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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
DANIELA APARECIDA LOPES PINTO
FONOAUDIÓLOGO: APOIO OU AMEAÇA?
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL
SOBRE O “FONOAUDIÓLOGO”
RIO DE JANEIRO
2006
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
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DANIELA APARECIDA LOPES PINTO
FONOAUDIÓLOGO: APOIO OU AMEAÇA?
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES DO ENSINO
FUNDAMENTAL SOBRE O “FONOAUDIÓLOGO”
Dissertação apresentada à
Universidade Estácio de Sá como
requisito parcial para a obtenção do
Orientadora: Profª Drª Margot Campos Madeira
Rio de Janeiro
2006
3
4
Ao meu pai, que não pôde estar
presente
fisicamente
na
conclusão deste trabalho, mas
de algum lugar orgulha-se com
mais esta conquista.
Ao meu filho João Vitor, que
com
apenas
um
sorriso,
conforta minha alma, aquece
meu coração e dá sentido à
minha vida.
5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a minha mãe, pelo apoio irrestrito em todos os momentos da
minha vida. Devo mais esta conquista a você!
Ao meu marido, meu companheiro de todas as horas, pelo incentivo, apoio e
grande paciência principalmente nos momentos finais. Obrigada por ser meu
porto seguro!
A Margot, pela grande contribuição profissional mas, sobretudo, pelo ombro
amigo, pelas palavras de consolo e por compreender que antes de sermos
alunos somos pessoas. Com certeza, vencemos isto juntas!
A minha amiga Tyta, competente fonoaudióloga, que tanto me ajudou na parte
final deste trabalho. Suas contribuições foram valiosíssimas!
A Ingrid e Ana Paula, funcionárias da secretaria, que sempre compreenderam
minhas urgências, e fizeram tudo que estavam ao seu alcance para cooperar.
Obrigada pelo carinho e prontidão.
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RESUMO
Esta Dissertação teve como objetivo apreender e analisar as representações sociais
que professores de classes de alfabetização e de 1ª série do ensino fundamental se
fazem sobre o profissional ‘fonoaudiólogo’. Fundamentando-se na teoria das
representações sociais (TRS), o trabalho levanta pistas sobre as redes de sentidos que
articulam as representações do objeto considerado, para o grupo de sujeitos definido.
Parte do pressuposto de que as representações sociais são construções simbólicas que
articulam tanto experiências e vivências dos sujeitos, quanto o que foi filtrado, por
seus valores e crenças, das informações concernentes ao objeto que lhes estão
disponíveis. Delineia, assim, a importância do objeto em estudo na prática cotidiana
da alfabetização: que sentidos o professor desta etapa atribui ao fonoaudiólogo? Que
crenças e valores filtram as informações relativas à atuação deste profissional? Como
aquela representação articula-se a do próprio professor, a de seu papel no ensino e
na aprendizagem dos alunos e a de outros tantos objetos que se vão relacionando?
Uma aproximação, ainda que limitada e de caráter exploratório, de possíveis pistas
de repostas a estas questões pretende contribuir no esforço para um processo de
alfabetização mais efetivo, pois as representações sociais de um objeto orientam os
sujeitos nas comunicações e condutas que o envolvem. O estudo adotou uma
abordagem pluri-metodológica, integrando a aplicação de questionário com questões
abertas e fechadas e teste de livre evocação de palavras, a 83 sujeitos, escolhidos
livremente dentre professores de classe de alfabetização e 1ª série do Ensino
Fundamental de escolas públicas e particulares do Município do Rio de Janeiro. O
material assim coletado teve tratamento compatível com suas características: no
questionário, análise categorial temática no caso de perguntas abertas, associada à
consideração dos mecanismos mobilizadores de figuras de linguagem presentes nas
seqüências definidas e tratamento percentual das respostas a perguntas fechadas; o
teste de livre evocação foi tratado considerando dois critérios: um coletivo
(freqüência) e um individual (ordem média de evocação). As justificativas com as
quais os sujeitos apresentavam as hierarquizações próprias ao teste de livre evocação
serviram para corroborar, ilustrar, esclarecer ou aprofundar o estudo dos
mecanismos mobilizadores de figuras de linguagem, considerando sua invariância ou
os grupamentos próprios às variâncias surgidas. As análises repetidas do material
permitiram apreender indícios de descontextualização e distorção das informações
relativas às possibilidades de atuação do fonoaudiólogo que, deste modo, passavam a
se inserir em redes que associavam a função exclusivamente a tratamento e correção
de problemas, esvaziando-a de qualquer dimensão preventiva. Foi possível
apreender a dominância de atribuições voltadas ao tratamento de patologias
instaladas, em detrimento de um trabalho preventivo específico. No teste de livre
evocação de palavras foram encontrados como possíveis integrantes do núcleo
central, os elementos fala, escrita e crianças e, na periferia próxima, o termo
linguagem, com forte tendência à centralidade. Essa configuração pode estar dando
indícios de uma aproximação indesejada e ameaçadora entre esse campo profissional
e o do próprio professor, no espaço escolar. Nesta perspectiva, a dissertação levanta
algumas pistas sobre as raízes das restrições à atuação daquele profissional na
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escola: as representações deste objeto para professores de classe de alfabetização e 1ª
série do ensino fundamental fazem dele um apoio ou uma ameaça.
Palavra Chave: Educação; Representações Sociais; Fonoaudiologia.
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ABSTRACT
The objective of this Dissertation is to apprehend and analyze the social
representations of kindergarten and 1st grade teachers do in relation of
professional ‘speech therapy’. Based on the theory of social representations
(TSR), the work picks up hints about the senses web that articulate the
representations of the considered objective, for the group of defined subjects.
Part of the pre assumption that the social representations are symbolic
constructions that articulate not only the subject’s life experiences, but also what
has been screened, for their values and beliefs, of the concerning information of
the objective that’s available to them. Therefore it underlines the importance of the
object’s study in everyday life in school: what senses the teacher of this stage
attributes to the speech therapy? What beliefs and values screen the information
related to this professional’s performance? How that representation articulates
with the teacher, its role in teaching and the students learning process, and with
so many other variables that can be related? An approximation, even if limited
and random, can raise possible hints and answers to the questions helping a
more effective learning process, so the object’s social representation can
orientate subjects in communications and conducts that they are involved. The
study adopted a multiple-methodological approach, integrating a questionnaire
with open and closed questions and a free words test, the 83 subjects, chosen
freely between kindergarten and 1st grade teachers from private and public
schools in the county of Rio de Janeiro. Furthermore, the collected material had
compatible treatment with its own characteristics: on the questionnaire,
categorical theme analysis in the case of open questions, considering the
association with the mobilizing mechanisms of figures of speech present in
defined sequences and percentage treatment for the closed questions; the test of
free words was treated considering two criteria: a group (frequency), and an
individual (average order of calling the words). The explanations that the subjects
gave for their own hierarchy of words to the free words test helped to collaborate,
illustrate, explain or immerse on the study of mobilizing mechanisms of figures of
speech, considering its invariance or the appearance of variance and its own
groupings. The material’s repeated analysis lead to the conclusion of lack of
context and distortion of information related to the possibilities of the speech
therapy role, this way, they started to insert themselves in webs that associate
their function exclusively for the treatment and correction of problems, closing the
door to any preventive dimension. It was possible to learn the treatment’s
dominancy of attributions of installed pathologies, in detriment of a specific
preventive work. In the free calling of words test wore found as possible members
of the central nucleus, the elements speech, writing and children and, on the next
ghetto, the term language, with strong central tendency. This configuration could
be giving clues of an unwanted and threatening approximation between this
professional field and the teachers in school grounds. In this perspective, the
dissertation brings up a few clues about the restrictions roots with the role of that
professional in school: the representations of this object for kindergarten and 1st
grade teachers could turn into support or a threat.
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Key Word: Education; Social Representation; Speech therapy.
10
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................
11
1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 15
2 CAMINHANDO COM A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ......
25
2.1 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: BREVE HISTÓRICO ..... 25
2.2 ARTICULÇÃO ENTRE A PESQUISA E A TEORIA QUE A EMBASA ....... 31
2.3 METODOLOGIA .......................................................................................... 34
3 FONOAUDIOLOGIA E APRENDIZAGEM ..................................................... 39
3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .......................................................... 39
3.2 EDUCAÇÃO E APRENDIZAGEM ............................................................... 40
4 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FONOAUDIÓLOGO PARA
PROFESSORES DE C.A. E PRIMEIRA SÉRIE DO E. F. ................................. 55
4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .......................................................... 55
4.2 O PROFESSOR ........................................................................................... 59
4.3 COMO OS PROFESSORES LIDAM COM AS DIFICULDADES
APRESENTADAS POR SEUS ALUNOS? ........................................................ 65
4.4 SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO FONOAUDIÓLOGO .................................... 75
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 84
REFERÊNCIAS ................................................................................................. 90
APÊNDICE ........................................................................................................ 95
11
APRESENTAÇÃO
Sou fonoaudióloga e, em minha prática clínica, vem sendo rotineiro
receber crianças encaminhadas pela escola para a realização de avaliações ou
terapias. Ao longo do tempo, pude constatar que algo curioso se repetia a cada
novo encaminhamento: a presença constante de patologias já instaladas, o que
significa dizer que a redução dos sintomas já tornava imprescindível a prescrição
e a aplicação de tratamento específico, ficando descartada a validade de uma
atuação preventiva.
Esta constante levou-me a conjecturar se a fonoaudiologia poderia
estar sendo considerada pela escola ou pelas famílias das crianças como uma
forma de redução de dificuldades, ou seja, uma estratégia para permitir a
realização do aprendizado quando este não se dava conforme o esperado. A
dimensão
preventiva da atuação do profissional daquela área não era
reconhecida, ou melhor, desaparecia, seja pela divulgação distorcida da
especialidade, seja por uma apropriação, também distorcida, das informações
circulantes sobre a mesma ou como efeito de defesas que cercam as
possibilidades de atuação no espaço escolar ou, ainda, por dificuldades de
decodificação e de convívio com novidades e outros tantos mecanismos que se
fazem presentes diante do novo. Em todas as combinações esboçadas, tomava
relevo o desconhecimento da fonoaudiologia que, esvaziada dos aspectos
12
preventivos que lhe são intrínsecos, reduzia-se ao atendimento, nos consultórios,
de demandas relativas à recuperação de patologias já instaladas.
Estas pistas levaram-me a refletir sobre a importância de estudar
como a fonoaudiologia era considerada no espaço da escola, especialmente por
professores de classes de alfabetização e primeira série do ensino fundamental.
A relevância de estudos sobre este tema impõe-se, quando se considera que,
neste período, é esperado que a criança já tendo adquirido um domínio da
linguagem oral e expressiva que lhe permita comunicar-se com os outros e possa
ser apresentada ao código gráfico desta língua. As condições para que esta
apresentação se realize com sucesso supõem uma série de pré-requisitos a
serem cumpridos em etapas anteriores, como a maturidade neurológica,
lingüística, perceptual e de estruturação lógica (FELDMAN 1987).
Esta argumentação nos leva a refletir sobre a definição e as
implicações do que é considerado como prontidão para a aquisição da leitura e
da escrita; nesta temática insere-se a questão de quanto o professor pode
contribuir, se orientado de modo consistente, para uma aprendizagem segura:
cabe-lhe apreender se seu aluno está pronto para as sínteses que, a cada passo,
se fazem necessárias, ou se ainda precisa vencer algumas etapas preliminares
para que tenha condições de se tornar bem sucedido na empreitada. A atuação
do professor neste dinamismo não é fruto de uma mágica ou de predisposições
inatas, ou, ainda, a resultante de fazeres automáticos ou rotineiros. Trata-se de
um profissional que, em seu fazer específico, integra, aplica, atualiza e recria
saberes de diferentes campos, que se vão enriquecendo e complementando, ao
longo do tempo (CHARLOT, 2000; TARDIF, RAYMOND, 2000; FRANCHI, 1995).
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Ainda que no ato de ensinar / aprender estejam professor e aluno, em suas
individualidades, nestas duas presenças muitas outras podem ser pressentidas: a
pluralidade de culturas, de presenças, de afetos, de relações, de contribuições
(BAKTIN, 1999). No contexto atual, não se pode mais pretender isolar o processo
educacional dos demais processos psicossociais pelos quais as individualidades
se fazem tais no social. Com isto não se pretende negar a especificidade daquele
processo mas, ao contrário, afirmar sua complexidade.
É nesta perspectiva que esta dissertação tem como objeto os
sentidos atribuídos à fonoaudiologia por professores de classe de alfabetização e
primeira série do ensino fundamental : como estes professores vêem a
fonoaudiologia? Que informações têm sobre esta profissão? O que entendem
sobre a participação do profissional fonoaudiólogo no âmbito escolar? Que
valores definem, modelam e normatizam esta participação, bem como o próprio
objeto em estudo.
A compreensão da importância dessas questões levaram-me a
procurar um mestrado em educação e, mais especificamente, aquele que tinha
uma linha de pesquisa enfocando a questão das representações sociais ou dos
sentidos atribuídos a diferentes objetos, por determinados grupos de sujeitos
(JODELET, 2004; 1989; JOVCHELOVITCH, 1995; MADEIRA, 2001; 1998;
MOSCOVICI, 2003). Tal linha poderia fornecer apoio teórico-metodológico ao
desenvolvimento da pesquisa, subsidiando a análise de minha experiência
prática . Com esta postura interdisciplinar, assumi abordar, ainda que de modo
inicial e exploratório, os sentidos que professores de classe de alfabetização e da
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primeira série do ensino fundamental atribuem à fonoaudiologia e as implicações
educacionais desta construção simbólica.
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INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo, a educação escolar deixa de ser considerada
como um privilégio de poucos e passa a ser proclamada como um direito de todo
cidadão. A concretização deste direito, pela universalização do acesso à escola,
se faz, no entanto, de forma lenta ainda que progressiva e permanente. A escola,
aos poucos, passa a receber alunos de diferentes segmentos sociais com a
diversidade de suas linguagens e culturas, todos voltados à aquisição e ao
domínio de códigos considerados como socialmente desejáveis. Submetidos a
uma uniformização que, com freqüência, negava a possibilidade de diferenças,
muitas crianças descobriam-se estranhas e distantes do que se passava no
espaço escolar: o ritmo de suas vidas, os referentes de suas interações, a lógica
de sua cultura, nem sempre tinham condições para se fazerem ouvir ou, quando
isto ocorria, os momentos de sínteses eram dissonantes em relação às metas
definidas pelos responsáveis (BOURDIEU, 1974; 1989; 1990; LAUTHIER, 2001).
Estas metas, com freqüência, têm sua definição fixada por generalizações e
idealizações que normatizam desconhecendo ou abstraindo contextos e
especificidades. Começa a se fazer sentir a urgência da consideração do ritmo de
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cada criança e a necessidade de atenção às diferenças nos momentos de
sínteses pressupostos na apropriação, pela criança, dos códigos orais e escritos
de uma língua (VIGOTSKY, 2000). Estes processos começam a ser pressentidos
e desvelados, em sua complexidade, exigindo múltiplas especializações e
enfoques complementares (SOARES, 2000; KRAMER, 1998).
Neste
mesmo
período
histórico,
os
avanços
da
medicina
possibilitaram o aumento da expectativa de vida da população mundial. Algumas
doenças, que antes levavam ao óbito, hoje podem ser tratadas, ainda que
deixem seqüelas como fatores limitantes. A partir do aumento do número de
indivíduos com seqüelas físicas, cognitivas ou de linguagem, desenvolveram-se
profissões voltadas para reabilitação e, dentre elas, a fonoaudiologia.
Analisando, ainda que sumariamente estes contextos, é possível
observar que a fonoaudiologia deriva de duas matrizes que contribuíram, de
forma decisiva, na conformação deste campo de conhecimento: a educação e a
medicina
O campo educacional teve um maior número de iniciativas, ainda
que essas duas áreas tenham participado de forma integrada. A predominância
daquele campo deu-se, tanto pela questão da educação especial, quanto pela
necessidade de se entender, um pouco mais, as dificuldades encontradas nos
processos de aprendizagem infantis (MANTOAN, 2001).
A Fonoaudiologia já existe no Brasil há várias décadas. Sua
regulamentação, entretanto, ocorreu em 09 de dezembro de 1981, pela lei nº
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6965, que define a profissão e as condições para seu exercício, em todo território
nacional.
Art 1o. – É reconhecido em todo o território nacional o exercício
da profissão de Fonoaudiólogo, observados os preceitos da
presente lei.
Parágrafo Único - Fonoaudiólogo é o profissional com graduação
plena em Fonoaudiologia, que atua em pesquisa, prevenção,
avaliação e terapia fonoaudiológicas na área da comunicação
oral e escrita, voz e audição, bem como em aperfeiçoamento dos
padrões da fala e da voz (Legislação Profissional e Código de
Ética, 1999, p.19).
A atuação do fonoaudiólogo ganha mais espaço a cada dia, sob o
prisma da reabilitação. Este, no entanto, não é o único, nem deveria ser o
dominante prisma da profissão, já que existem outras dimensões da atuação
deste profissional, que devem ser consideradas, sobretudo a prevenção.
Para ANDRADE (1998) a prevenção fonoaudiológica consiste na
eliminação dos fatores que interferem no adequado desenvolvimento da fala, da
linguagem e da audição. De acordo com essa postura, evidencia-se a
importância do espaço escolar e a necessidade de que os profissionais de
educação conheçam as características do processo de amadurecimento das
crianças quando de sua entrada na escola.
Ao tomarmos como referência para a entrada na escola a faixa
etária de 3 anos, aproximadamente, percebemos o quanto este espaço merece
ser acompanhado e apoiado, com cuidado especial: neste momento, a criança
encontra-se em plena fase de desenvolvimento lingüístico e social. Piaget
descreveu diversos graus de socialização, partindo do “grau zero” (recém-
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nascido), através das condutas sensório-motoras, até à inteligência formal. Dos
2 aos 7 anos, período que envolve a entrada da criança na escola até sua
alfabetização, ela encontra-se no estágio pré-operatório, quando chega
progressivamente a adquirir a condição de empregar símbolos e signos, o que
desenvolve e estrutura sua linguagem expressiva. (MUSSEN; CONGER;
KAGAN; HUSTON , 1995)
A idéia de desenvolvimento cognitivo vinculado a determinada faixa
etária possibilita a errônea impressão de que as crianças, em geral, deveriam
alcançar etapas progressivas de desenvolvimento num mesmo momento
prefixado. Assim, na escola, acabam sendo classificadas por série, segundo sua
idade, e não de acordo com suas reais possibilidades de desenvolvimento.
Vygotsky (1988, p.111) mostrou ser incontestável a relação entre níveis de
desenvolvimento e capacidade potencial de aprendizagem, compactuando com a
idéia de desenvolvimento progressivo mas sem demarcá-lo com padrões fixos
de idade cronológica.
Sendo respeitadas
as diferenças e semelhanças que vão
caracterizar um grupo de indivíduos numa dada totalidade social, é de se esperar
que haja, em uma mesma sala de aula, uma população heterogênea no que
concerne, também, às suas condições de aprendizagem. Há que se conhecer
cada aluno, de modo a lhe possibilitar um melhor e maior grau de
desenvolvimento. Do contrário, ter-se-ia a aplicação de normas, calcadas em
informações generalizadas ou idealizações que desconheceriam cada indivíduo
em sua singularidade, rotulando como negativo o que fugisse às características
esperadas.
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Nesta perspectiva, em se tratando da escola, a articulação entre
educação, prevenção e fonoaudiologia deveria ter um espaço privilegiado pois,
na escola, estão sendo formados hábitos, fortalecidas atitudes e desenvolvidas
habilidades. Mais ainda, na escola, cada aluno fortalece uma imagem positiva de
si e do mundo, descobre e potencializa suas virtualidades positivas e descobre,
aceita e constrói vias de superação de seus limites.
Numa perspectiva interdisciplinar, o fonoaudiólogo teria muito a
contribuir para o bom andamento do trabalho pedagógico, pois detém uma
competência específica e pode, a partir desta, apoiar os professores a fim de
maximizar o potencial de aprendizagem dos alunos. Considerando, por exemplo,
a especificidade do trabalho pedagógico a ser desenvolvido nas classes de
alfabetização, o profissional de fonoaudiologia traria, de sua formação,
questionamentos e reflexões para discutir com os professores. Estes, por sua
vez, refletiriam e discutiriam sobre as temáticas, à luz de seus próprios
conhecimentos.
Estas trocas possibilitariam a atualização, no espaço da prática
pedagógica, de enfoques, conceitos ou problemáticas analisadas teoricamente
na formação. Aspectos que, de modo particular poderiam ser enfocados, referemse à importância de se considerar o aluno em sua individualidade, superando
uma postura que o pretendia enquadrar num conjunto homogêneo e
estereotipado. Esta consideração é condição preliminar para que o processo
educacional possa ser efetivo: que cada um seja visto a partir do que o
individualiza, procurando atender suas necessidades específicas (ARRUDA
1998; JODELET, 1998). A afirmação da massa ou de uma idealização do aluno
20
não podem ser parâmetros do processo educacional, pois são a negação do
direito à afirmação das diferenças (LAUTHIER, 2001).
Na cultura, o indivíduo aprende a se comunicar, a agir e a se
relacionar. Aprende e, ao fazê-lo, vai construindo costumes, renovando tradições,
recriando valores, rituais, modelos e símbolos (MADEIRA, 2001). Neste conjunto
estão as práticas de educação e de prevenção. Logo essas não são isoladas do
contexto sócio cultural que define indivíduos e grupos em suas relações sociais.
O investimento em prevenção é extremamente benéfico e
vantajoso, vez que a atuação terapêutica é mais demorada, mais custosa. Além
disso, a atuação terapêutica supõe que a criança já tenha vivenciado a sensação
do fracasso, de se perceber diferente das colegas.
Muitas crianças chegam aos consultórios com danos, inclusive
emocionais, que poderiam ter sido evitados pela efetividade de uma atuação
preventiva por parte da escola. Não está em foco questionar a responsabilidade
de indivíduos ou sua competência, mas analisar como uma novidade – a
fonoaudiologia - é apreendida em um espaço profissional definido anteriormente,
em suas atribuições, limites e competências. Como, no processo de apropriação
desta novidade, estão presentes e atuantes, valores, modelos e símbolos que
definem aquele espaço, filtrando ou deslocando as informações que circulam
acerca do novo. É possível que o estudo de tal objeto possa contribuir para uma
efetiva atuação interdisciplinar e para o reconhecimento de diferentes facetas
englobadas no processo educativo.
21
Na relação escola / fonoaudiologia, fica claro que um trabalho
preventivo seria mais interessante do que esperar a instalação de uma
dificuldade para, só então, tentar saná-la. Se isto é tão claro, como explicar que
as crianças não sejam encaminhadas precocemente, ou estimuladas, ainda na
escola, por seus professores, de acordo com suas necessidades?
Estas indagações enfatizam a importância de ser instituída, no
âmbito educacional, uma política de prevenção de distúrbios da comunicação
humana. Além disto, dão relevo à necessidade de que se considere a educação
escolar como um processo interprofissional, no qual interagem múltiplos agentes.
A educação é um processo complexo que envolve a transmissão de
conhecimentos, mas abarca também muitos outros aspectos, além deste. O
professor não é apenas um instrutor, mas um educador, o que lhe traz novas
exigências. Sua ação vai muito além da transmissão, pois nela são colocados em
ato valores, modelos, símbolos e sentidos sociais numa troca sutil que forma
mais que informa. Nesta perspectiva, não basta ensinar, é preciso dar reais
oportunidades para o aluno aprender.
A aprendizagem é um processo, logo é uma construção. Não é
automática, nem tão pouco uniforme. É de se esperar que a aquisição de novos
conceitos não se dê da mesma forma para todas as crianças, portanto, cabe ao
professor ser um eficaz mediador no direcionamento de atividades que visam
novas aquisições e, ao mesmo tempo, um bom observador, capaz de diferenciar
ao ser introduzido um novo conceito, dificuldades esperadas de dificuldades
decorrentes de processos subjacentes que ainda não foram adquiridos.
22
Não se trata de fazer do professor um terapeuta, capaz de
solucionar todas as dificuldades já instaladas no aluno, nem tão pouco de
patologizar este último em seu ambiente escolar. É necessário ter em mente que
o professor traz consigo a responsabilidade de um olhar profissional sobre a
criança. Até a entrada na escola, ela era observada por seus pais e familiares,
sob o olhar do afeto, o qual na tentativa de proteger, muitas vezes pode mascarar
as dificuldades com justificativas calcadas no conhecimento prático. O olhar do
professor, enquanto profissional, deveria, por sua vez, articular afeto e
experiência aos conceitos, noções e informações advindos da formação. Esta
articulação, no entanto, como a apropriação que a antecede, é marcada pelos
valores, hierarquizações e classificações que caracterizam as pertenças e
referências do sujeito, em sua cultura.
Na prática cotidiana, sabemos que diante de casos de crianças com
dificuldades na aquisição da fala e da linguagem, cada professor age de acordo
com os conhecimentos que detém filtrados pelo senso comum que lhe é próprio.
Esse senso comum articula os sentidos dos objetos que lhe são familiares e foi
construído na história e na cultura, pelos valores, modelos, símbolos e normas
que marcam a pluralidade de grupos com os quais o professor se relaciona,
vincula ou toma como referência (MADEIRA, 2003). Por outro lado, por mais que
em sua formação tenha tido conhecimento sobre as características do processo
de desenvolvimento de crianças, não lhe foi dado um suporte aprofundado, nem
os conhecimentos específicos para lidar com dificuldades determinadas, que não
são esperadas em um desenvolvimento “dito normal”.
23
O professor poderia mudar sua postura frente à dificuldade de seu
aluno, se tivesse a oportunidade de entender como se dá esta dificuldade, se
pudesse perceber os processos que a geram enquanto constituindo-se muito
além do erro propriamente dito. Não é uma questão de erro ou acerto, mas do
processo de desenvolvimento de capacidades específicas para a aquisição dos
conceitos que envolvem a linguagem.
É o professor o principal agente do processo educacional escolar; o
elemento que, no espaço da escola, está mais próximo do aluno. Aquele que
detém um saber também valorizado pelos pais. No espaço escolar, ele se
constitui em modelo, em guia de condutas. Cabe, portanto, questionar como é
ressentida a introdução de uma inovação que supõe a presença de outro
profissional, num espaço tradicionalmente considerado como próprio ao
professor. Considerando a relevância deste questionamento, tomou-se como
base a teoria das representações sociais enquanto esta propõe que os sentidos
dos diferentes objetos são construções que se fazem na cultura (MADEIRA,
1991).
Jodelet (2001) relaciona as representações sociais ao senso
comum, mostrando que os indivíduos, em suas relações, vão construindo e
atribuindo sentido aos objetos de sua experiência, desenvolvendo uma forma de
pensamento social que se funda na cultura, ao mesmo tempo em que a atualiza.
A aplicação das representações sociais no campo da educação,
permite apreender o sentido de um objeto em articulação a outros
tantos que se lhe associam em diferentes níveis; possibilita
superar o reducionismo de análises que desrealizam o objeto, ao
isolá-lo e decompô-lo... (MADEIRA, 2001, p.127).
24
Segundo Alves-Mazzotti (1994), é possível definir grupos a partir
das
representações
que
partilham
sobre
determinado
objeto
social.
Considerando este posicionamento, procuraremos, nesta pesquisa, focalizar os
sentidos atribuídos por determinado grupo de sujeitos - professores de classes de
alfabetização e primeira série do ensino fundamental - a um dado objeto – o
fonoaudiólogo.
25
CAPÍTULO 2: CAMINHANDO COM A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
2.1 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: BREVE HISTÓRICO
A
teoria das Representações sociais foi formulada por Serge
Moscovici, em 1961, numa obra que tinha por objeto o estudo dos sentidos
atribuídos à psicanálise por diversos segmentos da sociedade francesa. Para
chegar à formulação da teoria, Moscovici retoma e reelabora o conceito de
representação coletiva proposto por Dürkheim, em 1912 e as reflexões de LèvyBrhüll e Mauss, referentes à mentalidade primitiva (MOSCOVICI, 1989).
Dürkheim, ao afirmar que as representações coletivas sobre um
dado objeto subsumiam a individualidade, não deixava espaço às mudanças
potenciais que se vão delineando nos múltiplos contextos ativados pelas relações
dos indivíduos entre si e com seus grupos de pertença ou de referência.. A
perspectiva de Moscovici parte do pressuposto de que sujeito e objeto
constituem-se mutuamente, de modo indissociável e contínuo. Além disto,
26
quando da publicação da obra inaugural de Moscovici, ainda era dominante, nas
ciências humanas e sociais, o questionamento do valor e da validade do saber do
senso comum. Persistia a desqualificação deste saber como um conhecimento
inconsistente, desarticulado, fragmentado e a afirmação do primado de uma
racionalidade abstrata e da lógica racional que a sustentava. Na esteira de LèvyBrühl e Mauss, Moscovici afirma o papel e a especificidade da lógica natural na
constituição de grupos e subgrupos e mostra a importância do estudo científico
de seus mecanismos e processos. Com a teoria das representações sociais,
define parâmetros para uma análise científica do senso comum, enfatizando a
importância e a diversidade da lógica que constitui esse conhecimento. “Se nós
queremos fazer a ciência dos fenômenos mentais nas sociedades, é necessário
identificar o conhecimento produzido em comum e reconhecer a legitimidade de
suas propriedades relativas à teoria” (MOSCOVICI, 1989, p. 81).
Moscovici distingue as representações sociais de um dado objeto
para determinados grupos de sujeitos de opiniões que sobre o mesmo circulem
nestes mesmos grupos: a opinião, segundo este autor, tem uma característica
cognitiva mas não compromete o indivíduo todo. A representação, tal como a
considera Moscovici, é uma construção do objeto feita pelo sujeito a partir das
experiências, das lembranças, das informações circulantes e de que dispõe;
estas experiências, lembranças e informações não existem em estado puro ou
neutro; são desarticuladas de seus contextos originais e filtradas por valores que
as vão organizar, hierarquizar, integrar em outros contextos, condensando-as em
imagens, organizando-as em normas ou símbolos (MADEIRA, 2003). Neste
27
movimento complexo, o objeto é apropriado pelo sujeito em suas relações
grupais e intergrupais.
Na perspectiva teórica proposta por Moscovici e desenvolvida por
pesquisadores na França e no Brasil, a representação não é uma reprodução do
objeto mas sua apropriação pelo sujeito. Apropriar-se de um objeto supõe
apreendê-lo na teia da cultura de um dado grupo: as representações dos objetos
articulam-se em verdadeiras teorias coletivas com lógica e linguagem
particulares, caracterizando grupos sociais que as compartilham ou subgrupos
dentro de um mesmo grupo. Os objetos do cotidiano integram-se, assim, ao
saber prático ou do senso comum que distingue grupos e subgrupos. É, portanto,
um conhecimento compartilhado e articulado que orienta as comunicações e
condutas do dia a dia.
As proposições, reações e avaliações que fazem parte da
representação de um objeto constituem-se e se organizam de modo diverso em
diferentes culturas. Cada grupo pode ter representações distintas sobre um dado
objeto, por apreender dele facetas e atributos diferentes, ou seja, o objeto é
identificado de acordo com o que o indivíduo pode conhecer dele, com sua
cultura, seus princípios, suas crenças, seus valores, suas normas, etc.
No caso das representações sociais, parte-se da premissa de que
não existe separação entre o universo externo e o universo
interno do sujeito: em sua atitude representativa, ele não
reproduz passivamente um objeto dado, mas de certa forma, o
reconstrói, e ao fazê-lo, se constitui como sujeito, pois, ao
apreendê-lo de uma dada maneira, ele próprio se situa no
universo social e material. Além disso as representações sociais,
tal como as opiniões e as atitudes, são “uma preparação para a
28
ação” (Moscovici), mas ao contrário destas, não o são apenas
porque orientam o comportamento do sujeito, mas principalmente
porque reconstituem os elementos do ambiente no qual o
comportamento terá lugar, integrando-o a uma rede de relações
as quais está vinculado o seu objeto. (Alvez-Mazzotti, 1994,
p.62)
A representação é estruturada em três dimensões: a atitude, a
informação e o campo de representação. “A atitude corresponde à orientação
global, favorável ou desfavorável, ao objeto da representação. A informação se
refere à organização dos conhecimentos que o grupo possui a respeito do
objeto.”
(ALVEZ-MAZZOTTI,
1994,
p.63).
Com
relação
ao
campo
de
representação deve-se ter presente que os sentidos atribuídos a um dado objeto
constituem-se pela sua articulação a outros que, na cultura daquele grupo, assim
se apresentam. Logo, as representações de um objeto o articulam a outros,
formando uma teia complexa na qual são assinaladas confluências, proximidades
e distanciamentos: “a idéia de “unidade hierarquizada dos elementos” está
implicada na noção de campo de representação” (MOSCOVICI, 1978, p.67).
As representações são formadas em um dado grupo a partir da
atribuição de sentidos a um objeto; estes sentidos tendem a ser semelhantes em
um mesmo grupo de pertença, e são formados através de dois processos
distintos, que Moscovici chamou de objetivação e ancoragem. A objetivação
consiste na materialização de abstrações, ou seja, torna concreto e familiar o que
é uma novidade para o sujeito, transformando, assim, algo novo, em já
conhecido. A ancoragem diz respeito aos processos de classificação e rotulação,
segundo os valores que caracterizam as pertenças grupais do sujeito e suas
29
referências (MOSCOVICI, 1984), ou seja, é a filtragem que o indivíduo faz dos
atributos do objeto ao inseri-lo no seu cotidiano.
A atuação destes processos possibilita a integração de várias redes
de sentidos, definindo grupos de pertença de acordo com a semelhança de
sentidos atribuídos a um objeto, a partir das crenças, valores e cultura que
compartilham.
As pesquisas no campo sobre as representações sociais de
diversos objetos têm sido desenvolvidas seguindo duas principias tendências. A
primeira, proposta por Moscovici desde seu primeiro estudo e também adotada
por Jodelet e outros, considera os processos e mecanismos pelos quais as
representações se constituem, expressam e refazem. Caracteriza-se por
desenvolver o que os autores denominam como análise processual. Esta visa
apreender pistas sobre os processos pelos quais as representações de um dado
objeto tomam forma articulando-o a outros e lhe consignando sentidos, ou seja,
os processos de objetivação e de ancoragem.
A segunda, conhecida como abordagem estrutural, focaliza
questões relativas à estrutura e à organização da representação social.
Inicialmente descrita por Abric, em 1976, esta tendência desenvolve suas
investigações procurando responder a duas questões básicas, que são: 1) Como
as representações podem ser, ao mesmo tempo, rígidas e flexíveis? 2) Como
podem ser consensuais e fortemente marcadas por diferenças individuais?
Para Abric (1998; 2002) , toda representação é constituída em torno
de um núcleo central, o qual determina a organização interna da representação,
30
dando-lhe consistência e sentido. Este elemento caracteriza-se como inegociável
e resistente às mudanças pois qualquer alteração nele implicaria na
transformação da própria representação. Na argumentação de ABRIC, é do
núcleo central que advém estabilidade e consistência à representação, o que
garante sua permanência mesmo que ocorram mudanças no cotidiano (TURA,
1998). É o núcleo que determina a natureza das ligações entre os elementos de
uma representação, constituindo-se ponto comum entre os integrantes de um
mesmo grupo.
Associado ao núcleo central está o sistema periférico. Neste está o
espaço da individualidade de cada um, ou seja, aquilo que é negociável e sujeito
a mudanças. Essa flexibilidade do sistema periférico permite que a representação
de um dado objeto, em função de experiências cotidianas dos sujeitos, adaptese, diferencie-se e se refaça no que é periférico, garantindo a estabilidade e a
permanência do que é central. (TURA,1998). Nesta perspectiva, o sistema
periférico protege o núcleo central e constitui a parte operatória da
representação, adaptando-a as contínuas mudanças do contexto.
2.2 ARTICULAÇÃO ENTRE A PESQUISA E A TEORIA QUE A EMBASA
Giroto (1998), ao estudar as expectativas de professores de 1ª a 4ª
séries da rede pública em relação à atuação do fonoaudiólogo na escola,
observou que os professores participantes do estudo apresentaram dificuldades
para conceituar Fonoaudiologia. As definições utilizadas por eles apoiavam-se
31
numa visão fragmentada e patologizante desta atividade profissional, referindose, de modo recorrente, a alterações, em particular de fala e a tratamento. A
visão dominante que pode ser depreendida nesta pesquisa é duplamente
reducionista ao se referir às alterações de fala (uma vez que a fala não é a única
área de estudo da Fonoaudiologia) e ao se referir à forma de atuação, visto que a
reabilitação se configura como uma ação entre tantas outras adotadas.
Demonstra, ainda, que os sujeitos não têm qualquer conhecimento sobre a ação
fonoaudiológica preventiva enquanto fonte de promoção e proteção da saúde e
facilitação e apoio do processo educativo.
Nesse mesmo estudo, os professores mencionaram considerar
importante receber, em sua formação, informações sobre as possibilidades do
trabalho fonoaudiológico na escola, porém não foram capazes de apontar de que
forma tais informações os beneficiariam e a seus alunos.
A busca de como o fonoaudiólogo pode e deve contribuir para a
consistência do processo educacional escolar tem provocado o crescimento de
pesquisas sobre a temática.
É lugar comum a crença de que a escola é o local em que o contato
entre professor e aluno cria, naturalmente, ambiente propício para o aprendizado.
Esta naturalização de um processo que está no cerne de uma atividade
profissional deixa entrever as redes de valores e símbolos que tal atividade
mobiliza, orientando a definição de normas e modelos sociais. Considerando a
complexidade destas redes, vê-se que a introdução de uma novidade, como a
presença ou a intervenção de um fonoaudiólogo no espaço da escola traz
implicações de diferentes ordens, ameaças a posições ou partições de espaços
32
já profundamente definidos ou arraigados. Nesta perspectiva e tentando uma
aproximação da temática, a presente dissertação propõe-se a apreender e
analisar os sentidos atribuídos àquele profissional por professores de classe de
alfabetização e primeiras séries do ensino fundamental; segundo a teoria das
representações sociais, estes sentidos orientaram as comunicações e condutas a
ele concernentes, logo as práticas cotidianas, mesmo que de modo sutil ou
implícito trarão as marcas daqueles sentidos ou representações.
Segundo Madeira (1991, p.16)
A representação social traz em si a história, na história particular
de cada um. Nas variâncias de sua estruturação estão as
particularidades de cada sujeito e, em suas invariâncias, as
marcas do sentido atribuído, por determinados segmentos ou
grupos ou, até, por sua totalidade, a dado um objeto.
Hollanda (2001) evidencia a importância da utilização da teoria das
representações sociais no contexto escolar, afirmando que a partir da análise dos
conceitos socialmente compartilhados pelos sujeitos construtores da prática
escolar, é possível elucidar suas condutas nas interações pedagógicas
Na medida em que a representação social é uma forma de
conhecimento socialmente elaborada que contribui para a formação de uma
realidade comum a um grupo social (JODELET, 1989), a utilização desta teoria
enquanto suporte para a análise dos sentidos atribuídos ao fonoaudiólogo no
contexto escolar, pode trazer contribuições significativas para entendermos, um
pouco melhor, o tardio encaminhamento de alunos com dificuldades ou para as
restrições
postas,
pela
escola,
às
contribuições
desse
profissional.
A
possibilidade de uma maior efetividade do processo escolar pela integração das
33
contribuições do fonoaudiólogo, subsidiando o professor no âmbito de sua
competência, é o fulcro de nosso interesse por esta temática.
Na tentativa de apreender o verdadeiro papel do fonoaudiólogo sob
a ótica do professor, é necessário analisarmos o contexto escolar sob vários
prismas, procurando relacionar em que momento a figura do fonoaudiólogo é
lembrada na escola.
A teoria das representações sociais permite a aproximação do
pesquisador do objeto no próprio dinamismo que o gera,
articulando dimensões e níveis que, tradicionalmente, vinham
sendo tomadas de forma isolada ou estática. (MADEIRA, 2001,
p.124).
Os sentidos que os professores atribuem ao fonoaudiólogo estão
relacionados à sua prática pedagógica, porque as representações sociais
orientam as comunicações e condutas cotidianas; de acordo com as
representações que se fazem deste profissional e a inserção destas
representações em campos articulados, os professores irão procurar apoio para
uma prática preventiva, ou encaminhar tardiamente para uma prática terapêutica.
2.3 METODOLOGIA
Este trabalho, de caráter exploratório, foi desenvolvido em escolas
públicas e particulares, das zonas norte, sul, leste e oeste do município do Rio de
Janeiro
(LUDKE; ANDRÉ, 1986; HUBERMAN; MILES, 1991). O grupo de
sujeitos foi constituído por 83 professores de classes de alfabetização e primeira
34
série do ensino fundamental, sem diferenciação, por se tratarem das séries nas
quais são introduzidos os alunos ao código escrito, e comprovadamente, quando
são observadas as maiores incidências de dificuldades na aquisição e
desenvolvimento da leitura e da escrita. A partir da fixação desse critério, na
escolha livre dos sujeitos, procurou-se garantir uma distribuição equilibrada entre
o número de professores vinculados a escolas públicas e os ligados a escolas
particulares, nas diferentes zonas do município sem, no entanto, ter a
preocupação de fazer destes aspectos critérios de contraste mas garantir
condições para uma mais profícua exploração do terreno (HUBERMAN; MILES,
1991).
A pesquisa adotou uma abordagem pluri-metodológica conforme
proposto por Abric (1994) e Jodelet (1989). Para estes autores, pelo emprego de
estratégias metodológicas que se complementem e permitam a interlocução de
diferentes tempos e espaços, é possível aproximar-se dos processos de
construção e atribuição de sentidos aos objetos. Nesta perspectiva, para a
investigação foi aplicado um questionário, com questões abertas e fechadas,
além do teste de associação ou livre evocação de palavras, proposto por Abric
(1996; 1998; 2002), Sá (1996) e Tura (1998).
Abric (1996, p.11) define a representação social como
um conjunto organizado e hierarquizado de julgamentos, atitudes
e informações que um dado grupo social elabora sobre um
objeto, como resultado de um processo de apropriação e
reconstrução da realidade em um sistema simbólico.
35
Nesta perspectiva, segundo Tura (1998) os testes de associação de
palavras têm se mostrado úteis nos estudos de estereótipos, percepções e
atitudes, que são elementos importantes na organização das representações
sociais (p.125). Consistem na solicitação, feita pelo pesquisador, de que os
sujeitos escrevam um número x de palavras que lhes ocorram imediatamente
após terem ouvido o termo estímulo. No caso desta investigação, a palavra
estímulo foi FONOAUDIÓLOGO e foram solicitadas quatro associações. Após
esta etapa foi solicitado que o sujeito escolhesse, dentre as evocações que
escreveu, as duas que lhe parecessem as mais importantes, pela ordem. E,
finalmente, foi pedido que justificassem livremente cada uma das palavras
escolhidas como mais importantes. A opção de solicitar que os sujeitos
justificassem suas escolhas visava apreender, tanto quanto possível o campo
semântico originário de cada evocação, o que facilitaria a classificação posterior
das evocações e contribuiria para uma interpretação mais pertinente das mesmas
(MADEIRA, TURA, e FERREIRA, 2002).
Cada professor participou do teste individualmente, dentro da
própria escola em que trabalhava e, em seguida, respondeu ao questionário.
Segundo Abric (1994, p.66)
O caráter espontâneo – portanto menos controlado – e a
dimensão projetiva dessa produção deveriam portanto permitir o
acesso, muito mais facilmente e rapidamente do que em uma
entrevista, aos elementos que constituem o universo semântico
do termo ou do objeto estudado. A associação livre permite a
atualização de elementos implícitos ou latentes que seriam
perdidos ou mascarados nas produções discursivas.
36
Com o intuito de complementar o estudo da estrutura e da
organização da representação social do objeto, em termos de núcleo central e
periférico, foi também aplicado um questionário, buscando acessar informações
acerca do cotidiano do sujeito e da relação deste com o objeto em estudo. Antes
de sua aplicação definitiva, o questionário foi testado com o intuito de verificar a
adequação das questões e sua clareza.
No que concerne ao tratamento posterior do material, cabe
esclarecer que:
a) as questões fechadas do questionário receberam tratamento
pertinente às suas características;
b) as questões abertas tiveram tratamento categorial temático,
conforme as proposições de BARDIN (1980) ou seja, foram categorizadas de
acordo com as temáticas ou itens de significação que foram delimitados nos
próprios textos dos sujeitos. Assim, foi possível interligar aspectos encontrados
nas respostas dos diferentes sujeitos, agrupando-os pela semelhança de
conteúdo. Nas seqüências envolvidas nestes grupamentos aplicou-se um estudo
das figuras de linguagem, em particular, disjunções, recorrências, ou estratégias
de conjunção ou de redução de conflitos como o emprego de lugares comuns, de
formas hiperbólicas, paradoxais, imagéticas ou metafóricas, no esforço de
aprofundar a reflexão sobre os mecanismos sociais de significação que se faziam
presentes na construção de sentidos articulados ao objeto em estudo
(MADEIRA, 2005; KERBAT-ORECCHIONI, 1980).
37
c) quanto ao tratamento aplicado à livre associação de palavras,
buscou-se a conjugação de três indicadores: a freqüência do item evocado no
conjunto de sujeitos; a média de freqüência da evocação (definida pela média
sobre o conjunto da população) e a importância do item para o sujeito conforme
proposto por ABRIC (1994).
38
CAPÍTULO 3. FONOAUDIOLOGIA E APRENDIZAGEM
3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Antes de enveredarmos no tangenciamento entre fonoaudiologia e
educação, é preciso considerar o movimento histórico que, redefinindo os
espaços de cada um destes campos, torna possível tal aproximação. Assim, de
um lado, procuraremos identificar as tendências pedagógicas que se firmam nas
escolas brasileiras públicas e privadas e, de outro, a fonoaudiologia que, apesar
de sua origem próxima à educação, busca, atualmente, atuar de forma
diferenciada na estrutura escolar. A concomitância na análise destes dois focos é
importante, vez que, na pedagogia, as tendências direcionam não só a prática
docente, como também influenciam o modo pelo qual o aluno é visto pelo
professor e, conseqüentemente, interferem na relação ensino – aprendizagem;
quanto à fonoaudiologia a evolução de tendências e posturas também se
enraízam nas relações sociais e culturais de uma dada totalidade social e
orientam as práticas e visões que configuram os diferentes objetos sociais.
39
3.2 EDUCAÇÃO E APRENDIZAGEM
No que concerne à Educação, cabe considerar a evolução de
paradigmas e modelos educacionais que vem sendo operada do início do século
passado até os dias atuais. Em 2000, a divulgação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN–2000) trouxe consigo a discussão de que as mudanças na
estruturação interna das escolas brasileiras deixam claras as marcas da evolução
da tradição pedagógica no país, e demonstram ser, fundamentalmente, o reflexo
direto das mudanças sócio-políticas ocorridas, no período. Nestas mudanças, se
fez sentir com maior ou menor intensidade, a influência de modelos educacionais
internacionais coerentes com os interesses que se tornavam hegemônicos no
plano econômico e ideológico.
A pedagogia dita tradicional, que caracteriza o começo do século
XX, tem o professor como figura máxima, detentor de todo o poder e
conhecimento, capaz de passar de forma oral um conteúdo fixo e pré–
determinado (FRAGO, 2001). Em contraposição a esta postura, os PCN –2000
apresentam o que denominam como “pedagogia renovada”, movimento que
pretende retirar do professor o estigma de detentor da informação e atribui ao
aluno a função de descobrir, através da experiência e da curiosidade, suas
respostas: a aprendizagem, neste caso, se faz fundamentalmente por meio da
experimentação, cabendo ao professor a facilitação desta aprendizagem.
40
Tal idéia, que acabou por desconsiderar a necessidade de um
planejamento mais específico, ganhou força nos anos 30 e até hoje influencia
muitas práticas pedagógicas. A corrente chamada de “tecnicismo educacional”,
por sua vez, fortificou-se nos anos 70; baseia-se num grande rigor metodológico
definindo uma prática pedagógica controlada e dirigida pelo professor, por meio
de atividades mecânicas. Esta tendência ainda pode ser percebida em alguns
materiais didáticos.
No final dos anos 70 e início dos anos 80, começa a aparecer uma
maior preocupação concernente à adequação dos conteúdos à realidade política
e social dos alunos; estes passam a ser vistos como “seres sociais”, que
constroem suas compreensões (aprendem) a partir da interação social em
determinados ambientes socioculturais” (Pollard, 1994 p.254). O professor, neste
contexto, caracteriza-se como um coordenador de atividades que atua
conjuntamente com seus alunos.
As tendências pedagógicas que vêm marcando a tradição
educacional ao longo dos tempos, servem hoje de referência ao esforço de se
tentar a proposição de modelos educacionais mais adequados. Assim, é possível
observar, atualmente, uma maior preocupação em interligar aspectos do
conteúdo formal com a experiência vivida pelos alunos. Esta postura assume
uma visão social do processo de ensino e aprendizagem, o que, entretanto, não
significa negar as individualidades em interação neste processo mas, ao
contrário, afirmar a construção social destas individualidades (VYGOTSKY,
2000).
41
Compreender o processo de aprendizagem como uma experiência
individual, mesmo que vivida em grupo, como no caso da sala de aula, é o ponto
de partida para se criar possibilidades reais de aprendizagem para todos os
alunos, mesmo aqueles que nitidamente demonstram maior dificuldade com
relação à aquisição de novos conceitos.
Nesta perspectiva, o professor tem o papel fundamental de dominar
o conteúdo, de tal maneira, que seja capaz de traduzi-lo de diferentes formas até
que possa ser alcançado por todos os alunos, independe do canal preferencial de
aprendizagem de cada um.
A aprendizagem significativa depende de uma motivação
intrínseca, isto é, o aluno precisa tomar para si a necessidade e a
vontade de aprender. Aquele que estuda apenas para passar de
ano, ou para tirar notas, não terá motivos suficientes para
empenhar-se em profundidade na aprendizagem. A disposição
para a aprendizagem não depende exclusivamente do aluno,
demanda que a prática didática garanta condições para que essa
atitude favorável se manifeste e prevaleça. Primeiramente, a
expectativa que o professor tem do tipo de aprendizagem de seus
alunos fica definida no contato didático estabelecido. Se o
professor espera uma atitude curiosa e investigativa, deve propor
prioritariamente atividades que exijam essa postura, e não a
passividade. Deve valorizar o processo e a qualidade, e não
apenas a rapidez na realização. Deve esperar estratégias
criativas e não a mesma resposta de todos. (Parâmetros
Curriculares Nacionais, 2000, p.99)
Qualquer processo de aprendizagem é uma construção coletiva,
mesmo que concretizada por um indivíduo solitário. No movimento da
aprendizagem, em seus instrumentos, conteúdos e procedimentos, estão
42
materiais, formas, conteúdos, locutores e interlocutores que se fazem tais na
cultura. Logo, no processo ensino aprendizagem, a responsabilidade não cabe,
apenas, a quem está disposto a passar o conhecimento ou naquele que o busca,
ou ainda, naqueles que definiram aqueles conhecimentos como necessários ou
úteis. A responsabilidade é compartilhada em diferentes níveis: pessoal, grupal,
social.
Falar desta dimensão social do desenvolvimento humano, nos leva
aos pressupostos de Vygotsky pelos quais se considera que o ser humano se
faz, em seu meio social, a partir da relação com o outro. No Brasil, a partir dos
anos 90, a teoria sócio interacionista descrita por Vygotsky vem legitimar as
relações de ensino-aprendizagem propostas nas escolas primárias (1988).
Uma forma de explicar como o contexto social influencia
perspectivas e comportamentos foi proposta por Haste (1987) em seu modelo de
fatores: intra-individuais, interpessoais e sócio-históricos. O campo intra-individual
diz respeito ao que o indivíduo traz consigo, a partir de experiências e
compreensões
advindas
de
suas
oportunidades
de
aprendizagem.
“O
interpessoal é o campo da interação social - área em que os significados são
negociados e por meio do qual as normas culturais e as convenções sociais são
aprendidas”
(POLLARD, 1994, p. 255). No que concerne à dimensão sócio-
histórica deve-se ter presente que, por meio dela, conhecimentos e práticas,
saberes e fazeres justificam-se, atualizam-se e tem formuladas explicações
culturalmente definidas e historicamente acumuladas.
43
Pollard (1994, p. 271) desenvolveu uma forma analítica, embasada
nos princípios fundamentais do interacionismo e do construtivismo, que visa
explicar a relação entre indivíduo, contexto e aprendizagem.
Self
Controle de
Outros
Aprendizagem
A relação entre o self e os outros mostra a importância da interação
social na formação do próprio eu e, a partir disto, a relação de controle da
aprendizagem: a criança necessita construir seu aprendizado, as instruções e o
apoio do outro a orientam e auxiliam, mas é ela própria quem deve realizar suas
construções.
As práticas educativas mais atuais levam em consideração as
escalas de desenvolvimento infantil descritas por Piaget, mas evidenciam a
importância da contextualização deste desenvolvimento, no que se refere aos
aspectos sócio-culturais. O desenvolvimento se dá de forma gradual, tal como foi
descrito por Piaget em seus estágios de desenvolvimento (1978), mas se dá de
diferentes maneiras em cada criança, a partir do que ela vivencia em seu meio
sócio-cultural, a partir dos valores que lhe são passados, e das oportunidades
que lhe são oferecidas.
Um dos conceitos mais amplamente difundidos pela obra de
Vygotsky, e bastante proclamado nos discursos referentes às práticas
44
educativas,
consiste
naquele
referido
pela
terminologia
‘Zona
de
Desenvolvimento Proximal’. Esta pode ser definida como a distância entre o que
a criança é capaz de realizar sozinha (desenvolvimento real), e o que pode
alcançar com a ajuda de outro indivíduo mais capacitado para aquela atividade.
Esta ajuda consiste em dar subsídios para que a própria criança chegue as suas
conclusões, o que poder ser realizado por meio de vários instrumentos, e é
comumente chamado de mediação.
Analisando esta referência, é possível percebermos que o espaço
escolar, e primordialmente a sala de aula, é um ambiente bastante propício para
o desenvolvimento infantil, já que nela temos o aluno, instigado e investigador e
seus colegas de classe, todos trazendo consigo características individuais
estruturadas e fortalecidas por valores, crenças, experiências e princípios
próprios à cultura que os caracteriza e aos seus familiares; está, também, o
professor a quem cabe criar situações que desencadeiem reais possibilidades de
aprendizagem, a partir dos conteúdos a serem trabalhados. Estas possibilidades
de trocas, aluno / aluno e aluno / professor, geram um campo ideal para que seja
desenvolvido um trabalho na ‘Zona de Desenvolvimento Proximal’.
Este conceito sugere que o que neste momento necessita de ajuda
para ser realizado, num momento posterior poderá ser realizado pelo aluno,
sozinho, sendo então alcançada mais uma etapa de desenvolvimento. Isto
demonstra o caráter dinâmico da relação ensino e aprendizagem.
No processo de desenvolvimento a criança se arma e se rearma
com diferentes ferramentas. A criança de um grau superior se
diferencia de outra de um grau menor pela medida e pelo caráter
45
de seus meios, de seus instrumentos, quer dizer, pelo grau em
que governa sua própria conduta. (VYGOTSKY, 1987. pág.182)
Devido à complexidade dos processos de aprendizagem, o maior
número de meios utilizados para alcançá-los traz consigo uma relação
diretamente proporcional à possibilidade de sucesso, ou seja, é interessante
proporcionar à criança diversas maneiras de se alcançar o mesmo resultado,
para que ela possa tirar proveito do que melhor lhe servir.
É particularmente importante ressaltar que nem todo ensino gera
aprendizagem, ou seja, a mediação para que o individuo chegue às suas próprias
conclusões deve ser direcionada de acordo com suas necessidades. Tal
enunciado implica afirmar que existe um risco na prática da sala de aula pois,
diante de um grupo de alunos, a intervenção do professor deve alcançar, de
modo particular, cada um dos presentes.
É justo destacarmos que os professores hoje, já demonstram
compreender a diversidade de seu alunado, embora por razões diversas, alguns
ainda não saibam como minimizar estas diferenças, no momento de trabalhar os
conteúdos programáticos; assim sendo, mesmo com o conhecimento de que
seus alunos possuem características específicas que diferenciam suas
possibilidades de aprendizado, acabam agindo como se tivessem uma turma
homogênea, pronta para apreender os conceitos, da forma como forem
passados.
A dificuldade do aluno desperta no professor uma vulnerabilidade
quanto à sua capacidade de ensinar; ameaça-o ao expor seus limites. No esforço
de se livrar do que lhe causa ansiedade, ouvimo-lo, muito freqüentemente, rotular
46
o aluno como detentor de dificuldade de aprendizagem. Cabe a pergunta: de
quem é a dificuldade que se expõe? Será que todos os caminhos foram
buscados com aquele aluno? O professor soube reconhecer seu canal
preferencial para aquisição de conceitos? (alguns são mais visuais, outros mais
auditivos)
Deve-se considerar, no entanto que, independente da capacidade e
da disponibilidade do professor, alguns alunos irão apresentar dificuldades na
aprendizagem, e necessitarão de apoio especializado. Estes casos, entretanto,
não são objeto deste estudo. Cabe-nos, porém, compreender por que algumas
dificuldades que poderiam ser evitadas ou trabalhadas, ainda no âmbito escolar,
não o são e, mais tarde, vão configurar patologias instaladas que já não podem
ser prevenidas e sim tratadas.
De fato, um dos momentos mais importantes e delicados de todo o
processo escolar, consiste na aquisição da linguagem escrita, o que se dá
basicamente na classe de alfabetização e primeira série do ensino fundamental.
É justamente neste período que ocorre a grande demanda de pacientes nos
consultórios de fonoaudiologia.
O encaminhamento dado pela escola usualmente traz como
justificativa a dificuldade da criança com relação à aquisição da leitura e da
escrita, e nos faz refletir quanto às seguintes questões: seria correto
identificarmos como patologias as dificuldades advindas de uma tarefa em
aquisição? Todas as dificuldades iniciais já demonstram, de fato, que algo mais
sério será apresentado? Existem erros que são caracterizados como normais,
também levando-se em conta os processos em aquisição?
47
Estas e outras questões poderiam ser esclarecidas ao professor e à
escola, se um profissional de fonoaudiologia estivesse presente, integrando a
equipe escolar. Deste modo, tanto o trabalho preventivo poderia ser realizado
pela escola, minimizando assim a incidência de patologias instaladas, como
haveria um melhor critério para encaminhamentos a consultórios, evitando assim
os desnecessários, e propiciando maior rapidez no atendimento aos alunos que
demonstrassem necessitar de ajuda especializada.
De um modo geral, a conduta demonstrada por professores e pela
escola em particular, nos leva a crer, que a patologização do aluno com
dificuldades vem marcando a conduta dos que o cercam no âmbito escolar, o que
deixa claro a falta de informações específicas a respeito do que acontece em
casos especiais.
Na busca de conhecer melhor este aluno com dificuldade, não cabe
ao fonoaudiólogo uma visão clínica de triagens e encaminhamentos, como
usualmente a imagem deste profissional vem sendo associada ao se tratar da
área escolar, nem tampouco devemos pensar em “tratamento precoce” (a palavra
tratamento já demonstra a patologia instalada, e portanto, a precocidade traduz
um sentido antagônico); a visão deste profissional traz uma dimensão bastante
ampla às questões da aprendizagem, e o fonoaudiólogo pode servir como ponte
entre o aluno e o professor.
O professor espera do fonoaudiólogo, aquilo que conhece a respeito
da atuação deste profissional, a partir das representações que esta classe
apresenta, de acordo com as experiências vividas anteriormente, ou a partir de
conceitos que adquiriu em sua formação. Novamente é oportuno indagarmos que
48
tipo de informações o professor recebe durante sua formação, a respeito de dois
temas específicos: desenvolvimento infantil e fonoaudiologia.
As
informações
acerca
do
desenvolvimento
infantil
são
fundamentais para entendermos todo o processo de aquisição da linguagem
escrita, já que este mecanismo se dá a partir da maturação das funções mentais
superiores, e estas vão se desenvolvendo desde o nascimento do bebê, portanto,
uma série de eventos vai se sucedendo até que a criança possa ser considerada
apta a compreender a codificação da escrita. Deste modo a analogia de que o
fracasso na aprendizagem deste código pode ser decorrente de falhas anteriores,
fica evidente; no entanto sabemos que esta informação não faz parte dos
currículos dos cursos de formação de professores.
Quanto às informações a respeito da fonoaudiologia, que pode ser
considerada recente se comparada a áreas de atuação milenares como a
medicina, ainda são pouco claras tanto para a população em geral como para a
classe de professores, embora para estes a abrangência de suas possibilidades
de ação já devessem estar mais difundidas, pois o trabalho do fonoaudiólogo
vem em muito, contribuir para a atuação do professor, já que as informações
referentes ao desenvolvimento infantil e aos processos que interferem
diretamente nas etapas de aquisição da leitura e escrita são de domínio do
fonoaudiólogo e este leque de informações são de grande valia e contribuem
com o trabalho do professor, neste momento tão importante da aprendizagem.
Cabe ressaltar que em nenhum momento o trabalho do professor
pode ser menosprezado; do ponto de vista pedagógico é ele quem norteia o
processo de alfabetização, enquanto ao fonoaudiólogo cabe o papel de facilitador
49
do processo de ensino/aprendizagem, através de informações que passadas ao
professor no momento oportuno poderão de fato minimizar dificuldades em casos
iniciais. Não podemos deixar de considerar que casos específicos de dificuldades
podem ficar evidentes no momento da alfabetização, ou um pouco mais tarde,
sem que se possa fazer nada para evitá-los, seria leviano achar que o trabalho
direcionado do professor e do fonoaudiólogo pudesse evitar todos os tipos de
dificuldades em todas as crianças.
Para que a relação entre o que é esperado e o que não é comum no
processo de aquisição da escrita não se torne idealizada, cabe uma breve
discussão a respeito desta etapa.
É freqüente, na escola, a direta correlação entre escrita e oralidade,
como aponta Mayrink-Sabinson (1985). Esta autora discute a questão da escrita
ser interpretada, nos processos de alfabetização, como um espelho da oralidade
e, por esta razão, são implementadas atividades que visam a relação entre sons
e letras. De acordo com esta idéia, a criança deve traduzir o que fala para a
linguagem escrita, como se existisse uma relação única e direta entre estas vias.
A fala correta é considerada, portanto, importante pré-requisito para o
desenvolvimento da escrita. Não podemos esquecer, entretanto, que ao
oferecermos à criança a oralidade como referência, ela tenderá a escrever do
modo como fala e, portanto, não deveria ser considerado erro, por exemplo, a
palavra escrita “sorvetero”, ao invés de “sorveteiro” quando quisesse se referir ao
senhor que vende sorvetes.
50
Zorzi (1998) considera a apropriação da escrita como uma etapa
sem precedentes nos processos de aquisição da criança, comparando-a à
aquisição de uma nova língua.
a escrita pode ser vista como uma representação simbólica,
correspondendo à aquisição de uma nova língua.
Dada a
complexidade de tal sistema de representação, é possível
observar-se um processo de apropriação gradual pela criança.
(p.19) .
Como em qualquer aquisição de um novo conceito, os erros fazem
parte do processo e, no caso da aquisição da escrita, baseada na linguagem oral,
os erros ortográficos são até certo ponto esperados, porém acabam sendo
altamente perseguidos pelo professor. Em conseqüência, ainda segundo Zorzi
(1998), patologias podem acabar sendo artificialmente criadas, funcionando o
erro como um catalisador de distúrbios. Novamente temos a impressão de que os
erros normatizam as condutas, e o aluno acaba sendo julgado por sua
capacidade de acertar o que lhe é pedido. Para este autor, no entanto, o erro
pode dar evidências das tentativas que a criança está realizando para se
apropriar da linguagem escrita.
Considerando-se a aprendizagem da escrita como um processo
de formação de conhecimentos, os erros que surgem na
produção gráfica das crianças podem ser reveladores da
apropriação
de
uma
nova
linguagem
e
surgiriam
como
indicadores das possíveis hipóteses ortográficas que elas
estariam utilizando para a escrita. (1998, pág.20)
Baquero (1998) descreve que para aquisição da escrita são
necessários processos psicológicos avançados, que envolvem pré-requisitos.
51
Discorda, na mesma linha de Zorzi, que as competências de fala “evoluam para”
escrita. Estes autores ressaltam que, para que esta possa ser estabelecida, é
necessário o concurso de uma série de outras aptidões, como a percepção, o
domínio espaço-temporal e corporal, o desenvolvimento da lateralidade e
controle motor fino (Le Boulch,1987).
O desenvolvimento da percepção visual e auditiva é de fundamental
importância para uma correta produção da escrita. É importante destacar que a
percepção necessita ser desenvolvida, o que a faz diferente da acuidade; esta
última diz respeito às aptidões sensoriais do indivíduo. Melhor dizendo, a
capacidade de ouvir e de ver adequadamente é uma característica orgânica do
indivíduo, que deriva tanto de condições inatas, como do não desenvolvimento
de doenças que possam acometer a visão e a audição. Já a percepção necessita
ser desenvolvida e, portanto, será tanto melhor, quanto mais for estimulada.
Ao falarmos de estimulação da percepção, não podemos atribuir à
escola toda a responsabilidade sobre esta função, já que o desenvolvimento das
percepções se inicia logo após o nascimento e, portanto, cabe aos pais e aos
cuidadores dos bebês esta função, muito antes de que se torne, também,
competência da escola.
A estimulação com brinquedos coloridos e contrastantes, por
exemplo, ajudam o bebê a desenvolver sua visão, enquanto as brincadeiras
auditivas, com chocalhos, vozes e músicas, fazem com que ele tenha sua
atenção despertada para os sons, bem como desenvolva sua memória, sua
discriminação e sua compreensão.
52
Mais tarde, com o ingresso da criança na pré-escola, estas
brincadeiras devem passar a ser mais direcionadas e constantes, de acordo com
a faixa etária da criança, buscando assim o melhor preparo para o momento da
introdução da escrita.
53
CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FONOAUDIÓLOGO PARA
PROFESSORES DE CA E PRIMEIRAS SÉRIES DO ENSINO
FUNDAMENTAL
4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Este capítulo tem como objetivo apreender e analisar os sentidos
atribuídos ao fonoaudiólogo, por professores de classe de alfabetização e 1a.
série do ensino fundamental. Como já discutimos anteriormente, consideramos a
alfabetização como um processo dinâmico e progressivo; suas sínteses não são
mecânicas ou imediatas, nem findam ao final de um semestre ou, mesmo, de um
primeiro ano. Para fins deste estudo, definimos como sujeitos, professoras de
classe de alfabetização e de 1a. série do Ensino Fundamental.
Na classe de alfabetização a criança é, de modo sistemático,
encaminhada à descoberta do mundo das letras, com suas formas, sons,
possibilidades de combinação criando novos sons e expressões. É um período
54
de iniciação; contactos que antes eram ocasionais tornam-se o próprio centro da
atividade da criança na escola e fora dela, quando, por exemplo, vai dando conta
das palavras de um cartaz na rua, no ônibus, num trem, num jornal ou numa
revista. Um mundo novo vai se abrindo... O processo que então vai se
delineando será sedimentado nas primeiras séries do ensino fundamental, pela
fixação das descobertas realizadas, sua articulação, enriquecimento com a
apropriação de novas palavras, novas formas, novas classificações.
É nesta perspectiva que a alfabetização é considerada como um
processo e não com ato isolado, responsabilidade exclusiva de uma série ou de
um professor. Este pensamento se apresenta nos estudos de diversos autores,
dentre os quais destacamos o pioneirismo de Luria (1988, p.143) ao fundamentar
posicionamentos sobre o desenvolvimento da escrita na criança. O autor afirma
que “A história da escrita na criança começa muito antes da primeira vez em que
o professor coloca um lápis em sua mão e lhe mostra como formar letras”. Na
verdade, durante os primeiros anos de seu desenvolvimento, antes de atingir a
idade escolar, a criança aprende e assimila diversas técnicas de preparação para
o caminho da alfabetização propriamente dita e se apropria, nos limites de suas
condições de possibilidades, de informações, noções, valores, modelos e práticas
próprios às culturas com as quais interage.
A alfabetização, portanto, supõe etapas a serem necessariamente
vencidas para a continuidade exitosa desse dinamismo. Dificuldades específicas
relativas ao trabalho desenvolvido numa etapa desse processo, nem sempre, no
entanto, são percebidas e interpretadas como passíveis de superação na
seguinte, seja por falta de tempo ou, mesmo, de condição dos responsáveis.
55
Gontijo (2003) afirma que o processo de alfabetização ficou
reduzido, durante décadas, ao ensino do código escrito, centrado na mecânica
da leitura e da escrita. A autora comenta as atuais propostas de alfabetização
escolar enfatizando que
Um outro aspecto que caracteriza as atuais propostas relacionase à compreensão de que a alfabetização escolar é um processo
multideterminado, ou seja, o seu desenvolvimento depende da
contribuição de diversas áreas de conhecimento. (GONTIJO,
2003, p.2)
Para Pausas (2004) a aprendizagem da leitura e da escrita é um
dos principais desafios da escola, pois o interesse e a motivação são de caráter
extrínseco. A autora afirma que existe um grande desafio que supõe integrar,
num só projeto, as relações existentes entre professor, alunos e conteúdo. Nesta
perspectiva, consideramos a língua escrita como um instrumento de relação
indireta entre o ser humano e o mundo. Segundo Colomer e Camps (1996), não
é fácil saber como ensinar a língua na escola, pois as ciências envolvidas em tal
tarefa encontram-se imersas em um movimento de profunda renovação de suas
proposições. As autoras acrescentam que essa situação pode desembocar em
uma prática sem referentes teóricos bem assentados. Nesta dissertação,
conforme mostraremos no item 4.3, deste capítulo, foi possível apreender indícios
da insegurança e da instabilidade vivenciada pelos professores destas séries,
muitas vezes renegadas pelo recorrente esforço de afirmação do contrário,
produzindo no interlocutor a captação de aparente prepotência ou autosuficiência.
56
Esta pesquisa foi desenvolvida com 83 professores de escolas
públicas e privadas do município do Rio de Janeiro, tendo como instrumentos um
questionário e um teste de livre evocação de palavras, a partir de um termoestímulo. A conjugação destas estratégias visou permitir uma aproximação dos
sentidos atribuídos ao fonoaudiólogo, pelos sujeitos, vez que suas práticas e
comunicações cotidianas são sutilmente orientadas por aqueles (MADEIRA,
1998).
Conhecer aspectos da experiência profissional destes sujeitos, tais
como, o tempo de magistério e de atuação em classes de alfabetização e 1a.
série do Ensino Fundamental, os mecanismos que concretizaram sua lotação
nestas classes, a forma pela qual cada um se vê e se sente no desempenho de
suas atividades profissionais, dentre outros, pode fornecer pistas que permitam
uma aproximação consistente dos contextos de sentidos que definem sua
prática, orientando, também, as estratégias de que lançam mão para lidar com
eventuais dificuldades na aprendizagem dos
alunos. A apreensão do que
consideram como causas de possíveis dificuldades, o modo pelo qual classificam
e relacionam estas causas e a avaliação que fazem de suas próprias condições
profissionais para levantar, classificar e solucionar os problemas que surgem, são
outros
tantos
indícios
destes
contextos
de
sentidos
ou
campos
de
representações sociais nos quais os sujeitos dão forma aos objetos ao deles se
apropriarem (MADEIRA, 1998; 2001).
Explorar esses territórios, mesmo que dentro dos limites de uma
Dissertação de Mestrado, pode contribuir para que se apreenda melhor os
sentidos mobilizados pelas dificuldades de aprendizagem nas classes de
57
alfabetização, as representações que os professores fazem de fonoaudiólogo e
as relações e práticas que aí se articulam, bem como investigar que tipo de
atuação o professor espera daquele profissional. Com este trabalho, pretende-se
encontrar alguns veios que possam contribuir para que o processo de
aprendizagem da leitura e da escrita se faça com consistência permitindo à
criança uma entrada segura neste mundo novo que se vai desvelando.
4.2 O PROFESSOR
Os sujeitos desta pesquisa desenvolvem atividades na Classe de
alfabetização ou 1a. série, ainda que, a maioria trabalhe também em outros
turnos e escolas, lecionando, inclusive, em outras séries. Tal diversidade de
focalizações, de locais, relações, ordenamentos e exigências, aumenta o
desgaste do trabalhador e contribui para a desvalorização da profissão, como já
detectado por outros pesquisadores (AVES-MAZZOTTI, 2004; GATTI, 2000;
PIMENTEL, 2001; NÓVOA, 2000; 1995; SOARES, 2003). Neste contexto, não é
de estranhar que professores destas séries atribuam um caráter passageiro à sua
vinculação à profissão, ainda que nela continuem atuando por muitos anos
independente de sua vontade ou do exercício concomitante de outras atividades
(SOARES, 2003). No caso dos sujeitos do presente estudo, conforme o Gráfico
1, predominam pessoas com maior tempo de exercício do magistério, enquanto
apenas 7% de sujeitos apresentam experiência igual ou inferior a cinco anos.
58
Gráfico 1 - Tempo de exercício do Magistério
7%
30%
27%
36%
Legenda
até 5 anos
6 a 10 anos
11 a 20 anos
mais de 20 anos
O magistério, sobretudo nas séries iniciais, é uma atividade
associada com maior freqüência à afetividade e à dedicação que a uma
competência ou preparação específica (SOARES, 2003; ARROYO, 2000;
FONTANA, 1997; MELLO, 1981). Estudos, como o de Alves-Mazzotti (2004,
p.72), mostram que os professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental
“constroem o sentido do ser professor hoje em torno da idéia de dedicação,
defendendo um sentido tradicionalmente atribuído à função docente”. Nesta
mesma perspectiva, Assunção (1996), em pesquisa sobre o cotidiano do
professor das séries iniciais, constatou que este estava impregnado por idéias e
modelos marcados por valores que delineavam as atividades profissionais
desenvolvidas vinculadas às imagens de mulher e de mãe: ‘o gostar de crianças’
e ‘a facilidade em lidar com elas’ seriam conseqüência natural do fato de ser
mulher e definiriam o espaço da profissão. “para ser professora basta gostar de
crianças (coisa tão natural à mulher)...” (ASSUNÇÃO, 1996, p.84).
59
Análises específicas das atitudes de professores das séries iniciais
relativas à própria atividade profissional foram desenvolvidas, por exemplo, por
Pinheiro (1999) e Soares (2003), que puderam apreender como estas atitudes
são orientadas por valores e modelos que priorizam as relações afetivas
(definidas em termos vagos e generalizados), em detrimento da competência e
da formação. Destacam tais autores, que esta atribuição se faz em meio a um
discurso cheio de ambigüidades e, por vezes, de contradições. Neste discurso, o
falante, ao mesmo tempo, ratifica posturas calcadas na tradição, pelas quais a
dedicação e o afeto são enaltecidos e valorizados e deixa entrever o trabalho
nestas séries como desgastante, cansativo e desvalorizado, o que o leva a ser
atribuído às novatas, recém chegadas à escola, independente de qualquer
preparação específica. Ora, dentre os sujeitos destas pesquisas, predominam
aqueles com mais de 5 anos de experiência em Alfabetização e 1a. série (Gráfico
2), o que implica em trazer para cada um o desgaste, o cansaço e a
desvalorização associada, mesmo que implicitamente, ao trabalho que
desenvolve e a questionar o valor atribuído à experiência e ao preparo próprio.
60
Gráfico 2 -Tempo de atuação em Classes de
Alfabetização e 1a. Série do EF.
6%
40%
35%
19%
Legenda
menos de 1 ano
1 a 5 anos
6 a 10 anos
mais de 10 anos
Observa-se, no Gráfico 2, que 40% e 19% dos sujeitos deste estudo
têm, respectivamente, mais de 10 anos e de 6 a 10 anos de atuação como
professores das séries iniciais. Esta distribuição aponta para uma experiência
que se vai acumulando ao longo dos anos na prática cotidiana, nos cursos de
atualização, no trato com as crianças, com diferentes metodologias e estratégias.
Ao mesmo tempo, como analisa Soares (2003), esta permanência poderia
decorrer de razões estranhas ao sujeito, o que traria ou acentuaria a insatisfação.
No caso específico deste estudo, 63% dos sujeitos indicou estar atuando em
classes de alfabetização ou séries iniciais porque assim o escolheu. Deste
conjunto, a maioria (52%) justifica tal escolha por motivos diversos, ainda que as
proposições que constroem essas justificativas aludam a idéias como gostar
deste momento inicial da aprendizagem, do livro, de acompanhar a descoberta
da escrita, sempre colocadas de modo impreciso ou indireto.
61
“Eu adoro. Acho emocionante ver seu aluno deslumbrado pela
leitura e escrita, enfim, dominando a leitura e escrita. “ (s.61)
Neste mesmo sentido, 35% indicaram como razão de sua escolha
“se sentir à vontade em dar aulas nas séries onde se inicia o processo de leitura
e escrita.”, sem, no entanto, explicitar melhor este sentimento; tal característica
torna a justificativa, tipicamente, uma alusão a algo cuja chave interpretativa está
no auditor.
“Já havia feito um trabalho de pré-alfabetização e quando houve
oportunidade para alfabetizar não pensei duas vezes. Estou
amando.” (s.13)
Apenas 13% dos sujeitos vinculam sua escolha, de modo direto, à
preferência em trabalhar com crianças desta faixa etária.
“Por ser uma faixa etária boa de ser trabalhada.” (s.42)
Dentre os sujeitos que relataram não dar aula em classe de
alfabetização ou 1a. série por vontade própria, 90% indicaram que tal atividade
lhes havia sido imposta pela escola;
“A direção da escola determina para que classe os professores
são enviados” (s.82)
“Os 5 primeiros anos em que lecionei me foram dadas esta classe
sem direito de escolha, por acharem que eu combinava com esta
classe.” (s.08)
Dentre os que se referiram ao modo impositivo que os levou à
vinculação às séries iniciais ou classes de alfabetização, 50% fizeram a ressalva
62
de que tal situação fora apenas inicial e que, no momento, continuavam a atuar
em tais classes, por satisfação própria.
“Mesmo não tendo escolhido eu gosto muito” (s.59)
“A princípio não, porém hoje me sinto muito realizada
profissionalmente” (s.58)
Do total de professores que declararam não ter escolhido trabalhar
em séries iniciais ou classes de alfabetização, 6% relataram que se sentiam
inseguros diante da responsabilidade de tal tarefa, argumentando o próprio
despreparo ou a importância atribuída a esta fase
“Achava que não estava preparada par dar aulas em uma série
tão fundamental” (s.11)
Este justificativa tenta construir uma argumentação apoiada num
lugar comum que se apresenta numa generalização: não se sentia preparada
para trabalhar em série tão fundamental, o que leva a supor que, para este
sujeito, é aceitável afirmar seu despreparo vez que todos reconhecem a
importância
de
tal
série,
não
carecendo
a
justificativa
de
maiores
esclarecimentos. A expressão “tão fundamental” apresenta-se, assim, como um
“quase lugar comum”, sugerindo a idéia de que, nestas séries iniciais, algo
determinante acontece, algo cuja importância é admitida também pelo
interlocutor, o que justifica a afirmação do próprio despreparo. É inegável o papel
da alfabetização, como um divisor de águas na vida da criança: ser capaz de ler
e escrever, significa ter acesso a coisas antes indisponíveis, ultrapassar
barreiras, entrar num mundo novo. Como processo, no entanto, a alfabetização
não se limita a uma classe ou a dois semestres... Logo, o emprego desse “quase-
63
lugar-comum” - série tão fundamental - é falacioso, pois tem como referente não
a dita classe ‘tão fundamental’ mas o próprio locutor, ou seja, o professor que,
implicitamente, se deixa ver como o responsável ou ‘aquele que garante o
acesso ao umbral’ deste ‘novo mundo’. O emprego, quase invariante, de formas
hiperbólicas ou metafóricas para justificar a importância atribuída às classes de
alfabetização deixa entrever os mecanismos sociais de defesa mobilizados: a
afirmação do próprio despreparo é atenuada frente ao reconhecimento da
grandeza da tarefa.
4.3 COMO OS PROFESSORES LIDAM
APRESENTADAS POR SEUS ALUNOS?
COM
AS
DIFICULDADES
A aprendizagem é um processo complexo que acompanha o
homem nas diferentes idades de sua vida (FERNÁNDEZ, 2001). As dificuldades
deste dinamismo vão se fazendo sentir sutilmente, aqui e ali, como sinais que os
educadores precisam apreender e interpretar. Na aprendizagem da leitura e da
escrita os percalços não surgem, portanto, de forma abrupta, salvo em casos de
patologia neurológica1, ou transtornos que envolvam alterações afetivoemocionais-comportamentais.
Ajuriaguerra (1988), Condemarin e Chadwick (1987) e Lofiego
(1995), dentre outros, denominam pré-requisitos para o desenvolvimento da
leitura e escrita, tudo o que contribua para que a criança apresente o
1
“Distúrbios na linguagem que resultam de dano cerebral, depois de começada a aquisição da linguagem,
com etiologias como: traumatismo craniano, tumosres, crises convulsivas, entre outros.” (MURDOCH,1997,
p.247).
64
amadurecimento necessário para desenvolver tais processos; dentre esses prérequisitos, podemos destacar, o desenvolvimento psicomotor, a lateralização, a
noção de esquema corporal, a orientação espacial e temporal.2 Durante a préescola, as inúmeras atividades propostas às crianças, chamadas, em geral, pelos
pais e professoras de “trabalhinhos”, buscam apoiar e orientar a descoberta e o
desenvolvimento, destes pré-requisitos, o que faz desta etapa, um momento não
só importante como, também, fundamental.
O desenvolvimento da fala, dentre o conjunto anteriormente
elencado, destaca-se como requisito primário, vez que é o canal preferencial
para aquisição da linguagem, e “quando o código primeiro e oral não se organiza
a tendência é adquirir-se o segundo código, leitura/escrita, nas mesmas linhas de
desorganização. (ISSLER,1996, p.19).
De um modo geral, tem-se a idéia de que crianças, quando
pequenas, costumam falar errado. Esta colocação do senso comum, no entanto,
ao justificar o olhar desatento ou pouco conhecedor dos processos pelos quais
as crianças se apropriam de elementos para desenvolver sua fala, pode
negligenciar indícios importantes de alterações fonológicas que, embora sejam
apresentadas na fala de crianças da pré-escola, podem comprometer o processo
de alfabetização futuro.
2
Apresentaremos, a seguir, definições destes termos, fundamentadas na literatura específica: “A
lateralização é uma característica especificamente humana, que afeta de forma específica a linguagem e
que guarda relação direta com a dominância de um hemisfério cerebral sobre o outro, durante o processo de
execução da linguagem”. (LOFIEGO, 1995, p.63) “O esquema corporal é um elemento básico indispensável
para a formação da personalidade da criança. É a representação relativamente global, científica e
diferenciada que a criança tem de seu próprio corpo”. (DE MEUR & STAES, 1984, p.9) “A estruturação
espacial é a orientação, a estruturação do mundo exterior referindo-se primeiro ao eu referencial, depois a
outros objetos ou pessoas em posição estática ou em movimento”. (DE MEUR & STAES, 1984, p.13) “A
estruturação temporal é a capacidade de situar-se em função da sucessão dos acontecimentos, da duração
de intervalos, da renovação cíclica de certos períodos e do caráter irreversível do tempo”. (DE MEUR &
STAES, 1984, p.15)
65
O desenvolvimento da fala, pressupõe domínios fonéticos, ou seja,
a capacidade estrutural e funcional de articular os fonemas da língua e domínios
fonológicos (ISSLER,1996), que representam reconhecimento, percepção e
identificação destes fonemas e estão relacionados ao desenvolvimento da
linguagem .
A aquisição fonológica foi e ainda é objeto de estudo de diversos
autores (STAMPE,1973; INGRAN,1983; STOEL-GAMMON,1990; CAPOVILLA
2002). Estes descrevem propostas do que poderíamos denominar de teorias
sobre o desenvolvimento fonológico. Destacamos, do conjunto, os estudos de
Stampe (1973) pois este autor contextualiza e fundamenta a noção de processos
fonológicos definindo-os como operações mentais realizadas pela criança, com o
intuito de simplificar as oposições fonêmicas que ainda não é capaz de produzir.
Nesta perspectiva, diante do som de uma palavra que ainda não sabe como
produzir, busca uma adaptação que lhe permita fugir da dificuldade, de modo a
garantir a efetividade de sua comunicação.
Baseado nos postulados de Stampe, as idéias de Ingram (1976),
seguem as noções do desenvolvimento cognitivo proposto por Piaget (1978).
Assim, relata que ao se deparar com o sistema fonológico da língua adulta, a
criança inicialmente assimila os sons do modo como é capaz e, a partir do
domínio inicial desses sons, associados ao que já era capaz de produzir sozinha,
modifica-os chegando à acomodação dos “novos sons”. Consegue, desta forma,
chegar à adaptação que, neste sentido, caracteriza a capacidade de falar
conforme as regras fonológicas da língua adulta.
66
O desenvolvimento fonológico da criança demanda tempo e está
intimamente relacionado com a necessidade de bons modelos, do ponto de vista
articulatório, para que a fala seja correta e tenha como referência o padrão da
língua falada pela comunidade adulta da região. É, portanto, de grande valia
entendermos o desenvolvimento da fala como gradual e intrinsecamente
relacionado ao desenvolvimento cognitivo e cronológico da criança. Logo, o erro
na articulação das palavras ou frases precisa ser contextualizado para que possa
ser captado em termos de suas referências significativas: por exemplo, o que
pode ser considerado inerente ao desenvolvimento da fala e o que indica
dificuldades específicas na percepção ou produção dos sons.
Com o intuito de ter pistas consistentes e articuladas sobre o modo
pelo qual são encaradas as dificuldades de fala apresentadas por alunos de
classes de alfabetização e 1a série do Ensino Fundamental procuramos neste
estudo, apreender como, o professor lida com estas dificuldades em seu trabalho
em sala de aula. A questão, aberta, era introduzida por uma frase que colocava o
problema em termos gerais , desvinculado da atuação do professor: “Como, em
geral, a pré-escola lida com as dificuldades de fala apresentadas por algumas
crianças?”. O material, assim coletado, foi submetido a uma análise categorial
temática cujas categorias foram definidas a partir da leitura repetida dos textos
formulados pelos sujeitos. Categorias adotadas no grupamento:
a) recursos próprios: nesta categoria foram grupadas as referências ou
alusões a recursos didáticos à disposição do professor, como leituras,
atividades complementares, etc.
67
b) encaminhamentos: foram aqui reunidas as alusões a encaminhamentos
para especialistas, não sendo estes discriminados pelos sujeitos.
c) recursos próprios e encaminhamentos: nesta categoria foram grupadas as
respostas que continham juntas, as duas descrições anteriores.
d) orientação associada a encaminhamento: alguns sujeitos referenciaram
além da realização de encaminhamentos, a necessidade de orientação
através de uma conversa com os pais, e foram portanto, grupados nesta
categoria.
e) Fonoaudiólogo: nesta categoria foram enquadradas as respostas onde os
sujeitos alegaram solicitar o parecer ou uma avaliação do fonoaudiólogo
especificamente.
f) Não responderam: sujeitos que declararam não saber, ou que deixaram a
pergunta em branco.
68
Gráfico 3: Como os professores da pré escola lidam com as dificuldades de fala de seus
alunos
9%
16%
13%
17%
32%
13%
Recursos Próprios
Encaminhamentos
R.P. + Enc.
Fonoaudiólogo
Orientação + Enc.
Não Responderam
A observação do gráfico nos remete para a diversidade de
estratégias que são frequentemente utilizadas, quando o aluno, ainda na préescola, não detém o domínio sobre a língua falada, de acordo com o modelo
adulto. Neste estudo, 16% dos professores deixaram ver indícios de que as
resoluções destas dificuldades são procuradas em seus próprios recursos:
através de recursos didáticos, ou de outras estratégias selecionadas, direcionam
o trabalho para as dificuldades de fala da criança; 9% não responderam a
pergunta e, 13% referiram-se à possibilidade de encaminhar estas crianças para
outros profissionais, além de também se utilizarem de recursos próprios para
resolver tal questão.
“Ensinando a forma correta de falar” (s.13)
“Fazendo rodas, hora do conto, dia de novidade, músicas, meu
brinquedo preferido, onde a criança acaba contando como é,
etc...” (s.49)
69
“Primeiramente
tentamos
solucionar
o
problema
e
não
conseguindo, encaminhamos.” (s.16)
Neste sentido, é possível notar a falta de conhecimentos específicos
sobre características e questões próprias do desenvolvimento da fala infantil:
nenhum professor trouxe, em sua resposta, qualquer reflexão concernente a
possíveis alterações de fala, suas raízes, ou ao fato dessas serem ou não
esperadas para tal faixa etária; suas referências a estas questões se fizeram por
um discurso amplo, geral ou alusivo, marcado pela falta de conhecimento e de
domínio sobre o assunto.
É interessante observar que tais peculiaridades acabaram por
permitir o grupamento dos sujeitos entre aqueles que não consideravam as
dificuldades de fala relevantes (por exemplo, s.53) e, por isso, tentavam,
sozinhos, dar conta desta questão, e os que as classificavam como patológicas a
priori, independente dos processos fonológicos de que a criança se utilizava e,
assim,
encaminhavam
estes
alunos
diretamente
para
tratamento,
não
especificando o profissional (17%). Smolka (1993) analisa esta situação, ao
mesmo tempo ambígua e inconsistente, ao discutir sobre o que é patológico e o
que é pedagógico, nas crianças em idade escolar. O conhecimento de algo que
faz parte do processo de aprendizagem, e o que caracteriza indícios de
patologias repercutiria em condutas mais direcionadas e conscientes, o que não
acontece normalmente.
“Infelizmente vejo pouco trabalho nesse sentido, as pessoas
acreditam muito no “vai passar” ou “é o ritmo dele”. (s.53)
70
Um dos sujeitos, ao apresentar uma justificativa das condutas
diante das alterações de fala em pré-escolares, deixa ver o desconhecimento do
que é denominado pela neuropsicologia de ‘habilidades prévias para o
desenvolvimento da escrita’ (DIAS, 2004) e o conseqüente descuidado no
sentido de deixar que a criança chegue à classe de alfabetização, ainda com
dificuldades que poderão dificultar a aquisição da escrita.
“Esperam a criança entrar na alfabetização (por volta dos 6 anos)
para encaminha-la para tratamento.” (s.18)
Considerando, ainda, o Gráfico 3, é possível verificar que 32% dos
sujeitos julgaram que crianças com dificuldades de fala devem ser encaminhadas
especificamente ao fonoaudiólogo, o que já nos mostra uma importante
aproximação de sentidos entre as questões de fala e este profissional.
“Está sempre atenta para encaminhar o mais rápido possível ao
fonoaudiólogo,
pois
só
assim
se
consegue
superar
as
dificuldades.” (s.25)
“Procuramos encaminhar para as fonos para que elas façam o
acompanhamento da criança e nos oriente melhor.” (s.43)
“Quando tem conhecimento do trabalho do fonoaudiólogo,
trabalham com tranqüilidade. A interação escola X terapia é
fundamental para o resultado final.” (s.58)
Como já foi discutido anteriormente, o processo de aquisição da
leitura e escrita, funciona para criança como a aprendizagem de uma nova
língua; a complexidade deste processo pode trazer dificuldades específicas
durante sua aquisição. Recursos apropriados e profissionais especializados
podem, no entanto, minimizar grande parte destas dificuldades.
71
Quando
questionados
sobre
como
procuram
solucionar
as
dificuldades encontradas por seus alunos durante a aquisição da linguagem
escrita, a grande maioria (70%) refere-se à utilização de recursos didáticos,
principalmente enfatizando a questão metodológica. Novamente, as justificativas
e explicitações são enunciadas por um discurso vago e generalizado, que se
calca na utilização de recursos didáticos, sem qualquer questionamento quanto à
sua adequação ou efetividade. Não há referências a possibilidades diferenciadas
de atuação. Observa-se falta de criatividade e as soluções sugeridas mostram a
dificuldade de dar aos alunos estratégias diferenciadas para aquisição de novos
conceitos.
“Através da fixação da matéria” (s.11)
“Trabalhando através do lúdico, ou seja, com músicas e jogos”
(s.16)
“Fazendo uma boa escolha da metodologia adequada aos seus
alunos” (s.15)
Analisando estes trechos, podemos observar que o professor
carrega sozinho a responsabilidade de solucionar as dificuldades de seus alunos.
Mais importante ainda, julga estas dificuldades como algo oriundo do momento,
desconsiderando que o sintoma pode ter raízes nos pré-requisitos para o
desenvolvimento da escrita que não foram devidamente sedimentados.
Encontramos, ainda, respostas que deixam ver a ausência de um
conhecimento teórico específico; os sujeitos adotam um discurso generalizado,
calcado em afirmações vagas, indefinidas e sem vínculos com a prática.
72
“Sempre buscando aprender sobre as limitações e as dificuldades
encontradas e colocando em prática todas as experiências” (s.27)
A relação entre ‘a tarefa de ensinar’ e ‘a relação de ensino’ foi
descrita por Smolka (1993); a autora trata do dilema vivido pelo professor a quem
cabe a ‘tarefa de ensinar’, imposta e instituída pela escola, e que vive ‘a relação
de ensino’ construída nas relações interpessoais. Este dilema caracteriza-se por
colocá-lo frente a demandas muitas vezes inconciliáveis: com freqüência, ele
enfrenta lacunas em seus conhecimentos e não sabe como assumir um
posicionamento crítico com relação ao seu papel e sua função, nos contextos
sociais.
[...] da forma como tem sido visto na escola, a tarefa de ensinar
adquire algumas características (é linear, unilateral, estática)
porque do lugar em que o professor se coloca (e é colocado), ele
se apodera (não se apropria) do conhecimento; pensa que o
possui e pensa que sua tarefa é precisamente dar o
conhecimento à criança. (p.31)
Diante das dificuldades da criança o professor procura, no
isolamento que se impõe, encontrar saídas que, cada vez, distanciam-se mais.
No entanto, alguns professores, ainda que em minoria, afirmam encaminhar
alunos a outros profissionais (não especificados) quando percebem as
dificuldades encontradas nos processos de aprendizagem. O encaminhamento
ao fonoaudiólogo foi tido como opção para apenas 5% dos sujeitos, e nestes
casos não foi apresentada qualquer justificativa.
4.4 SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO FONOAUDIÓLOGO
73
Em sua grande maioria, as escolas atualmente, não contam com o
Fonoaudiólogo em seu quadro de funcionários. Quando se pergunta aos
professores ou dirigentes sobre a presença ou o papel deste profissional, é
comum resposta que se referem à indicação, aos pais, de nomes, quando é
julgado que a criança o necessita. Deste modo, já começa a ser atribuída ao
fonoaudiólogo o papel de reabilitador, ou seja, aquele profissional que aparece
para tentar solucionar um problema já instalado.
A partir das considerações tecidas neste capítulo, cabe-nos
questionar: para tratar um problema que determinado aluno apresenta, o
profissional tem sua importância notada, reconhecida e o encaminhamento é
aceito pela escola. Como explicar, então, que apenas 5% dos sujeitos afirmem
recorrer ao encaminhamento a um fonoaudiólogo quando seus alunos
apresentam dificuldades? Este percentual poderia ser considerado como indício
de que o trabalho deste profissional é pouco conhecido ou vem sendo visto de
forma restrita ou, mesmo, equivocada? Saberiam os sujeitos em que áreas o
fonoaudiólogo pode atuar? Existiria o conhecimento sobre a possibilidade de sua
atuação nos campos da prevenção?
Conhecer o que o professor pensa e sabe a respeito do trabalho do
fonoaudiólogo pode nos dar indícios da função que este profissional vem
exercendo no espaço escolar.
No intuito de facilitar o mecanismo projetivo para que os professores
pudessem explicitar a imagem do fonoaudiólogo no âmbito escolar, foi
perguntado aos sujeitos sobre como este profissional é visto na escola; dentre as
74
respostas dadas foi possível perceber dificuldades com relação à definição de
atribuições a este profissional. Se, por um lado, alguns apresentam um discurso
valorizando a atuação do fonoaudiólogo, percebe-se que nesta colocação
manifesta-se um desconhecimento da especificidade de seu trabalho: valorizam a
atuação de modo vago e pouco esclarecedor.
“Como um profissional necessário para que haja um bom
aprendizado.” (s.48)
“É visto como um profissional muito importante, que ajuda o
professor a solucionar “problemas”, a entender melhor o aluno.”
(s.62)
“Como um agente facilitador do trabalho.” (s.60)
Antevendo a dualidade que cerca o que julgamos como ideal, e o
que, na prática é realizado, propusemos duas questões para serem analisadas
sob este ponto de vista; ao estudar as respostas obtidas procuramos apreender
como os sujeitos vêem a atuação do fonoaudiólogo na escola e o que esperam
receber deste profissional.
No conjunto de respostas pudemos constar a predominância de
relações entre a ação fonoaudiológica e assertivas referentes ao tratamento de
patologias instaladas; tal
predominância se fez em detrimento de ações
preventivas, o que mais uma vez ratifica a idéia de que o profissional da
fonoaudiologia pode estar sendo visto, atualmente, pelos professores, como
agente atuante na reabilitação das dificuldades na aquisição e desenvolvimento
da linguagem.
75
Gráfico 4 - Atuação do Fonoaudiólogo Ponto de vista do Professor
8%
16%
7%
63%
4%
2%
tratamento
tratamento (ênfase) e prevenção
prevenção (ênfase) tratamento
prevenção
ajuda
não respondeu
É possível notar no relato de alguns sujeitos, diante da questão
‘Para que serve, na prática, a atuação do fonoaudiólogo?’, a generalização de
alguma experiência individual vivenciada que, assim, torna-se regra geral para a
prática fonoaudiológica, o que mostra mais uma vez, um importante grau de
desconhecimento da área.
“Serve exatamente para aplicar exercícios respiratórios que
melhoram o condicionamento físico e ampliar o indivíduo num
todo.”(s.49)
“Através de exercícios solucionar problemas articulatórios ou não
relacionados a pronúncia de algum fonema.” (s.73)
Apesar de minoritários, foi possível também identificar relatos
conscientes acerca do que pode ser esperado da vinculação entre professor e
76
fonoaudiólogo, e da necessidade que os sujeitos sentem de ter apoio em
questões específicas.
“Eu acho que na formação de professores deveria ter aulas
específicas sobre as dificuldades da fala e da escrita. O
fonoaudiólogo serve para também ajudar, orientar e trocar com os
professores colaborando na prática do dia a dia.” (s.24)
Ao se considerar, em conjunto, as respostas a todas as questões
até aqui enfocadas, é possível notar que os professores reconhecem, ainda que
superficialmente, o trabalho que a fonoaudiologia vem realizando e pode realizar.
Este conhecimento, no entanto, expressa-se com imprecisão, num estilo vago,
que, mesmo quando assume formas hiperbólicas de valorizar a atividade
profissional em questão, as referências permanecem sem vínculos concretos
com o cotidiano. Alguns pouco sujeitos lamentaram a ausência de informações
mais detalhadas sobre essa profissão e a ausência, em seu processo de
formação, da veiculação de conhecimentos que lhes permitisse situar sua
potencial articulação com o trabalho desenvolvido pela escola. As experiências
que os sujeitos apresentam nessa área advêm, na maioria dos casos, da
experiência que tiveram na escola onde lecionam ou lecionaram ou, ainda, do
contato com profissionais que atendiam a seus alunos.
Tal colocação é corroborada quando se considera que alguns
sujeitos afirmam que gostariam de encontrar, no trabalho fonoaudiológico, formas
de parceria (25%), de ajuda (20%), ou sugestões de atividades a serem
desenvolvidas com os alunos (22%). Essas afirmativas, no entanto, se fazem em
77
meio a um discurso generalizante, que arrola idéias sem fundamentação ou o
apoio de exemplos concretos.
“Uma verdadeira parceria, ou seja, trabalhar em conjunto.” (s.56)
“Auxiliar
o
trabalho
com
as
crianças
que
apresentam
dificuldades.” (s.45)
“Gostaria de obter um conhecimento maior em relação aos
exercícios para desenvolver também em sala-de-aula.” (s.41)
Ainda sobre a mesma questão, 23% dos professores relataram
desejar a presença do fonoaudiólogo na escola visando sobretudo à realização
de triagens com os alunos de modo a “facilitar o trabalho pedagógico”. Ora, sob a
aparência de uma parceria, o que se tem, neste caso, e a dominância de um
modelo terapêutico que teria no diagnóstico seu primeiro momento: com seu
problema diagnosticado, o aluno seria encaminhado facilitando o trabalho
pedagógico.
“Uma avaliação obrigatória, porém preventiva nas séries iniciais.”
(s.64)
Nesta etapa, três sujeitos não responderam e dois declararam não
saber em que o fonoaudiólogo poderia ajudá-los, o que corrobora os indícios,
anteriormente vislumbrados, do desconhecimento deste campo profissional e de
seu potencial de contribuição à área da Educação, conforme vimos assinalando.
Considerando as análises das repostas dos sujeitos ao questionário
e, também, os resultados da livre evocação de palavras, é possível afirmar que
no espaço escolar circulam informações concernentes ao objeto em estudo:
fonoaudiólogo. Não é um objeto desconhecido. Vagas ou estereotipadas, elas
78
dão conta da descoberta, pelo professor, de uma atividade profissional que,
como a sua, tem como foco as crianças, a aquisição e a correção da escrita e da
fala.
Note-se que, no possível núcleo central da representação social
daquele objeto, encontramos os termos fala, escrita e crianças 3, o que nos leva a
pensar neste conjunto como o que define e caracteriza o objeto: por constituírem
o núcleo duro e inegociável da representação, estes elementos não podem
deixar de estar presentes pois qualquer modificação sua implicaria na mudança
da própria representação.
Na periferia próxima, por sua vez, tem-se o termo linguagem com
fortíssima tendência à centralidade, como é possível constatar no quadro abaixo.
3
Quando submetidos ao teste da dupla negação (CAMPOS, ROUQUETTE, 2003),
aplicado a 26 sujeitos, estes termos foram confirmados com 92,3%, 100% e 100%,
respectivamente.
79
QUADRO 1
POSSÍVEL ESTRUTURA DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO OBJETO EM ESTUDO
fala
escrita
F>=10 crianças
6<=F< audicao
voz
10
som
ca-fonemas
OME<2,5
F
MOME
31
1,452
14
2,286
13
2,077
9
2,222
9
1,667
7
2,286
6
2,167
OME>=2,5
ajuda
linguagem
correcao
palavra
F
12
10
MOME
2,667
2,500
7
7
3,143
2,714
Essa configuração sugere a possibilidade de uma mudança na
representação social do objeto, pela passagem da evocação linguagem ao
Núcleo Central. Esta passagem ratificaria e explicitaria, ainda mais, a
proximidade das redes de sentidos que articulam o objeto em estudo e as que
definem o trabalho do professor das Classes de Alfabetização e 1as. Séries do
Ensino Fundamental:
o professor também trabalha com crianças; é ele que, enquanto
profissional, responde pela introdução de seus alunos ao domínio
da escrita, à adequação da fala e à proficiência das linguagens
socialmente consideradas como aceitáveis.
A proximidade destas redes pode ser uma pista que explicaria a
dificuldade dos professores entenderem e situarem a atuação do fonoaudiólogo
na perspectiva da prevenção, captadas no estudo das questões do questionário.
Esta pista precisaria ser mais consistentemente analisada em estudos
80
posteriores, mas o que se pode levantar, neste trabalho exploratório, dá conta da
recorrência e da invariância com que os professores restringem a atuação desse
profissional aos limites do consultório e seu potencial de ajuda à recuperação de
casos já instalados.
Outro ponto relevante que deve ser observado no quadro acima é a
localização das palavras voz e audição no sistema periférico, vale aqui relembrar
que Motricidade oral (fala), Linguagem, Audição e Voz são as quatro principais
áreas de estudo da Fonoaudiologia, e portanto teriam para este profissional
basicamente o mesmo grau de importância, no entanto, ao ser perguntado sobre
fonoaudiólogo ao professor, este vincula sua ação a áreas que são também de
sua atribuição, trazendo para o núcleo central a palavra fala, e para sua
proximidade, linguagem.
Levantamos aqui, considerando o conjunto do material analisado,
que mais que a ignorância ou falta de conhecimentos sobre uma profissão, a
possível estrutura das representações sociais de fonoaudiólogo, para professores
de Classes de Alfabetização e 1ª. Série do Ensino Fundamental, deixa ver a
atuação de mecanismos sociais de defesa tentando garantir a positividade do
espaço da prática profissional dos próprios sujeitos.
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação teve como objetivo apreender e analisar as
representações sociais do fonoaudiólogo para professores de classe de
alfabetização e 1ª série do ensino fundamental. Estas classes foram escolhidas
porque nelas começa a se concretizar, mais diretamente, processos decisivos no
desenvolvimento infantil quais sejam, a iniciação ao domínio da leitura e da
escrita e a propriedade no uso da linguagem oral.
A teoria das representações sociais foi adotada por partir do
pressuposto de que os sentidos atribuídos ao objeto são construções de sujeitos
concretos, integrando informações de diferentes ordens relacionadas ao objeto,
às suas vivências e experiências a ele concernentes, de modo a facilitar suas
relações com os grupos a que pertence ou que toma como referência.
Considerando este pressuposto, esta dissertação procurou apreender indícios
dos sentidos atribuídos ao fonoaudiólogo no espaço escolar, tomando,
particularmente, como sujeitos, um grupo de professores das séries nas quais se
inicia a apreensão e o domínio da linguagem escrita. A tranqüilidade no
desenvolvimento do processo que, então, começa a tomar formar é importante
para sua facilitação: tudo o que possa contribuir para tanto é salutar, bem como a
adequação de procedimentos e estratégias para evitar eventuais problemas ou
contorná-los. Neste contexto, quais os sentidos atribuídos ao fonoaudiólogo?
A relação entre escola e fonoaudiologia não é antiga. No entanto,
ainda que a regulamentação dessa atividade profissional tenha acontecido há
82
pouco mais de 30 anos, desde seu surgimento a fonoaudiologia e a educação
estiveram ligadas, de alguma forma.
Nos dias atuais, é possível perceber certa consolidação com
relação ao encaminhamento de alunos com dificuldades de fala ou linguagem
para o fonoaudiólogo. Resta-nos, entretanto, ter indícios sobre como acontecem
tais encaminhamentos, os critérios que os orientam e como este conjunto se
integra e articula aos sentidos atribuídos ao profissional.
No município do Rio de Janeiro, algumas escolas particulares
contam com a participação do fonoaudiólogo como
integrante da equipe de
apoio ao trabalho do professor, participando de reuniões e do planejamento
escolar, bem como orientando os docentes no âmbito de sua formação. Tais
escolas, no entanto, caracterizam-se como uma minoria. Na prática, maior parte
das vezes, a relação entre a escola com seus professores e o fonoaudiólogo fica
restrita a encaminhamentos para tratamento de alunos com dificuldades já
instaladas, deixando de lado a possibilidade do trabalho preventivo que poderia
ser realizado, com o concurso da competência específica desse profissional em
apoio ao processo educativo escolar.
Este estudo, de caráter exploratório, teve como sujeitos 83
professores de classe de alfabetização e 1ª série do ensino fundamental,
vinculados a escolas públicas ou particulares de diferentes zonas do município
do Rio de Janeiro. Adotando uma metodologia pluri-metodológica, a pesquisa,
em seu desenvolvimento, aplicou aos sujeitos um questionário e um teste de livre
evocação de palavras.
83
A análise repetida e cumulativa do material assim coletado permitiu
ter alguns indícios sobre as imbricações de aspectos que cabe apresentar:
parece que as informações relativas ao desenvolvimento infantil, oriundas da
formação, foram apropriadas pelos sujeitos de modo abstrato, sem vínculos
efetivos com sua prática em sala de aula; ao se referirem à prática, por exemplo,
eles fazem apelo à experiência, não aos conhecimentos teóricos de que dispõe e
quanto a estes se referem isto é feito ou em estilo alusivo ou em generalizações.
Em conseqüência, não conseguem aventar, de modo consistente, possíveis
raízes de eventuais dificuldades apresentadas pelas crianças ou estar alerta ao
problema antes de sua instalação ou, ainda, ter estratégias pertinentes e efetivas
de prevenção. Tais condições acabam por gerar inseguranças, incertezas, falta
de direcionamento de conduta e, pior, a definição de rótulos ou a ratificação de
estereótipos, no momento em que as dificuldades surgem.
Cabe-nos ressaltar, mais uma vez, que não consideramos
apropriado que o professor faça diagnósticos ou estabeleça condutas
terapêuticas para seus alunos, o que, de fato, não é sua função. Trata-se apenas
de estar preparado para captar e discernir sobre o tipo de dificuldade que se
insinua, sabendo distinguir, com consistência, até que ponto o aluno precisa ser
melhor assistido, ou se sua dificuldade pode ser sanada em sala-de-aula.
Nesta pesquisa, as análises do material nos forneceram pistas
sobre como os professores reagem frente às dificuldades de seus alunos: alguns
tentam saná-las mediante o uso de recursos didáticos, muitas vezes
inapropriados. Para a mesma dificuldade de fala apresentada por várias crianças,
por exemplo, os sujeitos determinaram atividades de leitura, contagem de
84
histórias, ditados, indiscriminadamente, sem qualquer consideração sobre as
raízes do sintoma de cada uma. A incidência de tal postura pode estar deixando
ver que as condutas são traçadas de acordo com a experiência do sujeito, numa
transposição a-crítica e generalizada de recursos didáticos tidos como eficazes
nos contextos de atuação desses sujeitos.
Foi possível, ainda, verificar que, com freqüência, os sujeitos
apresentaram um discurso vago e pouco esclarecedor, quando as perguntas
abordavam como lidar com questões relativas às dificuldades dos alunos, ou
sobre o papel do fonoaudiólogo na escola ou, ainda, sobre o que gostariam de
receber deste profissional. Chama a atenção a invariância com que os sujeitos
tornam sua, e exclusivamente sua, a responsabilidade sobre a aprendizagem dos
alunos: esta responsabilidade torna-se um definidor de seu trabalho e, em
conseqüência, ratifica-se a dificuldade de reconhecer que, por vezes, se faz
necessária a presença de outro profissional, e que esta presença não diminui o
valor da tarefa em realização.
No que concerne a atuação do fonoaudiólogo fica explicitada a
dominância da ligação que os sujeitos estabelecem entre este profissional e a
prática de tratamentos. Esta dominância se faz presente, ainda que tenha sido
captada, em alguns, a noção do trabalho preventivo que a fonoaudiologia poderia
realizar na escola, principalmente no campo da orientação, o que acarretaria, em
conseqüência, um suporte ao trabalho do professor.
Buscando apreender a possível estruturação das representações
sociais de fonoaudiólogo para professores de classe de alfabetização e 1ª série
do ensino fundamental, foi realizado o teste de livre evocação de palavras, que
85
apresentou como possível núcleo central, os elementos fala, escrita e crianças. O
termo linguagem está na periferia próxima, com forte tendência à centralidade, o
que não ocorre com o elemento ajuda, situado na mesma periferia. A
configuração do núcleo central e as características da incidência do termo
linguagem dão pistas sobre uma possível aproximação, uma sobreposição,
mesmo, que os sujeitos estariam estabelecendo entre o trabalho do professor e o
do fonoaudiólogo, se este se dedicasse a uma atuação preventiva.
Estas pistas precisariam ser aprofundadas e melhor exploradas em
outros estudos, o que ajudaria a uma melhor compreensão da dinâmica e dos
processos em jogo nestas séries da escola. A análise conjunta de todos os dados
colhidos, evidencia que o fonoaudiólogo é reconhecido no âmbito escolar,
embora tenha sido possível, observar, também, indícios da potencial evolução
das relações que este profissional pode estabelecer no espaço da escola. Talvez
o olhar restritivo, delimitado ao campo do tratamento, possa ser, em breve
ampliado. Neste caso, o professor reconheceria que esta parceria no campo do
desenvolvimento infantil não implicaria numa ameaça ao seu espaço mas, sim,
uma busca de melhores resultados nos processos de aquisição da linguagem
escrita.
Esta Dissertação, ainda que limitada e introdutória à questão, traduz
a necessidade de novos trabalhos, no que concerne à relação entre
fonoaudiologia e à educação. Muitos aspectos ainda precisam ser discutidos,
mas fica aqui um convite, para maiores aprofundamentos e questionamentos
enfocando a multidisciplinaridade e a integração de perspectivas e enfoques para
uma melhor atuação no espaço escolar.
86
87
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92
APÊNDICE
93
QUESTIONÁRIO
1) Tempo de atuação em classes de alfabetização (assinale o item mais
conveniente)
(
) menos de 1 ano;
(
) de 1 a 5 anos; (
) de 6 a 10 anos;
(
) mais
de 10 anos
2) Responda livremente as questões abaixo:
a) Em sua opinião, como professores de classe de alfabetização procuram
solucionar dificuldades encontradas por seus alunos para a aquisição da
linguagem escrita?
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
b) Há quanto tempo você exerce o magistério?
(
) até 5 anos;
(
) de 6 a 10 anos;
(
) de 11 a 20 anos;
(
) mais
de 20 anos
c) O que você tem ouvido falar sobre o trabalho do fonoaudiólogo? ___________
_________________________________________________________________
________________________________________________________________
d) Dar aulas em classes de alfabetização foi escolha sua?
(
) NÃÕ (
) SIM.
Justifique sua resposta: _____________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
e) Como, em geral, a pré-escola lida com as dificuldades de fala apresentadas
por algumas crianças? ______________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
f) Como professor, que ajuda você gostaria de encontrar no trabalho do
fonoaudiólogo? ____________________________________________________
_________________________________________________________________
94
g) Pelo que você observa, como o fonoaudiólogo é visto nas escolas? ________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
h) No seu entender, qual deveria ser o papel do fonoaudiólogo na escola?______
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
i) Para que serve, na prática, a atuação do fonoaudiólogo? __________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
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Fonoaudiólogo: apoio ou ameaça