1 HIP-HOP NO ENSINO: POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS Fabiano Pereira dos Santos (Letras - UEL)1 Cristiano Biazzo Simon (orientador)2 Palavras-chave: rap, cultura, literatura. Resumo O objeto de análise desse trabalho será primeiramente, o hip-hop. E ao abordarmos essa forma de representação artística do povo negro, notou-se logo de início, que desde sua criação nos guetos nova-iorquinos dos anos setenta, até como se apresenta atualmente, o hip-hop ter um cunho ideológico, criado e, ainda cultuado, pela população negra. Essa manifestação da cultura popular, no entanto, não favorece a aceitação do rap enquanto literatura. Por isso, procuraremos tirar o rap da classificatória de cultura hip-hop, tendo em vista a aproximação da literatura, não só da comunidade que vê no rap uma ideologia, como também de todo um grupo mais abrangente de estudantes. Para tanto, foram feitas pesquisas bibliográficas, por meio da internet, além de entrevistas com os adeptos do estilo, e análises de músicas. Cabe salientar que o referencial teórico que orienta a análise é o que considera o contexto atual das representações artísticas de nossa sociedade. 1 Graduando do curso de Letras Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de Londrina – UEL, bolsista do Programa de Apoio a Ações Afirmativas para Inclusão Social UEL/Fundação Araucária. [email protected] 2 Professor da área de Prática de Ensino de História do Dep. de história do Centro de Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina. 2 1. Introdução A questão primordial no desenvolvimento desses argumentos seguintes foi levar em consideração as articulações características das produções culturais representativas de um grupo social, através compreensão de suas formas de expressão. Entre essas manifestações destaca-se o hip-hop. Entende-se Cultura Hip-hop pela união de diversas manifestações artísticas representadas principalmente pelo DJ (Disk Jokei), personagem encarregado da base melodiosa dos raps, o MC (Mestre de Cerimônia), encarregado das elaborações de poemas (canções) e na performance poética das apresentações, enquanto o break é a manifestação corporal dessa cultura; além do grafite: [...] a arte de desenhar e escrever em muros, paredes e qualquer vazio [...].(SPENSY, 1999, p. 14). Ao ressaltar a característica do hip-hop é importante também lembrar que além desses quatro elementos manifestados, há ainda outro, percebido, ou reconhecido na atualidade, incorporando a essa contracultura: o conhecimento; o conhecimento no caso do rap é fundamental, pois resgata a carga da cultura africana. Pretendemos neste trabalho, portanto, explorar as possibilidades de possíveis classificações do rap como literatura e, para atingirmos tal objetivo, iniciaremos por apresentar as origens na cultura hip-hop, com fim de refletir sobre porque a utilização do rap enquanto “estilo de vida” manifestado em uma cultura marginal, ou seja, em oposição à cultura de massas. Torna-se indispensável para essa reflexão sobre o objeto de análise, o entendimento desse caráter essencial do rap empenhando-o ao papel de representatividade de uma própria cultura popular à margem da cultura normalizante das massas, além até, da própria cultura hip-hop. Uma cultura moldada em padrões próprios que regem leis de conduta coletivas e, um modo especial de encarar realidade. 3 2. Um passado de lutas Foi nos EUA, que [...] apesar do novo ataque do sistema, desbancando os Black Panthers e contaminando o soul e o funk, em meados da década de 70 [...] do século passado o povo negro descontente com a situação vivida nos guetos nova-iorquinos criou essa forma revolucionária de expressão artística. (SPENSY, 1999, p.9) De tal sorte, o ponto que nos interessa no momento é auto-identificação do povo negro, com o movimento gerador de uma série de alterações nas manifestações artísticas da contemporaneidade. Por conseqüência de assentir toda uma carga histórica de luta dos afro-descendentes, o rap, além de ser um estilo musical, também é uma ideologia, um modo exclusivo de encarar a realidade repleta de situações que senão pelo movimento aqui analisado, ficariam circunscritas aos subúrbios das grandes cidades. Para Shusterman, o rap não apenas faz a crítica de um determinado modelo sócio-econômico, ele questiona uma concepção de arte e estética que se afaste da realidade ou que constitua nichos de saber – e, portanto, de poder – inacessível a uma população. (apud SALES, 2004, p. 91) O rap chega ao Brasil provavelmente no início da década de 80. Época de transição da ditadura militar no país, o povo negro aqui sofria situação semelhante à enfrentada pelos negros norte-americanos no processo descrito anteriormente, com a existência de grande similaridade entre muitas características de seus processos históricos. Manifestações, bailes, passeatas eram freqüentes na comunidade negra. A censura ainda arbitrava o campo das artes, e a população a cada dia se dava mais conta da repressão a que o país estava submetido. Nos subúrbios, os negros, que após a abolição se viram desamparados e até rejeitados pelo governo, começaram a unirem-se para celebrar bailes em que a comunidade negra se encontrava. Motivados pelas conquistas americanas no campo musical com o rap, os brasileiros inserem o estilo no contexto nacional. As características ideológicas da cultura hip-hop (como a pregação da união do povo negro) o acompanharam ainda que tardiamente. Porém, em contexto nacional – no Brasil - as 4 manifestações do hip-hop não tiveram uma pacífica aceitação como um grupo homogêneo, comportando-se como partes integrantes de um fenômeno maior, semelhante aos EUA. No Brasil, as figuras do DJ e do MC, por disporem de um meio de difusão mais poderoso, se destacaram em comparação ao break e o grafite. O destaque desses dois segmentos - além do conhecimento - em comparação aos outros do hip-hop, se deu devido ao suporte utilizado, a música. 3. Arte ou ideologia? O rap. Concomitantemente à perspectiva do rap tomado como literatura – ou seja, como arte - não se sucede sem nenhum motivo. Isto se dá em decorrência do fato dessa manifestação da cultura popular, desde o seu início e até na forma como se apresenta atualmente comportar características ímpares às que as elites culturais ou, “cânones”, consideram do ponto de vista “crítico”, como artístico, ou seja, como “arte”. Desse modo, ao considerar como arte, apresenta-se, portanto, a possibilidade de assumir o rap, por suas peculiaridades, como literatura. Termo este criado com bases em juízos de valor que uma elite cultural nomeia ideologia, segundo Terry Eagleton. Ou, num sentido mais amplo poderia se dizer que são os árbitros culturais, que devido ao seu prestígio social, tem o poder de categorizar algo como pertencente ao campo literário, ou não pertencente ao que se designa Literatura, a fim de manter [...] de alguma forma com a manutenção e reprodução do poder social. (p. 16) O poder de pleito desses árbitros culturais na literatura é determinado por (...) juízos de valor que a constituem e são historicamente variáveis, mas que esses juízos têm, eles próprios, uma estreita relação com as ideologias sociais. Eles se referem, em última análise, não apenas ao gosto particular mas aos pressupostos pelos quais certos grupos sociais exercem e mantém o poder sobre os outros. (EAGLETON, p. 17) 5 Portanto, não deixemos de lado as relações de poder aí imbricadas, pois [...] a identidade e a diferença não são nunca inocentes. Podemos dizer que onde existe diferenciação – ou seja, identidade e diferença – está presente o poder. (SILVA, 2000, p. 81) Que neste caso específico são representadas pelos “cânones literários”; os mediadores (relevem as dicotomias) entre o aceitável ou rejeitável, o valoroso pra humanidade ou o sem valor sócio-histórico-cultural; entre a Literatura ou, a má literatura... Todavia, é necessário recordar que foi a facilidade em adaptarem-se frente às divergências (como tem sido a história do povo negro), que possibilitou a propagação massificada do movimento nas periferias e subúrbios. De sorte que se realiza em maior parte da América – subúrbio global - colonizada por europeus, e em especial o Brasil, um país “neocolonial”, que até na presente data apresenta dependências culturais Americanas. O rap caracteriza-se por uma adesão entusiástica à nova tecnologia e à cultura de massa,[...]. (DAYRELL, 2005, p. 46) 4. Cultura popular Uma classificação do rap como cultura popular seria muito adequada se o objetivo fosse evidenciar as diferenças e exotismo dentro de uma mesma nação com uma cultura tão diversificada como o é a nossa, mas não, a própria história do conceito revela a oscilação de acordo com os objetivos, tendências, vale dizer ideologias de determinadas épocas. (SALLES, 2004, p. 90) Ou seja, assim como a definição de “cultura popular” varia no espaço-tempo histórico-social, também, as concepções de arte e, de literatura, seguem esse mesmo movimento. O que para uma época cronológica é visto como arte, na sucessão do tempo pode vir a mudar em sua essência, ou mesmo, o sentido da palavra pode se adequar a novos significados, se filiar a novas tendências e, então adquirir novas formas e novas representações. Pois é o povo que produz as suas formas de representação e 6 reelaboração simbólica de suas relações sociais, em um processo que está sempre se reatualizando. (ibid. 90) Portanto, de acordo com a tradição do rap como filiado ainda ao movimento hiphop, ou melhor, como representação artística de uma cultura popular é notável a característica subversiva no estilo. Representa de certo modo, a expressão dos dominados, e talvez uma das poucas expressões artísticas sustentáveis dessa classe. O rap afirma uma cultura de determinada comunidade, em oposição à outra cultura homogeneizante, a cultura de massas. Esse legado do hip-hop o mais importante movimento negro e jovem da atualidade (SPENSY, 1999, p.1) contribuiu para o que hoje, o rap. 5. O processo de massificação A utilização da tecnologia a serviço do rap para sua produção e disseminação, tanto quanto o conteúdo poético das canções mostra o quanto dentro de seu tempo o estilo está. Utiliza-se dos meios disponíveis em sua época de vigência para transmitir seu conteúdo de forma oral, garantindo a classificação de poesia oral. E o fato de o rap incorporar-se à tecnologia e apropriar-se de seus recursos confere à oralidade uma nova força, capaz de “roçar” o escrito sem nele se dissolver reorientando “as estruturas de um pensamento há muito informado pela escrita em direção a uma psicodinâmica da oralidade”. (BÉTHUME apud SALLES, p. 95) Resultando do usufruir da tecnologia, na atualidade o rap deixou de ser de exclusividade das pessoas desfavorecidas economicamente, e passou a também frequentar os setores médios, quando não os setores dominantes da sociedade. O fenômeno descrito anteriormente já era observado nos Estados Unidos na década de noventa, conforme relatou o ensaísta Marshall Berman em entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo: O paradoxo do rap é que a música é ouvida não 7 só por pessoas que de fato vivem em situações de perigo mas também por pessoas que levam uma vida tradicional, que estudam medicina ou direito [...], os consumidores de rap, que eram predominantemente negros, passaram a ser predominantemente brancos. (Mais, 14/10/2001). Talvez seja possível perceber através destas posposições um paradoxo, um estilo musical que nasceu para se contrapor à classe dominante, está sendo utilizado por ela como forma de entretenimento. Por um lado, toda a pretensão de protesto que carrega o rap está onde desde o início almejava estar: nos ouvidos de quem eles pretendiam atacar; e por outro, torna-se um grande problema já notado por vários representantes do estilo. Há o temor da repetição do acontecido com os dois estilos musicais antecessores: o soul e o funk, [...] que desempenharam papel importante sendo a trilha sonora dos movimentos civis e um símbolo da consciência negra. (DAYRELL, 2005, p. 45) Por isso, vamos discutir aqui conceito de “literatura menor”, o abordado por Salles e proposto por Deleuse e Guattari e, que passa pela língua, dizendo o seguinte: Uma literatura menor não é de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior. (...) Ressalte-se ainda que aqui não estamos falando de uma minoria em termos absolutos, mas de uma minoria política, os negros e pobres.(...) Nas literaturas menores, tudo se torna político.(... ) seu espaço exíguo faz com que cada caso individual seja imediatamente ligado à política. E no fato de na literatura menor, tudo adquirir um valor coletivo: “o que o escritor diz sozinho já constitui uma ação comum”. (DELEUZE e GUATARRI apud SALES, p. 93-94) Embora se diga - talvez até imprudentemente - que o rap é uma expressão da cultura popular, ao categorizar os receptores dessa manifestação de tal forma, pressupõe-se também que haja outra forma de representação da uma cultura predominante. Isso gera conseqüentemente uma hierarquização cultural. Porém, esses desejos de hierarquização esbarram no fato de na existência de duas ou mais categorias culturais, elas acabarem se misturando; pois [...] estão constantemente em confronto, uma filtra algo da outra, num processo recíproco, o que causa um hibridismo cultural. (SALES, 2004, p.90) 8 Na constante permuta entre as supostas camadas culturais, o resultado que se obtém é uma constante reelaboração da arte, ou seja, uma instabilidade conceitual decorrente do desapego com o passado do artístico. Um dos fatores contribuintes para essa qualidade do rap se deve a tudo se tornar político. [...]. No rap, pode-se detectar essa característica tanto por sua constante enunciação de uma idêntica disruptiva quanto pelo caráter combativo das falas e das atitudes dos rappers, voltados contra uma ordem social que consideram racista e opressiva. (SALLES, 2005, p.94) Com essa postura salta-se a vista que, o que começa como uma literatura menor segundo o autor (SALLES, 2005, p. 93) passa hoje a abranger maior parte da população, pois um dos fundamentos dessa literatura é de ao [...] falar diretamente com o público, compartilham códigos e signos que constroem um “nós”, [...]. Um fator que gera grandes efeitos no sentido de que esse “nós” não se restringe somente a uma comunidade específica, mas às periferias em geral, onde se encontram os compositores da coletividade, os manos. Embora haja a pretensão de restringir o acesso dos raps as comunidades periféricas, na atualidade ele não fica restrito aos subúrbios como o era antigamente, passa hoje a estar em lugares que de início eram inauditos como receptores dessa arte. Essa identidade possibilita um sentimento de pertencimento a um grupo local, nacional e também internacional, fazendo com que se tornem parte de um movimento globalizado, mas sempre ressignificado a partir da realidade local. (DAYRELL, 2005, p.116) Além do forte apelo ao regionalismo motivo pelo qual os críticos deixam de atribuir devidamente o valor aos artistas que estão à margem social, o rap faz ao mesmo tempo oposição a um modelo sócio-econômico pré-estabelecido. Enquanto transforma sua realidade cotidiana em arte, o rapper ainda desenvolve uma responsabilidade com a comunidade que representa; o estilo de vida, principalmente suas letras possibilitam uma releitura da realidade, [...]. (DAYRELL, 2005, p.118). Segundo Octávio Paz, a poesia não está na vontade de um poeta efetuá-la, depende sim, duma troca de conhecimento entre o escrito e a visão de mundo do leitor. Dessa maneira fica a critério do leitor a classificação de poesia. [...] o poema não é senão isso: possibilidade, algo que só se anima ao contato de um leitor ou de um ouvinte. (PAZ, 1952. p. 30) Trata-se, [...], de considerar o sentido dos textos como o 9 resultado de uma negociação ou transação entre invenção literária e os discursos ou práticas do mundo. (CHARTIER, 1999, p. 197) Surge inevitavelmente uma questão: porque então o demérito atribuído ao estilo musical se faz tão marcante ainda hoje, por meio dessas [...] noções preconceituosas que o relegam a “lixo cultural”. (SHUSTERMAN apud SALES, 2004, p.91), quando sua função social é o que se tem obtido em favor da arte, esclarecendo a população que as formas de representação artísticas atuais já não mostram muita influência dos segmentos moderadores do valor artístico. 6. Literatura Rap Há de todo modo, outro conceito, proposto Deleuze e Guatarri, também explorado por Salles (2004, p. 93), que poderia por fim aos problemas de aceitação, porém não é muito adequado para classificação do rap como literatura. É o conceito de contraliteratura. Diz-se o seguinte: é suscetível de entrar no campo das contraliteraturas qualquer texto que não seja entendido e transmitido – num determinado momento da história – como pertencente à literatura. São as canções, as literaturas orais, expressões culturais desconsideradas pelo cânone literário. Nesse caso ao prever a situação da música no campo das contra-literaturas Mouralis abre a possibilidade de se explorar um dos elementos com maior potencial no rap: a oralidade. Alguns agrupamentos sociais africanos tinham por tradição transmitir toda carga histórica de um povoado, por exemplo, por meio de canções. Esses personagens eram representados pelos griots, [...] contadores de história que carregavam na memória toda tradição das tribos africanas, [...] (SPENSY, 1999, p. 8) O rap seria, segundo o autor Salles, um interstício entre a modalidade segunda e mediatizada da oralidade. A oralidade segunda, segundo Zumthor, procede de uma cultura letrada, [..] se (re)compõe a partir da escrita e no interior de um meio em que esta predomina sobre os valores da voz na prática e no imaginário. (SALLES, 2004, p. 95) Mas no caso do rap o que se tem é uma resistência a esses padrões sociais, se estabelece a maneira de 10 confrontar os critérios dessa cultura letrada, o que é um pressuposto básico da conceituação de contraliteratura. (ibid. 96) Outra postura referente ao rap poderia ser a de encará-lo como uma nova expressão da literatura marginal, diferente em relação àquela que surgiu nos anos 70. Segundo a antropóloga Érica Peçanha Nascimento, naquela época os autores eram pessoas da classe média e alta, que falavam sobre seu cotidiano de modo irônico. "Atualmente, o projeto dos escritores da literatura marginal é dar voz aos grupos excluídos da sociedade", diz. Érica é autora de um estudo de mestrado sobre o tema, apresentado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. (http://WWW.usp.br/agen/repgs/2006/ pags/245.htm - 06/08/2008 - 1:00 Hs.) Atualmente as condições para que se instaure um longo período literário são improváveis; pois como sabemos, a cultura é inconstante, as variantes surgem a todo o momento: tem em seu favor velocidade de produção e reprodução e transmissão. E a facilidade de acesso garante a representatividade a todas as camadas populares, incluindo os pobres através do rap. Segundo Écio Salles, o rap poderia entrar ainda no campo das narrativas insurgentes. Esse tipo de narrativa leva a idéia de arte tomada como missão, ou seja, uma arte configurada pelo confrontamento do artístico, além de conter um caráter político latente. Busca fazer com que a favela se mostre do outro lado da fronteira, no interior de espaços privilegiados. E nesse sentido a favela emerge necessariamente como discurso (um discurso de resistência), (...) Ela não está de jeito nenhum imune aos processos de normatização, neutralização ou cooptação que o discurso hegemônico é capaz de empreender. (SALLES, 2004, p. 101) Diante da complexidade, da fragmentação e da despersonalização crescente do sistema social, o estilo é uma resposta às necessidades de pertencimento e de formas de comunicação mais autênticas, em que a busca do bem estar passa pela dimensão coletiva. (DAYRELL, 2005, p. 112) 11 7. Conclusão Conforme analisado neste trabalho, percebemos que o rap pode ser tratado como literatura dum ponto de vista classificatório. Mas, a classificação do rap como literatura menor, marginal, contraliteratura, literatura insurgente, apesar de facilitarem em muito os aspectos artísticos desse movimento literário contemporâneo, ainda não são capazes de suportar essa carga carregada pela modalidade literária rap. Um estilo autêntico e cheio de antagonismo em seu interior. Pois, ao mesmo que parte em oposição às normas sociais, faz uso de seus mecanismos para consecução das obras. E ao mesmo tempo em que tenta quebrar com as fórmulas pré-estabelecidas das culturas de massa, cria novas normas de conduta e relações sociais. Pode ser tanto performativo, quanto poético. Tanto uma narrativa, quanto uma poesia. Rejeita a sociedade com o objetivo de participar dela. Subverte um padrão lingüístico enquanto cria outro padrão alternativo. Luta contra a massificação cultural, ao mesmo tempo em que faz frente a ela. Porém, antes de qualquer análise construtiva do rap como literatura é preciso que se acabe com os paradigmas associativos do rap endereçados aos negros, pois como sabemos no rap, segundo Dayrell (2005; p. 116), o visual, os hábitos, os gestos, a linguagem são elementos que vão construindo o estilo de vida rap como uma identidade coletiva, [...]. Mas ainda na atualidade esse estilo musical é associado à negritude e, no entanto, essa característica só serviu de fundamento para instauração de um acontecimento maior. Embora os direitos sobre o rap não se apliquem somente ao povo negro é latente uma forte tendência, mesmo nas obras poéticas, a associação com a negritude. Desvincular essa idéia do rap, porém, é um processo mais complexo e abrangente, que está baseado nas relações de poder, e é o resultado de uma ideologia consolidada no seio da população, e até dos próprios rappers. Contudo, o resultado de toda essa revolta contra um sistema que não tem olhos para a opressão sofrida em decorrência da pobreza é o produto que encanta, ou choca tantos os moradores do subúrbio das grandes cidades, quanto os receptores descompromissados ideologicamente do rap. 12 Portanto, o que se depreende é que o rap, pela sua herança da carga cultural africana, depois das representações simbólicas dos negros na escravatura, depois ainda das manifestações negras contra o marginalismo, como o caso do hip-hop, não consegue se libertar, ou mesmo, é dependente de seu caráter de protesto contra a ordem comum da sociedade. Por isso, ao negarem uma cultura homogeneizante, os rappers ao mesmo tempo estão reelaborando uma nova concepção da cultura de massas. Resta então, se necessária uma classificação, a classificação como Rap. Estilo do qual pressupõe uma forma contestadora de ver e encarar o mundo a partir de seu espaço, distanciando-se das normas pré-estabelecidas, em oposição à estrutura social contemporânea, que potencialmente promove a rejeição dos pobres. Ou seja, se existir uma escola de poetas como os trabalhados até aqui, essa escola poderia carregar o nome dessa peculiar arte que eles fazem: a Escola Rap. 8. Referências CHARTIER, Roger. Revista de história, programa de Pós-graduação de história social da UFRJ. Rio de Janeiro: Topoi, 1999. DAYRELL, Juarez. A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. DIAS, Maurício Santana. Rap: o canto a beira do precipício. Folha de S. Paulo, São Paulo, 14 out. 2001. Caderno Mais. EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994. SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petropolis: Vozes, 2000. SALLES, Écio. A narrativa insurgente do hip-hop. Estudos de literatura brasileira e contemporânea nº 24. Brasilia, jul-dez de 2004, p. 89-109. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradução Carlos Irineu Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993 (Coleção TRANS) p. 83 PAZ, Octávio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Franquia, 1952. PIMENTEL, Spency. O livro vermelho do hip-hop. Online. Disponível na internet via WWW.URL: http://www.realhiphop.com.br/spensy_pimentel.htm. Arquivo capturado em 29 de maio de 2001.