O castelo das almas em ascenção Os destacamentos formados de tropas pessoais de cada nobre passavam em ordem hierárquica. Uma ordem rigidamente estabelecida e ciumentamente observada. A usurpação de um lugar que, por direito ou por persuasão, cabia a outro era um caso muito grave, resolvido com intervenção real, senão com sangue. Assim sendo, o suserano do castelo iria demorar para chegar. Isso porque o duque de Avignon, apesar de ter sua importância com o rei, não lhe era dos favoritos bajuladores próximos. Ao se verem, os dois caminharam ao encontro que pareciam ter combinado. Ambos tinham expressões carregadas no rosto e nem chegaram a se cumprimentar, dispensando as cortesias desnecessárias para o grave momento. – Tenho algo a lhe contar – disse Georges. – Também eu, mas comece primeiro. – Ela me falou. – Brigitte? – Albert não entendeu a colocação feita em tom confidencial. – Não – disse Georges, impaciente. – Foi a mulher que falou. A tal que achamos que pode estar dominando Brigitte. Albert demorou a encontrar palavras para indagar ou comentar. Então, aquilo, que há escassos dias ele considerara fantástico e que aceitara por não ter outra explicação melhor para as crises da irmã, era verdade. Algo cético, ainda ouviu a narrativa de Georges. Ambos os cônjuges estavam deitados à noite, quando Georges observou a mesma expressão no rosto da esposa. Ela não o fitava diretamente, mas olhava para um ponto qualquer por sobre o seu corpo. Sentiu que a ira ou a vingança não eram orientadas na sua direção. Isso lhe trouxe um certo alívio. Talvez ele pudesse fazer algo, interferir de alguma maneira para ajudar a esposa. Esta, como se a pessoa que a estivesse possuindo lesse seus pensamentos, voltou os olhos para os seus. Não sentiu neles, desta vez, o mesmo frio da maldade de antes. Ousou, então, conversar com a alma intrusa. – Quem é você e por que está aqui? O que foi que a minha mulher lhe fez para assim a perseguir? – Isto não lhe cabe saber – disse a figura da esposa em voz que não era a sua. – E por que não quer me contar? Talvez eu possa ajudar... – Ah, é? – A voz era interessada e zombeteira. – E como pretende fazer isso? Acaso teria coragem para maltratá-la, torturá-la, seviciá-la? Estremece? Então, como me ajudaria? – Não sei lhe dizer, na verdade – admitiu Georges. – Talvez o seu corpo esteja insepulto e é por isso que você está assim... Talvez esteja ainda sob o efeito do ultraje que lhe foi feito pelos soldados... A tentativa feita na escuridão da ignorância da situação real surtiu efeito. – Sim, aquilo foi um grave abuso. Mais uma para a conta do meu querido Alfred – disse a mulher, sarcástica. – Embora ele não tenha participado e, talvez, nem tenha desejado que tal coisa acontecesse, mas ele é que estava à cabeça da tropa e tinha trazido os soldados para onde eu estava. Tudo com o fim de roubar, de pilhar o que era nosso, de meu pai e meu. Ele queria espoliar-me mais uma vez, isto sim. – Por que diz “mais uma vez?” Por que afirma isso se nunca o viu antes? – Engano seu. Já o vi antes e o conheço bem. Tanto ele quanto a sua esposa. – Jeannette? – Esta também conheço, mas pouco. Refiro-me à Brida. – Não conheço este nome nem nenhum Alfred – intrigou-se Georges. – Você é um bom homem. Nada tem a ver com isso. Entretanto, depois de muitos anos, tornei a encontrá-los e o meu espírito clama por vingança. Eles não me pagaram tudo o que me deviam. Mataram-me antes e agora tornaram a me matar. Meu ódio é grande e minha sede de fazê-los pagar pelo que me fizeram não será saciada com facilidade. Conheça outros livros desse médium: O castelo das almas feridas Quando os sonhos se realizam