UM ESTUDO SOBRE A COMPREENSÃO VERBAL DE CRIANÇAS SURDAS
USUÁRIAS DE IMPLANTE COCLEAR ATRAVÉS DA RDLS
Fortunato-Queiroz, Carla Aparecida de Urzedo*
Costa, Maria da Piedade Resende da**
Bevilacqua, Maria Cecília, Dra.***
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo analisar a compreensão verbal de crianças ouvintes e surdas
usuárias de implante coclear (IC), utilizando-se a Reynell Developmental Language Scales (RDLS/versão
americana). Os participantes foram 12 crianças ouvintes e 10 crianças surdas implantadas, entre 4 e 5 anos
de idade. A pesquisa foi realizada, com as crianças ouvintes, na Escola Balão Mágico e, com as crianças
surdas, no Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA), HRAC, USP-Bauru. Os materiais utilizados foram
objetos domésticos, brinquedos, miniaturas e figuras. O procedimento de coleta de dados constou da
aplicação da Escala de Compreensão Verbal da RDLS. A Escala de Compreensão é composta de 10
seções que evoluem em complexidade e que avaliam a habilidade lingüística receptiva. O procedimento de
análise de dados constou da comparação dos dados obtidos pelos dois grupos de crianças, surdas e
ouvintes. Os resultados das crianças surdas foram inferiores aos resultados das crianças ouvintes, porém
três crianças obtiveram resultados próximos ao do grupo considerado padrão de normalidade. Essas
crianças foram as que apresentaram menor tempo de surdez (tempo anterior ao IC) e maior tempo de uso
do mesmo. Isso implica na importância do diagnóstico e intervenção precoce da surdez. Observou-se que
várias seções e itens em que as crianças surdas apresentaram dificuldades, algumas crianças ouvintes
também haviam apresentado. De forma geral, a RDLS demonstrou ser útil para avaliar a compreensão
verbal de crianças surdas implantadas, já que a mesma demonstrou contribuir com a intervenção
fonoaudiológica e educacional.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Sendo a escola um espaço de transformação social e de construção da cidadania (SACALOSKI,
ALAVARSI e GUERRA, 2001), as parcerias entre professores e outros profissionais, como
fonoaudiólogos, têm se tornado cada vez mais freqüentes.
Como a Fonoaudiologia é a área de conhecimento que procura pesquisar e atuar nas dificuldades
referentes à comunicação, linguagem oral e/ou escrita, voz e audiologia (COIMBRA, LUQUE e
MACHADO, 1991), um dos objetivos do trabalho do fonoaudiólogo na escola é a orientação e a troca
mútua de informações com os professores. Visa, portanto, um direcionamento mais global do trabalho de
ambos os profissionais, na busca do desenvolvimento pleno de crianças que apresentam necessidades
educacionais especiais na área da comunicação humana.
A parceria entre professor e fonoaudiólogo é extremamente importante no trabalho com a criança
surda. Sabe-se que a surdez pode comprometer a aprendizagem, devido especialmente ao prejuízo na
aquisição e desenvolvimento da linguagem oral, que varia conforme o tipo e grau de perda auditiva.
Vários autores como Elfenbein (1994), Lichtig (1997), Bess e Humes (1998), Emanuel e Herman (2001) e
Klein e Rapin (2002) referem que até mesmo uma perda auditiva leve ou unilateral pode interferir no
desenvolvimento da linguagem oral da criança e no seu sucesso acadêmico. De acordo com Fortunato
(2003), porém, as crianças que apresentam perdas auditivas severas e profundas são mais susceptíveis a
significativas defasagens no processo educacional.
Mogford (2002, p.147), também enfatiza que:
*
Doutoranda em Educação Especial PPGEE-UFSCar
**
Dra. PPGEEs/DPsi/UFSCar
CPA-HRAC/USP
***
A dificuldade freqüentemente assinalada e documentada resulta, com toda a
probabilidade, da dependência que tem a alfabetização da linguagem oral
preexistente. O atraso da linguagem no surdo prejudica o desenvolvimento da
alfabetização, visto que a instrução para o aprendizado da leitura e da escrita
começa, caracteristicamente, quando o desenvolvimento da linguagem ainda é
rudimentar.
Segundo Padovani (1997), o termo linguagem é utilizado para designar vários fenômenos como a
linguagem falada/oral, linguagem escrita e a linguagem dos gestos. É importante destacar que a maioria
dos conteúdos acadêmicos é transmitida pelo professor por meio da linguagem oral.
Valmaseda (1995) relata que devido à importância da linguagem, tanto no desenvolvimento global
das crianças como no processo ensino-aprendizagem, tem-se dado uma atenção especial aos chamados
distúrbios da linguagem, transcendendo o âmbito puramente clínico em que tais dificuldades são
encaradas, na tentativa de que intervenções mais globais (fonoaudiológicas e educacionais) sejam
propostas. Rizkallah e Garolla (1999) destacam: “se, em seus inícios, a fonoaudiologia recorria ao
referencial teórico e instrumental da medicina, com uma atuação marcadamente clínica, hoje ela está
participando de um novo projeto de escola e da sociedade” (p.138), na busca de respostas às necessidades
educacionais especiais da criança surda (FORTUNATO, 2003).
A Política Nacional de Educação Especial define a deficiência auditiva como perda total ou
parcial, congênita ou adquirida, da capacidade de compreender a fala, através do ouvido (BRASIL, 1999).
De acordo com Launay e Maisonny-Borel (1989), a percepção auditiva ocupa o primeiro lugar nos aportes
perceptivos para o aprendizado verbal. É através da audição que o indivíduo é capaz de detectar,
discriminar, reconhecer e compreender os sons para posteriormente produzi-los (BEVILACQUA e
FORMIGONI, 1997).
A detecção, a discriminação, o reconhecimento e a compreensão verbal são habilidades
denominadas "auditivas". De acordo com Erber (1982, citado por TYE-MURRAY, 1994 e
BEVILACQUA, 1998), dentre as "habilidades auditivas", a compreensão verbal é a capacidade auditiva
mais refinada, pois requer que a criança compreenda o significado da mensagem, necessitando-se,
portanto, de um certo grau de conhecimento da criança sobre a linguagem. Para que a mesma compreenda
é necessário que ela tenha, como "pré-requisito", o domínio das habilidades auditivas anteriores (detecção,
discriminação e reconhecimento verbal). Só assim, ela terá sucesso no próximo e último nível de
complexidade (compreensão).
Fortunato (2003) destacou em sua dissertação a importância de se avaliar a linguagem de crianças
surdas com implante coclear, especialmente quanto à compreensão e expressão verbal, a fim de se
direcionar a intervenção fonoterápica e auxiliar na intervenção educacional.
O implante coclear (IC) é atualmente visto como o dispositivo eletrônico mais potente, que permite
ao surdo a sensação auditiva para sons, principalmente, percepção da fala (BEVILACQUA, 1998;
COSTA, 1998). Ele constitui-se de uma prótese auditiva, que substitui a função do ouvido.
O instrumento de avaliação denominado Reynell Developmental Language Scales (RDLS) é
composto de duas escalas que avaliam separadamente a compreensão e a expressão verbal de crianças
com necessidades especiais, da faixa etária de 1 ano e 0 meses a 6 anos e 11 meses de idade. Ele tem sido
internacionalmente usado para avaliar a linguagem de crianças surdas, inclusive e especialmente aquelas
usuárias de IC.
Vermeulen, Hoeskstra, Brokx e Van de Broek (1998) realizaram um estudo que visava verificar a
influência do IC para o desenvolvimento da linguagem oral de 12 crianças surdas (perda auditiva
profunda), de 0 a 9 anos. Para este fim, os autores utilizaram a versão holandesa da RDLS. Assim, a
RDLS foi aplicada antes da implantação (com o uso de aparelho auditivo) e após a implantação. Os
resultados foram comparados, observando um aumento do escore quanto à compreensão e, especialmente
na expressão verbal (escore semelhante aos pares ouvintes).
Hoekstra, Snik, Van den Borne e Van den Broek (1998) aplicaram três diferentes testes para
avaliar os efeitos de um programa de treinamento auri-oral sobre a performance auditiva
(desenvolvimento das habilidades auditivas como detecção, discriminação e reconhecimento de sons) e a
comunicação verbal de 45 crianças portadoras de perda auditiva severa e profunda com idade de 3 meses a
5 anos de idade. Nesse estudo, utilizou-se a escala de compreensão verbal da RDLS.
Assim, vários outros estudos têm comprovado a importância da aplicação da RDLS em crianças
surdas, uma vez que a escala permite o delineamento de alterações de linguagem, o aconselhamento de
pais e professores quanto à estimulação da mesma e a avaliação do progresso lingüístico (KO, 1986).
OBJETIVO
Analisar e comparar a compreensão verbal de crianças ouvintes e crianças surdas implantadas,
utilizando-se a RDLS (versão americana).
MÉTODO
Participantes
Os participantes foram 12 crianças ouvintes, de 4 anos e 2 meses a 4 anos e 11 meses, alunos da
Escola Balão Mágico de Ribeirão Preto/SP e 10 crianças surdas, portadoras de surdez neurossensorial
profunda, usuárias de IC, do Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) - Hospital de Reabilitação de
Anomalias Craniofaciais (HRAC) / USP-Bauru, da faixa etária de 4 anos e 3 meses a 5 anos e 0 meses.
Todas as crianças surdas estão incluídas no sistema regular de ensino, apresentando bom desempenho
segundo informações da família.
Local
As avaliações com as crianças ouvintes foram realizadas em uma sala da referida escola, em
Ribeirão Preto/SP e, com as crianças surdas, em uma sala do CPA, do HRAC – USP/Bauru.
Os materiais foram colocados sobre uma mesa ou sobre o chão. A pesquisadora se posicionou ao
lado (no caso das crianças surdas, ao lado implantado) ou de frente à criança avaliada.
Materiais
Foram utilizados: brinquedos, objetos, miniaturas, figuras e filmadora (somente com as crianças
surdas).
Instrumento
O instrumento utilizado foi a escala de desenvolvimento Reynell Developmental Language Scales
(RDLS). A RDLS é composta pela Escala de Compreensão (“A” e “B”) e Escala de Expressão. A seguir
será descrita a Escala de Compreensão Verbal A, já que apenas ela foi utilizada no presente estudo.
A forma de aplicação desta escala é a seguinte: algumas ordens verbais são dadas, uma de cada
vez, de forma clara e lenta, para prender a atenção da criança. Se a resposta estiver errada ou parcial, a
ordem não é repetida e o resultado é considerado negativo. Se não houver nenhuma resposta, dever-se
repetir a pergunta, uma só vez. Se a criança não responder, considera-se negativo. Em casos de crianças
muito pequenas, as ordens podem ser dadas pela mãe ou pelo pai, exatamente como se pede e sem
omissões para que se registre o item como positivo. Como as crianças avaliadas tinham a idade de 4 ou 5
anos, todas as ordens/itens foram dados pela avaliadora. Durante avaliação dessa Escala, pode-se permitir
que a criança manipule os brinquedos ou objetos que serão utilizados. Desse modo, a mesma poderá
familiarizar-se com eles e identificá-los antes que as ordens da prova sejam dadas.
A Escala de Compreensão é composta por 10 seções, que evoluem em ordem de complexidade:
-Seção 1: Dispensável para crianças que já falam. Avalia comportamentos pré-verbais (Ex: olhar para o
pai quando a mãe pergunta “Cadê o papai”).
-Seção 2: avalia a capacidade de relacionar a denominação verbal com o objeto apropriado. Pedir-se-á que
a criança identifique cada objeto questionado. Ex: “Onde está a bola”? É a única seção da escala na qual se
permite utilizar um número menor de objetos por vez (no mínimo quatro), porém todos os oito devem ser
apresentados.
-Seção 3: semelhante à seção anterior, porém não se permite reduzir a quantidade de objetos (devem ser
utilizados 5 objetos a cada vez: cadeira, banheira, mesa, cama, faca).
-Seção 4: avalia a capacidade de distinguir masculino e feminino, bem como pessoas de animais. O
avaliador diz uma ordem como “Onde está o cavalo (cachorro, bebê, homem ou mulher)?” e a criança
deve identificar o objeto.
-Seção 5: avalia a habilidade de assimilar e relacionar dois conceitos verbais. A criança deve responder a
ordens como: “Coloque a colher dentro da xícara”
-Seção 6: avalia a funcionalidade dos objetos e reconhecimento pelo uso. Nessa seção são dadas ordens
como: “Com o qual nós escrevemos ou desenhamos?”.
-Seção 7: avalia a capacidade de perceber o “atributo” dos objetos. Esta seção apresenta um novo nível de
dificuldade, pois requer a mesma resposta para mais de um item. Ex: “Quem faz o jantar?”, “Quem está
carregando alguma coisa?” – ambas as ordens podem ter como resposta o objeto (miniatura) referente ao
“caçador”.
-Seção 8: avalia a compreensão de cores, tamanhos, quantidades e relações espaciais. Na Escala de
Compreensão A, são dadas várias ordens como “Coloque todos os botões brancos dentro da xícara” e a
criança deve realizá-las.
-Seção 9: avalia a habilidade de assimilar uma grande variedade de conceitos como nomes, verbos,
adjetivos e advérbios, juntos, em uma mesma sentença. O avaliador diz à criança no início da seção:
“Aqui está o curral e estes são os animais”. Posteriormente, na Escala de Compreensão A, são dadas
algumas ordens, dentro deste contexto, para que a criança realize (Ex: “Coloque todos os porcos rosa em
volta do lado de fora do curral”).
-Seção 10: esta seção, avalia além de evidência concreta (além do "aqui e agora"), ou seja, avalia a
linguagem como veículo de pensamento. No início da seção, o avaliador diz: “Aqui está o Bob, aqui está
Maria, aqui está a mamãe, e aqui está o bebê”; posteriormente, algumas perguntas são feitas e a criança
deve identificar a boneca (miniatura) correta. Ex: “A Maria e o Bob vão para a escola. Quem fica com a
mamãe?”.
Procedimentos
Para a coleta de dados: Constou-se da aplicação as seções da Escala de Compreensão Verbal, proposta
por Reynell e Gruber (1990), primeiramente nas crianças ouvintes e, posteriormente, nas crianças surdas.
O procedimento para a aplicação da escala está descrito acima, no item INSTRUMENTO. As crianças
surdas foram filmadas, com a devida autorização dos pais, para, caso necessário servir de apoio e facilitar
a análise.
Para análise dos dados: Os dados obtidos com as crianças surdas foram comparados com os obtidos com
as ouvintes, os quais constituem o único parâmetro de análise no Brasil.
Os resultados foram analisados, qualitativa e quantitativamente, em cada grupo de crianças
(ouvintes e surdas) e, posteriormente comparados entre si.
Resultados e Discussão
Os resultados serão apresentados e discutidos a seguir, baseando-se em gráficos comparativos.
Seção 1 – não foi realizada com nenhuma criança, pois todas elas utilizam preferencialmente a linguagem
oral para se comunicar.
Seção 2 (itens 4-11) - Por meio do Gráfico 1, pode-se observar que as crianças surdas apresentaram, de
forma geral, um bom desempenho nesta seção, associando a denominação verbal com o objeto apropriado.
Gráfico 1: Resultados da Seção 2 (Escala de Compreensão A)
% de acertos
Seção 2
120
100
80
60
40
20
0
ouvintes
surdas
item 4
item 5
item 6
item 7
item 8
item 9
item 10 item 11
Itens da seção
Observa-se que, apenas nos itens 4 e 8, nenhuma criança surda falhou. Nos demais itens, pelo
menos duas crianças surdas falharam. Os itens em que essas crianças apresentaram o maior número de
falhas foram os mesmos que algumas crianças ouvintes também falharam (6-escova e 11 - bloco).
Destaca-se quanto ao item 11, que o "bloco" não é um objeto comum para grande parte das crianças
brasileiras. Isso pode justificar o alto índice de erros nesse item. Pode-se também inferir, quanto ao item 6
("Onde está a escova?") que muitas crianças utilizem o termo "pente" ao invés de "escova". Assim, as
falhas nos referidos itens, tanto das crianças surdas quanto das ouvintes, podem ter ocorrido por um
problema lexical ou metodológico e não por dificuldade no reconhecimento verbal.
Seção 3 (itens 12-16) – Observa-se, de acordo com o Gráfico 2, um desempenho relativamente bom das
crianças surdas, apesar de inferior quando comparadas com as crianças ouvintes, mostrando a habilidade
de reconhecer verbalmente os objetos solicitados. O maior índice de falhas ocorreu no item 13 (“Onde está
a banheira?”). Isso pode ter ocorrido pelo fato deste objeto ser o menos comum em relação aos demais
solicitados na seção.
Gráfico 2: Resultados da Seção 3 (Escala de Compreensão A)
Seção 3
% de acertos
120
100
80
ouvintes
60
surdas
40
20
0
item 12
item 13
item 14
item 15
Itens da seção
item 16
Seção 4 (itens 17-21) –Todas as crianças participantes da pesquisa acertaram todos os itens da seção 4
(com exceção de uma criança surda implantada há apenas 7 meses, que falhou nos itens 17 e 19. Essa
criança está iniciando a etapa de reconhecimento auditivo/verbal). O bom êxito nos itens 19, 20 e 21 pode
ser explicado por Mogford e Bishop (2002), que relatam que, de acordo com a complexidade das
condições de uso das palavras, o "nível mais simples é aquele dos substantivos próprios, onde existe
apenas um referente para cada palavra. Em muitas crianças, as primeiras palavras são substantivos
próprios como 'Mamãe' e 'Papai' " (p. 13). Se, as primeiras palavras ditas por grande parte das crianças são
os substantivos próprios como "mamãe" e "papai", suspeita-se que essas sejam as palavras mais
precocemente reconhecidas verbalmente (REYNELL e GRUBER, 1990; FORTUNATO, 2003).
Por meio do Gráfico 3, pode-se verificar os resultados obtidos pelos dois grupos de participantes
na Seção 4.
Gráfico 3: Resultados da Seção 4 (Escala de Compreensão A)
% de acertos
Seção 4
120
100
80
60
40
20
0
ouvintes
surdas
Item 17 Item 18 Item 19 Item 20
Item 21
Itens da seção
Seção 5 (itens 22-25) – Nesta seção, as crianças surdas começaram a apresentar maiores dificuldades. O
item em que ocorreu o maior número de acertos foi o 22. Diante dos erros nos demais itens, suspeita-se
que a relação entre os objetos "boneca" e "cadeira" (item 22) possa ter ocorrido por uma simples
associação visual, não em resposta à ordem verbal dada. O item em que ocorreu o maior número das
falhas foi o 25. A falha nesse item era relativamente esperada, já que grande parte das crianças falhou no
item 11 (“Onde está o bloco?”), da Seção 2. Salienta-se, assim, que o não-reconhecimento verbal dos
objetos "colher", "faca" e "bloco", questionados às crianças, nas seções anteriores, prejudicou o
desempenho delas na seção 5. Isso confirma a posição de Reynell (1985) ao relatar que a RDLS, sendo
uma escala de desenvolvimento, evolui gradativamente a complexidade lingüística ao longo das seções.
Gráfico 4: Resultados da Seção 5 (Escala de Compreensão A)
% de acertos
Seção 5
120
100
80
60
40
20
0
ouvintes
surdas
item 22
item 23
item 24
item 25
Itens da seção
O Gráfico 4 mostrou os resultados obtidos pelas crianças na seção 5. Observa-se um desempenho
inferior das crianças surdas quando comparadas às crianças ouvintes, mostrando a dificuldade das mesmas
em relacionar dois conceitos verbais.
Seção 6 (itens 26-30) – Os resultados obtidos pelos grupos de crianças, na Seção 6, encontram-se expostos
no Gráfico 5:
Gráfico 5: Resultados da Seção 6 (Escala de Compreensão A)
Seção 6
% de acertos
120
100
80
ouvintes
surdas
60
40
20
0
item 26
item 27
item 28
item 29
item 30
Itens da seção
Nota-se que os resultados obtidos pelas crianças surdas foram inferiores aos obtidos pelas crianças
ouvintes, porém em todos os itens, houve acerto de pelo menos 40% das crianças surdas, ou seja, no
mínimo 4 crianças surdas acertaram os itens apresentados.
O fato de esta seção ser mais abstrata que as anteriores e não depender de uma simples percepção
de objeto, mas também do uso da linguagem interna para reconhecê-los pelo seu uso, provavelmente
prejudicou o desempenho das crianças surdas. De acordo com Boothroyd (1982, citado por LIMA, 1997)
e Bevilacqua e Formigoni (1997), a dificuldade da criança surda quanto à linguagem oral prejudica o
acesso da mesma ao uso de idéias abstratas.
Seção 7 (itens 31-35) – Esta seção constitui-se de um "avanço" da anterior. Assim, apesar de algumas
crianças surdas terem obtido acertos nela, a maioria apresentou falhas, pelo motivo já indicado acima.
Gráfico 6: Resultados da Seção 7 (Escala de Compreensão A)
Seção 7
% de acertos
120
100
80
60
ouvintes
surdas
40
20
0
item 31
item 32
item 33
item 34
item 35
Itens da seção
Observando o Gráfico 6, pode-se perceber que os resultados obtidos pelas crianças surdas foram
inferiores aos obtidos pelas crianças ouvintes. Porém, essas últimas começaram a apresentar uma maior
quantidade de erros a partir dessa seção. Isso indica que, a partir daqui, as seções se tornam mais abstratas
e difíceis inclusive para as crianças ouvintes da faixa etária de 4 anos.
Bevilacqua e Formigoni (1997) colocam que "durante o trabalho com compreensão auditiva, é
extremamente importante criar condições para a criança não repetir simplesmente a informação auditiva.
Ela deve ser levada a pensar antes de responder" (p.69). Ressalta-se que maioria dos erros que as crianças
surdas e ouvintes apresentaram nessa seção foi exatamente esse, o de "repetir" ou responder diretamente
para um dos objetos contidos na frase, não pensando ou raciocinando antes de responder.
Seção 8 (itens 36-45) – Visualizando o Gráfico 7, observa-se a dificuldade das crianças surdas quando
comparadas com as crianças ouvintes, devido ao fato das seções 8 e 9, apresentarem itens compostos de
vários termos ou conceitos juntos, o que dificulta a compreensão verbal.
É interessante notar que no item 37 (“Mostre-me o menor botão”), não houve acerto de nenhuma
criança surda, porém metade das crianças ouvintes também falhou neste item. Isso evidencia que o item
foi considerado difícil para os dois grupos de crianças. Infere-se que a dificuldade encontra-se no termo
“menor”, uma vez que as crianças até a faixa etária de 5-6 anos, utilizam mais comumente o termo
“pequeno/grande” ao “menor/maior”. Nota-se também que nos demais itens em que as crianças ouvintes
fracassaram (43, 44 e 45), uma (10%) ou duas (20%) crianças surdas obtiveram acertos. Todavia, no item
40, todas as crianças ouvintes acertaram e todas as crianças surdas falharam.
De acordo com Bevilacqua e Formigoni (1997) é importante avaliar e, posteriormente, trabalhar os
conceitos solicitados nessa seção e na seguinte, como numerais/quantidade, cores, tamanho, formas e
outros, já que estes são conceitos básicos para o desenvolvimento cognitivo e o preparo para o
aprendizado formal.
Gráfico 7: Resultados da Seção 8 (Escala de Compreensão A)
% de acertos
Seção 8
120
100
80
ouvintes
surdas
60
40
20
0
item
36
item
37
item
38
item
39
item
40
item
41
item
42
item
43
item
44
item
45
Itens da seção
Seção 9 (itens 46-59) – Nesta seção, quatro crianças surdas acertaram o item 46 e duas crianças surdas
acertaram o item 52. Visualizando o Gráfico 8, percebe-se que esses dois itens foram um dos únicos nos
quais 100% das crianças ouvintes acertaram, ou seja, os itens que parecem ter sido mais fáceis para as
crianças ouvintes foram aqueles que as crianças surdas acertaram. Reynell e Gruber (1990) afirmam que a
seção 9 constitui-se uma seção difícil de ser realizada pela criança surda, pois necessita que a criança
compreenda cada termo ou conceito verbal que compõe o item. Segundo Bevilacqua e Formigoni (1997),
a compreensão da linguagem envolve uma série de fatores, dentre eles: o conhecimento que a criança tem
da linguagem; a memória seqüencial; os conhecimentos gramaticais; o domínio dos conceitos.
Observa-se, porém, por meio do gráfico, que houve falhas dos dois grupos de crianças na
realização da maioria dos itens, apesar dos resultados das crianças surdas terem sido inferiores aos das
ouvintes.
Gráfico 8: Resultados da Seção 9 (Escala de Compreensão A)
% de acertos
Seção 9
120
100
80
ouvintes
surdas
60
40
20
0
item
46
item
47
item
48
item
49
item
50
item
51
item
52
item
53
item
54
item
55
item
56
item
57
item
58
item
59
Itens da seção
Seção 10 (itens 60-66) – O Gráfico 9 mostra os resultados obtidos na referida seção. Observando-se o
gráfico, nota-se que apenas duas crianças surdas acertaram o item 60 e uma criança acertou o item 64. O
alto índice de falhas deve ter ocorrido devido ao nível abstrato da seção. Pode-se notar dificuldades das
crianças ouvintes em realizar a maioria dos itens, provavelmente pelo mesmo motivo referido, bem como
pela falta do uso da linguagem como veículo de pensamento (linguagem interna). Para responder aos itens
da seção 10, a criança deve, sem dúvida, "pensar antes de responder" (BEVILACQUA e FORMIGONI,
1997, p.69).
Gráfico 9: Resultados da Seção 10 (Escala de Compreensão A)
Seção 10
% de acertos
100
80
ouvintes
surdas
60
40
20
0
item 60
item 61
item 62
item 63
item 64
item 65
item 66
item 67
Itens da seção
CONCLUSÃO
De acordo com a análise dos dados, pôde-se concluir que os resultados obtidos pelas crianças
surdas na Escala de Compreensão Verbal foram inferiores aos obtidos pelas crianças ouvintes. Porém,
pode-se dizer que algumas crianças surdas (mais precisamente 3 delas), demonstraram resultados
relativamente semelhantes aos de uma criança ouvinte. Essas crianças foram aquelas que apresentaram um
menor tempo de surdez (tempo anterior ao Implante Coclear) e um maior tempo de uso do Implante. Isso
implica em reafirmar que diagnóstico da surdez deve ser realizado o mais precocemente possível,
proporcionando uma intervenção adequada e rápida, a fim de se reduzir o tempo de privação sensorial
auditiva.
Observou-se que desempenho das crianças surdas passou a reduzir mais acentuadamente a partir da
Seção 7, o mesmo ocorreu com as crianças ouvintes, porém de forma mais discreta. Constatou-se também
que o menor desempenho, dos dois grupos de crianças, ocorreu nas Seções 9 e 10. Além disso, muitos
itens do teste nos quais as crianças surdas apresentaram falhas, algumas crianças ouvintes também haviam
falhado.
Conclui-se que a Reynell Developmental Language Scales mostrou-se viável e útil para analisar a
compreensão verbal de crianças surdas implantadas, pois permite o delineamento dos aspectos lingüísticos
a serem trabalhados na fonoterapia e pode contribuir com a intervenção educacional, através da interação e
troca de experiências entre o fonoaudiólogo e o professor, na busca de um melhor desenvolvimento da
criança surda.
REFERÊNCIAS
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Docência). Universidade de São Paulo, Bauru.
BEVILACQUA, M.C. & FORMIGONI, G.M. Audiologia educacional: uma opção terapêutica para a criança deficiente
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BESS, F.H. & HUMES, L.E. Fundamentos de Audiologia. 2a ed., Porto Alegre: Artes Médicas, 1998
BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Cadernos da TV escola – português. Brasília, 1999
COIMBRA, L.M.V.; LUQUE, M.C.M.F.; MACHADO, S.A.F. Fonoaudiologia Escolar: Um campo de trabalho em
desenvolvimento, Em: FERREIRA, L.P.(org.) – O fonoaudiólogo e a escola., p.61-65, 2a.ed. São Paulo: Summus, 1991
ELFENBEIN, J.L. Children Who Are Hard of Hearing, In: TOMBLIN, J.B.; MORRIS, H.L. & SPRIESTERSBACH, D.C.
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FILHO, O.A.C. Implantes Cocleares Multicanais no tratamento da surdez em adultos, 1998. Tese (Livre Docência).
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