ISSN 1982 - 0283
Cultura urbana
e educação
Ano XIX – Nº 5 – Maio/2009
Secretaria
de Educação a Distância
Ministério da
Educação
SUMÁRIO
Cultura urbana e educação
Aos professores e professoras ................................................................................... 3
Rosa Helena Mendonça
Apresentação da série Cultura urbana e educação .................................................. 4
Ecio Salles
Texto 1 – A posse da linguagem ........................................................................................ 11
Inclusão subjetiva
Ivana Bentes
Texto 2 – O conhecimento do território ................................................................. 20
Conhecer o território, viver a cultura
Jorge Luiz Barbosa
Texto 3 – Práticas inovadoras ................................................................................. 26
Novas práticas
Marcus Faustini
Cultura urbana e educação
Aos professores e professoras,
Urbano vem do latim e significa “o que é
se empenhado na produção de séries que
próprio da cidade”. Cultura urbana seria,
buscam trazer, por meio de múltiplas vozes,
por extensão, a expressão de grupos que
reflexões acerca dessas práticas contempo-
desenvolvem sua arte nas ruas, nos bairros,
râneas.
em espaços públicos que são democratizados, criando novas sociabilidades. São pro-
Para a consultoria desta série, contamos
jetos com um potencial transformador, uma
com a colaboração de Ecio Salles, escritor e
vez que gestados nas/pelas comunidades,
estudioso da cultura hip-hop no Brasil, entre
em especial nas chamadas periferias. Na
outros temas relacionados à cultura urbana.
maioria jovens, esses atores sociais estão
Ecio foi coordenador de pesquisa e conteúdo
ou estiveram na escola, tecendo redes entre
do Grupo Cultural AfroReggae, e atualmente
educação e cultura.
é pesquisador na ECO/UFRJ e ainda consultor
de programas voltados para ações culturais.
É importante que o espaço escolar incorpore
essas manifestações culturais e suas lingua-
Os textos que compõem a publicação eletrô-
gens específicas, possibilitando recriações
nica Cultura urbana e educação, bem como
e inovações, num processo de permanente
a série televisiva, têm como proposta cons-
mudança.
truir pontes entre os espaços/territórios que
nas cidades são palcos de expressões cultu-
Atento a essa diversidade de expressões e à
rais diversas e as escolas, potencializando a
necessidade de um diálogo consistente en-
relação educação, cultura e cidadania.
tre a cultura escolar e aquela que emerge
das comunidades, o Salto para o Futuro tem
1
Supervisora pedagógica do Programa Salto para o Futuro.
Rosa Helena Mendonça1
3
APRESENTAÇÃO
Cultura urbana e educação
Ecio Salles1
Em um conhecido poema, João Cabral de
dos grupos que desenvolvem ações culturais
Melo Neto escreve que um galo sozinho não
na cidade. Em primeiro lugar, a cultura é
é capaz de produzir a manhã. Para isso, seria
entendida como um modo de estar na vida.
necessário que o canto deste galo se unis-
Nesse contexto, deixa-se de lado o ponto de
se ao de outros, até que o conjunto sônico
vista da cultura como representação e pas-
de todos os galos finalmente tecesse a ma-
sa-se a entendê-la a partir de suas estraté-
nhã. Essa é uma forma poética – e, por isso
gias e procedimentos, que deslancham pro-
mesmo, não menos importante que qual-
cessos continuados de ação criativa com a
quer outra – de narrar a força do coletivo, a
vida. A cultura pensada como processo atua
importância de os indivíduos ou grupos de
no cotidiano das pessoas, modificando-as
indivíduos se articularem no sentido de po-
produtivamente, potencializando os sujei-
tencializar suas ações.
tos das ações, incidindo sobre a comunidade: reforça laços, estimula a conquista de
O campo gravitacional ao qual pertence a
autoestima, produz pensamento sobre o lu-
expressão cultura urbana, de acordo com a
gar de cada um na rua, no bairro, na cidade,
proposta que embasa esta série do Salto para
no país, no mundo, abrindo-se à possibili-
o Futuro, reúne palavras que se atraem mu-
dade de transformar e de democratizar esse
tuamente: processo, linguagem, subjetivida-
processo. Trata-se de investir nos processos
de, experiência. São termos diferentes entre
micropolíticos, balizados na consideração
si, mas que deixam – especialmente se pensa-
do desejo e da produção de subjetividades,
das em face do conjunto cultura e educação
capazes de obter efeitos na macropolítica:
– perceber um destino compartilhado: a pers-
reinventar a cidade.
pectiva de ampliação ou universalização dos
direitos e o aprofundamento democrático.
Trata-se de estimular o desejo, experimentar
todas as linguagens, compartilhar a emo-
Estes são pontos definidores das estratégias
ção, a inteligência, potencializar e empode-
1
Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal Fluminense e doutorando em Comunicação e Cultura pela
Escola de Comunicação da UFRJ. Consultor do Programa Onda Cidadã (Itaú Cultural). Entre 1997 e 2006 foi Coordenador de
Pesquisa e Conteúdo do Grupo Cultural AfroReggae. Consultor da série.
4
rar os sujeitos e os discursos, tomar posse
constituem um terço da população urbana
da própria existência. Como percebe Ivana
global. E pelo menos metade dessa popula-
Bentes, “é preciso tomar posse das lingua-
ção é composta por jovens com menos de
gens e dos meios, tomar posse das câmeras,
vinte anos de idade (apud Davis, 2006). Sob
pois as questões de pertencimento e autoes-
um determinado ponto de vista, esse fenô-
tima passam pela potência da imagem e da
meno é preocupante, uma vez que resulta
visibilidade”2. E também garantir o direito à
do aumento da desigualdade social, do de-
fruição, ao gozo estético.
semprego e da miséria, além de favorecer o
recrudescimento da violência urbana.
Por um lado, a cultura designa a capacidade
de determinados grupos em desenvolver o
Por outro lado, nos últimos anos o campo
seu trabalho com organicidade e legitimi-
da cultura vem desempenhando um papel
dade nas comunidades onde se estabelece-
cada vez mais importante em nossa vida so-
ram. Nos últimos anos, os movimentos dos
cial, econômica e política. Nesse mesmo pe-
jovens – em especial dos jovens negros e po-
ríodo, a voz das periferias, “falando alto em
bres – têm sido responsáveis pela produção
todos os lugares do país”, tem-se apresenta-
de uma nova subjetividade a partir das peri-
do como, nas palavras de Hermano Vianna,
ferias do Brasil. Transformaram suas comu-
“a novidade mais importante da cultura bra-
nidades, a partir de uma dinâmica que com-
sileira na última década”4.
bina comportamentos de resistência com os
das redes sociais de produção, inaugurando
Os meios de expressão aí encontrados são
espaços de criação e de “trabalho comum”3.
os mais diversos, desde o saquinho de pão
impresso, distribuído nas padarias de Vi-
É notável como, no mundo inteiro, o fenô-
tória pelo Projeto Forninho e funcionando
meno da proliferação das favelas tem se
como um jornalzinho regional; os saraus
tornado um elemento marcante do cresci-
poéticos promovidos pela Cooperifa nos ba-
mento dos centros urbanos. Segundo rela-
res de Capão Redondo, na periferia de São
tório do Programa de Assentamentos Hu-
Paulo, transformando o bar no verdadeiro
manos das Nações Unidas, os moradores
“espaço público” das favelas; as interven-
de favela representam 78,2% da população
ções públicas e midiáticas do coletivo Bi-
urbana dos países menos desenvolvidos e
jari em áreas gentrificadas de São Paulo,
2
BENTES, Ivana. 2007. Texto inédito, produzido para o Programa Onda Cidadã, do Itaú Cultural.
3
NEGRI & COCCO, 2005, p. 57.
4
Texto publicado pela TV Globo como anúncio em vários jornais brasileiros, no dia 08/04/2006, data da estréia do programa
Central da Periferia. Depois republicado em formato de manifesto em sites na Internet, como o Overmundo.
5
contrapondo-se à limpeza étnica urbana
vestiram, a um só tempo modificaram e se
em curso; T-bone Açougue Cultural e suas
permitiram modificar por ele.
atividades em Brasília (chegou a ter dez mil
livros em seu açougue para empréstimo
Essas iniciativas são, talvez, representativas
gratuito à população); o pessoal do Media
de uma nova modalidade de arte. E o artista
Sana em Pernambuco, com sua militância
hoje já não pode deixar-se levar pelo mito
política e estética, juntando vídeo e músi-
romântico do ser solitário, inspirado, acima
ca; o Enraizados, e suas múltiplas atividades
das coisas do mundo. Ele se torna uma espé-
através do hip-hop, falando a partir de Nova
cie de operário, de produtor ou operador de
Iguaçu para o Brasil inteiro e para alguns
ações criativas, sempre inserido na mobili-
países no mundo; a incrível experiência do
zação coletiva, em que cada ponto da rede é
Espaço Cubo, em Cuiabá, com a produção
um foco de irradiação cultural. Assim, caem
de festivais de rock independentes, produ-
por terra as noções consolidadas sobre a
zindo uma economia local tão consistente
relação centro/periferia, a dependência em
que gerou uma própria; ou, ainda, o traba-
relação às instituições reconhecidas e os
lho da Fundação Casa Grande, no Ceará, em
clichês sobre inclusão social, cidadania, pre-
que as crianças participantes assumiram a
cariedade, reivindicação e conflito. Está em
gestão do projeto.
suas mãos a potência de reinventar a subjetividade coletiva, os meios de produção, de
E mais, iniciativas como as do Grupo Cultu-
troca e de consumo, a própria mídia.
ral AfroReggae, do Observatório de Favelas,
da Cia. Étnica de Dança e da CUFA, no Rio; do
Nas periferias do Brasil, os casos em que
Eletrocooperativa e do Bagunçaço, na Bahia;
essa forma de articulação foi determinante
da Casa do Zezinho e a do Hip-Hop, em São
para o êxito das iniciativas – especialmente
Paulo... Inúmeros outros projetos e experi-
no que se refere a projetos ligados à educa-
ências espalhados pelo país têm em comum
ção e à cultura – são numerosos. Nessas or-
a conjugação dos aspectos mencionados
ganizações, a música, a dança, o teatro, o
acima com uma profunda e consistente in-
circo e a capoeira, entre outras, além de for-
serção em seus territórios de atuação. Nem
mas estéticas, são também linguagens que
todos os grupos têm sua origem nos locais
promovem um certo diálogo, aquele capaz
em que atuam (e mesmo essa “origem” não
de reescrever trajetórias de vida, modificar
seria por si garantia de legitimidade). Aque-
pessoas e comunidades, repensar a vida e
les que obtiveram os melhores resultados
transformá-la. Como afirma George Yúdice
nesse processo são os que, ao entrarem em
em seu estudo sobre o assunto, a cultura
contato com o contexto social no qual in-
hoje “está sendo crescentemente dirigida
6
como um recurso para a melhoria sociopolí-
promovem um outro nível de articulação,
tica e econômica”5.
agora com setores externos às comunidades
– agências de fomento, empresas, governo,
Nessa perspectiva, abre-se a possibilidade
mídia... –, visando potencializar seus proje-
de investimento, a partir do campo cultu-
tos e atividades.
ral, em outra vida possível, afetando e associando-se ao movimento da vida social,
Esses agenciamentos tendem a se complexi-
numa recusa decidida de acomodar-se à or-
ficar ainda mais no momento em que as de-
dem dominante. É por isso que, apesar de a
sigualdades sociais e a violência urbana pas-
forma de organização pelas ONGs encontrar
sam a ocupar o centro das preocupações.
limites à sua atuação – o risco de cooptação,
Nesse momento, algumas organizações, em
devido à sua adesão à grande mídia; o des-
especial aquelas que se valem da cultura
vio do sentido de suas lutas ao participar de
como recurso, passam a investir fortemente
redes abrangentes, com setores das classes
na criação de modos de aproximação entre
dominantes, etc. –, no fim das contas não
os espaços sociais antagonizados por ques-
cessam de elaborar a cultura popular como
tões sociais, raciais/étnicas ou geográficas.
“gestos ritualísticos de produção de subjetividade autônoma por parte dos pobres”,
Por outro lado, uma parte significativa dos
como define Muniz Sodré6. Ou, como acre-
grupos atuantes nas periferias, notada-
dita Peter Pál Pelbart, “esse grupo vive na
mente os que se valem da cultura para de-
carne a constatação de que o capital maior
senvolver as suas ideias, atuam na direção
é a própria vida, e que sua potência de ex-
contrária: no questionamento e constante
pansão e de constituição extrapola o poder
enfrentamento das “fronteiras”. A impres-
do capital e o sequestro da vitalidade social
são inicial é a de que identificaram os fossos
dali advinda. É uma pequena revolução bio-
que dividem e separam as pessoas – os quais
política”7.
passam por questões sociais, raciais, econômicas, geográficas, de gênero – e decidiram
O processo de articulação não se dá apenas
“construir pontes” sobre esses abismos.
no interior das periferias. Uma vez realizado esse movimento, as próprias periferias,
Seu desafio é justamente o de criar pontes
a partir da ação dos grupos organizados,
capazes de abrir ao menos uma via de acesso
5
YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
6
SODRÉ, 2006, p. 221.
7
PELBART, Peter Pál. Texto inédito, produzido para o Programa Onda Cidadã, do Itaú Cultural.
7
de um lado a outro. Mas aqui essa “ligação”
Se essa diferença será capaz de mudar o
não teria nenhum conteúdo transcendente.
mundo é difícil dizer, mas, desde já, compõe
Na prática, além de se investir na produção
uma força constituinte de um novo tempo,
de redes em seu próprio campo de atuação,
atuante e imprevisível.
trata-se de ligar pontos dissociados na experiência social: favela e asfalto, elite e popular, ONGs e empresas. Eles não solucionam
TEXTOS DA SÉRIE
CULTURA URBANA E EDUCAÇÃO9
os problemas do mundo, não erradicam as
desigualdades ou os conflitos, até porque
A série Cultura urbana e educação preten-
são ainda poucos e detentores de escassos
de evidenciar estratégias dos grupos que
recursos para isso. No entanto, promovem
desenvolvem ações culturais na cidade,
as articulações – constroem as pontes – que
buscando, ainda, os reflexos dessas prá-
tornarão viáveis as perspectivas de traves-
ticas na educação formal e não-formal.
sia, de contato, de diálogo. Um diálogo que
Nesse contexto, extrapola-se o ponto de
terá de ser qualificado no percurso, porque,
vista da cultura como representação e
ao mesmo tempo em que se dialoga, tam-
passa-se a entendê-la a partir de estraté-
bém se medem forças. No final, apesar das
gias e procedimentos que impulsionam
contradições, ele traz à luz do dia sinais “de
processos continuados de ações criativas
um discurso que é diferente – outras formas
que reforçam laços de sociabilidade, per-
de vida, outras tradições de representação”8.
mitindo reinventar a cidade.
TEXTO 1: A POSSE DA LINGUAGEM
No contexto das redes e cultura urbanas, o
estética, na produção social contemporânea
texto que oferece subsídios para o primeiro
de forma ampla. O texto analisa, também,
programa da série destaca a diversidade das
que a maioria dos grupos culturais urbanos
linguagens e sua incorporação como elemen-
não trabalha com uma linguagem exclusiva,
to determinante das novas formas do político
diferentes linguagens são mobilizadas na sua
e da ação. Entre essas linguagens urbanas,
produção, mas todos reconhecem uma di-
o foco recai sobre o audiovisual e a música
mensão decisiva hoje na passagem de uma
presentes na produção cultural, educacional,
cultura letrada para uma cultura audiovisual:
8
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG; Brasília: Unesco, 2003.
9
Estes textos são complementares à série Cultura urbana e educação, com veiculação de 25 a 29 de maio no programa
Salto para o Futuro/TV Escola (MEC).
8
a necessidade de “posse” dessas linguagens,
tilhar a emoção, a inteligência, disputar com
assim como a posse e a desconstrução das
a novela e com a cultura de massa, potencia-
linguagens do poder. De fato, o desejo difuso
lizar e empoderar os discursos, tomar posse
é experimentar todas as linguagens, compar-
de todas as linguagens.
TEXTO 2: O CONHECIMENTO DO TERRITÓRIO
O texto que embasa o segundo programa
tenciais. Por outro lado, a padronização cul-
apresenta, entre outros temas, a necessi-
tural da vida rouba da cidade a criatividade
dade de reconhecer que a cidade é produto
necessária para inventar a alegria e a felici-
da diversidade da vida social, cultural e pes-
dade, enquanto a homogeneização das prá-
soal. Isto significa dizer que a cidade deve
ticas socioculturais enfraquece o significado
ser pensada, tratada e vivida como um bem
do conviver e do aprender com presença do
público comum, e não como um espaço de
outro. Isto significa dizer, portanto, que é
desigualdades. A cidade é o encontro dos
preciso reconstruir a vida da cidade pelo re-
diferentes. A cidade é a expressão da plura-
conhecimento da diversidade cultural como
lidade de vivências culturais, afetivas e exis-
um valor da existência.
9
TEXTO 3: PRÁTICAS INOVADORAS
O texto deste terceiro programa enfatiza es-
sentido sobre o mundo. A combinação de di-
tes aspectos, entre outros: Se acreditarmos
versos atores sociais com a experimentação
que a escola é o primeiro lugar onde pode-
das linguagens e conteúdos pode criar um
mos experimentar o mundo, como isso será
ambiente favorável a novas práticas.
possível se dentro da escola não existir a diversidade do mundo? Até então, essa diversi-
Os textos 1, 2 e 3 também são referenciais
dade do mundo só estava presente dentro da
para o quarto programa, com entrevistas
escola através de ilustrações que o conteúdo
que refletem sobre esta temática (Outros
escolar difunde. O conteúdo deve ser tratado
olhares sobre Cultura urbana e educação) e
como um objeto que pode ser montado/des-
para as discussões do quinto e último pro-
montado por todos. Dessa maneira, ele será
grama da série (Cultura urbana e educação
percebido como uma linguagem que produz
em debate).
INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
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LAZZARATO, Maurício. As revoluções do capi-
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usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão –
guerra e democracia na era do Império. Rio
de Janeiro: Record, 2005.
10
TEXTO 1
A posse da linguagem
INCLUSÃO SUBJETIVA
Ivana Bentes1
No momento em que a cidade é pensada
Mas quais as possibilidades para que as redes
como a “nova fábrica”, como propõe An-
de cultura urbana se apropriem e dinami-
tonio Negri, podemos dizer que a cultura
zem o território urbano? “Não existe inclu-
urbana está na gênese da própria ideia da
são sem inclusão subjetiva”, essa proposição
“multidão” produtiva, formada por singula-
do projeto Reperiferia, de Nova Iguaçu, no
ridades que não podem mais ser represen-
Rio de Janeiro2, pode se articular com uma
tadas de forma tradicional e que começam
outra questão. Também não existe inclusão
a atuar de forma comum ou em projetos e
sem a posse das linguagens e o acesso à in-
ações partilhadas.
fraestrutura tecnológica, o acesso às redes:
sistemas de informação e comunicação que
A cultura urbana, hoje, passa a ser entendi-
permitam a comunicação barata, autônoma
da como produção de riqueza e a cidade, as
e colaborativa, gerando um aumento da pro-
metrópoles estariam para a multidão como
dutividade social: computadores, software,
a fábrica estava para os operários (Antonio
câmeras digitais, internet livre, ambientes
Negri). A difusão da produtividade e da cria-
coletivos para se “estar junto”.
ção de valor se desloca para o campo das
relações sociais, dos fluxos e trocas, a cidade
Mais que tecnologias de comunicação, estas
se informatiza, assim como a produção e o
são condições de funcionamento de novos
trabalho. A cultura urbana torna-se uma das
processos sociais e criação de capital social,
bases do capital que busca extrair valor das
aumentando a “intelectualidade de massa”,
redes espalhadas pela cidade, redes de cul-
aumentando a produtividade social em to-
tura, redes de saber, redes de afetividade e
dos os níveis. Mas o que seria essa susten-
sociabilidade.
tabilidade e inclusão subjetiva, que é tão
1
Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). Diretora e professora da ECO/UFRJ.
2
Citado por Marcus Faustini, coordenador do Projeto Reperiferia no evento Onda Cidadã, promovido pelo Itaú Cultural
no Circo Voador, Rio de Janeiro, novembro de 2007.
11
importante quanto a existência de infraes-
rar os discursos, tomar posse de todas as
trutura tecnológica instalada, seja low-tech,
linguagens.
seja hight tech. Muitos aspectos dessa sustentabilidade “imaterial”, simbólica são tão
Também é interessante pensar as cultu-
ou mais importantes que as questões bem
ras urbanas como experiências radicais de
materiais e concretas da necessidade de tec-
educação não-formal, em que a experiência
nologias instaladas no corpo da cidade, de
audiovisual, musical, teatral, etc. aparece
forma pública e gratuita.
como conhecimento lúdico, posse da linguagem como porta de entrada privilegiada
A POSSE DA LINGUAGEM
para essa inclusão subjetiva e para o trabalho vivo.
Nesse contexto das redes e cultura urbanas,
podemos destacar a diversidade das lingua-
Destituindo a oposição entre letrado/oral, po-
gens e sua incorporação como elemento
pular/erudito, tecnológico/artesanal, a cultu-
determinante das novas formas do político
ra urbana vai incorporando as mais distintas
e da ação. Entre essas linguagens urbanas
estéticas, utilizando desde o mais experimen-
destacamos o audiovisual e a música pre-
tal até as linguagens que já circulam na cul-
sentes na produção cultural, educacional,
tura de massas. As estratégias são múltiplas
estética, na produção social contemporânea
para essa apropriação das linguagens.
de forma ampla.
Uma dinâmica recorrente na constituição
A maioria dos grupos culturais urbanos não
de grupos, coletivos, projetos de cultura
trabalha com uma linguagem exclusiva, di-
urbana é começar com as referências exis-
ferentes linguagens são mobilizadas na sua
tentes dos jovens, sejam quais forem. Uma
produção, mas todos reconhecem uma di-
jovem da Escola Livre de Cinema de Nova
mensão decisiva hoje na passagem de uma
Iguaçu, por exemplo, quer produzir clipes
cultura letrada para uma cultura audiovisu-
para as músicas evangélicas e religiosas da
al: a necessidade de “posse” dessas lingua-
sua Igreja, um menino quer aprender a fazer
gens, assim como a posse e a desconstrução
filmes de ação tipo James Bond... O profes-
das linguagens do poder.
sor não vai dissuadi-los dos seus projetos e
motivações, mas vai lhes apresentar novas
De fato, o desejo difuso é experimentar to-
referências. Já no projeto “coletores de ima-
das as linguagens, compartilhar a emoção,
gens” são os registros do cotidiano de cada
a inteligência, disputar com a novela e com
um que serão analisados nas aulas. Parte-se
a cultura de massa, potencializar e empode-
do cotidiano para pensar uma estética ou
12
linguagem expandida para outros campos,
“pertencimento” social, criar uma “comuni-
repertórios e referências.
dade” subjetiva, um comum, uma inserção
pelo compartilhamento da linguagem, mais
Um garoto traz as imagens das irmãzinhas
do que pelo confinamento em um gueto,
tomando banho em nudez inocente, no
decisivo como estratégica de sair do lugar
projeto TV Lata, da Bahia. O mediador/pro-
de objeto e se tornar sujeito do discurso e
fessor, Joselito Crispim, tem que perguntar
ganhar mobilidade social.
se ele acha mesmo que pode mostrar as irmãs para qualquer um ver. O garoto recua,
Para a TV Lata e o Espaço Bagunçaço de Ala-
melhor não expor as irmãs à curiosidade de
gados, Salvador essa construção de autoes-
desconhecidos. Ética das imagens que nasce
tima e pertencimento, assim como para o
do fazer, do sentir, do perceber.
pessoal das Filmagens Periféricas, da favela
paulista de Tiradentes, surge como decisiva
A partir do concreto se chega ao conceito,
num primeiro momento. Fazer seus filmes,
à ética, à história do cinema e da videoarte.
se ver nos filmes, exibir seus filmes e ser re-
Pode-se partir dos códigos do melodrama ou
conhecido dentro e fora da sua comunidade
da novela para chegar a Godard. Partir do
de forma singular. Inclusão subjetiva.
13
sabido, do consumo, para trazer outras referências. Como na história roteirizada de um
Propostas como a Oficina de Imagem (e o
garoto que quer incorporar o nome, a marca
Latanet, “da latinha à internet”) articulam
Nike, no seu sobrenome, conta Luciana Be-
áreas do conhecimento entre si como física,
zerra do núcleo de cinema Nós do Morro.
química, história, geografia, matemática,
filosofia, estética, informática. Ao fazer fo-
Esses jovens já se relacionam com as tecno-
tografia em latas de alumínio, o jovem tem
logias e linguagens, em lan houses, video-
contato com conceitos da física ótica, com
locadoras, através dos jogos eletrônicos, do
elementos químicos, com estilos artísticos,
melodrama, da TV, das linguagens da vio-
com o espaço geográfico. Ao analisar temas
lência e mesmo da pornografia. Pode-se par-
relacionados à sua comunidade, o aluno é
tir dessas referências e questões para chegar
estimulado a ter uma visão crítica acerca
a outras estéticas e éticas.
das informações veiculadas diariamente
pelos meios de comunicação. O projeto La-
Para muitos grupos (que trabalham com
tanet também aproxima currículo escolar,
jovens das periferias), o ponto de partida,
mídia, cidadania e o cotidiano do estudan-
nesse trabalho de educação/ocupação/for-
te, levando as linguagens e tecnologias da
mação de jovens, é o desafio de criar um
comunicação para o ambiente escolar com
a criação de redes de intercâmbio entre jo-
rica, essa é uma das questões recorrentes da
vens e educadores de diferentes escolas.
cultura urbana periférica, um segundo momento, de saída do discurso da “identidade”
e do “gueto”.
POSSE DA CIDADE
Ao mesmo tempo, com a proliferação da
Os jovens de Alagados, do projeto Bagunça-
cultura urbana vinda das periferias, é pre-
ço e da TV Lata podem ser beneficiados por
ciso problematizar o discurso assistencialis-
esse exotismo da pobreza, alvos da curio-
ta e paternalista que
sidade da BBC
se apresenta como
e
“salvador” ou “messi-
equipes de TV e
ânico” ou de “tutela”
desses
movimentos,
que surgem rompendo com velhos discursos sobre a pobreza.
É a preocupação do
grupo Nós do Morro
de sair do discurso
paternalista dos projetos que têm como
missão ou objetivo
“tirar jovens do tráfico”, “tirar jovens da
(...) com a proliferação
da cultura urbana vinda
das periferias, é preciso
problematizar o discurso
assistencialista e paternalista
que se apresenta como
“salvador” ou “messiânico”
ou de “tutela” desses
movimentos, que surgem
rompendo com velhos
discursos sobre a pobreza.
de
muitas
documentários
estrangeiros.
Ao mesmo tempo, a periferia é
global, está em
vários
espaços
e países. Assim,
a
mobilidade
social conquistada por Joselito Crispim o
leva a discutir e
apresentar seus
rua”. O discurso é ou-
projetos em di-
tro, para empoderar
ferentes grupos
esses jovens, lhes res-
sociais e países,
tituir autonomia, criar novas condições de
conseguindo parcerias e apoios no mundo
uma inclusão subjetiva ou uma “intrusão
todo. É claro que quem financia, apoia ou
social”; a aposta é a apropriação tecnológi-
patrocina os projetos das periferias urbanas
ca e simbólica, tudo o que produza um au-
brasileiras acaba direcionando o foco. “Me-
mento de potência/autonomia/autogestão.
ninos pobres da favela” é uma demanda e
“Não nos coloque no gueto”, não nos reduza
“condição inicial” de muitos filmes e pro-
a produzir uma “estética da periferia”. Ou,
jetos realizados que podem até passar pelo
ainda, não nos reduza a uma pobreza folcló-
exotismo da pobreza, mas afirmam a neces-
14
sidade de não se deixar aprisionar nos este-
que intimidam. Mais do que isso, precisam
reótipos nem cair na condição de vítimas,
de dinheiro para circular e atravessar, às ve-
de objetos do discurso do outro, de uma fol-
zes, a cidade inteira para chegar a partici-
clorização, onde alguém diz de “fora” o que
par de um projeto cultural/social. Viabilizar
você é . É preciso tomar posse das lingua-
o transporte e a circulação desses jovens, as-
gens e dos meios, tomar posse das câmeras,
segurando esse outro tempo, tornou-se de-
das redes, pois as questões de pertencimen-
cisivo para muitos projetos e participantes.
to e autoestima passam pela potência da
Bolsas transportes, vãs, transportes facilita-
imagem e da visibilidade e pela possibilidade
dos são propostas de todos os grupos para
de reverter o negativo em positivo, saindo
tomar posse simbólica da cidade.
do discurso da “falta” e do “negativo” que
ainda marca certos discursos sobre a cultu-
Além disso, é preciso levar os jovens brancos
ra urbana periférica.
e de classe média e de outros grupos sociais
às periferias e favelas. Entre esses grupos es-
Essas seriam pois algumas condições para
tratégicos estão os jornalistas e produtores
uma inclusão subjetiva: além da apropria-
de mídia. Uma das propostas da Associação
ção tecnológica e da posse da linguagem, a
Imagem Comunitária de Belo Horizonte é
plena circulação pela cidade. A posse do ter-
“educar” a mídia e os jornalistas sobre esses
ritório urbano.
movimentos sociais e culturais.
Como falar de uma cultura urbana plena
A mídia também tem, muitas vezes, um dis-
quando jovens negros são impedidos de se
curso paternalista e piedoso, que só valoriza
deslocarem livremente pela cidade ou, ao se
os projetos que vão “tirar o jovem do trá-
deslocarem, aparecem os constrangimentos
fico”, discurso que transforma os projetos
e os territórios proibidos.
em “creches de adultos”. Matérias que só
querem explorar a antiga relação dos jovens
Joselito Crispim descreve o espanto que os
com o tráfico ou a delinquência. Todos re-
garotos negros de Alagados/Bahia ainda cau-
conhecem essa dupla força da mídia: de dar
sam nos espaços públicos de Salvador. Ra-
visibilidade aos projetos e, ao mesmo tem-
cismo, desconfiança, choque visual diante
po, produzir clichês e caricaturas. Alguns
das crianças do Bagunçaço, que tocam per-
jornalistas não conhecem as periferias das
cussão em latas. Também os jovens do Fil-
cidades, e fazer mídia e tornar-se mídia são
magens Periféricas destacam a necessidade
pontos decisivos na guerrilha semiótica.
dessa posse simbólica e real da cidade. Precisam sair do gueto e circular nos espaços
Seria importante ter ações que levem a im-
15
prensa e a mídia para conhecer os projetos
TV. Ainda na criação de circuitos, temos a
e periferias, de forma não sensacionalista,
TV Minuto. Debates relâmpagos no trânsito
deixando de lado a retórica que transforma os
são feitos enquanto o sinal fecha, com um
novos produtores de cultura em “pobrestars”.
banquinho de plástico e uma pauta. Paródia
dos debates de TV em que não se discute
Os grupos e coletivos que trabalham nesses
nada. A correria e a preocupação com o si-
campos midiáticos profissionais voltados
nal que vai abrir ou fechar já bastam para
para a formação de atores, músicos, direto-
“entreter”.
res de vídeo ­ sublinham esse horizonte de
uma profissionalização dessas atividades,
Em relação a novos circuitos, o Filmagens
não de uma glamourização das profissões e
Periféricas tem como um dos projetos do
atividades midiáticas e artísticas. Reforçam
grupo, depois das oficinas de vídeo na cidade
a ideia do trabalhador-artista ou do artista-
de Tiradentes-SP, a exibição do material pro-
trabalhador. No Nós do Morro e em outros
duzido no MIS, no CCBB, locais que muitos
grupos, todos têm que passar por todas as
moradores de Tiradentes, periferia paulista,
etapas de produção, realização, atuação,
não têm acesso, não sabem o que é. Surge,
manutenção física dos espaços, viabilização
então, o “Cinema de Periferia”, com a ideia
financeira, as diferentes ocupações na ca-
de colocar todos os vídeos realizados pelo
deia do audiovisual, atividades técnicas (ele-
Filmagens Periféricas em uma fita ou DVD e
tricista, iluminador, figurinista, etc.).
distribuir nas locadoras de Tiradentes.
OUTROS CIRCUITOS
Com o apoio do Programa de Valorização
das Iniciativas Culturais do Município de
Na TV Ovo, do Rio Grande do Sul, a forma-
São Paulo, o Filmagens Periféricas conse-
ção de jovens através do audiovisual tem
guiu produzir, em 2003, 120 cópias com 13
como objetivo formar e multiplicar forma-
curtas-metragens que foram distribuídas
dores, passar da formação para a produção
nas sete locadoras do bairro, e podem ser
e exibição, e criar um circuito novo.
retiradas gratuitamente quando o cliente
aluga algum filme comum.
Por exemplo, a TV Ovo no ônibus, em que
se produz curtas para serem vistos dentro
No Cubocard, ação inovadora de criação de
de ônibus comuns que recebem um apare-
uma moeda colaborativa, em Cuiabá, che-
lho de televisão. O ônibus vira um espaço de
gamos ao exemplo máximo de criação de
exibição. Passageiros passam da sua parada
uma economia da cultura, com a criação de
original para acabar de ver o vídeo no Bus
uma “moeda cultural”, um sistema de troca
16
e de crédito, uma “moeda” baseada na força
cambiáveis. Outra dificuldade é manter as
do cooperativismo, mas que tem múltiplas
redes formadas e criar “redes de redes”, po-
faces com o comunitário, o cooperativo, a
tencializando as iniciativas, criando redes de
colaboração e o mercado.
relacionamento, trocas de conhecimento,
que proporcionem um aumento da produti-
O Cubocard transforma a troca de serviços
vidade social e da inteligência coletiva.
em multiplicadora de autonomia. Não se
trata de formação, mas de produção de au-
Mas como sustentar o desejo? As formas
tonomia e novos mercados fora do eixo, com
jurídicas se tornaram insuficientes para dar
protagonismo juvenil. Originada no cenário
conta dos arranjos dos coletivos, que são
autoral da música, produtores de vídeo, Ca-
muito variados e diversos. A Escola Livre de
lango, Grito Rock, Festivais independentes,
Cinema é um projeto patrocinado pela Pre-
Imprensa Zine, o Cubocard é uma moeda
feitura de Nova Iguaçu, tendo professores
de trocas, juntando o mercado formal e al-
com carteira assinada. Uma Ong e uma pro-
ternativo.
dutora independente, simultaneamente. A
equipe de direção também faz produção e
Trata-se de reinventar e ressignificar os cir-
captação. Qualquer participante pode cap-
cuitos locais, além de empoderá-los através
tar em nome do Projeto. Seu horizonte é
da internet (TV Lata, Latanet, TV Ovo, Cubo-
se profissionalizar, remunerar a todos, com
card), pois todos os projetos têm web-sites
gestores, e setor financeiro
como a base de divulgação e produção de
redes e criação de mercados. Todos os parti-
O Curso de Audiovisual da CUFA (Central
cipantes fazem demandas na capacitação na
Única das Favelas) é um curso livre de au-
área de gestão, administração, para dispu-
diovisual, de teoria e prática, realizado hoje
tar editais, redes de apoio na formatação de
em parceria com a Escola de Comunicação
projetos, “cnpjotagem”, tornando-se pessoa
da UFRJ, numa relação inovadora da cultu-
jurídica, Ong, OCIP, buscando aumentar o
ra urbana com a universidade. A CUFA tem
nível de formalização jurídica, mas manten-
hoje uma equipe de cerca de 30 pessoas,
do a horizontalidade de rede e o coletivo e
inventou a Escola de Audiovisual, o Festival
novas formas de gestão. Faltam captadores,
Hutúz, o Basquete de Rua. Tem uma figura
redes de relacionamento, redes de colabora-
midiática como MV Bill, que dá visibilidade
ção, redes de troca de experiências, redes de
e credibilidade, patrocínios estaduais, nacio-
gestão e de metodologias, listas, encontros
nais, apoio da Petrobras, apoio de políticas
periódicos, publicações sobre esses temas,
públicas, mídia da Globo. Tem Financeiro,
trocas de serviços, banco de serviços e bens
tem diretor, tem Assessoria de Imprensa,
17
parcerias em todos os níveis. É um projeto
voluntários dos Pontos de Cultura. Indicam a
que se replica em todo o Brasil.
necessidade de profissionalizar a área e o projeto. Todos têm como horizonte não depender
O Grupo Nós do Morro tem patrocínio da
de voluntários, sair da precariedade.
Petrobras para os administradores. Bolsas
simbólicas para os multiplicadores. Sua
Os Mcs do coletivo Filmagens Periféricas co-
equipe tem perfil transdisciplinar: jornalis-
meçaram trabalhando a “pão-com-mortadela”
tas, dramaturgos, cenógrafos, iluminadores,
e hoje conseguiram, através de uma Lei de In-
pedagogos, militantes. Dá autonomia para
centivo Estadual, de São Paulo, montar uma
que os participantes proponham projetos in-
ilha de edição e comprar uma câmera digital
dividuais utilizando a “marca” do Grupo e a
locadas no quarto de um dos coordenadores,
possibilidade de vender serviços para tercei-
na periferia de Tiradentes. O suficiente para
ros, para sustentar suas atividades (aluguel
colocarem seus vídeos e clipes na locadora da
das ilhas de edição e equipamentos), etc. O
comunidade, inventando um mercado e um
processo de trabalho atende a 360 pessoas.
circuito. Quem aluga um “Duro de Matar” leva
Tem uma Diretoria e Coordenadores, únicos
de graça os filmes da periferia.
remunerados, os professores são voluntários.
O que essas propostas têm em comum? A
horizontalidade das redes, a tendência no
TV Lata e Bagunçaço. A equipe da Associa-
sentido de abolir a rigidez de hierarquias e
ção é formada por uma pedagoga e um as-
burocracias. Essa cultura das favelas e peri-
sistente social. Os meninos não vão embora,
ferias (música, teatro, dança, mídia, vídeo,
se autogerem, 300 meninos são sazonais,
moeda, educação), surge como um discurso
alguns se profissionalizam, frequentam in-
político “fora de lugar” (não vem da univer-
tercâmbios internacionais, ganham trânsito
sidade, não vem do Estado, não vem da mí-
e mobilidade social. É centrado na figura de
dia, não vem de partido político) e coloca
Joselito Crispim, que tem liderança e visibili-
em cena novos mediadores e produtores de
dade e apoios internacionais.
cultura: rappers, funkeiros, b-boys, jovens
atores, performers, favelados, desempre-
TV OVO: O projeto foi implantado como um
gados, subempregados, produtores da cha-
Ponto de Cultura do Minc, o que garante sua
mada economia informal, artistas urbanos,
sustentabilidade, e tem entrada em programas
grupos e discursos que vêm revitalizando os
de políticas públicas, como o Primeiro Empre-
territórios da pobreza e reconfigurando a
go. Ressalta a importância de bolsas para 12
cena cultural urbana. Transitam pela cidade
jovens, com ajuda de custo, e conta com os
e ascendem à mídia de forma muitas vezes
18
ambígua, podendo assumir esse lugar de
Projeto “Onda Cidadã”, promovido pelo Itaú
um discurso político urgente e de renovação
Cultural em novembro de 2007 no Circo Vo-
num capitalismo da informação.
ador, Rio de Janeiro/Lapa, um instantâneo,
breve e intenso dessa potência da multidão,
Essas redes culturais locais constituem um
em gestação no laboratório do capitalismo
contraste com as políticas públicas organi-
imaterial brasileiro, o território urbano.
zadas do centro, muito hierarquizadas, centralizadas, e que não resolveram ou reduziram a um nível desejável as desigualdades
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sociais. Hoje, nós temos uma oportunidade
BENTES. Ivana. Redes Colaborativas e Pre-
histórica de experimentar outros modelos
cariado Produtivo. In: Caminhos para uma
de políticas públicas, ainda embrionários,
Comunicação Democrática. São Paulo: Le
redes socioculturais que funcionam justa-
Monde Diplomatique e Instituto Paulo Frei-
mente de forma horizontal, acentrada, rizo-
re, 2007.
mática, organizando a própria produção.
HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Multidão:
Este texto tem como base a experiência de
guerra e democracia na era do Império. Rio de
Coordenação do Grupo de Audiovisual do
Janeiro: Record, 2005.
19
TEXTO 2
O conhecimento do território
CONHECER O TERRITÓRIO, VIVER A CULTURA
Jorge Luiz Barbosa1
INTRODUÇÃO
Espaço-tempo demarcado pelas intenções e
ações humanas, emergindo como recurso e
Colocar na pauta política – portanto na agenda
pública da sociedade – a dimensão territorial
da cultura significa, sem maiores detalhes, assumir o desafio de pensar e repensar as relações humanas em configurações demarcadas
e instituídas na realização dos sujeitos sociais.
Isto nos conduz a chamar a atenção para as
diferenças (e desigualdades) objetivas e subjetivas presentes no território, aqui entendido
como recurso e abrigo de existências plurais.
Abre-se, no plano da investigação crítica, um
amplo caminho de investimentos de integração, de trocas de experiências e de práticas
solidárias para o devir da cultura como um
campo de significação permanente da vida em
sociedade.
abrigo que exterioriza existência individual
e coletiva. O território significa a constituição necessária de laços que se definem pela
apropriação e uso das condições materiais,
como também dos investimentos simbólicos, espirituais, estéticos e éticos que revelam a natureza social do demarcado. Como
afirmam Bonnemaison e Cambrézy (1996),
pertencemos a um território, guardamo-lo,
habitamo-lo e impregnamo-nos dele. Essa relação dialética de ser e estar no mundo, conferida pelas territorialidades da existência,
revela-se como historicidade concreta da
cultura como diversidade de modos de vida.
O território guarda, portanto, elementos
mais recônditos do nosso ser e, ao mesmo
tempo, contribui para exteriorizar os signifi-
A DIMENSÃO TERRITORIAL
DA CULTURA
cados de uma dada sociedade.
Há uma dimensão da realização da vida
de símbolos, memórias e valores, que encar-
em sociedade que nomeamos de território.
nam o sentido primordial da cultura. Porém,
No território estão presentes as cristalizações
1
Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Observatório
de Favelas.
20
ele mesmo não pode ser interpretado como
seres humanos projetarem-se na direção do
uma demarcação rígida e intransponível. O
futuro. Isto significa afirmar que a recusa
território também representa uma fronteira
social do diferente – substanciada e instru-
de comunicação de culturas, reclamando a
mentalizada com a criação de territórios
presença do diferente como possibilidade de
protegidos por muralhas erguidas contra
realização renovada de modos de vida, como
tudo que é considerado ignoto e/ou estran-
patrimônio da diversidade.
geiro – implica a redução da cultura a uma
padronização discricionária e à replicação
Queremos chamar a atenção para o necessá-
meramente consumista.
rio reconhecimento da importância da diferença no movimento
Por outro lado,
de realização da cultu-
esses
ra. Nenhum modo de
vida pode se afirmar, e
simultaneamente renovar suas tradições,
sem a presença de
outros modos de vida.
Portanto, a diversidade e a pluralidade são
marcas essenciais da-
O território também
representa uma fronteira de
comunicação de culturas,
reclamando a presença do
diferente como possibilidade
de realização renovada
de modos de vida, como
patrimônio da diversidade.
quilo que chamamos
mesmos
referenciais
de
produção da cultura encontram
sua morada no
território, como
extensão desses
mesmos valores,
memórias e tradições
criadas
em sociedade.
de universo cultural e
Portanto,
de toda a sua riqueza
há
possível de desvendamento do que somos,
uma co-habitação de signos, de práticas e de
onde estamos e para onde desejamos seguir.
sujeitos sociais, no tempo/espaço demarcado
em função de concepções, saberes e fazeres.
Pensar a cultura como fluxo de (re)apro-
Isto não significa dizer que o território é o abri-
priação permanente da vida proporciona
go categórico ou uma entidade estanque de
o entendimento que a circularidade de co-
uma subjetivação fechada em si mesma. O ter-
nhecimentos, obras, práticas, técnicas e
ritório é um conjunto complexo de vivências,
imaginários são indispensáveis para o en-
percepções e concepções de sujeitos sociais
riquecimento da vida social como herança
que se projetam sobre a sociedade como um
e, sobretudo, como projeto, uma vez que a
todo, criando enlaces de pertencimento socio-
cultura é uma construção que permite aos
cultural.
21
Para tanto, o uso compartilhado do território se torna fundamental, uma vez
que significa uma mediação entre o eu e
A CULTURA COMO DIVERSIDADE
DE SIGNOS IMPRESSOS NO
TERRITÓRIO
o nós. Trata-se de ordenação de forças e
modos existenciais que se remetem aos
A cultura é sempre diversa, dinâmica e plu-
atributos que lhes são comuns e não co-
ral. Multiplicam-se pela cidade os signos im-
muns, constituindo relações que privi-
pressos nas falas, nos gestos, nas roupas, na
legiam mediações e agenciamentos de
música, na dança. Eles reportam às moradas
comunicação. Desse modo, definimos
dos grupos sociais e, consequentemente, à
valores, estabelecemos juízos, elegemos
condição de cada um na sociedade.
referências, construímos hábitos e instituímos narrativas que, no seu amálgama
Porém, isso tem significado, em larga medi-
humano, nos conferem o sentimento de
da, posições de privilégio ou não na escala
pertencimento na diversidade do existir e
de valores e práticas hegemônicas no espa-
viver no mundo.
ço metropolitano. Resulta desse processo a
distinção de territórios que, por sua vez, re-
A dimensão territorial da cultura conduz ao
duzem e / ou confinam as possibilidades de
encontro, à interseção e à mobilização da
trocas simbólicas e culturais.
trocas como possibilidade de construção e
afirmação de enlaces sociais. Assim, viver a
Romper com essa redução sociocultural dos
cultura na sua dimensão territorial não se
territórios significa o reconhecimento da
refere exclusivamente à fixidez e à estabili-
legitimidade da presença do Outro, da sua
dade de práticas, o que denotaria uma con-
atividade criativa e do direito de manifestar
cepção pragmática, narcísica e homogenei-
as leituras do seu mundo.
zante da cultura.
Valorizar e respeitar a diversidade de maniEm outros termos, a relação pertencer/aqui-
festações culturais e artísticas é um ato pri-
lo que nos pertence é fundamental na cons-
mordial de construção de uma sociabilidade
trução da cultura como herança e projeto,
renovada. Consolida-se com essa perspecti-
pois encaminha práticas de aproximação
va, como efeito, a ampliação da circularida-
entre o Mesmo e o Outro. Inscreve-se nesse
de de imaginários, de obras, de bens e práti-
debate a qualidade da criação cultural, sua
cas culturais no tempo/espaço da sociedade.
potência afirmativa de sociabilidades gene-
Afinal, a cultura se torna mais rica quando
rosas e sua virtualidade cognitiva da realida-
expandimos as nossas trocas de imaginá-
de em que vivemos.
rios, de saberes, de fazeres e convivências:
22
“A riqueza de formas das culturas e suas
escolarização, na habitação, na saúde e no
relações falam bem de perto a cada um
acesso aos bens e equipamentos culturais.
de nós, já que nos convidam a que nos
vejamos como seres sociais, nos fazem
A distribuição espacial de equipamentos e
pensar a natureza dos todos sociais de
bens culturais na cidade do Rio de Janeiro é
que fazemos parte, nos fazem indagar
um forte retrato das desigualdades sociais.
das razões da realidade social de que
Há uma forte concentração de teatros, cine-
partilhamos e das forças que as mantêm
mas e espaços culturais no centro da cidade
e a transformam” (SANTOS, 1994, p. 9).
e nos bairros da Zona Sul. Entretanto, nas
grandes favelas cariocas – Maré, Alemão,
A cultura é uma das dimensões na qual o
Rocinha – não encontramos nenhum inves-
homem encontra o mundo e se vê. Essa pos-
timento público de porte no âmbito da arte
sibilidade cognitiva das formas da cultura
e da cultura.
está intimamente associada às condições
da pluralidade de suas inscrições territo-
Estamos diante do debate que diz respeito
riais. Não há dúvida de que ainda pode-
à necessária inflexão territorial das políti-
mos identificar manifestações culturais que
cas públicas, pois é impossível conceber e
remontam a diferentes épocas e se fazem
aceitar a concentração desmedida na distri-
representativas da acumulação de experi-
buição de bens e equipamentos culturais,
ências humanas. Isto significa a criação de
especialmente os criados pelo poder públi-
linguagens particulares de rememoração
co. Então, são urgentes e inadiáveis investi-
e atualização de acontecimentos, ideias,
mentos diretos nos espaços populares. Fa-
crenças, mitos, práticas, artefatos, costu-
velas e periferias reúnem cidadãos e cidadãs
mes, hábitos; são falas dos territórios que
que não podem permanecer sem espaços
costuram o tecido denso do existir dos se-
culturais como cinemas, teatros e casas de
res humanos e permitem que nos vejamos
cultura. Tais investimentos seriam de extre-
como fazendo parte de uma complexa rede
ma importância em termos educacionais,
de sociabilidades.
artísticos, sociais e, inclusive, no tocante
à segurança pública, pois podem significar
Esse debate nos remete à necessária supe-
transformações nas condições de existência
ração das desigualdades sociais, pois estas
não só das comunidades populares, como
não dizem respeito exclusivamente aos as-
também dos demais bairros vizinhos.
pectos econômicos: distribuição de renda,
emprego, consumo. Elas estão expressas
Por outro lado, são muitos os projetos que
em outras condições de existência social: na
aportam nas favelas carregados de precon-
23
ceitos, os mais recorrentes são os que pre-
Isto significa dizer, portanto, que é preci-
tendem tirar os jovens do domínio do tráfico
so reconstruir a vida da cidade pelo reco-
de drogas, como se todos os jovens fossem
nhecimento da diversidade cultural como
potencialmente violentos e criminosos. Pro-
um valor da existência.
jetos dessa natureza não possuem um bom
começo, pois já partem de estigmas em relação às crianças e aos jovens das favelas.
CONCLUINDO
A democratização plena de uma sociedade
Na contracorrente desses projetos estigma-
se faz com o entrecruzamento de diferentes
tizantes, aparecem experiências de diversos
expressões e experiências culturais. Pressu-
grupos que enfatizam o protagonismo dos
põe, portanto, encontros de sociabilidades,
jovens. Através de cursos, seminários e ofi-
conhecimentos recíprocos dos modos de vi-
cinas de arte e cultura, os jovens são orien-
ver e respeito aos estilos existenciais que se
tados e estimulados a criar suas representa-
realizam nos territórios múltiplos que coe-
ções de mundo e de si mesmos. Tornam-se
xistem nas sociedades urbanas da contem-
autores de seus signos e significados. En-
poraneidade.
tram na cena como atores de suas vidas e
não como encenados de olhares distantes e
Isto implica (re)conhecer territórios de per-
distanciados do seu mundo.
tencimentos que inventam fluxos de ruptura com a banalização do cotidiano. Valori-
É preciso reconhecer que a cidade é produ-
zar a diversidade como princípio de nossa
to da diversidade da vida social, cultural e
formação cultural é, sem dúvida, promover
pessoal. Isto significa dizer que a cidade
encontros entre distantes/diferentes como
deve ser pensada, tratada e vivida como
possibilidade de tessitura de estéticas inova-
um bem público comum, e não como um
doras e transformadoras.
espaço de desigualdades. A cidade é o encontro dos diferentes. A cidade é a expres-
Desse modo, conhecer o território é reco-
são da pluralidade de vivências culturais,
nhecer a complexidade do mundo. É cons-
afetivas e existenciais. Por outro lado, a
truir um mapa sensível de nossas existên-
padronização cultural da vida rouba da
cias. Há, portanto, um significado político
cidade a criatividade necessária para in-
nesse movimento proposto, uma vez que se
ventar a alegria e a felicidade, enquanto a
coloca em pauta a invenção de uma geo-
homogeneização das práticas sociocultu-
grafia de registros e trocas comunicativas
rais enfraquece o significado do conviver
para experienciar a cultura no acontecer da
e do aprender com a presença do outro.
vida.
24
BIBLIOGRAFIA
SANTOS, Milton. O território e o dinheiro. In:
Território, Territórios. Niterói: PPGEO / AGB,
BONNEMAISON, J. e CAMBRÉZY,L. Le lien terri-
2002.
torial: entre frontiéres et identités. Géographies
et Cultures, nº 20, Paris, L’Harmattan, 1986.
SENNETT, R. O declínio do homem público.
São Paulo: Cia. das Letras, 1993.
CLAVAL, P. A Geografia Cultural. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1999.
SILVA, Jailson de Souza e BARBOSA, Jorge
Luiz. Favela: alegria e dor na cidade. Rio de
LÉVI-STRAUSS, C. L’Identité. Paris: PUF, 1977.
Janeiro: Ed. Senac / X-Brasil, 2005.
SANTOS, José Luiz. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
25
TEXTO 3
Práticas inovadoras
NOVAS PRÁTICAS
Marcus Faustini1
Uma mãe voluntária dentro de uma escola
ditamos que qualquer construção de novas
tem a tarefa de colocar as crianças para to-
práticas dentro da escola, antes de inventar
mar banho no intervalo entre um turno e
novos sistemas, deve garantir a presença
outro. Diante da constante resistência das
de atores sociais diversos dentro do espaço
crianças em tomar banho, ela começa a
escolar.
pensar no que fazer para aqueles “moleques
gostarem de se limpar”. Começa a perceber
Nenhuma nova prática nasce sem a cultura
que as crianças gostam de cantar funk im-
da diversidade, sem a garantia diária, atra-
provisado e cria “a hora do funk no chuvei-
vés de práticas, de que essa diversidade não
ro”. A partir desse dia, a hora do banho pas-
será tida como um corpo estranho ou extra-
sa a ser disputada por todos.
ordinário, até mesmo na grade curricular.
A estratégia desta mãe não pode ser vista
A pequena história acima pode parecer
como jocosa, singular e extraordinária. Ela
anedótica para alguns e até mesmo anti-
só foi possível pela repetição da tarefa que
pedagógica para outros. O fato é que ela
lhe foi dada. Garantir o direito à repetição
demonstra uma bela estratégia estética e
da presença diária desses diversos atores
afetiva construída por essa mãe voluntária
sociais dentro da escola e superar a eventu-
dentro do espaço-tempo da escola. Por ou-
alidade da presença comunitária são os ca-
tro lado, para percepção de quem busca no-
minhos para se criar o sentido de inovação.
vas práticas pedagógicas, salta aos olhos a
Não adianta convidar a comunidade para
perspicácia da mãe que uniu afeto e incor-
jornadas de sábados ou datas comemorati-
poração do imaginário das crianças para
vas escolares, se essa comunidade não for
realizar a sua tarefa. Podemos nos arriscar
estruturante para as estratégias cotidianas
e dizer que isto só foi possível porque ela é
de relacionamento, conhecimento e expres-
uma mãe voluntária e, desta maneira, acre-
são estética da escola.
1
Secretário de Cultura do Município de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro.
26
O curioso é que essa defesa cabe em vários
com a experimentação das linguagens e con-
discursos já existentes e que são defendidos
teúdos pode criar um ambiente favorável a
com inflexão militante por muitos intelectu-
novas práticas. Além disso, pode estimular
ais e agentes corporativos. Mas isso não tem
para que os agentes pedagógicos tradicio-
sido suficiente para garantir a ampliação do
nais da escola se manifestem também como
universo da escola. Para que isso aconteça,
atores sociais e não apenas como elementos
é preciso empoderar a comunidade e esses
da “máquina de ensinar”. O professor pre-
atores sociais diversos nas decisões da es-
cisa deixar de ser o centro do poder dentro
cola. Novas práticas são a invenção de po-
da sala de aula, e tornar-se um mediador de
der. Então, para que
experimentação
elas existam é preciso
do mundo. Isso
criar um ambiente democrático, de prática
republicana, que seja
capaz até mesmo de
exprimir as diversas
estratégias simbólicas
presentes dentro e no
entorno da escola.
Se acreditarmos que a escola
é o primeiro lugar onde
podemos experimentar o
mundo, como isso será
possível se dentro da escola
não existir a diversidade do
mundo?
traz a possibilidade de esse
agente poder se
apresentar com
sua identidade
e
estratégias
individuais, no
mesmo nível da
mãe que criou
Se acreditarmos que
a “hora do funk
a escola é o primeiro
no chuveiro”. É
lugar onde podemos experimentar o mun-
a valorização da singularidade de cada pro-
do, como isso será possível se dentro da
fessor, pois quando o colocamos como me-
escola não existir a diversidade do mundo?
diador, ele pessoaliza o seu processo e tem a
Até então, essa diversidade do mundo só
possibilidade de se relacionar com os outros
está presente dentro da escola através de
atores sociais, também como indivíduo, e
ilustrações que o conteúdo escolar difunde.
não mais como coletivos (grupo de aluno,
O conteúdo deve ser tratado como um ob-
grupo de pais, etc.). Acreditamos que, com
jeto que pode ser montado/desmontado por
essas estratégias, a experimentação será
todos. Dessa maneira, ele será percebido
não só oportuna, mas necessária para esco-
como uma linguagem que produz sentido
la. Assim como a própria presença da comu-
sobre o mundo.
nidade com sua criatividade territorial determinará o ambiente para novas práticas,
A combinação de diversos atores sociais
para a inovação.
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Qualquer outra tentativa que apenas aponte
pelo alcance do hip-hop, do cordel ou de ou-
para efeitos organizacionais ou de dinâmicas
tra manifestação eleita como mediadora. O
pode não ser suficiente para garantir essas
estudo da estética será determinante para
novas práticas. Não é suficiente chamar “os
uma escola que tenha a inovação como meta.
meninos do hip-hop” para apresentações em
A dimensão da expressão e da linguagem é
datas festivas da escola se esse universo não
decisiva para a construção de uma ética que
estiver inserido estruturalmente no conteúdo
aceite a diversidade de atores sociais, crenças
da escola. Entretanto, ele não pode ser usado
e modos de viver. A mãe, do nosso exemplo
apenas como uma ilustração do conteúdo. O
inicial, é ainda apenas um caso raro e funcio-
estudo da linguagem, da organização e da es-
nal, assim como devemos ter muitos outros
tética dessa manifestação, por exemplo, deve
pelo país dentro das escolas e comunidades.
ser tão importante como o estudo do desco-
Precisamos ter a coragem de ampliar as pos-
brimento do Brasil. Isso é central não apenas
sibilidades de esses casos acontecerem.
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Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação a Distância
Direção de Produção de Conteúdos e Formação em Educação a Distância
TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO
Coordenação-geral da TV Escola
Érico da Silveira
Coordenação Pedagógica
Maria Carolina Machado Mello de Sousa
Supervisão Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento Pedagógico
Carla Ramos
Coordenação de Utilização e Avaliação
Mônica Mufarrej
Fernanda Braga
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV Brasil
Gerência de Criação e Produção de Arte
Consultor especialmente convidado
Ecio Salles
E-mail: [email protected]
Home page: www.tvbrasil.org.br/salto
Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro.
CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)
Maio de 2009
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