Parcerias Inovadoras: O Portal de Compras do Governo Federal Autoria: Cristina Maria Queixa Sáfadi, Nicolau Reinhard Resumo Os portais de compras governamentais são poderosas ferramentas na reestruturação do papel do Estado, ação necessária para a capacitação de um país na era da informação; eles conferem aos governos uma grande redução de custos, através do aumento de competitividade entre os fornecedores resultando em redução de preços e também na redução de tempo de trabalho despendido nas operações de compras. Este estudo trata do Portal de Compras do Governo Federal no Brasil, um empreendimento de grande sucesso, merecedor de reconhecimento pela conferência de e-government promovida em 2001 pela comunidade européia, que, junto com outras iniciativas nacionais na área, está promovendo no Brasil práticas eficientes de governança eletrônica. A característica mais distintiva do Portal, que este estudo busca entender, é o arranjo institucional formado para seu desenvolvimento. O modelo desenvolvido dá uma indicação importante de que parcerias criativas, motivadas pelas forças de mercado, podem ser contribuintes merecedores de consideração especial para a reforma administrativa do governo. Introdução Os portais de compras governamentais são poderosas ferramentas na reestruturação do papel do Estado, ação necessária para a capacitação de um país na era da informação. Os portais de compra conferem aos governos uma grande redução de custos, não somente através do aumento de competitividade entre os fornecedores - o que resulta em preços mais baixos, mas também na redução de tempo de trabalho despendido nas operações de compras. Além disso, a prática do governo eletrônico tem um importante papel social na medida que: os governos são responsáveis pelo desenvolvimento da tecnologia no que diz respeito à implantação e manutenção da infra-estrutura de telecomunicações adequada; e que o uso do comércio eletrônico na atividade de compras governamentais, permite que um maior número de pequenas e médias empresas possam inserir-se em um ambiente de maior atividade econômica, e, principalmente, confere maior transparência às transações realizadas pelo setor público. Este estudo trata do Portal de Compras do Governo Federal no Brasil, cuja vitrine é a implementação do leilão reverso como instrumento de compras governamentais, que constitui um empreendimento de grande sucesso, e que junto com outras iniciativas, está promovendo no Brasil práticas eficientes de governança eletrônica. A característica mais distintiva do Portal, que este estudo busca entender, é o arranjo institucional formado para seu desenvolvimento. O modelo conta com a colaboração do Governo Federal, representado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), responsável pelos sistemas estruturadores do Governo Federal; do Serpro, a empresa pública usualmente responsável pelo desenvolvimento, operação e manutenção dos sistemas de informação do Governo Federal; e de um consórcio entre a Unisys do Brasil, uma grande empresa do setor de tecnologia que já desfruta de grande presença no segmento de governo no mundo todo, e da Vesta, uma empresa brasileira emergente de tecnologia que é a principal responsável pelo arranjo, bastante inovador, desenhado para a prestação deste serviço. A seguir são apresentados conceitos para a avaliação do Portal em relação ao uso do ecommerce no governo; um referencial para a análise do modelo de negócios que destaca-se na prestação deste serviço; algumas vantagens esperadas na formação de parcerias; a metodologia utilizada; o Portal, suas funcionalidades e a avaliação proposta; os objetivos estratégicos e benefícios de cada envolvido na prestação do serviço; e finalmente uma 1 conclusão sobre o estudo, onde busca-se também identificar questões que nasceram desta investigação. 1 O uso do e-commerce como ferramenta para o e-government As novas tecnologias de informação e comunicação estão alterando a lógica de negócios em todos os setores da sociedade, inclusive no governo. Assumindo-se, como Cunha e Reinhard (2001), a perspectiva encontrada em Castells de que vivemos uma revolução: a revolução da Sociedade da Informação, temos que lembrar que, segundo o próprio Castells (2000), o Estado, e não o empreendedor, é o responsável pelo início de tal revolução. Assim, se a revolução da informação impõe uma revisão dos modelos de negócios nas empresas, também o governo encontra-se diante de tal necessidade. A implementação do e-government (nome atribuído ao uso das tecnologias da informação na modernização da administração pública) na grande maioria dos países, e também no Brasil, é hoje considerada uma prioridade em termos de política pública. Reinhard (1999) in Cunha e Reinhard (2001), apresenta uma classificação de 6 estágios, que normalmente ocorrem de forma progressiva, da presença de um governo na Web: oferecer informações institucionais, prestar orientação quanto a serviços e procedimentos, permitir consulta a arquivos de transações, realizar transações on-line, completar todo um processo online, e no extremo mais sofisticado disponibilizar sites que permitem ao cidadão executar processos que envolvem o relacionamento com mais de uma instituição. Os níveis mais complexos não descartam as funcionalidades dos níveis anteriores, destarte a disseminação de informações e a orientação sobre procedimentos e serviços devem estar presentes em qualquer site de prestação de serviços públicos. O caso estudado, o Portal de Compras do Governo Federal, trata-se de um site com as características do estágio mais avançado, que exige bastante interoperabilidade entre diferentes agencias do governo. 1.1 A Prestação de Serviços Públicos pela Web Diante da crescente presença de serviços e informações governamentais na Internet, pesquisadores têm buscado formas de avaliar a prestação de tais serviços. McClure e Sprehe (1999), com base em pesquisas anteriores na área, propuseram-se a desenvolver um sistema de medidas, que eles chamaram de ‘Public Access Rating System’ (PARS), para avaliar os sites de governo sob o aspecto de sua efetividade como veículos de informação. Os aspectos que os autores identificaram primeiramente como importantes para serem avaliados são: completude; o grau de atualização da informação disponível; eficiência, tanto na questão de custos para a disponibilização do site, quanto na questão da prestação do serviço em relação a outros canais; efetividade interna, que diz respeito à percepção de aderência com seus objetivos, e externa; e conformidade com as políticas do governo. Os critérios utilizados pela e-Government Conference: from Policy to Practice, realizada em novembro de 2001 em Bruxelas, evento que avaliou exclusivamente sites que incluíam a prestação de serviços além de informação e onde o www.comprasnet.gov.br recebeu o selo de “Boa Prática de Governança Eletrônica” pela Comunidade Européia, foram classificados em 6 aspectos: interatividade, disponibilidade e facilidade de acesso, benefícios para os usuários e para a administração pública, o processo de reorganização do governo, critérios de adoção e conhecimento do serviço, e capacidade de transferência da solução para outras agências ou esferas de governo. 1.2 Compras Eletrônicas Os portais de compra, a despeito de sua crescente adoção e previsões otimistas quanto ao número de transações que serão alcançadas em um curto horizonte de tempo, ainda sofrem da falta de um modelo de avaliação que defina quais devam ser seus requisitos. 2 Apesar de a maioria dos sites de comércio eletrônico ainda centrarem-se mais na atividade de aproximação de vendedores e compradores e na presença de conteúdo relevante, em um futuro de curto prazo, podemos esperar que outras funcionalidades, além de compra e venda, venham a ser acrescentadas ao processo de comércio eletrônico, explorando as operações de logística e pagamento e também venda de outros serviços de valor adicionado. (Barrat e Rosdahl, 2001) Na avaliação de marketsites, Barratt e Rosdhal (2001) propõe que sejam considerados os seguintes pontos: atração, ou o número de adesões e seu índice de crescimento; parcerias estratégicas, sempre na intenção de reduzir custos e aumentar a competência; grande provisão de fundos, para atrair compradores e vendedores; plataforma tecnológica, quanto às suas características de robustez, escalabilidade, segurança e facilidade de uso; e ser líder. O’Leary (2000) ressalta o fato de que apesar do grande avanço na prática de B2B, suas funcionalidades não estão ainda totalmente em prática, muito porque sua complexidade é bastante maior que o prática de B2C, especialmente no que diz respeito às questões de informações que não se deseja compartilhar. O autor apresenta o conceito de portais de negócios como sendo e-marketplaces com agregação de conteúdo, e lista uma série de critérios que ele identifica como sendo as características esperadas em um portal de negócios completo: disponibilidade de notícias de grande interesse sobre a atividade de negócios e sobre setores industriais relacionados, informações atualizadas sobre o mercado financeiro, relação de empresas, informações sobre as empresas e fontes de informação, provedores de serviços e informações. Em relação ao processo de compras efetuado através da Internet nos negócios do tipo B2B podemos ressaltar que são economicamente mais interessantes quando concentram uma representação relevante de uma indústria ou ramo de atividades; além dos benefícios da redução de preços provocada pela maior competitividade entre fornecedores, e da redução de tempo e trabalho empenhado em tarefas de pouco valor agregado. Somando-se as considerações sobre ao aspectos de avaliação – e, portanto, o que se deve esperar – de um site de prestação de serviços públicos e um site de compras eletrônicas, mais o fato do aumento de atratividade, enquanto negócio, dos sites de e-commerce quando representam um grupo grande de interessados, o conhecimento de que o governo representa uma importante parcela de volume de transações, e a urgente necessidade de transparência, em nível público, nas transações de governo – o que o difere qualitativamente da iniciativa privada, fica evidente que o uso das práticas de comércio eletrônico é bastante indicada como instrumento facilitador da implementação de governança eletrônica. 2 Modelos de Negócio na Web Ao tratarmos de reestruturação e reforma do Estado, e do uso do comércio eletrônico dentro da estrutura de compras governamentais, devemos levar em consideração o que este processo representa em termos do modelo de negócio a ser adotado e as vantagens que este confere ao governo e ao seu cliente, o cidadão. Um modelo de negócio pode ser descrito como a maneira que uma organização se mantém economicamente sadia através de gerar e disponibilizar ao cliente o seu serviço ou produto. (Laudon e Laudon, 2002 e Bovet, 2001) Os modelos de negócio da Web são ainda pouco claros. Muitos estudiosos e praticantes da área estão de acordo com o fato de que a Internet alterou os modelos tradicionais, mas ainda não existe uma evidência clara do que significa esta mudança, tampouco uma taxonomia convergente sobre os modelos de negócios baseados na Internet. O que já está mais evidente é que a Web consiste um viabilizador chave de novos modelos de negócios que estão surgindo junto com a revolução da era da informação. (Bovet, 2001) 3 Laudon e Laudon (2002), listam 14 modelos de negócios praticados na Internet, dentre eles o leilão reverso, descritos como os mais importantes que emergiram até então; e afirmam que estes modelos adicionam valor às organizações em, pelo menos, uma das seguintes formas: oferecem ao cliente um produto ou serviço totalmente novo; oferecem informação e/ou serviço adicional para um produto ou serviço tradicional; ou provê um mesmo serviço ou produto a um custo muito menor. A interatividade proporcionada pela Internet está constantemente alterando as relações de mercado existentes. Appell (2000) advoga que esta interatividade e acesso global é o principal estimulador do que o autor chamou de ‘dynamic commerce’. Numa perspectiva histórica, o autor descreve que, durante séculos os negócios eram conduzidos através de negociações, e que foi a produção em massa da era industrial que tornou impraticável este modelo e trouxe como solução a relação de preços fixos, e foi a era da informação que trouxe de volta a possibilidade de se reconhecer as reais condições de demanda e oferta existentes. No que diz respeito à evolução do e-commerce, Appell (2000) propõe uma análise temporal em que ele identifica duas ‘ondas’ de funcionalidades: a primeira caracteriza-se por automatizar e tornar on-line as práticas de comércio que predominavam, como o catálogo de preços; a segunda é a que passa a explorar melhor o potencial da inter-conectividade e favorece o aparecimento do ‘comércio dinâmico’. Appell (2000) considera o leilão o representante mais comum das formas de ‘comércio dinâmico’ praticadas atualmente; e classifica os modelos de e-commerce no ambiente de B2B de acordo com a interação entre vendedores e compradores: 1 / 1: negociação; 1 vendedor / muitos compradores: leilão; 1 comprador / muitos vendedores: leilão reverso; e muitos / muitos: exchange. Dolan e Moon (2000), classificam em três as práticas de comercialização: o tipo 1 é o de preço fixo, modelo ameaçado pela Internet e sua possibilidade de rápida pesquisa de preços, havendo algumas ressalvas como a fidelização do consumidor baseado em marcas ou outro atrativo que inspire confiança; o tipo 2 é o modelo de negociação comprador/vendedor, que caracteriza o modelo de comercialização mais comum praticada desde os primórdios dos processos de troca até os dias de hoje, cujas desvantagens, que vêm sendo superadas pela tecnologia, são o tempo despendido na transação, o demasiado foco na questão do preço, e o grau de autoridade e influência de cada parte da negociação; por fim, o tipo 3, que os autores denominam de ‘Interação Horizontal’, compreende as formas de leilão (tradicional e leilão reverso) e exchange. Os autores concordam que é a interatividade proporcionada pela Internet que habilita a implementação eficiente das formas leilão e exchange. 2.1 O Leilão Reverso No caso estudado, a grande vitrine do Portal Comprasnet é a presença da modalidade de leilão reverso para compras governamentais. Dolan e Moon (2000), definem a modalidade de compra reversa, como mecanismos que invertem o papel do comprador e do vendedor. Em processos comuns de compra, o vendedor oferece um bem para venda e o comprador decide se deseja comprá-lo ou não. Na compra reversa, o que ocorre é que o comprador manifesta a necessidade de um determinado bem e os vendedores é que fazem as ofertas para satisfazer a demanda. Uma das modalidades de compra reversa é o leilão reverso, que por sua natureza estabelece um processo de competição entre os vendedores para conquistar a venda. O leilão reverso funciona de forma invertida em relação ao leilão tradicional (ou Leilão Inglês). Nesta modalidade, um comprador exprime sua necessidade de aquisição, e diversos fornecedores competem pela venda através de ofertas de preços cada vez menores. Dolan e Moon (2000) conferem à interatividade da Internet a possibilidade de implementar leilões reversos de forma economicamente viável: entre outras vantagens, o leilão reverso na 4 Internet maximiza o número de fornecedores qualificados que possam participar do processo e exerce enorme pressão para a redução de preços. O mecanismo de compra reversa é já prática antiga nos órgãos de governo, que por sua característica de necessitar de evidências de lisura do processo, usualmente fazem compras por meio de licitações públicas, cujo processo pretendido é exatamente o de compra reversa. De acordo com Harris (2001), o leilão reverso é um instrumento novo e controverso que vem sendo adotado recentemente por agências de governo. Controverso porque incorre-se no risco de dar demasiada importância ao preço, em detrimento da qualidade do produto. No entanto, suas vantagens, além do preço, referem-se também à atração de um maior número de pequenas empresas para o ambiente de compras de governo, e o aumento de transparência, o que o torna bastante desejável quando se cria mecanismos para evitar os perigos de aquisição de bens de qualidade inferior. 3 Parcerias e Suas Motivações Neste tópico pretende-se desenvolver um referencial para a questão que motivou este estudo: o modelo institucional que serviu de pano de fundo para o desenvolvimento do Portal. 3.1 O Papel do Governo Ao analisar as motivações que geraram o tão inovador arranjo institucional que provê o serviço prestado pelo Portal Comprasnet, não se pode deixar de falar que esta iniciativa está intimamente ligada à reforma do Estado com vistas à Sociedade da Informação. Di Pietro (1999) define a mudança, a tão comentada reforma do Estado, como uma alteração ideológica. Em sua opinião, a mudança ocorre na forma de conceber o Estado: de prestador de serviços a agente que fomenta a ação da iniciativa privada, de centralizador a participativo, de grande e ‘pesado’ para uma medida que dê espaço à atuação do particular, de rígido a flexível e eficiente. De acordo com Dawes et alli (1998), o papel do Governo na sociedade continua sendo essencial quanto aos seus objetivos: segurança coletiva, administração das questões de jurídicas, prover infra-estrutura institucional da economia, e garantir investimentos em educação e saúde de forma a preservar e elevar o capital social do país. Entretanto, diante da demanda por maior eficiência na prestação de serviços públicos, nas áreas em que o governo não pode ser o melhor prestador de serviços, este deve permitir que outras organizações o façam. Na busca de soluções para as atuais e complexas demandas que as expectativas dos cidadãos impõem aos governos, as fronteiras entre a iniciativa privada e o governo, antes tão claras, estão obscurecendo diante da crescente presença de parcerias entre o setor público e privado. Uma das necessidades percebida pelos governos é a criação de novos modelos de parcerias e outras formas de cooperação entre diferentes organizações, dada a diversidade de envolvidos na prestação de serviços públicos, cada dia mais, baseados no uso das Tecnologias de Informação. E assim como a reforma é ainda um processo em andamento, Di Pietro (1999) afirma que o tema parceria também está em aberto porque a própria reforma promove um efeito renovador que parece inesgotável, onde “a inovação precede, muitas vezes, a elaboração legislativa”. O que, a despeito de não cumprir com o desejável respeito ao ordenamento jurídico, está associado de forma quase que inevitável, ao necessário e iminente processo de mudança. 3.2 Os parceiros na prestação de serviços públicos Para o desenvolvimento do Portal, foi criado um convênio entre o Serpro, a empresa pública de processamento de dados que tradicionalmente fornece os serviços de Tecnologia de Informação para o Governo Federal; e um consórcio formado por duas empresas privadas: a Unisys, empresa de tecnologia que fornece toda a infra-estrutura de hardware para o projeto e 5 que já trabalha tradicionalmente e em nível mundial com órgãos de governo, e a Vesta, uma empresa emergente de tecnologia, que fornece toda a infra-estrutura de software para o Portal e foi a idealizadora do arranjo institucional que é objeto deste estudo. Convênio, segundo Di Pietro (1999), é um instrumento utilizado pelo Poder Público para associar-se com outras entidades públicas ou privadas e constitui um acordo de vontades, onde os entres conveniados têm objetivos institucionais comuns e verifica-se a mútua colaboração. Segundo a mesma autora, consórcio, no direito privado, constitui uma modalidade de concentração de empresas para assumir atividades que não teriam a possibilidade de forma isolada. Dutton (1999) define os consórcios como uma modalidade de cooperação entre diferentes organizações, que possui caráter de tempo definido, é flexível e orientada por projetos. Segundo o autor, devido às claras vantagens deste modelo de cooperação em relação às parcerias e joint ventures no atual dinamismo do mercado, os consórcios devem tornar-se bastante comuns nos próximos anos, adotando formas de financiamento bastante inovadoras. A Vesta é uma empresa emergente de tecnologia. Por isso, vamos usar como fonte de referência da estratégia de marketing, o modelo proposto por Moore (1996). O modelo parte do tradicional modelo do Ciclo de Vida de Adoção de Tecnologia e procura identificar as causas que levam à prática ser diferente da teoria, chamando o ponto onde as empresas usualmente saem do modelo de Abismo. A estratégia proposta para ‘atravessar o abismo’ baseia-se no reconhecimento da diferença e atitude entre os ‘visionários’ do mercado inicial e os ‘pragmáticos’ do mercado desenvolvido, e indica a necessidade de que a empresa possua uma solução completa para um nicho de mercado, onde a empresa possa firmar-se como líder e alcançar o mercado desenvolvido, e então, sucessivamente, buscar o papel de líder em outros nichos até que o mercado esteja pronto a adotar a nova tecnologia como o paradigma corrente e a empresa entra no ‘furacão’. Uma outra importante colocação é a conclusão da pesquisa de Das et alli (1998), onde os autores verificam que as alianças estratégicas baseadas em Tecnologia são bem vistas por investidores e provocam um aumento no preço das ações das empresas envolvidas. Este evento se explica ao verificar-se que tais alianças são normalmente formadas por empresas emergentes, detentoras de novas tecnologias e em busca de mercado, e empresas grandes, com sólida posição no mercado e em busca de novas tecnologias, o que é encarado como uma relação tipo ganha-ganha. Outra constatação é que as pequenas empresas, usualmente, usufruem maiores retornos em termos de aumento no preço das ações que as grandes. A respeito de parcerias com o setor público, Austin (2001) afirma que a cooperação está evidentemente incentivada por diversas forças sociais e que, as parcerias trazem muitas compensações. Parte das forças que propulsionam a cooperação se dão referentes ao fato de que, diante das mudanças sociais que atravessamos, a sociedade não pode mais esperar que o Governo Federal seja o ‘solucionador’ de todos os problemas, especialmente porque os problemas atuais sobrepujam a capacidade de organizações isoladas lidarem com eles. Quanto aos benefícios auferidos pelas organizações que participam em um processo de cooperação, o autor enfatiza que qualquer relação envolve uma troca de valores, e que a magnitude, a forma e a distribuição deste valor – e como ele é percebido – estão no cerne da dinâmica da relação. Para Evans e Wurters (1999), a informação é o elemento de ligação da estrutura de qualquer negócio, e neste sentido é um bem bastante valioso. Os autores são enfáticos quanto ao fato de que a ruptura entre a informação e o seu agente de disseminação, proporcionada pela conectividade é realmente revolucionária para as novas formas de criar valor nas empresas. 4 Metodologia A questão central que norteia este estudo é quais seriam os elementos importantes, dentro dos limites nacionais, que propiciam a ocorrência de parcerias de sucesso entre diferentes 6 organizações para a prestação de serviços públicos, e que papel podemos esperar destes arranjos na promoção de práticas de governança eletrônica mais eficientes e no desenvolvimento do país. O estudo consiste de um estudo de caso, considerando a sua adequação para o entendimento da complexidade de um fenômeno dentro de um contexto organizacional específico (Benbasat et alli., 1987; Eisenhardt, 1989), e é guiado pela metodologia criada pelo convênio estabelecido entre o CTG (Center for Technology in Government - USA) e o CEFRIO (Le Centre Francophone d’Informatisation des Organizations - Canadá) para uma investigação de caráter internacional sobre modelos de colaboração para a prestação de serviços públicos através do uso das Tecnologias de Informação. O caso estudado, o Portal de Compras do Governo Federal, despertou interesse pela originalidade do arranjo institucional que lhe serviu de estrutura de desenvolvimento. Na coleta de dados foram utilizadas, como fonte primária, entrevistas abertas com pessoas envolvidas no processo de formação do convênio e envolvidas com a tecnologia, e extensa análise das funcionalidades e documentos constantes no Portal. Foram pessoas do Ministério do Planejamento e da Vesta, num total de 4 entrevistas. O modelo proposto para o estudo possui seis dimensões (Dawes e Elglene, 2001): A primeira dimensão documenta o ambiente político, social, econômico e cultural. A dimensão 2, representa o ambiente técnico, institucional e de negócios. A terceira dimensão diz respeito às características e objetivos dos diferentes participantes no projeto. A quarta dimensão trata do processo de construção da relação de colaboração em si: os processos de negociação, decisão, ação e avaliação em cada estágio do projeto. A dimensão 5 cuida dos modelos de colaboração, as estruturas de governança adotadas, a natureza dos riscos e benefícios, a distribuição de controle e autoridade, o compartilhamento de recurso, e a gestão interorganizacional do processo. E a sexta dimensão analisa a performance focando dois aspectos: a performance da colaboração e do método adotado para a mesma, e das metas de prestação de serviços que o projeto busca atender. O relacionamento e a dinâmica de influência entre as dimensões, o processo e seus participantes deve ser considerada para o estudo. 5 O Portal de Compras do Governo Federal - www.comprasnet.gov.br 5.1 Funcionalidades do Portal O COMPRASNET, é um site, desenvolvido por iniciativa do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), onde são disponibilizadas informações relativas às compras e contratações e são operados processos de aquisição eletrônica desenvolvidos pelo Governo Federal. Instituído em 1997, para efetuar a publicação eletrônica dos avisos e editais de licitação nas suas diversas modalidades, bem como dos resumos dos contratos firmados pela Administração Pública Federal, o COMPRASNET vem sendo transformado num efetivo Portal de Compras do Governo Federal. Constitui um módulo do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (SIASG). O SIASG é constituído por um conjunto informatizado de diversos subsistemas com atribuições específicas voltadas à modernização dos processos administrativos dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, e tem como atribuição a gestão das atividades de serviços gerais, do qual o MP é órgão central normativo. Os objetivos do Portal de Compras do Governo Federal são: 1 - promover transparência e permitir o controle, pela sociedade, das ações e decisões que envolvam as compras públicas, no âmbito do Poder Executivo Federal e dos demais órgãos que integrarem o SIASG; 2 – centralizar as compras públicas e dotar a Administração Pública de ferramentas voltadas à gestão das compras e contratos firmados pelas entidades governamentais; 3 - oferecer aos 7 fornecedores maior oportunidade de participação nos processos de licitação; e 4 - reduzir custos (acredita-se em uma redução da ordem de 25%) e melhorar a qualidade das compras de bens e da contratação de serviços. O Portal foi desenvolvido para atender a sociedade, os fornecedores e a Administração Federal, assim, suas informações estão distribuídas por áreas de conteúdo específico para cada público. Para a sociedade, estão disponíveis informações que permitem ao cidadão acompanhar as contratações realizadas pela Administração e exercer o seu direito de fiscalização. Através do Portal, tem-se acesso a uma série de publicações do MP referentes à área de logística e serviços gerais, incluindo dados referentes às transações efetuadas pelo governo e as leis, em sua íntegra, que regem as normas das compras governamentais, aos dados dos processos em aberto, aos resultados dos processos encerrados, e pode-se também, acompanhar, em tempo real, os pregões em andamento. Para os fornecedores, além das informações relativas às licitações e contratações, o Portal disponibiliza, em tempo real, um conjunto de facilidades que os auxiliam a efetuar e manter atualizado o seu registro cadastral no SICAF (módulo do SIASG que cadastra e habilita as pessoas físicas ou jurídicas a participar de licitações promovidas pelos órgãos e entidades que fazem parte dos compradores do Portal), permitem o acesso a avisos e editais de licitação, possibilitam a participação em processos eletrônicos de contratação, bem como oferecem acesso a outros serviços e informações. Para os órgãos e entidades da Administração Federal direta, autárquica e fundacional, integrantes do Sistema de Serviços Gerais - SISG, o COMPRASNET disponibiliza uma série de facilidades voltadas para o controle e execução dos processos de contratação. 5.1.1 Serviços Principais Oferecidos Atualmente pelo COMPRASNET: Cadastro Unificado de Fornecedores – SICAF – Adotado, necessariamente, pelos órgãos e entidades integrantes do SISG, com o objetivo de somente permitir a contratação de bens e serviços de fornecedores habilitados e facilmente identificados por um cadastro único. Pregão eletrônico – A grande vitrine do Portal, constitui a modalidade de compra por leilão reverso. O pregão eletrônico foi regulamentado no âmbito da União em agosto de 2000, e o primeiro pregão eletrônico foi realizado em 29 de dezembro de 2000, em Brasília. Simulador de pregão e simulador de cotação eletrônica – Ferramenta que permite fornecedores e pregoeiros se familiarizarem com as novas formas de contratação eletrônica. Informação atualizada sobre a legislação vigente e compras governamentais – Fortalecendo a transparência necessária às contas públicas, o COMPRASNET disponibiliza, na íntegra e com atualização periódica, as normas legais sobre os processos de licitações e contratações, de logística e de serviços gerais, assim como informações sobre todos os processos de compras do governo. Cotação Eletrônica de Preços – Este módulo tem o objetivo de apoiar a realização dos processos de compra realizados com dispensa de licitação por limite de valor através do suo de correspondência eletrônica. Serviços de Valor Agregado – São serviços tarifados que objetivam auxiliar o fornecedor através de informações compiladas de acordo com suas necessidades. Entre os serviços disponíveis estão: Aviso de Vencimento de Certidões, Aviso de Licitações, e Download de Editais com facilidades para busca. 5.2 Avaliação do Portal Os serviços prestados pelo Portal estão ainda em evolução, mas já são referência, inclusive internacional, de sucesso em prestação de serviços governamentais via Tecnologia da Informação. O Portal Comprasnet recebeu o selo de "Boa Prática de Governança Eletrônica" 8 da Comunidade Econômica Européia. O selo é emitido pela comissão européia de organização da e-Government Conference: From Policy to Practice. Com o COMPRASNET, o Brasil foi colocado no grupo dos 20 países que já desenvolvem práticas eficientes de governança eletrônica. A tecnologia escolhida para a prestação deste serviço foi a Internet, principalmente pela sua notável evolução e possibilidade de universalização do uso, sua capilaridade, e por ter-se tornado, de forma institucional, o veículo para a construção do Governo Eletrônico. É lógico que o sistema todo envolve uma complexa rede de relacionamentos de sistemas legados, interfaces em diferentes plataformas e sistemas de comunicação igualmente diversos. Por tudo isso a infra-estrutura tecnológica que fornece estes serviços, deve ser flexível e facilmente adaptável, o que constitui um dos motivos para que a solução do consórcio Vesta/Unisys fosse vencedora da licitação que resultou no convênio de prestação do serviço, cuja tecnologia conta com reconhecida robustez, segurança e escalabilidade. O COMPRASNET, instituído para todos os órgãos civis do poder executivo, incluindo a administração direta, as autarquias e as fundações, confere maior eficiência e transparência ao processo de compras governamentais. A automatização dos processo associada à capilaridade oferecida pela Internet, além da inovação do modelo de compras por leilão reverso eletrônico, aumenta a participação de pequenas e médias empresas nas contratações do Governo. A amplitude proporcionada pelo Pregão Eletrônico possibilita a participação de fornecedores localizados em diversos estados da Federação numa licitação. A maioria dos processos conta com interação bilateral. Com relação às modalidades de compra praticadas pelos órgão públicos, o site atende ou tem a previsão de atender a todos os tipos: licitações, cartas-convite, consultas de preço, e leilão reverso. Já encontram-se disponíveis diversos serviços de valor agregado e estão previstos outros a serem oferecidos no Portal. Uma boa parte dos processo está coberta em casa caso, exceção feita aos processos de pagamento, que, somente estão previstos de forma on-line para os serviços de valor agregado. E, exceção feita ao modelo de Pregão Eletrônico, todos os demais serviços prestados podem ser usufruídos sem nenhuma necessidade de acesso à rede. As compras do Governo Federal, de clipes a aviões, custam à União mais de R$10Bi/ano. Espera-se que R$2Bi sejam adquiridos via Portal, o que significa que, dadas as expectativas de economia (25%), quando o sistema estiver em pleno funcionamento, haverá uma economia de R$500Mi/ano. O governo tem 140.000 fornecedores cadastrados, sendo 50.000 ativos, e número de transações efetuadas no site tem crescido muito, demonstrando sua atratividade. O modelo de cooperação, desenvolvido pela Vesta, prevê que o consórcio Vesta/Unisys oferece gratuitamente o desenvolvimento e a estrutura do Portal, e detém o direito de explorar serviços de valor agregado no mesmo, edividindo este resultado com o Serpro. Obtido a custo zero pelo governo, e oferecendo um potencial de renda bastante significativo para o convênio Serpro/Vesta/Unisys, o Portal promete grande eficiência econômica. O que é também verdade para os fornecedores do governo, que deixam de ter despesas com viagens e documentação, pois além da interação on-line, o sistema garante a possibilidade de verificar, em tempo real, a situação de uma empresa participante de licitação junto a Previdência Social, Receita Federal e FGTS, ou se há algum problema com a dívida ativa da União, o que substitui a busca de certidões de regularidade fiscal e também inibe a falsificação destes documentos. A demanda em relação ao Pregão Eletrônico vem aumentando significativamente, atingindo diversos órgãos e entidades da Federação e motivando a adesão de órgãos de outros poderes. No poder Judiciário, o Tribunal Regional Federal - TRF-DF, assinou Termo de Adesão ao Portal. O Banco Nacional de Desenvolvimento - BNDES também firmou Termo de Adesão 9 visando a utilização do referido sistema em suas licitações. Também a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT aderiu ao Portal. O plano de ampliação do COMPRASNET prevê também a cooperação e relacionamento para troca de informações com outras entidades: outros poderes, outras esferas de governo, a iniciativa privada e o Mercosul. Por todos os motivos apresentados, o Portal, enquanto solução de e-commerce para a prática de governo eletrônico está sendo muito bem visto. 6 O Modelo Institucional 6.1 O ambiente gerador da demanda do Portal Na busca da modernização administrativa, muitas unidades governamentais, nas esferas de governo Federal, Estadual e Municipal do Brasil, iniciaram seus projetos de informatização e de disponibilização de serviços e informações na Internet. As dificuldades de se implementar o e-government no Brasil são muito grandes dado que é um país de dimensões continentais e possui significativa diferença cultural e de infra-estrutura entre as diversas regiões, além da significativa desigualdade existente na distribuição de renda. Por tudo isso, estender a possibilidade de acesso à Internet a toda a população, inclusive a de baixa renda, e transpor a barreira da baixa interoperabilidade, considerando os problemas de infra-estrutura de algumas regiões, exige grandes esforços e investimentos. Apesar das dificuldades, o Brasil estabeleceu a meta a integração total das redes da Administração Pública Federal, bem como dos sistemas de gestão até o final de 2001. Exemplo desta prioridade é o fato de que a Casa Civil da Presidência da República só recebe documentos eletrônicos dos ministérios, assinados digitalmente, desde janeiro de 2001. No entanto, do ponto de vista dos investidores e empreendedores, responsáveis por uma parcela importante do desenvolvimento de tecnologia, ainda observa-se grandes barreiras ao investimento em tecnologia. São dificuldades de caráter cultural, dentre as quais destaca-se a crença equivocada de que existam poucas iniciativas de ponta, a distância entre o meio acadêmico e o meio empresarial, e um ambiente empresarial pouco favorecedor: os padrões de julgamento predominantes consideram um negócio que não obteve sucesso como fracasso, quando em países onde o empreendedorismo é mais incentivado o mesmo evento é visto como aprendizado; e barreiras estruturais, que caracterizam-se por fundadores com idéias tecnicamente boas, mas com pouca experiência ou conhecimento gerencial, e uma escassez de modelos de referência. Neste sentido, as propostas do programa Sociedade da Informação (www.socinfo.org.br), que busca fomentar a utilização de tecnologias de informação e comunicação e contribuir com a capacitação econômica do país para competir no mercado global, devem ser vistas como redutoras de tais barreiras. 6.2 As motivações estratégicas dos participantes O Portal se relaciona com três grupos de interessados: 1- o Governo Federal e todas as organizações envolvidas na prestação do serviço, 2- os fornecedores e prestadores de serviços do Governo Federal, e 3- a sociedade em geral. Dentro do primeiro grupo, podemos distinguir três diferentes sub-grupos: Os órgãos e entidades do Governo Federal responsáveis pela prestação do serviço: - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), através da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Que planejou e especificou o sistema, contratou a sua elaboração e implantação, e foi o piloto de uso do mesmo. - Ministério da Fazenda (MF), na figura das Secretaria da Receita Federal (SRF), Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), e a Caixa Econômica Federal (CEF): 10 permitem a verificação da validade das certidões dos fornecedores; e a Secretaria do Tesouro Nacional, que pelo Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI), permite verificar a atualização dos pagamentos. - Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), através do INSS, faz a verificação de ausência de débito junto à previdência social. - Imprensa Nacional – publica os editais de compras do governo. As principais dificuldades encontradas nesta dimensão da colaboração é a integração dos sistemas, a dificuldade de adaptação dos sistemas legados, e aspectos políticos e de poder. Na tentativa de solucionar estes problemas foi criado o Comitê Executivo do Governo Eletrônico (CEXGE), que teria o papel de promover a prática do e-government. Os órgãos do Governo Federal que são usuários das informações deste serviços, e que, como tal, influenciam no seu desenvolvimento: - Tribunal de Contas da União (TCU) – que por suas competências de fiscalizar as contas do Governo Federal, tem no Portal um instrumento de grande valia. - Secretaria Federal de Controle do Ministério da Fazenda, instaurada em 1996 por Instrução Normativa do TCU, faz parte do processo de controle de gastos do Governo. Estes órgãos contribuem para a evolução do sistema na medida que apresentam suas necessidades que são, usualmente, fontes de idéias para relevantes ferramentas de gestão. Os provedores do serviço ao Governo Federal: - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (PM), na figura de cliente e especificador das necessidades, facilidades e demais serviços a serem disponibilizados pelo Portal. - SERPRO – Serviço Federal de Processamento de Dados, empresa pública criada em 1964. É hoje uma das maiores empresas de informática da América Latina. Atende órgãos da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal. O Serpro, com a tradição de ter sempre cumprido sua missão institucional, e com a necessidade de tornar-se autônomo no que diz respeito a seus investimentos, busca cumprir seu papel sempre com excelência. - Consórcio Vesta-Usisys – o Serpro, através de concurso público, elegeu o consórcio formado pela Vesta Tecnologia e pela Unisys como parceiros para a formação de um convênio que se compromete a investir R$27 Milhões até 2006 no COMPRASNET. O modelo de formação do convênio firmado entre o Serpro e o consórcio Vesta/Unisys é, possivelmente, pioneiro no Brasil. De acordo com o contrato do convênio, o Governo Federal e também o Serpro não deverão arcar com nenhuma despesa até a completa implementação dos trabalhos propostos. O convênio Serpro/Vesta/Unisys terão retorno do investimento na forma de receita vinda da exploração de serviços de valor adicionado no Portal. A Vesta Tecnologia, é uma empresa que desenvolve e investe em tecnologia de infra-estrutura para e-business. Iniciada em março de 1998, quando, no Brasil, as empresas de Internet ainda restringiam-se a provedores de acesso, com a visão de que haveria em breve uma demanda por comércio eletrônico no país, teve como primeiros clientes apenas empresas de mídia. Os primeiros clientes interessados em transações de venda, pagamento e entrega só apareceram no início de 1999. Foi somente a partir do final de 1999, graças ao primeiro importante aporte institucional de capital, feito pela Latintech Capital S.A., que a empresa passou a operar como uma vendedora de produtos de receita recorrente. O primeiro cliente no governo foi o próprio Serpro, que adquiriu a tecnologia para a solução de pagamento on-line. A Vestas, nestes anos, conquistou um espaço bastante importante no mercado, tendo como clientes na área de ecommerce a Embratel, a Datasul, e outros - todos tem produtos baseados na tecnologia Vesta. No entanto, uma das metas da Vesta era ter produtos de mercado, não somente aqueles que estavam embutidos nos produtos de seus clientes. Para atingir esta meta, desenhou uma 11 estratégia de possuir, pelo menos, um cliente importante em cada segmento de sua atuação, ou seja, traduzindo nos termos de Moore (1996), ‘jogar na pista de boliche’. Assim, a Vesta investiu muito esforço em elaborar uma solução que pudesse ser vencedora na licitação do Portal Comprasnet. É lógico que a empresa espera obter lucros neste acordo, que virão na forma de vender serviços de valor agregado aos fornecedores, operadores logísticos e bancos que venham a interagir no processo: são 140.000 fornecedores cadastrados no SICAF, dos quais 50.000 são ativos, nenhuma outra organização possui tão grande número de fornecedores – e isto significa informação. Porém, além da remuneração dos serviços tarifados oferecidos pelo Portal, outros motivadores para a Vesta para investir neste projeto são a projeção que este empreendimento oferece e o enorme market-share que ele confere (somente os órgãos civis diretos da administração do poder executivo são mais de 2000, acrescente a adesão de outros órgãos e as agências ligadas a cada órgão e o número fica muito maior), o que automaticamente aumenta o valor da empresa no mercado e até já motivou mais um significativo aporte de capital, desta vez do Bank Boston. A Unisys Brasil, a terceira maior subsidiária da Unisys Corporation no mundo, é parceira no setor público brasileiro desde 1924 e atente mais de 1.500 agências governamentais em todo o mundo. Tem como meta ser reconhecida pelo mercado, em geral, e por seus clientes, em particular, como referência e primeira opção de parceria em projetos de integração. Se observarmos a Unisys também pelo prisma de Moore (1996), esta já está na chamada ‘Via Principal’, ou seja, já tornou-se referência e agora precisa voltar a criar novas especificidades. 6.3 A história do desenvolvimento do modelo institucional Da proposta de aumentar a transparência nas ações do Governo, nasceu a idéia da criação do Governo Eletrônico e também o Portal www.comprasnet.gov.br. Para a execução do Portal, a escolha do Serpro como desenvolvedor desta solução foi quase natural, dadas as características e missão do Serpro, e sua história de sucessos na execução dos demais sistemas do Governo. Porém, na medida em que as necessidades de interconectividade, inter-operabilidade, rapidez de soluções, segurança, flexibilidade foram tornando-se mais prementes, o Serpro, em conjunto com o MP, decidiram que era tempo de buscar soluções no mercado para que os planos pudessem ser realizados em tempo e a contento, assim foi criada uma licitação na busca de parceiros para desenvolver o Portal. A Vesta, visualizando o potencial que esta oportunidade lhe oferecia, especialmente por tratar-se de sua competência e produto primários: o e-commerce - neste caso já dentro de um modelo de e-marketplace de grandes proporções e projeção, traçou uma meta de vencer esta concorrência e, junto com a Unisys, debulhou o edital à exaustão para ter razoável certeza de que o consórcio teria pontos suficientes para ser vencedor. A própria escolha de associação com a Unisys, empresa que completava os requisitos do edital que a Vesta não possuía, como ter capilaridade nacional, fez parte deste plano. A idéia de oferecer o serviço gratuitamente ao Ministério foi mantida em segredo como um trunfo para ganhar a concorrência. A Unisys, entre outras empresas, se ‘candidatou’ para ser parceira da Vesta pois acreditava na solução tecnológica da mesma como vencedora. A forma conveniada constituiu uma inovação, um modelo que pode ser chamado de ganhaganha: todos os parceiros vêem neste negócio uma possibilidade de resultado positivo. Um outro elemento importante deste arranjo é que a entrada de parceiros do setor privado, em particular na forma do convênio estabelecido, foi um fator que passou a contribuir para a determinação do ritmo de trabalho. O objetivo das empresas do consórcio de obter receitas faz com que tenham interesse em imprimir um maior grau de rapidez a todo o processo. 12 6.4 Aspectos de Colaboração Primeiramente, observa-se a cooperação entre os diferentes órgãos de governo na integração dos sistemas. No sentido direto desta cooperação destacam-se a figura da Secretaria de Logística e Tecnologia de Informação (SLTI), que é responsável normativa pelas atividades dos Sistemas de Administração dos Recursos de Informação e Informática - SISP e de Serviços Gerais - SISG, e deve propor políticas e diretrizes a eles relativas, no âmbito da Administração Federal direta, autárquica e fundacional; e do Comitê Executivo do Governo Eletrônico (CEXGE), ao qual compete estimular as práticas de governança eletrônica através de: coordenar e articular a implantação de programas e projetos para a racionalização da aquisição e utilização da infra-estrutura, serviços e aplicações de tecnologia da informação e comunicação no âmbito da Administração Pública Federal; estabelecer as diretrizes para a formulação, pelos Ministérios, de plano anual de tecnologia da informação e comunicações; estabelecer diretrizes e estratégias para o desenvolvimento da oferta de serviços e de informações por meio eletrônico, pela Administração Pública Federal; definir padrões de qualidade para as formas eletrônicas de interação e níveis de serviço para a prestação de serviços e informações por meio eletrônico. Um outro aspecto é a cooperação entre o contratante do serviço de implantação do Portal: o MP, e os seus prestadores: o convênio Serpro/Vesta/Unisys. O Serpro foi contratado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por seus resultados e na forma de dispensa de licitação, pois o mesmo é uma empresa pública. De acordo com o convênio firmado, o Serpro ficou responsável como Administrador Geral do Projeto e incumbido de prover a guarda dos equipamentos, a operação do sistema, e a integração com os demais sistemas estruturadores do governo além de ser a parte que, por seu conhecimento do cliente, faz a intermediação das especificações. A Unisys ficou responsável por ser a administradora do projeto técnico e de implantação, e de prover o hardware. A Vesta provê toda a parte de tecnologia de software, e, junto com a Unisys, faz a comercialização dos serviços de valor agregado, cuja receita líquida é distribuída em 61% para o Serpro e 39% para o consórcio Vesta/Unisys. O consórcio se propõe a investir R$27 Milhões, e cumprir um detalhado plano de implementação até 2006. 6.5 Performance da Colaboração Um dos fatores críticos de sucesso, talvez o mais importante, na opinião do MP, é a credibilidade que a sociedade vai depositar no Portal, e na prática de Governo Eletrônico. O que, com base nos dados de acesso e adesão ao serviço, parece estar ocorrendo de forma bastante satisfatória. Também deve-se levar em conta que, para o governo, a modernização e a adição de agilidade em seus processos é importante, mesmo se considerarmos somente a imagem que o governo deseje apresentar. Assim, na visão da Diretoria de Integração de Sistemas de Informação (DSI/SLTI/MP), o consórcio foi uma solução muito boa e, se fosse para recomeçar, o que sereia feito diferente é que este acordo teria sido feito antes, já no início do projeto. O Serpro, além de contar com tecnologia moderna e apropriada para a prestação do serviço, mantendo seu padrão de excelência, espera obter receita para prover seus investimentos. O consórcio Vesta/Unisys, além da receita esperada, tem como maior benefício a projeção e a conseqüente geração de negócios que devem advir desta iniciativa. Segundo John Whitehead (in Austin, 2001), ex-presidente da Goldman Sachs, seria uma seria miopia acreditar que uma parceria na qual se oferece um serviço ao público é algum tipo de caridade, na sua opinião, as recompensas são imediatas na forma de toda sorte de bons relacionamentos e boas oportunidades. 13 Para a Unisys, que já tem um bom histórico em prestar serviços para agencias de governo e de estimular o comércio eletrônico, este é mais um marco de sucesso, digno de nota e que garante, com certeza, um bocado de credibilidade adicional por parte do mercado. A Vesta, que é uma empresa jovem, e investe no desenvolvimento infra-estrutura de tecnologia, e que é uma das empresas sócio-fundadoras da Câmara e-net (uma organização que tem como missão discutir, e promover os interesses coletivos de empresas e usuários envolvidos em atividades de comércio eletrônico, inclusive de Governo Eletrônico, incentivando o uso da tecnologia da informação para modernização das relações econômicas e aumento de produtividade e competitividade), tem nesta parceria uma importante oportunidade de projeção tanto na potencialidade de market-share resultante do uso pelas agencias de governo, como na sua presença junto aos 140.000 fornecedores do governo. Assim como o MP, a Vesta também vê uma maior rapidez no processo como algo que poderia ser melhorado. 7 Conclusões Da observação do desejo de maior rapidez e agilidade declarado por dois participantes chave deste arranjo, surge uma nova questão: o que impede o governo de promover maior agilidade nos processos que o envolvem? É fato que a pressão pela concorrência do mercado é o grande combustível da agilidade imposta ao setor privado, que o diferencia do soter público. Porém, quando a pressão social impulsiona nesta direção, e o próprio governo percebe a necessidade de ser mais ágil, que ações são necessárias para que esta agilidade seja alcançada? Podemos citar três formas de promover mudanças no governo: por intermédio político, que pode ser visualizado historicamente, mas que usualmente demoram a responder às pressões sociais; por meio de legislação, a forma mais defendida por todos os juristas, mas que sofre de uma eficiência de implementação; ou pela mudança em sua estrutura, reconhecidamente a forma que mais efetiva e que se verifica em maior grau atualmente, dada a velocidade em que as transformações estão ocorrendo. A última, levada a cabo pela prática do e-government, promete ser a mais duradoura por envolver a sociedade como um todo e não somente impor à mesma as mudanças, e, de acordo com Di Pietro (1999), é necessária nestes tempos de mudanças rápidas. Diante da demora por parte do governo em buscar novos modelos, podemos presumir que a demora de adoção de tecnologias que possam alavancar as desejadas mudanças nas práticas de governo, deve-se em parte à prática, não exclusiva dos governos, mas mais notada nestes organismos, de usar a tecnologia apenas para criar mais um canal para operar da mesma forma, prescindindo de uma reestruturação verdadeira – aparentemente o governo ainda está no início da segunda ‘onda’ descrita por Appell (2000), e em parte porque o governo resiste em aceitar a possibilidade de exploração comercial de seus meios, de usar as práticas de negócios em suas iniciativas, o que está intimamente relacionada com a primeira causa. No caso estudado, o elemento central que motivou a formação de uma parceria inovadora para a prestação de serviços públicos parece ser a urgência do setor privado, em particular de uma empresa iniciante, de por em prática sua estratégia de marketing; e falando de novas tecnologias, nada mais natural que o setor privado buscar no governo, que é o responsável por prover a infra-estrutura tecnológica no país, o caminho para a implantação de sua estratégia. O que conduz à conclusão de que o governo, ou é um seguidor da iniciativa privada na renovação de seus modelos de gestão e adoção de tecnologia, ou é impulsionado pela mesma. O sucesso do Portal, e em particular do uso do modelo de Pregão Eletrônico, uma inovação muito importante para a agilidade e transparência dos processos do governo, sugere que a própria prática do Governo Eletrônico, apesar dos desafios que apresenta, quando bem sucedida, constitui um importante instrumento para promover mudanças e/ou responder a 14 elas. O que nos leva à conclusão de que a adoção de práticas inovadoras em processos de reforma é um instrumento com auto-alimentação. As conclusões deste trabalho limitam-se, na qualidade de um estudo de caso único, ao ambiente onde estava inserido. Porém sugerem importante indicação de que, se a força motriz da modernização da administração no ambiente de empresas privadas é a competitividade do mercado, a empresa privada – em especial a de tecnologia – pode ser a força de modernização do governo. Futuras pesquisas podem explorar esta abordagem de que a iniciativa privada pode ser a força geradora de reestruturação governamental, em favor da sociedade em geral. Referências Bibliográficas APPELL, Kyle – Business-to-Business Dynamic Commerce. Ascet, Vol.2, Abril, 2000. AUSTIN, James E. – Parcerias: Fundamentos e benefícios para o terceiro setor. Tradução Lenke Peres, São Paulo, Editora Futura, 2001. 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