outras atividades por meio das quais as pessoas se realizam como tal, está ocorrendo uma ofensa à ética e ao direito, havendo fundamento, inclusive, para invocar a proteção das autoridades públicas. Hugo Nigro Mazzilli (2004, p. 570) destaca: Além dos problemas naturais decorrentes das limitações físicas e até mentais que a idade avançada pode trazer, as pessoas idosas ainda costumam sofrer discriminações e preconceitos. Não são raros os casos em que são abandonadas pela própria família ou esquecidas em asilos ou clínicas; o planejamento econômico e social dificilmente leva na devida conta suas necessidades peculiares; o mercado de trabalho as recusa. Ora, conforme o art. 230 da Carta Magna, “[...] a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida” (BRASIL, 2004, p. 91). Portanto é certo que os empresários – como membros da sociedade – também têm o dever de garantir a participação dos idosos no mercado de trabalho, possibilitando, assim, a integração social, autonomia, sua cidadania plena, respeitando o princípio da dignidade humana e o direito à vida. A Constituição de 1946 previa, em seu art. 157, II, a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil. Já a Carta Magna de 1967 suprimiu os fatores discriminatórios idade e nacionalidade em seu art. 158, III: “[...] proibição de diferença de salários e de critérios de admissões por motivo de sexo, cor e estado civil”. Com efeito, resta evidente que o mercado de trabalho brasileiro rejeita as pessoas idosas em frontal e direto desrespeito ao texto constitucional de 1988 que, no art. 7º, prevê “[...] XXX – proibição de Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 171 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” (BRASIL, 2004, p. 82). Ademais, no País há outras normas que combatem a discriminação do mercado de trabalho, podendo-se citar: a Lei nº 9.029, de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho; e a Lei nº 9.799, de 1999, que alterou os arts. 373, 390 e 392 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ora, com a velhice, aumentam os riscos de se manifestarem doenças crônicas que podem resultar em incapacidade, isolando e excluindo a pessoa idosa do contexto social. De fato, o etarismo deve ser combatido, pois é necessário reconhecer o potencial das pessoas com mais idade, que constituem um recurso valioso (SÉGUIN, 2001). Para Rilma Aparecida Hemetério (2005), a discriminação no emprego ou ocupação pode ser indireta ou direta. A primeira ocorre quando pessoa de certa raça, cor, sexo, etnia ou faixa etária é colocada em desvantagem, de maneira desproporcional, relativamente ao outro grupo ou indivíduo, pela adoção de exigências desnecessárias para o desenvolvimento de uma atividade. Por exemplo, pode-se citar a requisição de conhecimento de uma língua específica, quando esta não é necessária para o exercício das funções. Por outro lado, a discriminação direta se revela em atos ou procedimentos direcionados a prejudicar um membro de um agrupamento social. É o caso de anúncios de emprego que usam expressões como “bem apessoada” e “boa aparência”, pois são desestimulantes e tendem a excluir pessoas além de uma certa idade, cor, raça ou condição social. Tendo em vista que, infelizmente, a discriminação etária pelo mercado de trabalho, no Brasil, é uma realidade, ainda que localizada, cabe analisar a viabilidade da implantação de ações afirmativas consubstanciada na criação de cotas. 4.3 CRIAÇÃO DE COTAS COMO POLÍTICA PÚBLICA DE INCLUSÃO SOCIAL Ações afirmativas são políticas e mecanismos, cujos pioneiros foram os Estados Unidos, de inclusão concebidos por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, 172 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social buscando a concretização do objetivo constitucional universalmente reconhecido da efetiva igualdade de oportunidades. Já as cotas são tão-somente uma das maneiras de implementação de políticas de ação afirmativa (GOMES, 2001). De fato, no caso de efetiva discriminação etária cometida pelo mercado de trabalho, torna-se necessária a implantação de ações afirmativas consubstanciadas em política pública, visando à inclusão social, a promover a igualdade de oportunidades e à restauração do equilíbrio etário. No entender de Elida Séguin (2001, p. 63): As políticas públicas para idosos devem primordialmente promover o bem-estar dos idosos, sua integração social e a solidariedade entre gerações, tendo em mente os padrões já estabelecidos pelo plano de Ação Internacional do Envelhecimento e pelas convenções, recomendações e resoluções da Organização Internacional do Trabalho, as da Organização Internacional da Saúde e outras entidades das Nações Unidas. Para combater a discriminação sofrida pelas pessoas tidas como “velhas” pelo mercado de trabalho, aparece como solução plausível, a implantação de ações afirmativas, no sentido de criar cotas, como política pública de inclusão social, como já há garantido para as pessoas com necessidades especiais. O art. 5º, § 2º da Lei 8.112, de 1990 que rege o Regimento Jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações pública separa até 20% das vagas para as pessoas portadoras de deficiência, desde que as atribuições sejam compatíveis com a deficiência. Nessa mesma linha, o art. 93 da Lei nº 8.213, de 1991, estabeleceu um percentual mínimo para beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, nos seguintes termos: Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco) por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I – até 200 empregados ...................2% Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 173 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo I – de 201 a 500 ...............................3% III – de 501 a 1.000 ..........................4% IV – de 1.001 em diante ...................5% §1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final do contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. §2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados. Nesse diapasão, os deficientes têm, de certa forma, já assegurados pela lei seu trabalho e seu conseqüente sustento, ao contrário das pessoas idosas que continuam a sofrer discriminação do mercado de trabalho e, uma vez desempregadas, vivem à margem da sociedade, inclusive perdendo sua dignidade. Assim, não foi dada a necessária efetividade ao disposto no art. 10 da Lei n.º 8.842 de 1994, IV, “[...] a) garantir mecanismos que impeçam a discriminação do idoso quanto a sua participação no mercado de trabalho, no setor público e privado; [...]” (BRASIL, 2004, p. 138). Com efeito, em 2003, a Lei n.º 10.741 estabeleceu: “Art. 26. O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas” (BRASIL, 2004, p. 23). Contudo o Estatuto do Idoso não estipulou mecanismos efetivos a fim de evitar a discriminação do idoso quanto à sua participação no mercado de trabalho, limitando-se a prevê o seguinte: Art. 27. Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir. Parágrafo único. O primeiro critério de desempate em concurso público será a idade, dando-se preferência ao de idade mais elevada. Art. 28. O Poder Público criará e estimulará programas de: I – profissionalização especializada para os idosos, aproveitando seus potenciais e habilidades para atividades regulares e remuneradas; II – preparação dos trabalhadores para a aposentadoria, com 174 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social antecedência mínima de 1 (um) anos, por meio de estímulo a novos projetos sociais, conforme seus interesses, e de esclarecimento sobre os direitos sociais e de cidadania; III – estímulo às empresas privadas para admissão de idosos ao trabalho (BRASIL, 2004, p. 23-24). Ademais, Flávio da Silva Fernandes (1997) cita que, dentre os princípios das Nações Unidas em favor das pessoas de idade, está o da independência, segundo o qual os idosos devem ter acesso à alimentação, água, moradia, vestimenta e atenção à saúde adequados, por meio de recurso (renda), apoio de suas famílias, da comunidade e da sua própria auto-suficiência. Ou seja, prevê a participação dos particulares na realização dos direitos da população idosa. Ora, como bem destaca Antonio E. Perez Luño (2004, p. 25): No horizonte do constitucionalismo atual os direitos fundamentais desempenham, portanto, uma dupla função: no plano subjetivo seguem atuando como garantias da liberdade individual, se bem que a este papel clássico se acrescenta a defesa dos aspectos sociais e coletivos da subjetividade, enquanto que no objetivo assumiram uma dimensão institucional a partir da qual seu conteúdo deve funcionar para a consecução dos fins e valores constitucionais proclamados (tradução nossa). De fato, a proposta de criação de cotas ou vagas reservadas para pessoas idosas se trata de uma ação afirmativa recomendada no setor público ou privado, com o fito de atribuir um tratamento especial aos idosos, temporariamente, sobretudo onde não houver um equilíbrio no mercado de trabalho, de modo a promover a igualdade de oportunidades. Com efeito, as ações afirmativas já não objetivam o reconhecimento da igualdade de tratamento, mas os meios necessários a fim de torná-la efetiva (BARROS, 2000). Vale registrar que as cotas, como um dos modos de ações afirmativas, devem ser instituídas sempre em caráter temporário e a título corretivo, sendo delimitadas no tempo e objetivando eliminar uma situação pontual e inequívoca de discriminação (GOMES, 2001). A Portaria do Ministério da Cultura nº 484, publicada no Diário Oficial da União de 27 de agosto de 2002, que institui o Programa Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 175 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo de Ações Afirmativas do Ministério da Cultura, com alcance às suas entidades vinculadas, determina a participação (fixando proporções) de afro-descendentes, mulheres e pessoas portadoras de deficiência. Nada dispôs sobre as pessoas idosas. Todavia, tal norma esclarece que “[...] ação afirmativa constitui um dos instrumentos de promoção da cidadania e da inclusão social, possibilitando a garantia de todos os cidadãos brasileiros dos direitos consagrados na Constituição Federal e na legislação ordinária [...]”. Ante o notório crescimento da população idosa mundial e brasileira, revela-se necessária a tutela dos direitos metaindividuais dos idosos, por meio da criação de vagas reservadas para pessoas idosas, pelo menos no setor privado, de modo a se lutar contra a discriminação do mercado de trabalho. No ensejo, cumpre registrar que um jornal de grande circulação no Estado do Espírito Santo (MAIOR DE 35 ANOS..., 2005, p. 16) realizou uma pesquisa questionando se “Maior de 35 anos deve ter emprego garantido?” Das seis pessoas entrevistadas de quatro Estados brasileiros, 83,33% (ou seja, cinco pessoas) responderam “sim”, justificando, inclusive, seu posicionamento; a única pessoa que respondeu “não” concorda com a reserva de vagas para maiores de 50 anos. Ou seja, muitos concordam com a criação de cotas. Pesquisa de campo parecida foi realizada, exclusivamente, para subsidiar o presente trabalho, conforme se verá a seguir. 5 RESULTADO E ANÁLISE DA PESQUISA DE CAMPO REALIZADA EM VITÓRIA Foram entrevistadas, por amostragem, 60 pessoas, entre homens e mulheres acima de 40 anos, de diferentes classes sociais, profissões e bairros do município de Vitória, Capital do Estado do Espírito Santo. Cumpre registrar que, antes de iniciar a entrevista a respeito das quatro perguntas fechadas relativas ao tema, a entrevistadora registrava: o nome da pessoa, idade, sexo, bairro, estado civil, profissão, e também indagava se estava desempregado, se estava aposentado, se recebia algum benefício do INSS, se tinha CTPS assinada. 176 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social O resultado das perguntas propriamente ditas, quanto à temática em tela, foi: 1) As pessoas idosas sofrem discriminação ao buscar por trabalho? ( ) Sim ( ) Não NÃO 5% SIM 95% Figura 1 – Discriminação idosos na busca por trabalho 2) É mais difícil para uma pessoa conseguir trabalho com Carteira assinada acima de quantos anos? ( ) 40 ( ) 50 ( ) 60 60 anos 25% 40 anos 50% 50 anos 25% Figura 2 – Dificuldade do idoso em conseguir trabalho de carteira assinada 3) Você é a favor da criação de cotas (vagas reservadas) para pessoas com mais idade em empresas com mais de 100 empregados? ( ) Sim ( ) Não Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 177 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo NÃO 8% SIM 92% Figura 3 – Criação de cotas para idosos em empresas com mais de 100 empregados 4) A criação de cotas (vagas reservadas) deveria ser para pessoas acima de quantos anos? ( ) 40 ( ) 50 ( ) 60 60 anos 5% 50 anos 33% 40 anos 62% Figura 4 – Faixa etária para criação de cotas O resultado das questões propriamente ditas da entrevista, quanto à temática, foi o seguinte: com relação à primeira, quase a unanimidade, 95% dos entrevistados, respondeu que sim, os idosos sofrem discriminação ao buscar por trabalho. Quanto à segunda, 50% entendem que, com apenas 40 anos de idade, já é muito difícil conseguir trabalho com Carteira de Trabalho assinada. No tocante à terceira, 92% dos entrevistados se mostraram a favor da criação de cotas (vagas reservadas) para pessoas com mais idade, em empresas com mais de 100 empregados. Complementando tal indagação, ao 178 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social responderem ao último questionamento, 62% disseram que a criação de cotas deveria ser para maiores de 40 anos. A partir da análise dos dados e do resultado da pesquisa de campo realizada, por amostragem, no município de Vitória, Capital do Estado do Espírito Santo, pode-se concluir que a pessoa idosa sofre discriminação do mercado de trabalho, que se fecha cada vez mais cedo, tendo sido constatado que, a partir dos 40 anos de idade, a pessoa já não consegue obter um emprego formal tão facilmente. De igual modo, foi aprovada a criação de cotas para os mesmos maiores de 40 anos, já considerados “velhos”, sendo certo que alguns entrevistados acrescentaram que deveriam ser para novas vagas em setores em que de fato ocorra discriminação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dentre os direitos humanos, encontram-se os direitos fundamentais relativos à tutela das pessoas idosas, conforme consta, expressamente, no Programa Nacional de Direitos Humanos. Logo, devem ser tutelados, independentemente de qual seja a dimensão (primeira, segunda ou terceira), pois se deve buscar agregar e ampliar o leque de proteção à pessoa humana e não excluir direitos. Os direitos metaindividuais dos idosos podem ser considerados direitos fundamentais, na medida em que o ordenamento jurídico pátrio prestigia a tutela da população idosa, como se verifica nos arts. 229 e 230 da Constituição da República, que também prevê, em seu art. 5º, o princípio da igualdade, e no 3º, I, o da solidariedade, afastando a posição individualista retrógrada, sobretudo ao estabelecer, no inciso IV, a promoção do bem a todos, não admitindo qualquer discriminação etária, como faz o mercado de trabalho com as pessoas idosas. No Brasil, de acordo com o art. 1º do Estatuto do Idoso, Lei nº. 10.741, de 2003, considera-se idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Contudo, apesar de o número de idosos estar crescendo a cada dia no País e no mundo, resta patente que o mercado de trabalho brasileiro, para esse segmento da população, está se fechando cada vez mais cedo. De fato, o Brasil, até em virtude da “economia de mercado”, Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 179 Carlos Henrique Bezerra Leite / Sofia Varejão Filgueiras / Daniela Cristina Abreu Jove de Araujo do predomínio atual de jovens, do alto índice de desemprego e da oferta abundante e barata de-mão-de obra, infelizmente, muito antes de 60 anos, por vezes com apenas 40 anos, o brasileiro já se depara com o estigma de “velho” para o trabalho. Em caso de discriminação pelo mercado de trabalho, cabe registrar que o Estatuto do Idoso dispõe sobre a proteção dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos, isto é, dos interesses metaindividuais das pessoas idosas, sendo assegurados por instrumentos de tutela com vários legitimados, dentre os quais se destacam a ação civil pública e o papel do Ministério Público. A partir da análise dos dados e do resultado da pesquisa de campo realizada, por amostragem, no município de Vitória, Capital do Estado do Espírito Santo, pode-se concluir que a pessoa idosa sofre discriminação do mercado de trabalho, que se fecha cada vez mais cedo, tendo sido constatado que, a partir dos 40 anos de idade, a pessoa já não consegue obter um emprego formal. Com efeito, apesar de existirem tipos de discriminação negativa e positiva, a rejeição do idoso pelo mercado de trabalho é condenada pelo ordenamento pátrio e também pela Organização Internacional do Trabalho, devendo ser garantida igualdade de oportunidades de trabalho, sem discriminação por motivo de idade. De modo a minimizar o problema da discriminação etária existente no mercado de trabalho, de acordo com a pesquisa de campo realizada no município de Vitória, sugere-se, a exemplo do que ocorre com as pessoas portadoras de necessidades especiais, a implantação de criação de cotas, sobretudo nas empresas com mais de 100 empregados. Tais vagas seriam destinadas às pessoas a partir dos 40 anos. Trata-se de verdadeira ação afirmativa recomendada com o fito de atribuir um tratamento especial às pessoas idosas, ou assim consideradas, ainda que, temporariamente, nos setores em que se constatar discriminação, de modo a promover a igualdade de oportunidades e a restauração do equilíbrio etário. Por fim, resta evidente que é indispensável a tutela e a integração da crescente população idosa, sendo esse o caminho para uma sociedade mais solidária e igualitária. Para tanto, revela-se necessária a concretização dos direitos metaindividuais dos idosos, a fim de possibilitar o exercício da cidadania plena. 180 Depoimentos, Vitória, n. 13, p. 153-183, jan./jun. 2008 A tutela dos direitos metaindividuais da pessoa idosa: A discriminação do mercado de trabalho no município de Vitória e a necessidade de criação de cotas como Política Pública de Inclusão social REFERÊNCIAS ARNS, Cardeal Dom Paulo Evaristo. Para que todos tenham vida. 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