Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer
Lei das
organizações
sociais no Rio
de Janeiro e
as políticas de
esportes: primeiras
aproximações
Resumo
O tema das políticas nas áreas de esporte, educação física e lazer tem recebido muita atenção na atualidade. Este projeto pretende investigar os desdobramentos no Programa Vilas Olímpicas da Prefeitura da cidade do Rio
de Janeiro, na gestão desses equipamentos a partir da aprovação da Lei
nº 5.026 de 19 de maio de 2009. Tal lei, e seu posterior decreto de regulamentação, viabilizou a qualificação de organizações privadas sem fins de
lucros como Organizações Sociais. Tais ordenamentos permitiram à municipalidade estabelecer contratos de gestão com tais organismos para executar políticas sociais nas áreas de pesquisa científica, e desenvolvimento
tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, bem como cultura,
saúde e esporte, conforme expresso no artigo 1º da referida lei. Os objetivos
específicos são a compreensão de como está sendo o processo de implantação das Organizações Sociais no Programa Vilas Olímpicas no Rio de Janeiro: Como se deu a seleção das Organizações? O que isso implicou para o
cotidiano de trabalho na área de esportes e educação física? Como se dá a
relação entre estatal e privado nessas políticas? Em função disso, o debate
estará na gestão das políticas de esportes em tempos de redefinição do
papel do Estado na atual fase do capitalismo e suas especificidades numa
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formação social como a brasileira. Para tal será empreendido um esforço teórico de aproximação das discussões acerca das políticas de esportes
Introdução
O objetivo deste texto é dar os primeiros passos na pesquisa acerca dos desdobramentos das políticas de esportes e lazer da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente de seu Programa “Vilas Olímpicas”. Nosso interesse
estará na gestão desses equipamentos a partir da aprovação da Lei nº 5.026 de
19 de maio de 2009, regulamentada pelo decreto nº 30.780 de 02 de junho de
2009, que viabilizou a qualificação de organizações privadas sem fins de lucros
(juridicamente nomeadas como associações ou fundações e vulgarmente conhecidas como sendo parte do chamado “terceiro setor”) como Organizações
Sociais. Tais ordenamentos jurídicos permitiram à municipalidade estabelecer
contratos de gestão com tais organismos para executar políticas sociais nas
áreas “dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura, à saúde e ao esporte
[...]” (RIO DE JANEIRO, 2009, p. 1; grifo nosso), conforme expresso no artigo
1º da referida lei. Em função disso, o debate estará na gestão das políticas de
esportes em tempos de redefinição do papel do Estado na atual fase do capitalismo e suas especificidades numa formação social como a brasileira. Para tal
será empreendido um esforço teórico de aproximação das discussões acerca
das políticas de esportes.
O tema das políticas nas áreas de esporte, educação física e lazer tem recebido
muita atenção na atualidade. Isso implica a sua presença de formas variadas
na dinâmica da vida social. Especialmente no âmbito da universidade, tal fato
desdobra-se na realização de pesquisas, consolidação de trabalhos, criação de
disciplinas na graduação e na pós-graduação voltadas à temática. Tal ponto implica a configuração de estudos acerca das intervenções estatais – independente do âmbito federativo –, ações executadas por organismos na sociedade civil,
encaminhamento de diretrizes por organismos internacionais, dentre outras
temáticas que emergem da prática social.
Considerando o texto da lei das Organizações Sociais da Prefeitura do Rio de
Janeiro – Lei nº 5.026/09 – afirma que os contratos de gestão – mecanismo
contratual entre organização social e PMRJ com vistas a gerir as unidades Vilas
Olímpicas –, as prestações de contas anuais, bem como as metas e avaliação
de desempenhos, são documentos que devem ser publicados em Diário Oficial,
não vislumbramos grande dificuldades na obtenção dos dados necessários à
investigação. Ao mesmo tempo, pretende-se realizar entrevistas com gestores
públicos da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer e com alguns dirigentes e
conselheiros de Organizações Sociais.
Reafirmamos ser esse texto uma versão inicial desse projeto.
Esportes, lazer e políticas sociais
Mesmo quando não explicitado, qualquer debate acerca das políticas sociais tem
como substrato uma determinada concepção de Estado, bem como de funções,
atribuições, papéis e relações com os grupos e classes que compõem essa sociedade. Sendo esse debate travado sob relações sociais capitalistas, a natureza de classe do Estado condiciona a execução das políticas gestadas pelo
bloco no poder. O papel desempenhado pela aparelhagem estatal no processo
de consecução dos interesses contraditórios e antagônicos das classes sociais
fundamentais – e também das frações dessas classes – constrange o debate
acerca das políticas sociais a problematizar seu papel na ordem social. Esse caminho pretende abordar o papel do Estado, sua relação com os organismos na
sociedade civil, como parte das tensas relações sociais que fundam e marcam
inseparavelmente a sociedade capitalista.
Na correlação de força na atual fase do capitalismo, nota-se que o campo dos
esportes mostra-se como lugar privilegiado de manifestação dos elementos
concernentes aos aspectos centrais da exploração. A privatização das instalações públicas, a utilização do fundo público como garantidor a priori do lucro, a
precarização das intervenções estatais garantidoras de direitos, a delegação da
execução das políticas públicas para organismos como ONGs, fundações e associações não deixam de estar presentes nas políticas de esportes (Melo, 2011).
Numa sociedade como a capitalista, em que as classes sociais estão em luta em
todo momento, mesmo que apenas em algumas circunstâncias isso assuma a
forma de confronto velado, a oferta estatal de políticas sociais será decorrente
de uma série de fatores relacionados a luta entre e intra classes sociais. Em cada
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caso concreto notam-se perspectivas das políticas sociais que possam conjugar
um papel de regulador desses mesmos conflitos de classes (ou de outras naturezas), à busca de legitimação e consenso das frações dominantes do bloco
no poder, ao mesmo tempo respostas às pressões sistemáticas de movimentos
sociais da classe trabalhadora por ampliação da ação estatal na oferta dessas
políticas. Simultaneamente as políticas sociais estão relacionadas às questões
mais propriamente econômicas no sentido da busca (infrutífera em longo prazo,
mas potencialmente eficaz em alguma configuração sociotemporal concreta)
por obstar às leis tendenciais da queda da taxa de lucro. Além disso, a garantia
mínima de reprodução da força de trabalho e o papel disso na manutenção/ampliação da produtividade do trabalho também estão relacionados com a oferta
de políticas sociais de diversos tipos (BHERING; BOSCHETTI, 2007).
É lícito afirmar que há uma grande aproximação entre a luta dos trabalhadores
por maior acesso às políticas sociais, no sentido de socializar o conjunto da
produção material e simbólica da humanidade, repartidas desigualmente nas
sociedades capitalistas, e a possibilidade de vivências esportivas e/ou de lazer.
Como parte do conjunto das intervenções estatais no campo das políticas sociais em diversas formações sociais, questões concernentes aos esportes foram
se fazendo presentes. Isso implica a vivência das modalidades esportivas no
momento do não trabalho, incidindo em uma série de ordenamentos na vida social. Seja na oferta de locais e pessoal especializados (quadras, campos, pistas,
piscinas; professores, treinadores), seja na garantia da possibilidade efetiva de
usufruto disso, os esportes têm estado presentes nas relações sociais capitalistas de diversas formas.
A compreensão das mudanças contemporâneas da lógica de atuação do bloco
no poder demanda uma abordagem histórica do desenvolvimento capitalista
recente no Brasil e no mundo. O que se convenciona chamar de neoliberalismo,
buscando expressar a face atual da dominação de classe, nos leva a reconhecer profundas modificações nas relações sociais capitalistas em múltiplas dimensões, abarcando os processos de mundialização do capital e sua paulatina
financeirização, mediante a promoção do chamado ajuste estrutural. Isso leva
às já previsíveis consequências em termos de concentração de renda, aumento da pobreza e desigualdade, e o explodir de crises financeiras e econômicas
frequentes em diversos cantos do globo ao longo dos últimos anos, culminando
com a chamada crise global de 2008 (HARVEY, 2008). Ao mesmo tempo, e como
expressão direta disso, altera de tal forma a correlação de forças em favor do
bloco dominante, intensificando as possibilidades exploratórias sobre o trabalho e sobre a natureza.
A hegemonia capitalista neoliberal demanda clareza na definição para expressar que seguimos em plena realização desse projeto dominante no Brasil e em
grande parte do mundo. Buscando explicar as faces com que o capitalismo neoliberal buscou se apresentar, David Harvey (2008, p. 12) afirma que essa nova
fase do capitalismo é tomada como:
uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano só pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidade
empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional carac­
terizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre
comércio.
As indicações da necessidade de uma Reforma do Estado como suposto mecanismo de modernização da atuação estatal foi traduzido concretamente em
elementos que viabilizaram novas relações entre organismos privados e a aparelhagem estatal. No campo das políticas sociais – e aqui localizamos as intervenções estatais no campo dos esportes – tal mecanismo gerou o eufemismo de
ações não exclusivas do Estado para diversas áreas. Logo no início do mandato
de FHC, foi criado o Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare),
com o objetivo de promover uma ampla reforma da aparelhagem estatal quanto
à sua estrutura e funcionamento, e cujo titular era Luiz Carlos Bresser Pereira.
Havia uma constante ênfase na necessidade de modernizar a administração pública brasileira, tornando-a o que foi chamado de uma administração gerencial
(MELO, 2011).
Começa-se a difundir a expressão “terceiro setor” para expressar tais organismos,
que seriam supostamente voltados para o “interesse público”. Também se fala
em organismos privados, porém públicos, ou públicos não estatais. Isso demandaria, segundo seus defensores, a ampliação do sentido de público para além
de puramente estatal. Esses organismos seriam eficazes, inovadores, econômicos e capazes de agir em áreas que o Estado se mostrou incapaz (MELO, 2011).
Disso, desdobrou-se a defesa da delegação da execução dos chamados serviços não exclusivos do Estado para organismos na/da sociedade civil, conheciSesc | Serviço Social do Comércio
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dos como organismos públicos não estatais. Na verdade, juridicamente seriam
associações civis sem fins lucrativos, voltadas para atividades filantrópicas, culturais e de assistência. Assim, sob esse eufemismo abre-se mais uma brecha
para a privatização das políticas públicas, seja pela mercantilização de direitos,
agora travestidos como serviços, ou pelo processo de filantropização. Essa ampliação do privado na execução de políticas públicas acompanha também os
processos de precarização e focalização, indicando tanto a perda de qualidade
dos programas pelo contingenciamento e pela lógica de mercado no processo,
e também a destituição do caráter universal das políticas públicas em nome
de atendimento seletivo aos comprovadamente pobres. A culminação disso no
Governo FHC foi a aprovação das chamadas leis das Organizações Sociais (OS,
Lei nº 9.637-98) e lei das Organizações da sociedade civil de Interesse Público
(Oscips, Lei nº 9.790-99). Tais mecanismos foram sendo desdobrados em legislações e decretos regulamentadores em diversos estados e municípios pelo país
ao longo dos anos 2000 – já no Governo Lula-PT – como forma de operacionalizar políticas em diversos âmbitos fortemente assentados nos pressupostos do
projeto neoliberal.
capital não deixa de incidir nas políticas de esportes. Daflon e Berta (2009) pinçam um dado do Censo Escolar revelador acerca da realidade das escolas públicas cariocas e fluminenses. De um total de 1.781 unidades públicas de educação básica (estaduais e municipais) na cidade do Rio de Janeiro, 803 (45%) não
possuem quadra de esportes. Considerando que somente 8,8% dos alunos da
rede municipal estão matriculados em alguma atividade oferecida pelas 7 Vilas
Olímpicas municipais, isso implica um considerável número de crianças e adolescentes na cidade de Rio de Janeiro alijados da prática esportiva a contento.
Em relação ao conjunto do Estado, envolvendo as escolas do diversos municípios e as unidades estaduais, esse percentual aumenta. De um total de 6.570
unidades, 3.871 (58,4%) das escolas não possuem quadras de esportes. Além
disso, a reportagem também destaca que o fato de terem quadra não resolve o
problema, visto o estado de má conservação em várias, ainda que nesse caso
não tenha detalhada o percentual das quadras em mau estado de conservação
(Daflon e Berta, 2009). Especificamente quanto às escolas da rede municipal,
Daflon e Berta (2009) afirma que das 1.063 escolas, 441 (42%) das escolas não
possuem quadras.
Longe de concordarmos com a tese de que o Estado se ausenta para que organismos privados assumam a execução, apontamos que isso é parte central do
processo, conjugado com uma série de iniciativas correlatas como a precarização no mundo trabalho, a diminuição da capacidade executora do Estado. A
emergência de tantas ações sociais privadas indica uma nova estratégia educativa das classes dominantes brasileira e mundial para educar o consenso de
amplos setores da população. Fica explícito que longe de retirar-se, o bloco no
poder, mediante uma série de incentivos legais como financiamento direto ou
isenções fiscais, conduz o Estado a ser partícipe de todo o processo. Afirmar
que tais organizações atuariam num suposto vácuo deixado pela omissão estatal, ou que justamente por isso é que tais organismos se veem impelidos a agir
significa não situar a emergência da atuação de organismos privados como
pretensos substitutos da aparelhagem estatal na execução de políticas públicas
como parte central do projeto capitalista neoliberal em nosso tempo, como bem
demonstram as experiências presentes em Neves (2005).
A precarização das políticas sociais como substrato do projeto capitalista neoliberal de viabilização do fundo público como garantidor a priori da lucratividade do
O programa Vilas Olímpicas e as
organizações sociais
Com a nova configuração da sociedade civil nos anos 1980 e posterior desdobramento do projeto neoliberal no país, as iniciativas no âmbito dos esportes
também são influenciadas por esse processo. Começam a ganhar força os chamados “projetos sociais” ou programas de Iniciação Esportiva para crianças e
jovens, principalmente em bairros pobres.
O termo “Vila Olímpica” foi consagrado a partir da experiência da Escola de Samba Mangueira. Vila Olímpica tornou-se sinônimo de projeto de esportes e lazer
em bairros pobres e favelas. No imaginário coletivo presta-se a duas funções: a
primeira, preparar as novas gerações de atletas do futuro, sendo uma espécie
de “celeiro” de novos talentos; e a segunda, representaria uma forma de “afastar” os jovens da criminalidade e das drogas, através da prática esportiva (Melo,
2005).
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Esses sentidos e “funções” que teriam as Vilas Olímpicas lhes são atribuídos
diariamente nos principais meios de comunicação e também em manifestações públicas de seus dirigentes. Longe de aceitá-las sem questionamento é
importante compreendermos como esse discurso é bem recebido na sociedade, representando quase uma fórmula inconteste: “jovem que pratica esporte
não se envolve com drogas”, ou ainda “o esporte é importante para afastar os
jovens do mundo do crime”. A partir desses argumentos salvacionistas, as
Vilas Olímpicas são pensadas como um modelo de política pública de esporte
para a juventude pobre no Rio de Janeiro, ganhando grande destaque no fim
dos anos 1990 e início dos anos 2000 (Melo, 2005). A partir daí, a Prefeitura do
Rio de Janeiro encampa o programa pioneiro localizado na favela da Maré –
posteriormente chamado Vila Olímpica da Maré – e vai ampliando para outros
locais na cidade.
A ideia é que tais programas sirvam como espaço de oferta de ações esportivas e
artísticas como parte de uma política de lazer. Em alguns casos, acabam indo
além, possuindo também ações de reforço escolar e assistência social de uma
forma geral, além de ações no campo do esporte de rendimento com equipes
específicas.
No início da década 2000 as Vilas Olímpicas eram geridas a partir de convênios
entre a PMRJ e a algumas federações esportivas cabia à contratação de profissionais administrativos e pedagógicos. Isso foi objeto de diversas polêmicas e
questionamentos tanto do Ministério Público quanto do Tribunal de Contas do
Município (PMRJ/TCM, 2004).
Tendo em vista tais questões, bem como a chegada de um novo bloco no poder em 2009 – representado pela vitória de Eduardo Paes e do PMDB –, houve uma atualização de aspectos centrais da lógica de atuação do Estado com
pressupostos neoliberais. Isso foi vislumbrado na apresentação pelo executivo
municipal e aprovação pelo legislativo de um projeto de lei – desdobrado na Lei
nº 5.026/2009 de 19 de maio – em que visa dispor sobre a qualificação de organizações na sociedade civil (associações ou fundações) como ORGANIZAÇÕES
SOCIAIS, o que as habilita a realizar contratos de gestão com o executivo municipal para gestão de políticas sociais em algumas áreas específicas. Isso passou
a viabilizar a cessão, por parte da PMRJ, da gestão de uma série de equipamentos públicos para essas organizações privadas, que foram qualificadas como
Organizações sociais por uma comissão da PMRJ, a Comissão de Qualificação
de Organizações Sociais (COQUALI).
No caso específico do Programa Vilas Olímpicas a cessão desses equipamentos
públicos às organizações privadas, que receberam a referida qualificação de
OS, encontrou mais um mecanismo jurídico de viabilização dessa modalidade
de privatização das políticas sociais. O chamado contrato de gestão irá ordenar
essa relação entre o ente municipal e a organização privada que recebeu a dita
qualificação como OS. Seguindo o texto da Lei nº 5.026 (RIO DE JANEIRO, 2009)
há, no artigo 2º, Parágrafo I, item F, a obrigatoriedade de publicação anual em
Diário Oficial tanto dos relatórios financeiros como do relatório de execução do
referido contrato, assim como a integralidade do contrato de gestão (artigo 6º).
O contrato de gestão obriga a constar (RIO DE JANEIRO, 2009a, art. 7º, parágrafos I e II) a especificação do programa de trabalho proposto pela OS, com metas
estipuladas e prazos para obtenção dessas metas e de execução. Além disso,
também há a obrigatoriedade de “estipulação dos limites e critérios para despesas com a remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas
pelos dirigentes e empregados das Organizações Sociais, no exercício de suas
funções” (PMRJ, CMRJ, 2009). Isso implica a possibilidade de conhecer a fundo
o cotidiano da execução dessas políticas não só no campo do esporte.
A partir disso, a contratação de trabalhadores passa a ser responsabilidade da
organização social que administra o equipamento. A despeito de tratar-se de
uma ação estatal, tal mecanismo legal abre possibilidades de execução da política pública Vila Olímpica sem a atuação de servidores públicos, bem como
não obrigar a realização de concurso público para essa contratação. Isso abre
portas para relações personalistas no trato da coisa pública.
Na atualidade (maio de 2013) a PMRJ aponta em sua página na internet1 a existência de 10 Vilas Olímpicas na cidade do Rio de Janeiro, que foram sendo criadas
ao longo das décadas iniciais do século XXI. Essas vilas Olímpicas são:
1. Vila Olímpica da Maré, no bairro de mesmo nome
2. Vila Olímpica Carlos Castilho, no bairro de Ramos (Complexo do Alemão)
3. Vila Olímpica Jornalista Ary de Carvalho, no bairro de Vila Kennedy
4. Vila Olímpica Professor Manoel José Gomes Tubino, no bairro de Mato Alto
(Jacarepaguá)
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5. Vila Olímpica Mestre André, no bairro de Padre Miguel
6. Vila Olímpica Clara Nunes, no bairro de Fazenda Botafogo
7. Vila Olímpica Oscar Schmidt, no bairro de Santa Cruz
8. Vila Olímpica da Gamboa, no bairro de mesmo nome
9. Centro Esportivo Miécimo da Silva, no bairro de Campo Grande
10. Parque da Vizinhança Dias Gomes, no bairro de Deodoro
Seguindo a indicação da legislação supracitada, é de esperar que cada unidade
seja gerida por uma Associação ou fundação privada que tenha sido qualificada
como Organização Social. O desafio da pesquisa é identificar as organizações
que firmaram contrato com a PMRJ para gestão desses espaços, assim como
se deu a referida licitação para tal decisão. A partir dos mecanismos de transparência expostos no próprio texto da Lei nº 5.026 será possível saber o início
do contrato, sua duração, como será quando expirar; a composição da direção
das organizações, bem como nome dos profissionais contratados, bem como a
prestação de contas.
A implementação dos chamados projetos sociais executados por organismos da
sociedade civil em bairros populares, ainda que devidamente financiados pelo
Estado, é parte central do projeto burguês na atualidade. O incentivo e a promoção de tal lógica – em alguns bairros pobres com pouca tradição de ações
estatais no campo das políticas sociais – implicam um suposto engajamento
cívico onde os cidadãos passariam ser responsáveis pela promoção de seu próprio bem (?)-estar. Não por acaso, a expressão “Sociedade de bem-estar” – para
designar uma distinção em relação aos tempos de Estado bem-estar – passa a
expressar esse tipo de intervenção nas políticas sociais em nosso tempo.
O apelo à suposta cooperação, solidariedade, colaboração, é parte da tarefa de
desenvolver o chamado capital social que se conjuga com o chamado desenvolvimento da cultura cívica. Esse apelo ao engajamento político desvinculado
a qualquer processo de enfrentamento da ordem do capital, inclusive negando
existir esta ordem, é elemento central da nova pedagogia da hegemonia burguesa e do encontro da DIREITA PARA SOCIAL com a ESQUERDA PARA O CAPITAL
(NEVES, 2005, 2010). Essa atuação na prestação de serviços públicos, longe
de representar uma ampliação das políticas sociais, se traveste numa redução
drástica da rede de proteção social estatal, inclusive com participação de seto-
res populares na promoção dessa redução. Nada mais funcional à dominação
burguesa.
Através do incentivo direto ou indireto à participação de organismos privados na
execução de políticas públicas, o bloco no poder, se torna assim elemento central na consolidação desse processo. Fica explícito que longe de retirar-se, o
bloco no poder, mediante uma série de incentivos legais, como financiamento
direto ou isenções fiscais, conduz o Estado a ser partícipe de todo o processo.
Afirmar que tais organizações atuariam num suposto vácuo deixado pela omissão estatal, ou que justamente por isso é que tais organismos se veem impelidos
a agir, significa não situar a emergência da atuação de organismos privados
como pretensos substitutos da aparelhagem estatal na execução de políticas
públicas como parte central do projeto capitalista neoliberal em nosso tempo,
como bem demonstram as experiências presentes em Neves (2005).
Conclusões
Tratando de um projeto em fase inicial, as conclusões estão mais relacionadas
com a clareza do que representou a aprovação da Lei das OS nos Rio de Janeiro. Tal mecanismo legal representa a possibilidade de efetivação das políticas
púbicas de esportes e lazer, via programa Vilas Olímpicas, amplamente afinadas com o projeto neoliberal. Isso em si não é uma surpresa, visto já ter sido
revelado em estudo anterior (MELO, 2005). O elemento de novidade estaria no
caráter de política do Estado, visto tratar-se de uma lei aprovada no legislativo
e não mais uma ação relacionada a determinado bloco à frente do executivo
municipal.
Nota
1 http://www.rio.rj.gov.br/web/smel/listaconteudo?search-type=vilasolimpicas
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RIO DE JANEIRO. Comissão de Qualificação de Organizações Sociais. Deliberação
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RIO DE JANEIRO. Decreto nº 30.780, de 2 de junho de 2009. Regulamenta a Lei Municipal
nº 5026, de 19 de maio de 2009, que dispõe sobre a qualificação de entidades como
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RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal da Casa Civil. Cartilha das organizações sociais
cariocas: um brinde aos dois anos de vigência da Lei Municipal nº 5.026, de 19 de maio de
2009. Rio de Janeiro, 2011b.
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