CienteFico. Ano II, v. I, Salvador, agosto-dezembro 2002
O Poder nas Organizações: Vertentes de Análise
Nelson Gomes dos Santos Filho[1]
Resumo
Este artigo originou-se de pesquisa bibliográfica destinada a compreender os diversos
paradigmas de análise a respeito do Poder nas organizações. Dessa pesquisa, verificou-se
ser possível enquadrar a visão dos principais autores em quatro vertentes de análise:
econômico-política, simbólica, psicológica e radical-crítica. A classificação que ora é
apresentada, longe de buscar ser definitiva, permite uma melhor visualização da
complexidade do tema e da sua importância no campo dos estudos organizacionais.
A questão do poder: vertentes de análise
Assim como ocorre com a Liderança, o Poder é também um tema organizacional
bastante discutido, observado sob diversas vertentes, haja vista as inúmeras formas pelas
quais ele pode manifestar-se numa organização. De uma forma bastante genérica, podemos
entendê-lo como capacidade de um indivíduo para obter domínio ou controle sobre outros.
Tem sua origem na filosofia política, na busca da compreensão das relações que se
desenvolvem nos grupos sociais: há necessidade do controle e limitação da liberdade do
indivíduo para que o grupo possa alcançar de forma coesa e harmônica os seus objetivos.
Sua análise nas organizações, enquanto grupos humanos que interagem politicamente na
busca da satisfação dos seus interesses, é feita de variadas formas pelos autores, ao longo
dos anos, tornando-o um tema complexo e multifacetado. Assim, para permitir uma melhor
compreensão, pode-se classificar os diversos autores em quatro vertentes básicas:
simbólica, psicológica, radical-crítica e econômico-politica. Essa classificação, entretanto,
não tem a pretensão de ser plenamente abrangente ou definitiva, estando limitada à
pesquisa bibliográfica desenvolvida.
O poder na vertente econômico-política
Dentro dessa perspectiva econômico-política, são aqui apresentados os pensamentos de
Karl Marx, Max Weber e John Galbraith.
Para Marx (apud. HARDY,2001), o poder se origina a partir de interesses que surgem
nas relações de produção, e que envolvem a propriedade e o controle dos meios de
produção.
Marx procura explicar os fenômenos históricos a partir de fatores materiais
(econômicos e técnicos), o que foi denominado de materialismo histórico. Segundo essa
perspectiva, a sociedade é construída em dois níveis: o primeiro, a infra-estrutura, constitui
a base econômica e abarca as relações do homem com a natureza e com os outros homens
no sentido de produzir a própria existência; o segundo, a superestrutura, constitui a base
político-ideológica representada pelo Estado e todos os aparelhos ideológicos (religião,
educação, ciência, etc). Desta forma, a infra-estrutura determina a superestrutura, ou seja, a
base econômica reforça a influência do pensamento da classe dominante sobre o Estado e
os aparelhos ideológicos, o que garante o status quo dos dominantes. Analisando essa
dinâmica sob uma ótica mais microscópica, Marx nos diz que as relações basilares de
qualquer sociedade humana são as relações de produção, ou seja, a forma como os homens
usam recursos, técnicas e se organizam por meio da divisão do trabalho social. A
determinadas relações de produção se relacionam os modos de produção, que representam
as formas pelas quais as forças produtivas se organizam em determinadas relações de
produção. Por exemplo, no modo de produção feudal a base econômica era a posse da terra
e a relação de produção ocorria entre o servo e o senhor feudal, o qual cobrava ao primeiro
trabalho e taxas pelo uso da terra e dos bens. No modo de produção capitalista, a base
econômica é a posse do capital, e por conseguinte dos meios de produção, sendo a relação
de produção entre o capitalista e o operário. Estes, como não possuem o capital, são
obrigados a vender o que dispõem para garantir sua sobrevivência, no caso a força de
trabalho, criatividade e capacidade.
Transferindo esses conceitos para o âmbito da organização, o trabalhador contrata com
o seu patrão um emprego, pelo qual recebe uma remuneração. Apesar de contratado, o que
por premissa pressupõe um acordo voluntário entre as partes, o que ocorre na verdade,
conforme Marx, é a submissão do trabalhador à vontade do patrão para que assim possa
garantir sua sobrevivência. Surge, então, um conflito de interesses entre esses dois grupos:
o trabalhador (proletário) que aspira por uma remuneração mais justa e o patrão (burguês)
que deseja um aumento dos seus lucros (mais-valia). Esse conflito, que Marx denominou de
luta de classes, é mantido sempre em equilíbrio em favor dos que detêm o capital, pois é
essa posse que lhes garante o poder dentro da organização (pela dependência dos
trabalhadores) e também fora dela (pelo controle da superestrutura).
Weber, apesar de entender o poder como derivado do domínio sobre a propriedade e os
meios de produção, supera a perspectiva maniqueísta de Marx considerando as relações de
produção e as relações na produção. É dele a definição de poder que mais atende ao senso
comum: “o poder significa a possibilidade de fazer triunfar no seio de uma relação social a
sua própria vontade mesmo contra resistências, qualquer que seja a base em que se baseia
tal possibilidade” (Weber, apud. Boudon).
Retomando a questão das relações na produção, a visão weberiana considera que o
trabalhador, ao ser contratado por uma empresa, possui certo grau de criatividade e
conhecimento de sua atividade específica, o que lhe permite conduzir os relacionamentos
sociais conforme seus interesses, mesmo sob a ordem dominante da estrutura da empresa.
Desta forma, os membros da organização possuem um maior ou menor grau de controle
sobre as atividades, o que lhes permite o exercício do poder tanto em prol quanto contra os
interesses da organização. Nessa ótica, o poder tem fonte na posse da propriedade como
também no conhecimento sobre a atividade e sobre a organização. Assim, Weber amplia a
perspectiva estabelecida por Marx conferindo ao conceito de poder uma característica
relacional-intencional. Relacional porque o poder se estabelece no seio das relações sociais,
de forma bilateral, uma “via de duas mãos”, relação dominação-aceitação, e não de forma
unilateral e determinística como quis Marx. Também é intencional porque visa atender a
uma intenção, a prevalência de uma vontade sobre a vontade de outrem, mesmo que haja
resistências.
E tocando nesse aspecto da resistência à dominação, é também de Weber a tipologia da
legitimidade, que pode ser entendida como a aceitação, e portanto validação, do exercício
do poder pelos agentes a ele submetidos, pois que é dado como certo e adequado. O poder
legítimo é aceito como tal pela maioria, o que leva à supressão, ao menos temporária, das
resistências sem a necessidade do uso de instrumentos de coerção. A tipologia criada por
Weber classifica a legitimidade em três diferentes tipos, conforme a sua base fundamental:
·
legitimidade tradicional: fundamenta-se nas crenças consuetudinárias, na
tradição. Predominam as características patriarcais e patrimonialistas, onde o poder
é exercido por aqueles que tradicionalmente são escolhidos para tal;
·
legitimidade racional-legal: baseia-se numa estrutura racional-legal, também
denominada de burocrática. Racional porque presume o uso adequado dos meios
apenas para o alcance dos fins desejados. Legal porque o poder está regulado por
normas escritas, o que lhe impõe limites, impedindo a arbitrariedade;
·
legitimidade carismática: baseia-se em características pessoais exibidas por uma
pessoa ou grupo, capazes de gerar nos demais a certeza de que o poder será
exercido em prol do atingimento de um objetivo coletivo.
Mais recentemente, Galbraith (1999) aproveita os pensamentos de Marx e Weber e cria
uma nova vertente de pensamento para explicar como o poder é exercido e o que permite
acesso ao seu exercício. Ele lança as bases do que denominou de anatomia do poder.
Para Galbraith, há três instrumentos ou formas de utilização do poder; há também três
outras instituições ou atributos que conferem a alguém o direito de usar esse poder. Quanto
aos três instrumentos, ou formas de utilização, ele cita:
·
poder condigno: obtém a sujeição da outra parte pela potencial capacidade de
lhe impor uma conseqüência consideravelmente desagradável ou dolorosa pela não
sujeição. É o poder gerado pela recompensa negativa advinda do ato não conforme
ao esperado;
·
poder compensatório: ao contrário do anterior, obtém a sujeição a partir de uma
recompensa positiva ao ato conforme. A recompensa pecuniária nas organizações é
a forma mais comum de expressão desse poder;
·
poder condicionado: é exercido quando, através da persuasão, educação ou
compromisso voluntário, consegue-se submeter o indivíduo ou grupo à vontade
alheia.
Paralelamente a estes três instrumentos do poder estão o que ele denomina de fontes do
poder, também em número de três. São elas:
·
a personalidade, ou liderança na linguagem comum, que consiste nos atributos
pessoais que podem dar acesso a um dos instrumentos do poder;
·
a propriedade ou riqueza, a posse sobre o capital e/ou bens de produção;
·
a organização, entendida aqui como grupo de pessoas unidas para alcançar um
propósito definido;
Há, segundo Galbraith, uma relação primária entre as fontes e os instrumentos do
poder. A personalidade se associa mais ao poder condicionado, a propriedade ao poder
compensatório e a organização ao poder condigno. Entretanto, essa associação não é
exclusiva, ou seja, na verdade o que ocorre é uma combinação entre as fontes de poder,
com predominância de uma delas, gerando determinado instrumento de poder. Por
exemplo, analisando o caso de uma empresa fictícia poder-se-ia ter simultaneamente o poder
compensatório gerado pelo seu capital, o poder condicionado gerado pela influência de uma
cúpula diretiva ou o poder condigno gerado pelo rigor de suas normas internas. Em dado
momento um desses instrumentos pode predominar, a depender de como a empresa pretende
se conduzir na situação específica, predominância essa que pode perdurar por maior ou
menor tempo.
QUADRO 1: ANÁLISE DO PODER, SEGUNDO GALBRAITH.
INSTRUMENTO
BASE CONCEITUAL
DE PODER
RELAÇÃO
PRIMÁRIA COM AS
FONTES
CONDIGNO
Imposição de conseqüência desagradável A organização
ou dolorosa.
COMPENSATÓRIO Sujeição a partir de uma recompensa A
positiva.
CONDICIONADO
propriedade
ou
riqueza
Persuasão, educação ou compromisso A personalidade
voluntário
Adaptado de Galbraith, 1999.
Interessante aqui é a análise que o autor faz sobre a organização como fonte de poder.
Ele considera que a organização, para ganhar estrutura, necessita que seus integrantes se
submetam ao seu objetivo, que em tese é um objetivo comum. Fica claro que essa
submissão se dará em maior ou menor grau a depender do nível em que esse objetivo seja
efetivamente comum aos integrantes. O importante a destacar é que o grau de coesão
interna é que determina o poder da organização para alcançar os seus objetivos e de
submeter, para a conquista destes, outros grupos externos a ela. Galbraith denominou isso
de simetria bimodal: “só obtém submissão externa aos seus propósitos quando conquista
submissão interna” (Galbraith, 1999).
Além desse aspecto, o autor salientou dois outros que afetam o potencial da
organização enquanto fonte de poder: o acesso eficaz e simultâneo aos três instrumentos do
poder (condigno, compensatório e condicionado) e a quantidade e diversidade de metas às
quais se busca submissão.
O poder na vertente simbólica
Bourdieu (2000), a partir da análise dos sistemas simbólicos, estabelece o conceito de
poder simbólico. Para o autor, os sistemas simbólicos (arte, religião, língua, etc.) são
instrumentos de conhecimento e de construção do mundo dos objetos, como formas
simbólicas, atribuindo-lhe um significado comum. São, portanto, estruturas estruturantes.
Por outro lado, para que possuam essa capacidade estruturante, os sistemas simbólicos
necessitam também de uma estrutura, ou seja, também são estruturados. O exemplo típico é
o da língua, que para se tornar uma linguagem prática e utilizável deve possuir uma
estrutura lógica que permita a absorção e a transmissão das idéias entre emissor e receptor.
Os sistemas simbólicos são, portanto, estruturas estruturantes e estruturadas.
Desta forma, os sistemas simbólicos detêm o poder de estabelecer uma ordem
gnosiológica, de moldarem uma interpretação comum e homogênea aos fenômenos, o que
Durkheim (apud. Bourdieu, 2000) denomina de conformismo lógico: “uma concepção
homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância
entre inteligências”. E esse poder, ao ser capturado por um determinado grupo social para
manter a sua dominação sobre outro, assume uma função política, o que caracteriza o poder
simbólico.
Conforme explica Bourdieu:
“É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de
comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos
cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou
de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a
dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica)
dando reforço da sua própria força às relações de força que as
fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de
Weber, para a domesticação dos dominados.
As diferentes classes e frações de classes estão envolvidas
numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do
mundo social mais conforme aos seus interesses...”
O pensamento de Bourdieu coaduna e absorve o conceito de Gramsci sobre ideologia,
entendida como “o significado mais alto de uma concepção de mundo que se manifesta
implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de
vida individuais e coletivas”. Conforme o pensamento gramsciano, a ideologia tem uma
função positiva, diferente do que postulava Marx, de atuar como aglomerante na estrutura
social, o que no limite poderá conferir hegemonia a determinado grupo, que se tornará
dominante. Isso é o que fundamenta o seu conceito de “guerra de posição”, baseada na
conquista do aparelhos de hegemonia civil. Conforme o próprio autor argumenta (apud
Coutinho, 1999):
“Um grupo social pode e mesmo deve se tornar dirigente
(hegemônico) já antes de conquistar o poder governamental (é
essa uma das condições principais para a própria conquista do
poder); depois, quando exerce o poder, e mesmo que o conserve
firmemente nas mãos, torna-se dominante, mas deve continuar a
ser também dirigente...”
A ótica de Bourdieu abre espaço para um ponto interessante de análise: o sistema
simbólico como instrumento de legitimidade. Pfeffer (apud Clegg), investigando nessa
linha, identificou o uso do poder com esse sentido ao estudar os resultados do poder,
distinguindo-os em conseqüências substantivas (comportamentais) e sentimentais
(atitudinais). As primeiras resultam de considerações acerca da dependência de recursos,
enquanto que as segundas referem-se ao sentimento que os indivíduos guardam acerca do
resultado. Segundo o autor, esse sentimento é afetado principalmente por aspectos
simbólicos do poder, tais como uso da linguagem política, símbolos e rituais. Desta forma,
ele considera que o poder simbólico atua mais no nível da legitimação que na produção de
resultados substantivos.
O poder na vertente psicológica
Pagès (1987), de forma inovadora, explica o poder exercido pelas organizações através
das relações inconscientes que ocorrem entre estas e o indivíduo.
Pagès percebe a organização como um “conjunto dinâmico de respostas a
contradições”. Em outras palavras, a capacidade de uma organização levar pessoas a
produzirem reside no fato de ser ela um ente capaz de oferecer respostas a contradições que
se iniciam no sistema sócio-político e acabam por se interiorizar no inconsciente do
indivíduo. Esse deslocamento das contradições, do exterior para o interior, ocorre em dois
momentos: num primeiro momento, as contradições advindas do sistema social, próprias do
modo de produção capitalista, que conforme Marx resultaria num conflito de classes, são
absorvidas pela organização e transformadas em contradições internas a ela, e que se
materializam nos conflitos existentes na sua própria política de atuação – coexistência de
coerção e vantagens . Em um segundo momento, as contradições da organização são
absorvidas pelo indivíduo, sendo introjetadas no seu inconsciente através do processo de
identificação deste com a organização. A relação coerção-vantagens se transforma na
relação angústia-prazer, o que faz dos indivíduos escravos da organização porque esta
oferece uma solução para seus conflitos.
Segundo o mesmo autor, esse processo de transformação das contradições se apóia em
três processos fundamentais:
·
mediação: ocorre quando a organização consegue conciliar as restrições que
impõe aos indivíduos com as vantagens que lhes oferece, mantendo os conflitos
sob controle. O conflito sócio-político entre classes é transformado em conflito
interno da política organizacional, para o qual já existe uma solução – a oferta de
vantagens.
·
introjeção: por estar submetido a estímulos contraditórios, dos quais não
compreende a origem e aos quais não pode reagir, o indivíduo absorve as
contradições ao nível do inconsciente, passando então a viver uma contradição
psicológica, uma relação amor-ódio consigo próprio e com a empresa.
·
consolidação ideológica: o indivíduo encontra na ideologia produzida pela
empresa um amparo para o seu conflito psicológico, permanecendo preso a ele, o
que impede a ocorrência do conflito externo.
Desta forma, a mediação surge como a principal característica do que Pagès
denominou de organizações hipermodernas, ou seja, aquelas que apresentam um
“desenvolvimento fantástico de seus processos de mediação, sua extensão a novas zonas
(instâncias), sua interconexão cada vez mais ramificada e sua constituição em sistemas cada
vez mais coerentes”. É a organização que consegue se antecipar aos conflitos, antes que
estes se transformem em conflitos coletivos. Essa mediação pode ocorrer sob diferentes
formas: no nível econômico, sob a forma de recompensas salariais, possibilidades de
carreira, aceitação de diferenças étnicas ou de gênero; no nível político, por meio das
técnicas de administração a distância; no nível ideológico, através da produção de uma
ideologia dominante; no nível psicológico, através do surgimento da relação prazerangústia.
Assim, Pagès aponta como características da organização hipermoderna:
·
desenvolvimento de mediações econômicas;
·
desenvolvimento de um sistema decisório de autonomia controlada a distância;
·
desenvolvimento da organização como lugar de produção ideológica, que
legitima as práticas da empresa;
·
desenvolvimento da dominação psicológica da organização sobre seus
trabalhadores.
O poder na vertente radical crítica
Os estudos de Michel Foucault (1979) acerca do poder divergem do que escrevem
outros autores, estabelecendo uma vertente inusitada, com óticas nem sempre aceitas sem
controvérsia.
Foucault considera que o poder não é um objeto natural, não pode ser tratado como
“mercadoria”, como algo que se possui, perde ou compartilha. Não existe para ele uma
natureza do poder, uma essência definida por certas características. Ao contrário, Foucault
considera o poder como uma prática social, constituída historicamente, está associado a
práticas, técnicas e procedimentos, portanto, só surge quando exercitado: o poder é
relacional. Questões como “quem tem poder?” ou ainda “onde reside o poder?” são
suprimidas em prol da análise de “como se desenvolve o poder?”, qual a sua
processualística? Isso leva o autor a desvincular o estudo do poder do entendimento da
estrutura do Estado, visto como detentor máximo do poder. Para Foucault, o poder não está
concentrado em apenas um ponto da estrutura social, mas, sim, diluído entre os pontos
dessa estrutura, da qual nada escapa, e manifestando-se nos momentos em que se faz
necessário. Existe, portanto, uma associação implícita entre poder e conflito.
Focault também vai de encontro à concepção negativa do poder, visto como algo que
reprime, coage, exclui. Pelo contrário, o autor advoga uma concepção positiva do poder,
como algo que tem como objeto o corpo humano, não para cerceá-lo mas para aprimorá-lo.
O poder não se explica pela sua função repressiva: seu objetivo não é tornar os homens
improdutivos e sim controlá-los para que possam alcançar o máximo desenvolvimento de
suas potencialidades, para que se lhes aumente a utilidade econômica, evitando os
inconvenientes da insurreição.
Machado (1979) alerta para o fato de que é necessário cuidado na generalização das
análise de Foucault, pois seus estudos sobre o poder se dão a partir de pesquisas sobre a
história da penalidade e as relações de poder sobre indivíduos presos, o que resultava em
tecnologias específicas de controle. Essas tecnologias não eram exclusivas das prisões, mas
se aplicavam também a outras organizações como a escola ou o exército. Em outras
palavras, está se falando do poder disciplinar, “métodos que permitem o controle minucioso
das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõem
uma relação de docilidade-utilidade”.
Como características básicas desse tipo de poder, temos:
·
é um tipo de organização do espaço e do tempo, pois insere os corpos dos
indivíduos em espaços pré-determinados, submentendo-os a um controle de tempo
que permita maior produtividade e eficácia;
·
vigilância como principal instrumento de controle; não uma vigilância
fragmentada ou descontínua, mas uma vigilância ostensiva, percebida claramente
pelos indivíduos e que alcance todos os limites do espaço;
·
disciplina implica um registro contínuo de conhecimento, ou seja, conhecimento
e poder são indissociáveis.
Este último ponto representa um marco no trabalho de Foucault. Ele vai de encontro à
idéia de que o conhecimento é neutro e isento de tendenciosidade. Conforme ele mesmo
referencia:
“O exercício do poder em si mesmo cria e faz emergir novos
objetos do conhecimento e acumula novos corpos de
informação(...) o exercício do poder perpetuamente cria
conhecimento e, por outro lado, o conhecimento constantemente
induz efeitos do poder (...) não é possível para o poder ser
exercido sem conhecimento, é impossível ao conhecimento
deixar de gerar poder” (Foucault, apud Davel).
Esse pensamento vai reforçar a sua tese de que o poder não é negativo, mas positivo
porque produz verdade e conhecimento, bem como também é consistente com o poder
diluído na estrutura social que o autor apregoa, já que quem tem conhecimento tem poder.
Esta forma de análise se torna bastante interessante quando nos voltamos para o estudo das
organizações contemporâneas e do surgimento da figura do trabalhador do conhecimento.
Conclusão
Este estudo destina-se a subsidiar uma reflexão sobre a amplitude do tema Poder e sua
influência para o desempenho das organizações. Apesar do tecnicismo que muitas vezes
tem norteado a ação dos gerentes organizacionais, o campo da Administração despertou
para o fato de que o verdadeiro diferencial das organizações contemporâneas está nas
PESSOAS e que, portanto, a compreensão do fator humano e das inter-relações sociais
geradas na dinâmica organizacional é fundamentalmente necessária. Questões como a
arquitetura das redes de poder, a utilização do poder pelos líderes ou o desvio de poder
exteriorizado através do assédio moral ou sexual têm sido discutidas por pesquisadores e
consultores em busca de respostas para os problemas organizacionais. Desta forma, mais
que um exercício teórico, o estudo deste tema é fundamental para que os gerentes possam
alcançar o seu principal mister: atingir objetivos através (e com) das pessoas!!
Referências Bibliográficas:
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Janeiro: Civilização brasileira, 1999.
DAVEL, Eduardo; VERGARA, Sylvia C. (orgs). Gestão com pessoas e subjetividade. São
Paulo : Atlas, 2001.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
FREITAS, Maria Ester de. Cultura organizacional: formação, tipologias e impactos. São
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GALBRAITH, J. K. Anatomia do poder. 4. ed. São Paulo: Pioneira, 1999.
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MACHADO, Roberto. Por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica
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MOTTA, Paulo Roberto. Transformação organizacional: a teoria e a prática de inovar. Rio
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