1 UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ DANIELA APARECIDA LOPES PINTO FONOAUDIÓLOGO: APOIO OU AMEAÇA? REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O “FONOAUDIÓLOGO” RIO DE JANEIRO 2006 UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ 2 DANIELA APARECIDA LOPES PINTO FONOAUDIÓLOGO: APOIO OU AMEAÇA? REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O “FONOAUDIÓLOGO” Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para a obtenção do Orientadora: Profª Drª Margot Campos Madeira Rio de Janeiro 2006 3 4 Ao meu pai, que não pôde estar presente fisicamente na conclusão deste trabalho, mas de algum lugar orgulha-se com mais esta conquista. Ao meu filho João Vitor, que com apenas um sorriso, conforta minha alma, aquece meu coração e dá sentido à minha vida. 5 AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar a minha mãe, pelo apoio irrestrito em todos os momentos da minha vida. Devo mais esta conquista a você! Ao meu marido, meu companheiro de todas as horas, pelo incentivo, apoio e grande paciência principalmente nos momentos finais. Obrigada por ser meu porto seguro! A Margot, pela grande contribuição profissional mas, sobretudo, pelo ombro amigo, pelas palavras de consolo e por compreender que antes de sermos alunos somos pessoas. Com certeza, vencemos isto juntas! A minha amiga Tyta, competente fonoaudióloga, que tanto me ajudou na parte final deste trabalho. Suas contribuições foram valiosíssimas! A Ingrid e Ana Paula, funcionárias da secretaria, que sempre compreenderam minhas urgências, e fizeram tudo que estavam ao seu alcance para cooperar. Obrigada pelo carinho e prontidão. 6 RESUMO Esta Dissertação teve como objetivo apreender e analisar as representações sociais que professores de classes de alfabetização e de 1ª série do ensino fundamental se fazem sobre o profissional ‘fonoaudiólogo’. Fundamentando-se na teoria das representações sociais (TRS), o trabalho levanta pistas sobre as redes de sentidos que articulam as representações do objeto considerado, para o grupo de sujeitos definido. Parte do pressuposto de que as representações sociais são construções simbólicas que articulam tanto experiências e vivências dos sujeitos, quanto o que foi filtrado, por seus valores e crenças, das informações concernentes ao objeto que lhes estão disponíveis. Delineia, assim, a importância do objeto em estudo na prática cotidiana da alfabetização: que sentidos o professor desta etapa atribui ao fonoaudiólogo? Que crenças e valores filtram as informações relativas à atuação deste profissional? Como aquela representação articula-se a do próprio professor, a de seu papel no ensino e na aprendizagem dos alunos e a de outros tantos objetos que se vão relacionando? Uma aproximação, ainda que limitada e de caráter exploratório, de possíveis pistas de repostas a estas questões pretende contribuir no esforço para um processo de alfabetização mais efetivo, pois as representações sociais de um objeto orientam os sujeitos nas comunicações e condutas que o envolvem. O estudo adotou uma abordagem pluri-metodológica, integrando a aplicação de questionário com questões abertas e fechadas e teste de livre evocação de palavras, a 83 sujeitos, escolhidos livremente dentre professores de classe de alfabetização e 1ª série do Ensino Fundamental de escolas públicas e particulares do Município do Rio de Janeiro. O material assim coletado teve tratamento compatível com suas características: no questionário, análise categorial temática no caso de perguntas abertas, associada à consideração dos mecanismos mobilizadores de figuras de linguagem presentes nas seqüências definidas e tratamento percentual das respostas a perguntas fechadas; o teste de livre evocação foi tratado considerando dois critérios: um coletivo (freqüência) e um individual (ordem média de evocação). As justificativas com as quais os sujeitos apresentavam as hierarquizações próprias ao teste de livre evocação serviram para corroborar, ilustrar, esclarecer ou aprofundar o estudo dos mecanismos mobilizadores de figuras de linguagem, considerando sua invariância ou os grupamentos próprios às variâncias surgidas. As análises repetidas do material permitiram apreender indícios de descontextualização e distorção das informações relativas às possibilidades de atuação do fonoaudiólogo que, deste modo, passavam a se inserir em redes que associavam a função exclusivamente a tratamento e correção de problemas, esvaziando-a de qualquer dimensão preventiva. Foi possível apreender a dominância de atribuições voltadas ao tratamento de patologias instaladas, em detrimento de um trabalho preventivo específico. No teste de livre evocação de palavras foram encontrados como possíveis integrantes do núcleo central, os elementos fala, escrita e crianças e, na periferia próxima, o termo linguagem, com forte tendência à centralidade. Essa configuração pode estar dando indícios de uma aproximação indesejada e ameaçadora entre esse campo profissional e o do próprio professor, no espaço escolar. Nesta perspectiva, a dissertação levanta algumas pistas sobre as raízes das restrições à atuação daquele profissional na 7 escola: as representações deste objeto para professores de classe de alfabetização e 1ª série do ensino fundamental fazem dele um apoio ou uma ameaça. Palavra Chave: Educação; Representações Sociais; Fonoaudiologia. 8 ABSTRACT The objective of this Dissertation is to apprehend and analyze the social representations of kindergarten and 1st grade teachers do in relation of professional ‘speech therapy’. Based on the theory of social representations (TSR), the work picks up hints about the senses web that articulate the representations of the considered objective, for the group of defined subjects. Part of the pre assumption that the social representations are symbolic constructions that articulate not only the subject’s life experiences, but also what has been screened, for their values and beliefs, of the concerning information of the objective that’s available to them. Therefore it underlines the importance of the object’s study in everyday life in school: what senses the teacher of this stage attributes to the speech therapy? What beliefs and values screen the information related to this professional’s performance? How that representation articulates with the teacher, its role in teaching and the students learning process, and with so many other variables that can be related? An approximation, even if limited and random, can raise possible hints and answers to the questions helping a more effective learning process, so the object’s social representation can orientate subjects in communications and conducts that they are involved. The study adopted a multiple-methodological approach, integrating a questionnaire with open and closed questions and a free words test, the 83 subjects, chosen freely between kindergarten and 1st grade teachers from private and public schools in the county of Rio de Janeiro. Furthermore, the collected material had compatible treatment with its own characteristics: on the questionnaire, categorical theme analysis in the case of open questions, considering the association with the mobilizing mechanisms of figures of speech present in defined sequences and percentage treatment for the closed questions; the test of free words was treated considering two criteria: a group (frequency), and an individual (average order of calling the words). The explanations that the subjects gave for their own hierarchy of words to the free words test helped to collaborate, illustrate, explain or immerse on the study of mobilizing mechanisms of figures of speech, considering its invariance or the appearance of variance and its own groupings. The material’s repeated analysis lead to the conclusion of lack of context and distortion of information related to the possibilities of the speech therapy role, this way, they started to insert themselves in webs that associate their function exclusively for the treatment and correction of problems, closing the door to any preventive dimension. It was possible to learn the treatment’s dominancy of attributions of installed pathologies, in detriment of a specific preventive work. In the free calling of words test wore found as possible members of the central nucleus, the elements speech, writing and children and, on the next ghetto, the term language, with strong central tendency. This configuration could be giving clues of an unwanted and threatening approximation between this professional field and the teachers in school grounds. In this perspective, the dissertation brings up a few clues about the restrictions roots with the role of that professional in school: the representations of this object for kindergarten and 1st grade teachers could turn into support or a threat. 9 Key Word: Education; Social Representation; Speech therapy. 10 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 11 1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 15 2 CAMINHANDO COM A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ...... 25 2.1 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: BREVE HISTÓRICO ..... 25 2.2 ARTICULÇÃO ENTRE A PESQUISA E A TEORIA QUE A EMBASA ....... 31 2.3 METODOLOGIA .......................................................................................... 34 3 FONOAUDIOLOGIA E APRENDIZAGEM ..................................................... 39 3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .......................................................... 39 3.2 EDUCAÇÃO E APRENDIZAGEM ............................................................... 40 4 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FONOAUDIÓLOGO PARA PROFESSORES DE C.A. E PRIMEIRA SÉRIE DO E. F. ................................. 55 4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .......................................................... 55 4.2 O PROFESSOR ........................................................................................... 59 4.3 COMO OS PROFESSORES LIDAM COM AS DIFICULDADES APRESENTADAS POR SEUS ALUNOS? ........................................................ 65 4.4 SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO FONOAUDIÓLOGO .................................... 75 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 84 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 90 APÊNDICE ........................................................................................................ 95 11 APRESENTAÇÃO Sou fonoaudióloga e, em minha prática clínica, vem sendo rotineiro receber crianças encaminhadas pela escola para a realização de avaliações ou terapias. Ao longo do tempo, pude constatar que algo curioso se repetia a cada novo encaminhamento: a presença constante de patologias já instaladas, o que significa dizer que a redução dos sintomas já tornava imprescindível a prescrição e a aplicação de tratamento específico, ficando descartada a validade de uma atuação preventiva. Esta constante levou-me a conjecturar se a fonoaudiologia poderia estar sendo considerada pela escola ou pelas famílias das crianças como uma forma de redução de dificuldades, ou seja, uma estratégia para permitir a realização do aprendizado quando este não se dava conforme o esperado. A dimensão preventiva da atuação do profissional daquela área não era reconhecida, ou melhor, desaparecia, seja pela divulgação distorcida da especialidade, seja por uma apropriação, também distorcida, das informações circulantes sobre a mesma ou como efeito de defesas que cercam as possibilidades de atuação no espaço escolar ou, ainda, por dificuldades de decodificação e de convívio com novidades e outros tantos mecanismos que se fazem presentes diante do novo. Em todas as combinações esboçadas, tomava relevo o desconhecimento da fonoaudiologia que, esvaziada dos aspectos 12 preventivos que lhe são intrínsecos, reduzia-se ao atendimento, nos consultórios, de demandas relativas à recuperação de patologias já instaladas. Estas pistas levaram-me a refletir sobre a importância de estudar como a fonoaudiologia era considerada no espaço da escola, especialmente por professores de classes de alfabetização e primeira série do ensino fundamental. A relevância de estudos sobre este tema impõe-se, quando se considera que, neste período, é esperado que a criança já tendo adquirido um domínio da linguagem oral e expressiva que lhe permita comunicar-se com os outros e possa ser apresentada ao código gráfico desta língua. As condições para que esta apresentação se realize com sucesso supõem uma série de pré-requisitos a serem cumpridos em etapas anteriores, como a maturidade neurológica, lingüística, perceptual e de estruturação lógica (FELDMAN 1987). Esta argumentação nos leva a refletir sobre a definição e as implicações do que é considerado como prontidão para a aquisição da leitura e da escrita; nesta temática insere-se a questão de quanto o professor pode contribuir, se orientado de modo consistente, para uma aprendizagem segura: cabe-lhe apreender se seu aluno está pronto para as sínteses que, a cada passo, se fazem necessárias, ou se ainda precisa vencer algumas etapas preliminares para que tenha condições de se tornar bem sucedido na empreitada. A atuação do professor neste dinamismo não é fruto de uma mágica ou de predisposições inatas, ou, ainda, a resultante de fazeres automáticos ou rotineiros. Trata-se de um profissional que, em seu fazer específico, integra, aplica, atualiza e recria saberes de diferentes campos, que se vão enriquecendo e complementando, ao longo do tempo (CHARLOT, 2000; TARDIF, RAYMOND, 2000; FRANCHI, 1995). 13 Ainda que no ato de ensinar / aprender estejam professor e aluno, em suas individualidades, nestas duas presenças muitas outras podem ser pressentidas: a pluralidade de culturas, de presenças, de afetos, de relações, de contribuições (BAKTIN, 1999). No contexto atual, não se pode mais pretender isolar o processo educacional dos demais processos psicossociais pelos quais as individualidades se fazem tais no social. Com isto não se pretende negar a especificidade daquele processo mas, ao contrário, afirmar sua complexidade. É nesta perspectiva que esta dissertação tem como objeto os sentidos atribuídos à fonoaudiologia por professores de classe de alfabetização e primeira série do ensino fundamental : como estes professores vêem a fonoaudiologia? Que informações têm sobre esta profissão? O que entendem sobre a participação do profissional fonoaudiólogo no âmbito escolar? Que valores definem, modelam e normatizam esta participação, bem como o próprio objeto em estudo. A compreensão da importância dessas questões levaram-me a procurar um mestrado em educação e, mais especificamente, aquele que tinha uma linha de pesquisa enfocando a questão das representações sociais ou dos sentidos atribuídos a diferentes objetos, por determinados grupos de sujeitos (JODELET, 2004; 1989; JOVCHELOVITCH, 1995; MADEIRA, 2001; 1998; MOSCOVICI, 2003). Tal linha poderia fornecer apoio teórico-metodológico ao desenvolvimento da pesquisa, subsidiando a análise de minha experiência prática . Com esta postura interdisciplinar, assumi abordar, ainda que de modo inicial e exploratório, os sentidos que professores de classe de alfabetização e da 14 primeira série do ensino fundamental atribuem à fonoaudiologia e as implicações educacionais desta construção simbólica. 15 INTRODUÇÃO Ao longo do tempo, a educação escolar deixa de ser considerada como um privilégio de poucos e passa a ser proclamada como um direito de todo cidadão. A concretização deste direito, pela universalização do acesso à escola, se faz, no entanto, de forma lenta ainda que progressiva e permanente. A escola, aos poucos, passa a receber alunos de diferentes segmentos sociais com a diversidade de suas linguagens e culturas, todos voltados à aquisição e ao domínio de códigos considerados como socialmente desejáveis. Submetidos a uma uniformização que, com freqüência, negava a possibilidade de diferenças, muitas crianças descobriam-se estranhas e distantes do que se passava no espaço escolar: o ritmo de suas vidas, os referentes de suas interações, a lógica de sua cultura, nem sempre tinham condições para se fazerem ouvir ou, quando isto ocorria, os momentos de sínteses eram dissonantes em relação às metas definidas pelos responsáveis (BOURDIEU, 1974; 1989; 1990; LAUTHIER, 2001). Estas metas, com freqüência, têm sua definição fixada por generalizações e idealizações que normatizam desconhecendo ou abstraindo contextos e especificidades. Começa a se fazer sentir a urgência da consideração do ritmo de 16 cada criança e a necessidade de atenção às diferenças nos momentos de sínteses pressupostos na apropriação, pela criança, dos códigos orais e escritos de uma língua (VIGOTSKY, 2000). Estes processos começam a ser pressentidos e desvelados, em sua complexidade, exigindo múltiplas especializações e enfoques complementares (SOARES, 2000; KRAMER, 1998). Neste mesmo período histórico, os avanços da medicina possibilitaram o aumento da expectativa de vida da população mundial. Algumas doenças, que antes levavam ao óbito, hoje podem ser tratadas, ainda que deixem seqüelas como fatores limitantes. A partir do aumento do número de indivíduos com seqüelas físicas, cognitivas ou de linguagem, desenvolveram-se profissões voltadas para reabilitação e, dentre elas, a fonoaudiologia. Analisando, ainda que sumariamente estes contextos, é possível observar que a fonoaudiologia deriva de duas matrizes que contribuíram, de forma decisiva, na conformação deste campo de conhecimento: a educação e a medicina O campo educacional teve um maior número de iniciativas, ainda que essas duas áreas tenham participado de forma integrada. A predominância daquele campo deu-se, tanto pela questão da educação especial, quanto pela necessidade de se entender, um pouco mais, as dificuldades encontradas nos processos de aprendizagem infantis (MANTOAN, 2001). A Fonoaudiologia já existe no Brasil há várias décadas. Sua regulamentação, entretanto, ocorreu em 09 de dezembro de 1981, pela lei nº 17 6965, que define a profissão e as condições para seu exercício, em todo território nacional. Art 1o. – É reconhecido em todo o território nacional o exercício da profissão de Fonoaudiólogo, observados os preceitos da presente lei. Parágrafo Único - Fonoaudiólogo é o profissional com graduação plena em Fonoaudiologia, que atua em pesquisa, prevenção, avaliação e terapia fonoaudiológicas na área da comunicação oral e escrita, voz e audição, bem como em aperfeiçoamento dos padrões da fala e da voz (Legislação Profissional e Código de Ética, 1999, p.19). A atuação do fonoaudiólogo ganha mais espaço a cada dia, sob o prisma da reabilitação. Este, no entanto, não é o único, nem deveria ser o dominante prisma da profissão, já que existem outras dimensões da atuação deste profissional, que devem ser consideradas, sobretudo a prevenção. Para ANDRADE (1998) a prevenção fonoaudiológica consiste na eliminação dos fatores que interferem no adequado desenvolvimento da fala, da linguagem e da audição. De acordo com essa postura, evidencia-se a importância do espaço escolar e a necessidade de que os profissionais de educação conheçam as características do processo de amadurecimento das crianças quando de sua entrada na escola. Ao tomarmos como referência para a entrada na escola a faixa etária de 3 anos, aproximadamente, percebemos o quanto este espaço merece ser acompanhado e apoiado, com cuidado especial: neste momento, a criança encontra-se em plena fase de desenvolvimento lingüístico e social. Piaget descreveu diversos graus de socialização, partindo do “grau zero” (recém- 18 nascido), através das condutas sensório-motoras, até à inteligência formal. Dos 2 aos 7 anos, período que envolve a entrada da criança na escola até sua alfabetização, ela encontra-se no estágio pré-operatório, quando chega progressivamente a adquirir a condição de empregar símbolos e signos, o que desenvolve e estrutura sua linguagem expressiva. (MUSSEN; CONGER; KAGAN; HUSTON , 1995) A idéia de desenvolvimento cognitivo vinculado a determinada faixa etária possibilita a errônea impressão de que as crianças, em geral, deveriam alcançar etapas progressivas de desenvolvimento num mesmo momento prefixado. Assim, na escola, acabam sendo classificadas por série, segundo sua idade, e não de acordo com suas reais possibilidades de desenvolvimento. Vygotsky (1988, p.111) mostrou ser incontestável a relação entre níveis de desenvolvimento e capacidade potencial de aprendizagem, compactuando com a idéia de desenvolvimento progressivo mas sem demarcá-lo com padrões fixos de idade cronológica. Sendo respeitadas as diferenças e semelhanças que vão caracterizar um grupo de indivíduos numa dada totalidade social, é de se esperar que haja, em uma mesma sala de aula, uma população heterogênea no que concerne, também, às suas condições de aprendizagem. Há que se conhecer cada aluno, de modo a lhe possibilitar um melhor e maior grau de desenvolvimento. Do contrário, ter-se-ia a aplicação de normas, calcadas em informações generalizadas ou idealizações que desconheceriam cada indivíduo em sua singularidade, rotulando como negativo o que fugisse às características esperadas. 19 Nesta perspectiva, em se tratando da escola, a articulação entre educação, prevenção e fonoaudiologia deveria ter um espaço privilegiado pois, na escola, estão sendo formados hábitos, fortalecidas atitudes e desenvolvidas habilidades. Mais ainda, na escola, cada aluno fortalece uma imagem positiva de si e do mundo, descobre e potencializa suas virtualidades positivas e descobre, aceita e constrói vias de superação de seus limites. Numa perspectiva interdisciplinar, o fonoaudiólogo teria muito a contribuir para o bom andamento do trabalho pedagógico, pois detém uma competência específica e pode, a partir desta, apoiar os professores a fim de maximizar o potencial de aprendizagem dos alunos. Considerando, por exemplo, a especificidade do trabalho pedagógico a ser desenvolvido nas classes de alfabetização, o profissional de fonoaudiologia traria, de sua formação, questionamentos e reflexões para discutir com os professores. Estes, por sua vez, refletiriam e discutiriam sobre as temáticas, à luz de seus próprios conhecimentos. Estas trocas possibilitariam a atualização, no espaço da prática pedagógica, de enfoques, conceitos ou problemáticas analisadas teoricamente na formação. Aspectos que, de modo particular poderiam ser enfocados, referemse à importância de se considerar o aluno em sua individualidade, superando uma postura que o pretendia enquadrar num conjunto homogêneo e estereotipado. Esta consideração é condição preliminar para que o processo educacional possa ser efetivo: que cada um seja visto a partir do que o individualiza, procurando atender suas necessidades específicas (ARRUDA 1998; JODELET, 1998). A afirmação da massa ou de uma idealização do aluno 20 não podem ser parâmetros do processo educacional, pois são a negação do direito à afirmação das diferenças (LAUTHIER, 2001). Na cultura, o indivíduo aprende a se comunicar, a agir e a se relacionar. Aprende e, ao fazê-lo, vai construindo costumes, renovando tradições, recriando valores, rituais, modelos e símbolos (MADEIRA, 2001). Neste conjunto estão as práticas de educação e de prevenção. Logo essas não são isoladas do contexto sócio cultural que define indivíduos e grupos em suas relações sociais. O investimento em prevenção é extremamente benéfico e vantajoso, vez que a atuação terapêutica é mais demorada, mais custosa. Além disso, a atuação terapêutica supõe que a criança já tenha vivenciado a sensação do fracasso, de se perceber diferente das colegas. Muitas crianças chegam aos consultórios com danos, inclusive emocionais, que poderiam ter sido evitados pela efetividade de uma atuação preventiva por parte da escola. Não está em foco questionar a responsabilidade de indivíduos ou sua competência, mas analisar como uma novidade – a fonoaudiologia - é apreendida em um espaço profissional definido anteriormente, em suas atribuições, limites e competências. Como, no processo de apropriação desta novidade, estão presentes e atuantes, valores, modelos e símbolos que definem aquele espaço, filtrando ou deslocando as informações que circulam acerca do novo. É possível que o estudo de tal objeto possa contribuir para uma efetiva atuação interdisciplinar e para o reconhecimento de diferentes facetas englobadas no processo educativo. 21 Na relação escola / fonoaudiologia, fica claro que um trabalho preventivo seria mais interessante do que esperar a instalação de uma dificuldade para, só então, tentar saná-la. Se isto é tão claro, como explicar que as crianças não sejam encaminhadas precocemente, ou estimuladas, ainda na escola, por seus professores, de acordo com suas necessidades? Estas indagações enfatizam a importância de ser instituída, no âmbito educacional, uma política de prevenção de distúrbios da comunicação humana. Além disto, dão relevo à necessidade de que se considere a educação escolar como um processo interprofissional, no qual interagem múltiplos agentes. A educação é um processo complexo que envolve a transmissão de conhecimentos, mas abarca também muitos outros aspectos, além deste. O professor não é apenas um instrutor, mas um educador, o que lhe traz novas exigências. Sua ação vai muito além da transmissão, pois nela são colocados em ato valores, modelos, símbolos e sentidos sociais numa troca sutil que forma mais que informa. Nesta perspectiva, não basta ensinar, é preciso dar reais oportunidades para o aluno aprender. A aprendizagem é um processo, logo é uma construção. Não é automática, nem tão pouco uniforme. É de se esperar que a aquisição de novos conceitos não se dê da mesma forma para todas as crianças, portanto, cabe ao professor ser um eficaz mediador no direcionamento de atividades que visam novas aquisições e, ao mesmo tempo, um bom observador, capaz de diferenciar ao ser introduzido um novo conceito, dificuldades esperadas de dificuldades decorrentes de processos subjacentes que ainda não foram adquiridos. 22 Não se trata de fazer do professor um terapeuta, capaz de solucionar todas as dificuldades já instaladas no aluno, nem tão pouco de patologizar este último em seu ambiente escolar. É necessário ter em mente que o professor traz consigo a responsabilidade de um olhar profissional sobre a criança. Até a entrada na escola, ela era observada por seus pais e familiares, sob o olhar do afeto, o qual na tentativa de proteger, muitas vezes pode mascarar as dificuldades com justificativas calcadas no conhecimento prático. O olhar do professor, enquanto profissional, deveria, por sua vez, articular afeto e experiência aos conceitos, noções e informações advindos da formação. Esta articulação, no entanto, como a apropriação que a antecede, é marcada pelos valores, hierarquizações e classificações que caracterizam as pertenças e referências do sujeito, em sua cultura. Na prática cotidiana, sabemos que diante de casos de crianças com dificuldades na aquisição da fala e da linguagem, cada professor age de acordo com os conhecimentos que detém filtrados pelo senso comum que lhe é próprio. Esse senso comum articula os sentidos dos objetos que lhe são familiares e foi construído na história e na cultura, pelos valores, modelos, símbolos e normas que marcam a pluralidade de grupos com os quais o professor se relaciona, vincula ou toma como referência (MADEIRA, 2003). Por outro lado, por mais que em sua formação tenha tido conhecimento sobre as características do processo de desenvolvimento de crianças, não lhe foi dado um suporte aprofundado, nem os conhecimentos específicos para lidar com dificuldades determinadas, que não são esperadas em um desenvolvimento “dito normal”. 23 O professor poderia mudar sua postura frente à dificuldade de seu aluno, se tivesse a oportunidade de entender como se dá esta dificuldade, se pudesse perceber os processos que a geram enquanto constituindo-se muito além do erro propriamente dito. Não é uma questão de erro ou acerto, mas do processo de desenvolvimento de capacidades específicas para a aquisição dos conceitos que envolvem a linguagem. É o professor o principal agente do processo educacional escolar; o elemento que, no espaço da escola, está mais próximo do aluno. Aquele que detém um saber também valorizado pelos pais. No espaço escolar, ele se constitui em modelo, em guia de condutas. Cabe, portanto, questionar como é ressentida a introdução de uma inovação que supõe a presença de outro profissional, num espaço tradicionalmente considerado como próprio ao professor. Considerando a relevância deste questionamento, tomou-se como base a teoria das representações sociais enquanto esta propõe que os sentidos dos diferentes objetos são construções que se fazem na cultura (MADEIRA, 1991). Jodelet (2001) relaciona as representações sociais ao senso comum, mostrando que os indivíduos, em suas relações, vão construindo e atribuindo sentido aos objetos de sua experiência, desenvolvendo uma forma de pensamento social que se funda na cultura, ao mesmo tempo em que a atualiza. A aplicação das representações sociais no campo da educação, permite apreender o sentido de um objeto em articulação a outros tantos que se lhe associam em diferentes níveis; possibilita superar o reducionismo de análises que desrealizam o objeto, ao isolá-lo e decompô-lo... (MADEIRA, 2001, p.127). 24 Segundo Alves-Mazzotti (1994), é possível definir grupos a partir das representações que partilham sobre determinado objeto social. Considerando este posicionamento, procuraremos, nesta pesquisa, focalizar os sentidos atribuídos por determinado grupo de sujeitos - professores de classes de alfabetização e primeira série do ensino fundamental - a um dado objeto – o fonoaudiólogo. 25 CAPÍTULO 2: CAMINHANDO COM A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 2.1 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: BREVE HISTÓRICO A teoria das Representações sociais foi formulada por Serge Moscovici, em 1961, numa obra que tinha por objeto o estudo dos sentidos atribuídos à psicanálise por diversos segmentos da sociedade francesa. Para chegar à formulação da teoria, Moscovici retoma e reelabora o conceito de representação coletiva proposto por Dürkheim, em 1912 e as reflexões de LèvyBrhüll e Mauss, referentes à mentalidade primitiva (MOSCOVICI, 1989). Dürkheim, ao afirmar que as representações coletivas sobre um dado objeto subsumiam a individualidade, não deixava espaço às mudanças potenciais que se vão delineando nos múltiplos contextos ativados pelas relações dos indivíduos entre si e com seus grupos de pertença ou de referência.. A perspectiva de Moscovici parte do pressuposto de que sujeito e objeto constituem-se mutuamente, de modo indissociável e contínuo. Além disto, 26 quando da publicação da obra inaugural de Moscovici, ainda era dominante, nas ciências humanas e sociais, o questionamento do valor e da validade do saber do senso comum. Persistia a desqualificação deste saber como um conhecimento inconsistente, desarticulado, fragmentado e a afirmação do primado de uma racionalidade abstrata e da lógica racional que a sustentava. Na esteira de LèvyBrühl e Mauss, Moscovici afirma o papel e a especificidade da lógica natural na constituição de grupos e subgrupos e mostra a importância do estudo científico de seus mecanismos e processos. Com a teoria das representações sociais, define parâmetros para uma análise científica do senso comum, enfatizando a importância e a diversidade da lógica que constitui esse conhecimento. “Se nós queremos fazer a ciência dos fenômenos mentais nas sociedades, é necessário identificar o conhecimento produzido em comum e reconhecer a legitimidade de suas propriedades relativas à teoria” (MOSCOVICI, 1989, p. 81). Moscovici distingue as representações sociais de um dado objeto para determinados grupos de sujeitos de opiniões que sobre o mesmo circulem nestes mesmos grupos: a opinião, segundo este autor, tem uma característica cognitiva mas não compromete o indivíduo todo. A representação, tal como a considera Moscovici, é uma construção do objeto feita pelo sujeito a partir das experiências, das lembranças, das informações circulantes e de que dispõe; estas experiências, lembranças e informações não existem em estado puro ou neutro; são desarticuladas de seus contextos originais e filtradas por valores que as vão organizar, hierarquizar, integrar em outros contextos, condensando-as em imagens, organizando-as em normas ou símbolos (MADEIRA, 2003). Neste 27 movimento complexo, o objeto é apropriado pelo sujeito em suas relações grupais e intergrupais. Na perspectiva teórica proposta por Moscovici e desenvolvida por pesquisadores na França e no Brasil, a representação não é uma reprodução do objeto mas sua apropriação pelo sujeito. Apropriar-se de um objeto supõe apreendê-lo na teia da cultura de um dado grupo: as representações dos objetos articulam-se em verdadeiras teorias coletivas com lógica e linguagem particulares, caracterizando grupos sociais que as compartilham ou subgrupos dentro de um mesmo grupo. Os objetos do cotidiano integram-se, assim, ao saber prático ou do senso comum que distingue grupos e subgrupos. É, portanto, um conhecimento compartilhado e articulado que orienta as comunicações e condutas do dia a dia. As proposições, reações e avaliações que fazem parte da representação de um objeto constituem-se e se organizam de modo diverso em diferentes culturas. Cada grupo pode ter representações distintas sobre um dado objeto, por apreender dele facetas e atributos diferentes, ou seja, o objeto é identificado de acordo com o que o indivíduo pode conhecer dele, com sua cultura, seus princípios, suas crenças, seus valores, suas normas, etc. No caso das representações sociais, parte-se da premissa de que não existe separação entre o universo externo e o universo interno do sujeito: em sua atitude representativa, ele não reproduz passivamente um objeto dado, mas de certa forma, o reconstrói, e ao fazê-lo, se constitui como sujeito, pois, ao apreendê-lo de uma dada maneira, ele próprio se situa no universo social e material. Além disso as representações sociais, tal como as opiniões e as atitudes, são “uma preparação para a 28 ação” (Moscovici), mas ao contrário destas, não o são apenas porque orientam o comportamento do sujeito, mas principalmente porque reconstituem os elementos do ambiente no qual o comportamento terá lugar, integrando-o a uma rede de relações as quais está vinculado o seu objeto. (Alvez-Mazzotti, 1994, p.62) A representação é estruturada em três dimensões: a atitude, a informação e o campo de representação. “A atitude corresponde à orientação global, favorável ou desfavorável, ao objeto da representação. A informação se refere à organização dos conhecimentos que o grupo possui a respeito do objeto.” (ALVEZ-MAZZOTTI, 1994, p.63). Com relação ao campo de representação deve-se ter presente que os sentidos atribuídos a um dado objeto constituem-se pela sua articulação a outros que, na cultura daquele grupo, assim se apresentam. Logo, as representações de um objeto o articulam a outros, formando uma teia complexa na qual são assinaladas confluências, proximidades e distanciamentos: “a idéia de “unidade hierarquizada dos elementos” está implicada na noção de campo de representação” (MOSCOVICI, 1978, p.67). As representações são formadas em um dado grupo a partir da atribuição de sentidos a um objeto; estes sentidos tendem a ser semelhantes em um mesmo grupo de pertença, e são formados através de dois processos distintos, que Moscovici chamou de objetivação e ancoragem. A objetivação consiste na materialização de abstrações, ou seja, torna concreto e familiar o que é uma novidade para o sujeito, transformando, assim, algo novo, em já conhecido. A ancoragem diz respeito aos processos de classificação e rotulação, segundo os valores que caracterizam as pertenças grupais do sujeito e suas 29 referências (MOSCOVICI, 1984), ou seja, é a filtragem que o indivíduo faz dos atributos do objeto ao inseri-lo no seu cotidiano. A atuação destes processos possibilita a integração de várias redes de sentidos, definindo grupos de pertença de acordo com a semelhança de sentidos atribuídos a um objeto, a partir das crenças, valores e cultura que compartilham. As pesquisas no campo sobre as representações sociais de diversos objetos têm sido desenvolvidas seguindo duas principias tendências. A primeira, proposta por Moscovici desde seu primeiro estudo e também adotada por Jodelet e outros, considera os processos e mecanismos pelos quais as representações se constituem, expressam e refazem. Caracteriza-se por desenvolver o que os autores denominam como análise processual. Esta visa apreender pistas sobre os processos pelos quais as representações de um dado objeto tomam forma articulando-o a outros e lhe consignando sentidos, ou seja, os processos de objetivação e de ancoragem. A segunda, conhecida como abordagem estrutural, focaliza questões relativas à estrutura e à organização da representação social. Inicialmente descrita por Abric, em 1976, esta tendência desenvolve suas investigações procurando responder a duas questões básicas, que são: 1) Como as representações podem ser, ao mesmo tempo, rígidas e flexíveis? 2) Como podem ser consensuais e fortemente marcadas por diferenças individuais? Para Abric (1998; 2002) , toda representação é constituída em torno de um núcleo central, o qual determina a organização interna da representação, 30 dando-lhe consistência e sentido. Este elemento caracteriza-se como inegociável e resistente às mudanças pois qualquer alteração nele implicaria na transformação da própria representação. Na argumentação de ABRIC, é do núcleo central que advém estabilidade e consistência à representação, o que garante sua permanência mesmo que ocorram mudanças no cotidiano (TURA, 1998). É o núcleo que determina a natureza das ligações entre os elementos de uma representação, constituindo-se ponto comum entre os integrantes de um mesmo grupo. Associado ao núcleo central está o sistema periférico. Neste está o espaço da individualidade de cada um, ou seja, aquilo que é negociável e sujeito a mudanças. Essa flexibilidade do sistema periférico permite que a representação de um dado objeto, em função de experiências cotidianas dos sujeitos, adaptese, diferencie-se e se refaça no que é periférico, garantindo a estabilidade e a permanência do que é central. (TURA,1998). Nesta perspectiva, o sistema periférico protege o núcleo central e constitui a parte operatória da representação, adaptando-a as contínuas mudanças do contexto. 2.2 ARTICULAÇÃO ENTRE A PESQUISA E A TEORIA QUE A EMBASA Giroto (1998), ao estudar as expectativas de professores de 1ª a 4ª séries da rede pública em relação à atuação do fonoaudiólogo na escola, observou que os professores participantes do estudo apresentaram dificuldades para conceituar Fonoaudiologia. As definições utilizadas por eles apoiavam-se 31 numa visão fragmentada e patologizante desta atividade profissional, referindose, de modo recorrente, a alterações, em particular de fala e a tratamento. A visão dominante que pode ser depreendida nesta pesquisa é duplamente reducionista ao se referir às alterações de fala (uma vez que a fala não é a única área de estudo da Fonoaudiologia) e ao se referir à forma de atuação, visto que a reabilitação se configura como uma ação entre tantas outras adotadas. Demonstra, ainda, que os sujeitos não têm qualquer conhecimento sobre a ação fonoaudiológica preventiva enquanto fonte de promoção e proteção da saúde e facilitação e apoio do processo educativo. Nesse mesmo estudo, os professores mencionaram considerar importante receber, em sua formação, informações sobre as possibilidades do trabalho fonoaudiológico na escola, porém não foram capazes de apontar de que forma tais informações os beneficiariam e a seus alunos. A busca de como o fonoaudiólogo pode e deve contribuir para a consistência do processo educacional escolar tem provocado o crescimento de pesquisas sobre a temática. É lugar comum a crença de que a escola é o local em que o contato entre professor e aluno cria, naturalmente, ambiente propício para o aprendizado. Esta naturalização de um processo que está no cerne de uma atividade profissional deixa entrever as redes de valores e símbolos que tal atividade mobiliza, orientando a definição de normas e modelos sociais. Considerando a complexidade destas redes, vê-se que a introdução de uma novidade, como a presença ou a intervenção de um fonoaudiólogo no espaço da escola traz implicações de diferentes ordens, ameaças a posições ou partições de espaços 32 já profundamente definidos ou arraigados. Nesta perspectiva e tentando uma aproximação da temática, a presente dissertação propõe-se a apreender e analisar os sentidos atribuídos àquele profissional por professores de classe de alfabetização e primeiras séries do ensino fundamental; segundo a teoria das representações sociais, estes sentidos orientaram as comunicações e condutas a ele concernentes, logo as práticas cotidianas, mesmo que de modo sutil ou implícito trarão as marcas daqueles sentidos ou representações. Segundo Madeira (1991, p.16) A representação social traz em si a história, na história particular de cada um. Nas variâncias de sua estruturação estão as particularidades de cada sujeito e, em suas invariâncias, as marcas do sentido atribuído, por determinados segmentos ou grupos ou, até, por sua totalidade, a dado um objeto. Hollanda (2001) evidencia a importância da utilização da teoria das representações sociais no contexto escolar, afirmando que a partir da análise dos conceitos socialmente compartilhados pelos sujeitos construtores da prática escolar, é possível elucidar suas condutas nas interações pedagógicas Na medida em que a representação social é uma forma de conhecimento socialmente elaborada que contribui para a formação de uma realidade comum a um grupo social (JODELET, 1989), a utilização desta teoria enquanto suporte para a análise dos sentidos atribuídos ao fonoaudiólogo no contexto escolar, pode trazer contribuições significativas para entendermos, um pouco melhor, o tardio encaminhamento de alunos com dificuldades ou para as restrições postas, pela escola, às contribuições desse profissional. A possibilidade de uma maior efetividade do processo escolar pela integração das 33 contribuições do fonoaudiólogo, subsidiando o professor no âmbito de sua competência, é o fulcro de nosso interesse por esta temática. Na tentativa de apreender o verdadeiro papel do fonoaudiólogo sob a ótica do professor, é necessário analisarmos o contexto escolar sob vários prismas, procurando relacionar em que momento a figura do fonoaudiólogo é lembrada na escola. A teoria das representações sociais permite a aproximação do pesquisador do objeto no próprio dinamismo que o gera, articulando dimensões e níveis que, tradicionalmente, vinham sendo tomadas de forma isolada ou estática. (MADEIRA, 2001, p.124). Os sentidos que os professores atribuem ao fonoaudiólogo estão relacionados à sua prática pedagógica, porque as representações sociais orientam as comunicações e condutas cotidianas; de acordo com as representações que se fazem deste profissional e a inserção destas representações em campos articulados, os professores irão procurar apoio para uma prática preventiva, ou encaminhar tardiamente para uma prática terapêutica. 2.3 METODOLOGIA Este trabalho, de caráter exploratório, foi desenvolvido em escolas públicas e particulares, das zonas norte, sul, leste e oeste do município do Rio de Janeiro (LUDKE; ANDRÉ, 1986; HUBERMAN; MILES, 1991). O grupo de sujeitos foi constituído por 83 professores de classes de alfabetização e primeira 34 série do ensino fundamental, sem diferenciação, por se tratarem das séries nas quais são introduzidos os alunos ao código escrito, e comprovadamente, quando são observadas as maiores incidências de dificuldades na aquisição e desenvolvimento da leitura e da escrita. A partir da fixação desse critério, na escolha livre dos sujeitos, procurou-se garantir uma distribuição equilibrada entre o número de professores vinculados a escolas públicas e os ligados a escolas particulares, nas diferentes zonas do município sem, no entanto, ter a preocupação de fazer destes aspectos critérios de contraste mas garantir condições para uma mais profícua exploração do terreno (HUBERMAN; MILES, 1991). A pesquisa adotou uma abordagem pluri-metodológica conforme proposto por Abric (1994) e Jodelet (1989). Para estes autores, pelo emprego de estratégias metodológicas que se complementem e permitam a interlocução de diferentes tempos e espaços, é possível aproximar-se dos processos de construção e atribuição de sentidos aos objetos. Nesta perspectiva, para a investigação foi aplicado um questionário, com questões abertas e fechadas, além do teste de associação ou livre evocação de palavras, proposto por Abric (1996; 1998; 2002), Sá (1996) e Tura (1998). Abric (1996, p.11) define a representação social como um conjunto organizado e hierarquizado de julgamentos, atitudes e informações que um dado grupo social elabora sobre um objeto, como resultado de um processo de apropriação e reconstrução da realidade em um sistema simbólico. 35 Nesta perspectiva, segundo Tura (1998) os testes de associação de palavras têm se mostrado úteis nos estudos de estereótipos, percepções e atitudes, que são elementos importantes na organização das representações sociais (p.125). Consistem na solicitação, feita pelo pesquisador, de que os sujeitos escrevam um número x de palavras que lhes ocorram imediatamente após terem ouvido o termo estímulo. No caso desta investigação, a palavra estímulo foi FONOAUDIÓLOGO e foram solicitadas quatro associações. Após esta etapa foi solicitado que o sujeito escolhesse, dentre as evocações que escreveu, as duas que lhe parecessem as mais importantes, pela ordem. E, finalmente, foi pedido que justificassem livremente cada uma das palavras escolhidas como mais importantes. A opção de solicitar que os sujeitos justificassem suas escolhas visava apreender, tanto quanto possível o campo semântico originário de cada evocação, o que facilitaria a classificação posterior das evocações e contribuiria para uma interpretação mais pertinente das mesmas (MADEIRA, TURA, e FERREIRA, 2002). Cada professor participou do teste individualmente, dentro da própria escola em que trabalhava e, em seguida, respondeu ao questionário. Segundo Abric (1994, p.66) O caráter espontâneo – portanto menos controlado – e a dimensão projetiva dessa produção deveriam portanto permitir o acesso, muito mais facilmente e rapidamente do que em uma entrevista, aos elementos que constituem o universo semântico do termo ou do objeto estudado. A associação livre permite a atualização de elementos implícitos ou latentes que seriam perdidos ou mascarados nas produções discursivas. 36 Com o intuito de complementar o estudo da estrutura e da organização da representação social do objeto, em termos de núcleo central e periférico, foi também aplicado um questionário, buscando acessar informações acerca do cotidiano do sujeito e da relação deste com o objeto em estudo. Antes de sua aplicação definitiva, o questionário foi testado com o intuito de verificar a adequação das questões e sua clareza. No que concerne ao tratamento posterior do material, cabe esclarecer que: a) as questões fechadas do questionário receberam tratamento pertinente às suas características; b) as questões abertas tiveram tratamento categorial temático, conforme as proposições de BARDIN (1980) ou seja, foram categorizadas de acordo com as temáticas ou itens de significação que foram delimitados nos próprios textos dos sujeitos. Assim, foi possível interligar aspectos encontrados nas respostas dos diferentes sujeitos, agrupando-os pela semelhança de conteúdo. Nas seqüências envolvidas nestes grupamentos aplicou-se um estudo das figuras de linguagem, em particular, disjunções, recorrências, ou estratégias de conjunção ou de redução de conflitos como o emprego de lugares comuns, de formas hiperbólicas, paradoxais, imagéticas ou metafóricas, no esforço de aprofundar a reflexão sobre os mecanismos sociais de significação que se faziam presentes na construção de sentidos articulados ao objeto em estudo (MADEIRA, 2005; KERBAT-ORECCHIONI, 1980). 37 c) quanto ao tratamento aplicado à livre associação de palavras, buscou-se a conjugação de três indicadores: a freqüência do item evocado no conjunto de sujeitos; a média de freqüência da evocação (definida pela média sobre o conjunto da população) e a importância do item para o sujeito conforme proposto por ABRIC (1994). 38 CAPÍTULO 3. FONOAUDIOLOGIA E APRENDIZAGEM 3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Antes de enveredarmos no tangenciamento entre fonoaudiologia e educação, é preciso considerar o movimento histórico que, redefinindo os espaços de cada um destes campos, torna possível tal aproximação. Assim, de um lado, procuraremos identificar as tendências pedagógicas que se firmam nas escolas brasileiras públicas e privadas e, de outro, a fonoaudiologia que, apesar de sua origem próxima à educação, busca, atualmente, atuar de forma diferenciada na estrutura escolar. A concomitância na análise destes dois focos é importante, vez que, na pedagogia, as tendências direcionam não só a prática docente, como também influenciam o modo pelo qual o aluno é visto pelo professor e, conseqüentemente, interferem na relação ensino – aprendizagem; quanto à fonoaudiologia a evolução de tendências e posturas também se enraízam nas relações sociais e culturais de uma dada totalidade social e orientam as práticas e visões que configuram os diferentes objetos sociais. 39 3.2 EDUCAÇÃO E APRENDIZAGEM No que concerne à Educação, cabe considerar a evolução de paradigmas e modelos educacionais que vem sendo operada do início do século passado até os dias atuais. Em 2000, a divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN–2000) trouxe consigo a discussão de que as mudanças na estruturação interna das escolas brasileiras deixam claras as marcas da evolução da tradição pedagógica no país, e demonstram ser, fundamentalmente, o reflexo direto das mudanças sócio-políticas ocorridas, no período. Nestas mudanças, se fez sentir com maior ou menor intensidade, a influência de modelos educacionais internacionais coerentes com os interesses que se tornavam hegemônicos no plano econômico e ideológico. A pedagogia dita tradicional, que caracteriza o começo do século XX, tem o professor como figura máxima, detentor de todo o poder e conhecimento, capaz de passar de forma oral um conteúdo fixo e pré– determinado (FRAGO, 2001). Em contraposição a esta postura, os PCN –2000 apresentam o que denominam como “pedagogia renovada”, movimento que pretende retirar do professor o estigma de detentor da informação e atribui ao aluno a função de descobrir, através da experiência e da curiosidade, suas respostas: a aprendizagem, neste caso, se faz fundamentalmente por meio da experimentação, cabendo ao professor a facilitação desta aprendizagem. 40 Tal idéia, que acabou por desconsiderar a necessidade de um planejamento mais específico, ganhou força nos anos 30 e até hoje influencia muitas práticas pedagógicas. A corrente chamada de “tecnicismo educacional”, por sua vez, fortificou-se nos anos 70; baseia-se num grande rigor metodológico definindo uma prática pedagógica controlada e dirigida pelo professor, por meio de atividades mecânicas. Esta tendência ainda pode ser percebida em alguns materiais didáticos. No final dos anos 70 e início dos anos 80, começa a aparecer uma maior preocupação concernente à adequação dos conteúdos à realidade política e social dos alunos; estes passam a ser vistos como “seres sociais”, que constroem suas compreensões (aprendem) a partir da interação social em determinados ambientes socioculturais” (Pollard, 1994 p.254). O professor, neste contexto, caracteriza-se como um coordenador de atividades que atua conjuntamente com seus alunos. As tendências pedagógicas que vêm marcando a tradição educacional ao longo dos tempos, servem hoje de referência ao esforço de se tentar a proposição de modelos educacionais mais adequados. Assim, é possível observar, atualmente, uma maior preocupação em interligar aspectos do conteúdo formal com a experiência vivida pelos alunos. Esta postura assume uma visão social do processo de ensino e aprendizagem, o que, entretanto, não significa negar as individualidades em interação neste processo mas, ao contrário, afirmar a construção social destas individualidades (VYGOTSKY, 2000). 41 Compreender o processo de aprendizagem como uma experiência individual, mesmo que vivida em grupo, como no caso da sala de aula, é o ponto de partida para se criar possibilidades reais de aprendizagem para todos os alunos, mesmo aqueles que nitidamente demonstram maior dificuldade com relação à aquisição de novos conceitos. Nesta perspectiva, o professor tem o papel fundamental de dominar o conteúdo, de tal maneira, que seja capaz de traduzi-lo de diferentes formas até que possa ser alcançado por todos os alunos, independe do canal preferencial de aprendizagem de cada um. A aprendizagem significativa depende de uma motivação intrínseca, isto é, o aluno precisa tomar para si a necessidade e a vontade de aprender. Aquele que estuda apenas para passar de ano, ou para tirar notas, não terá motivos suficientes para empenhar-se em profundidade na aprendizagem. A disposição para a aprendizagem não depende exclusivamente do aluno, demanda que a prática didática garanta condições para que essa atitude favorável se manifeste e prevaleça. Primeiramente, a expectativa que o professor tem do tipo de aprendizagem de seus alunos fica definida no contato didático estabelecido. Se o professor espera uma atitude curiosa e investigativa, deve propor prioritariamente atividades que exijam essa postura, e não a passividade. Deve valorizar o processo e a qualidade, e não apenas a rapidez na realização. Deve esperar estratégias criativas e não a mesma resposta de todos. (Parâmetros Curriculares Nacionais, 2000, p.99) Qualquer processo de aprendizagem é uma construção coletiva, mesmo que concretizada por um indivíduo solitário. No movimento da aprendizagem, em seus instrumentos, conteúdos e procedimentos, estão 42 materiais, formas, conteúdos, locutores e interlocutores que se fazem tais na cultura. Logo, no processo ensino aprendizagem, a responsabilidade não cabe, apenas, a quem está disposto a passar o conhecimento ou naquele que o busca, ou ainda, naqueles que definiram aqueles conhecimentos como necessários ou úteis. A responsabilidade é compartilhada em diferentes níveis: pessoal, grupal, social. Falar desta dimensão social do desenvolvimento humano, nos leva aos pressupostos de Vygotsky pelos quais se considera que o ser humano se faz, em seu meio social, a partir da relação com o outro. No Brasil, a partir dos anos 90, a teoria sócio interacionista descrita por Vygotsky vem legitimar as relações de ensino-aprendizagem propostas nas escolas primárias (1988). Uma forma de explicar como o contexto social influencia perspectivas e comportamentos foi proposta por Haste (1987) em seu modelo de fatores: intra-individuais, interpessoais e sócio-históricos. O campo intra-individual diz respeito ao que o indivíduo traz consigo, a partir de experiências e compreensões advindas de suas oportunidades de aprendizagem. “O interpessoal é o campo da interação social - área em que os significados são negociados e por meio do qual as normas culturais e as convenções sociais são aprendidas” (POLLARD, 1994, p. 255). No que concerne à dimensão sócio- histórica deve-se ter presente que, por meio dela, conhecimentos e práticas, saberes e fazeres justificam-se, atualizam-se e tem formuladas explicações culturalmente definidas e historicamente acumuladas. 43 Pollard (1994, p. 271) desenvolveu uma forma analítica, embasada nos princípios fundamentais do interacionismo e do construtivismo, que visa explicar a relação entre indivíduo, contexto e aprendizagem. Self Controle de Outros Aprendizagem A relação entre o self e os outros mostra a importância da interação social na formação do próprio eu e, a partir disto, a relação de controle da aprendizagem: a criança necessita construir seu aprendizado, as instruções e o apoio do outro a orientam e auxiliam, mas é ela própria quem deve realizar suas construções. As práticas educativas mais atuais levam em consideração as escalas de desenvolvimento infantil descritas por Piaget, mas evidenciam a importância da contextualização deste desenvolvimento, no que se refere aos aspectos sócio-culturais. O desenvolvimento se dá de forma gradual, tal como foi descrito por Piaget em seus estágios de desenvolvimento (1978), mas se dá de diferentes maneiras em cada criança, a partir do que ela vivencia em seu meio sócio-cultural, a partir dos valores que lhe são passados, e das oportunidades que lhe são oferecidas. Um dos conceitos mais amplamente difundidos pela obra de Vygotsky, e bastante proclamado nos discursos referentes às práticas 44 educativas, consiste naquele referido pela terminologia ‘Zona de Desenvolvimento Proximal’. Esta pode ser definida como a distância entre o que a criança é capaz de realizar sozinha (desenvolvimento real), e o que pode alcançar com a ajuda de outro indivíduo mais capacitado para aquela atividade. Esta ajuda consiste em dar subsídios para que a própria criança chegue as suas conclusões, o que poder ser realizado por meio de vários instrumentos, e é comumente chamado de mediação. Analisando esta referência, é possível percebermos que o espaço escolar, e primordialmente a sala de aula, é um ambiente bastante propício para o desenvolvimento infantil, já que nela temos o aluno, instigado e investigador e seus colegas de classe, todos trazendo consigo características individuais estruturadas e fortalecidas por valores, crenças, experiências e princípios próprios à cultura que os caracteriza e aos seus familiares; está, também, o professor a quem cabe criar situações que desencadeiem reais possibilidades de aprendizagem, a partir dos conteúdos a serem trabalhados. Estas possibilidades de trocas, aluno / aluno e aluno / professor, geram um campo ideal para que seja desenvolvido um trabalho na ‘Zona de Desenvolvimento Proximal’. Este conceito sugere que o que neste momento necessita de ajuda para ser realizado, num momento posterior poderá ser realizado pelo aluno, sozinho, sendo então alcançada mais uma etapa de desenvolvimento. Isto demonstra o caráter dinâmico da relação ensino e aprendizagem. No processo de desenvolvimento a criança se arma e se rearma com diferentes ferramentas. A criança de um grau superior se diferencia de outra de um grau menor pela medida e pelo caráter 45 de seus meios, de seus instrumentos, quer dizer, pelo grau em que governa sua própria conduta. (VYGOTSKY, 1987. pág.182) Devido à complexidade dos processos de aprendizagem, o maior número de meios utilizados para alcançá-los traz consigo uma relação diretamente proporcional à possibilidade de sucesso, ou seja, é interessante proporcionar à criança diversas maneiras de se alcançar o mesmo resultado, para que ela possa tirar proveito do que melhor lhe servir. É particularmente importante ressaltar que nem todo ensino gera aprendizagem, ou seja, a mediação para que o individuo chegue às suas próprias conclusões deve ser direcionada de acordo com suas necessidades. Tal enunciado implica afirmar que existe um risco na prática da sala de aula pois, diante de um grupo de alunos, a intervenção do professor deve alcançar, de modo particular, cada um dos presentes. É justo destacarmos que os professores hoje, já demonstram compreender a diversidade de seu alunado, embora por razões diversas, alguns ainda não saibam como minimizar estas diferenças, no momento de trabalhar os conteúdos programáticos; assim sendo, mesmo com o conhecimento de que seus alunos possuem características específicas que diferenciam suas possibilidades de aprendizado, acabam agindo como se tivessem uma turma homogênea, pronta para apreender os conceitos, da forma como forem passados. A dificuldade do aluno desperta no professor uma vulnerabilidade quanto à sua capacidade de ensinar; ameaça-o ao expor seus limites. No esforço de se livrar do que lhe causa ansiedade, ouvimo-lo, muito freqüentemente, rotular 46 o aluno como detentor de dificuldade de aprendizagem. Cabe a pergunta: de quem é a dificuldade que se expõe? Será que todos os caminhos foram buscados com aquele aluno? O professor soube reconhecer seu canal preferencial para aquisição de conceitos? (alguns são mais visuais, outros mais auditivos) Deve-se considerar, no entanto que, independente da capacidade e da disponibilidade do professor, alguns alunos irão apresentar dificuldades na aprendizagem, e necessitarão de apoio especializado. Estes casos, entretanto, não são objeto deste estudo. Cabe-nos, porém, compreender por que algumas dificuldades que poderiam ser evitadas ou trabalhadas, ainda no âmbito escolar, não o são e, mais tarde, vão configurar patologias instaladas que já não podem ser prevenidas e sim tratadas. De fato, um dos momentos mais importantes e delicados de todo o processo escolar, consiste na aquisição da linguagem escrita, o que se dá basicamente na classe de alfabetização e primeira série do ensino fundamental. É justamente neste período que ocorre a grande demanda de pacientes nos consultórios de fonoaudiologia. O encaminhamento dado pela escola usualmente traz como justificativa a dificuldade da criança com relação à aquisição da leitura e da escrita, e nos faz refletir quanto às seguintes questões: seria correto identificarmos como patologias as dificuldades advindas de uma tarefa em aquisição? Todas as dificuldades iniciais já demonstram, de fato, que algo mais sério será apresentado? Existem erros que são caracterizados como normais, também levando-se em conta os processos em aquisição? 47 Estas e outras questões poderiam ser esclarecidas ao professor e à escola, se um profissional de fonoaudiologia estivesse presente, integrando a equipe escolar. Deste modo, tanto o trabalho preventivo poderia ser realizado pela escola, minimizando assim a incidência de patologias instaladas, como haveria um melhor critério para encaminhamentos a consultórios, evitando assim os desnecessários, e propiciando maior rapidez no atendimento aos alunos que demonstrassem necessitar de ajuda especializada. De um modo geral, a conduta demonstrada por professores e pela escola em particular, nos leva a crer, que a patologização do aluno com dificuldades vem marcando a conduta dos que o cercam no âmbito escolar, o que deixa claro a falta de informações específicas a respeito do que acontece em casos especiais. Na busca de conhecer melhor este aluno com dificuldade, não cabe ao fonoaudiólogo uma visão clínica de triagens e encaminhamentos, como usualmente a imagem deste profissional vem sendo associada ao se tratar da área escolar, nem tampouco devemos pensar em “tratamento precoce” (a palavra tratamento já demonstra a patologia instalada, e portanto, a precocidade traduz um sentido antagônico); a visão deste profissional traz uma dimensão bastante ampla às questões da aprendizagem, e o fonoaudiólogo pode servir como ponte entre o aluno e o professor. O professor espera do fonoaudiólogo, aquilo que conhece a respeito da atuação deste profissional, a partir das representações que esta classe apresenta, de acordo com as experiências vividas anteriormente, ou a partir de conceitos que adquiriu em sua formação. Novamente é oportuno indagarmos que 48 tipo de informações o professor recebe durante sua formação, a respeito de dois temas específicos: desenvolvimento infantil e fonoaudiologia. As informações acerca do desenvolvimento infantil são fundamentais para entendermos todo o processo de aquisição da linguagem escrita, já que este mecanismo se dá a partir da maturação das funções mentais superiores, e estas vão se desenvolvendo desde o nascimento do bebê, portanto, uma série de eventos vai se sucedendo até que a criança possa ser considerada apta a compreender a codificação da escrita. Deste modo a analogia de que o fracasso na aprendizagem deste código pode ser decorrente de falhas anteriores, fica evidente; no entanto sabemos que esta informação não faz parte dos currículos dos cursos de formação de professores. Quanto às informações a respeito da fonoaudiologia, que pode ser considerada recente se comparada a áreas de atuação milenares como a medicina, ainda são pouco claras tanto para a população em geral como para a classe de professores, embora para estes a abrangência de suas possibilidades de ação já devessem estar mais difundidas, pois o trabalho do fonoaudiólogo vem em muito, contribuir para a atuação do professor, já que as informações referentes ao desenvolvimento infantil e aos processos que interferem diretamente nas etapas de aquisição da leitura e escrita são de domínio do fonoaudiólogo e este leque de informações são de grande valia e contribuem com o trabalho do professor, neste momento tão importante da aprendizagem. Cabe ressaltar que em nenhum momento o trabalho do professor pode ser menosprezado; do ponto de vista pedagógico é ele quem norteia o processo de alfabetização, enquanto ao fonoaudiólogo cabe o papel de facilitador 49 do processo de ensino/aprendizagem, através de informações que passadas ao professor no momento oportuno poderão de fato minimizar dificuldades em casos iniciais. Não podemos deixar de considerar que casos específicos de dificuldades podem ficar evidentes no momento da alfabetização, ou um pouco mais tarde, sem que se possa fazer nada para evitá-los, seria leviano achar que o trabalho direcionado do professor e do fonoaudiólogo pudesse evitar todos os tipos de dificuldades em todas as crianças. Para que a relação entre o que é esperado e o que não é comum no processo de aquisição da escrita não se torne idealizada, cabe uma breve discussão a respeito desta etapa. É freqüente, na escola, a direta correlação entre escrita e oralidade, como aponta Mayrink-Sabinson (1985). Esta autora discute a questão da escrita ser interpretada, nos processos de alfabetização, como um espelho da oralidade e, por esta razão, são implementadas atividades que visam a relação entre sons e letras. De acordo com esta idéia, a criança deve traduzir o que fala para a linguagem escrita, como se existisse uma relação única e direta entre estas vias. A fala correta é considerada, portanto, importante pré-requisito para o desenvolvimento da escrita. Não podemos esquecer, entretanto, que ao oferecermos à criança a oralidade como referência, ela tenderá a escrever do modo como fala e, portanto, não deveria ser considerado erro, por exemplo, a palavra escrita “sorvetero”, ao invés de “sorveteiro” quando quisesse se referir ao senhor que vende sorvetes. 50 Zorzi (1998) considera a apropriação da escrita como uma etapa sem precedentes nos processos de aquisição da criança, comparando-a à aquisição de uma nova língua. a escrita pode ser vista como uma representação simbólica, correspondendo à aquisição de uma nova língua. Dada a complexidade de tal sistema de representação, é possível observar-se um processo de apropriação gradual pela criança. (p.19) . Como em qualquer aquisição de um novo conceito, os erros fazem parte do processo e, no caso da aquisição da escrita, baseada na linguagem oral, os erros ortográficos são até certo ponto esperados, porém acabam sendo altamente perseguidos pelo professor. Em conseqüência, ainda segundo Zorzi (1998), patologias podem acabar sendo artificialmente criadas, funcionando o erro como um catalisador de distúrbios. Novamente temos a impressão de que os erros normatizam as condutas, e o aluno acaba sendo julgado por sua capacidade de acertar o que lhe é pedido. Para este autor, no entanto, o erro pode dar evidências das tentativas que a criança está realizando para se apropriar da linguagem escrita. Considerando-se a aprendizagem da escrita como um processo de formação de conhecimentos, os erros que surgem na produção gráfica das crianças podem ser reveladores da apropriação de uma nova linguagem e surgiriam como indicadores das possíveis hipóteses ortográficas que elas estariam utilizando para a escrita. (1998, pág.20) Baquero (1998) descreve que para aquisição da escrita são necessários processos psicológicos avançados, que envolvem pré-requisitos. 51 Discorda, na mesma linha de Zorzi, que as competências de fala “evoluam para” escrita. Estes autores ressaltam que, para que esta possa ser estabelecida, é necessário o concurso de uma série de outras aptidões, como a percepção, o domínio espaço-temporal e corporal, o desenvolvimento da lateralidade e controle motor fino (Le Boulch,1987). O desenvolvimento da percepção visual e auditiva é de fundamental importância para uma correta produção da escrita. É importante destacar que a percepção necessita ser desenvolvida, o que a faz diferente da acuidade; esta última diz respeito às aptidões sensoriais do indivíduo. Melhor dizendo, a capacidade de ouvir e de ver adequadamente é uma característica orgânica do indivíduo, que deriva tanto de condições inatas, como do não desenvolvimento de doenças que possam acometer a visão e a audição. Já a percepção necessita ser desenvolvida e, portanto, será tanto melhor, quanto mais for estimulada. Ao falarmos de estimulação da percepção, não podemos atribuir à escola toda a responsabilidade sobre esta função, já que o desenvolvimento das percepções se inicia logo após o nascimento e, portanto, cabe aos pais e aos cuidadores dos bebês esta função, muito antes de que se torne, também, competência da escola. A estimulação com brinquedos coloridos e contrastantes, por exemplo, ajudam o bebê a desenvolver sua visão, enquanto as brincadeiras auditivas, com chocalhos, vozes e músicas, fazem com que ele tenha sua atenção despertada para os sons, bem como desenvolva sua memória, sua discriminação e sua compreensão. 52 Mais tarde, com o ingresso da criança na pré-escola, estas brincadeiras devem passar a ser mais direcionadas e constantes, de acordo com a faixa etária da criança, buscando assim o melhor preparo para o momento da introdução da escrita. 53 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FONOAUDIÓLOGO PARA PROFESSORES DE CA E PRIMEIRAS SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL 4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Este capítulo tem como objetivo apreender e analisar os sentidos atribuídos ao fonoaudiólogo, por professores de classe de alfabetização e 1a. série do ensino fundamental. Como já discutimos anteriormente, consideramos a alfabetização como um processo dinâmico e progressivo; suas sínteses não são mecânicas ou imediatas, nem findam ao final de um semestre ou, mesmo, de um primeiro ano. Para fins deste estudo, definimos como sujeitos, professoras de classe de alfabetização e de 1a. série do Ensino Fundamental. Na classe de alfabetização a criança é, de modo sistemático, encaminhada à descoberta do mundo das letras, com suas formas, sons, possibilidades de combinação criando novos sons e expressões. É um período 54 de iniciação; contactos que antes eram ocasionais tornam-se o próprio centro da atividade da criança na escola e fora dela, quando, por exemplo, vai dando conta das palavras de um cartaz na rua, no ônibus, num trem, num jornal ou numa revista. Um mundo novo vai se abrindo... O processo que então vai se delineando será sedimentado nas primeiras séries do ensino fundamental, pela fixação das descobertas realizadas, sua articulação, enriquecimento com a apropriação de novas palavras, novas formas, novas classificações. É nesta perspectiva que a alfabetização é considerada como um processo e não com ato isolado, responsabilidade exclusiva de uma série ou de um professor. Este pensamento se apresenta nos estudos de diversos autores, dentre os quais destacamos o pioneirismo de Luria (1988, p.143) ao fundamentar posicionamentos sobre o desenvolvimento da escrita na criança. O autor afirma que “A história da escrita na criança começa muito antes da primeira vez em que o professor coloca um lápis em sua mão e lhe mostra como formar letras”. Na verdade, durante os primeiros anos de seu desenvolvimento, antes de atingir a idade escolar, a criança aprende e assimila diversas técnicas de preparação para o caminho da alfabetização propriamente dita e se apropria, nos limites de suas condições de possibilidades, de informações, noções, valores, modelos e práticas próprios às culturas com as quais interage. A alfabetização, portanto, supõe etapas a serem necessariamente vencidas para a continuidade exitosa desse dinamismo. Dificuldades específicas relativas ao trabalho desenvolvido numa etapa desse processo, nem sempre, no entanto, são percebidas e interpretadas como passíveis de superação na seguinte, seja por falta de tempo ou, mesmo, de condição dos responsáveis. 55 Gontijo (2003) afirma que o processo de alfabetização ficou reduzido, durante décadas, ao ensino do código escrito, centrado na mecânica da leitura e da escrita. A autora comenta as atuais propostas de alfabetização escolar enfatizando que Um outro aspecto que caracteriza as atuais propostas relacionase à compreensão de que a alfabetização escolar é um processo multideterminado, ou seja, o seu desenvolvimento depende da contribuição de diversas áreas de conhecimento. (GONTIJO, 2003, p.2) Para Pausas (2004) a aprendizagem da leitura e da escrita é um dos principais desafios da escola, pois o interesse e a motivação são de caráter extrínseco. A autora afirma que existe um grande desafio que supõe integrar, num só projeto, as relações existentes entre professor, alunos e conteúdo. Nesta perspectiva, consideramos a língua escrita como um instrumento de relação indireta entre o ser humano e o mundo. Segundo Colomer e Camps (1996), não é fácil saber como ensinar a língua na escola, pois as ciências envolvidas em tal tarefa encontram-se imersas em um movimento de profunda renovação de suas proposições. As autoras acrescentam que essa situação pode desembocar em uma prática sem referentes teóricos bem assentados. Nesta dissertação, conforme mostraremos no item 4.3, deste capítulo, foi possível apreender indícios da insegurança e da instabilidade vivenciada pelos professores destas séries, muitas vezes renegadas pelo recorrente esforço de afirmação do contrário, produzindo no interlocutor a captação de aparente prepotência ou autosuficiência. 56 Esta pesquisa foi desenvolvida com 83 professores de escolas públicas e privadas do município do Rio de Janeiro, tendo como instrumentos um questionário e um teste de livre evocação de palavras, a partir de um termoestímulo. A conjugação destas estratégias visou permitir uma aproximação dos sentidos atribuídos ao fonoaudiólogo, pelos sujeitos, vez que suas práticas e comunicações cotidianas são sutilmente orientadas por aqueles (MADEIRA, 1998). Conhecer aspectos da experiência profissional destes sujeitos, tais como, o tempo de magistério e de atuação em classes de alfabetização e 1a. série do Ensino Fundamental, os mecanismos que concretizaram sua lotação nestas classes, a forma pela qual cada um se vê e se sente no desempenho de suas atividades profissionais, dentre outros, pode fornecer pistas que permitam uma aproximação consistente dos contextos de sentidos que definem sua prática, orientando, também, as estratégias de que lançam mão para lidar com eventuais dificuldades na aprendizagem dos alunos. A apreensão do que consideram como causas de possíveis dificuldades, o modo pelo qual classificam e relacionam estas causas e a avaliação que fazem de suas próprias condições profissionais para levantar, classificar e solucionar os problemas que surgem, são outros tantos indícios destes contextos de sentidos ou campos de representações sociais nos quais os sujeitos dão forma aos objetos ao deles se apropriarem (MADEIRA, 1998; 2001). Explorar esses territórios, mesmo que dentro dos limites de uma Dissertação de Mestrado, pode contribuir para que se apreenda melhor os sentidos mobilizados pelas dificuldades de aprendizagem nas classes de 57 alfabetização, as representações que os professores fazem de fonoaudiólogo e as relações e práticas que aí se articulam, bem como investigar que tipo de atuação o professor espera daquele profissional. Com este trabalho, pretende-se encontrar alguns veios que possam contribuir para que o processo de aprendizagem da leitura e da escrita se faça com consistência permitindo à criança uma entrada segura neste mundo novo que se vai desvelando. 4.2 O PROFESSOR Os sujeitos desta pesquisa desenvolvem atividades na Classe de alfabetização ou 1a. série, ainda que, a maioria trabalhe também em outros turnos e escolas, lecionando, inclusive, em outras séries. Tal diversidade de focalizações, de locais, relações, ordenamentos e exigências, aumenta o desgaste do trabalhador e contribui para a desvalorização da profissão, como já detectado por outros pesquisadores (AVES-MAZZOTTI, 2004; GATTI, 2000; PIMENTEL, 2001; NÓVOA, 2000; 1995; SOARES, 2003). Neste contexto, não é de estranhar que professores destas séries atribuam um caráter passageiro à sua vinculação à profissão, ainda que nela continuem atuando por muitos anos independente de sua vontade ou do exercício concomitante de outras atividades (SOARES, 2003). No caso dos sujeitos do presente estudo, conforme o Gráfico 1, predominam pessoas com maior tempo de exercício do magistério, enquanto apenas 7% de sujeitos apresentam experiência igual ou inferior a cinco anos. 58 Gráfico 1 - Tempo de exercício do Magistério 7% 30% 27% 36% Legenda até 5 anos 6 a 10 anos 11 a 20 anos mais de 20 anos O magistério, sobretudo nas séries iniciais, é uma atividade associada com maior freqüência à afetividade e à dedicação que a uma competência ou preparação específica (SOARES, 2003; ARROYO, 2000; FONTANA, 1997; MELLO, 1981). Estudos, como o de Alves-Mazzotti (2004, p.72), mostram que os professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental “constroem o sentido do ser professor hoje em torno da idéia de dedicação, defendendo um sentido tradicionalmente atribuído à função docente”. Nesta mesma perspectiva, Assunção (1996), em pesquisa sobre o cotidiano do professor das séries iniciais, constatou que este estava impregnado por idéias e modelos marcados por valores que delineavam as atividades profissionais desenvolvidas vinculadas às imagens de mulher e de mãe: ‘o gostar de crianças’ e ‘a facilidade em lidar com elas’ seriam conseqüência natural do fato de ser mulher e definiriam o espaço da profissão. “para ser professora basta gostar de crianças (coisa tão natural à mulher)...” (ASSUNÇÃO, 1996, p.84). 59 Análises específicas das atitudes de professores das séries iniciais relativas à própria atividade profissional foram desenvolvidas, por exemplo, por Pinheiro (1999) e Soares (2003), que puderam apreender como estas atitudes são orientadas por valores e modelos que priorizam as relações afetivas (definidas em termos vagos e generalizados), em detrimento da competência e da formação. Destacam tais autores, que esta atribuição se faz em meio a um discurso cheio de ambigüidades e, por vezes, de contradições. Neste discurso, o falante, ao mesmo tempo, ratifica posturas calcadas na tradição, pelas quais a dedicação e o afeto são enaltecidos e valorizados e deixa entrever o trabalho nestas séries como desgastante, cansativo e desvalorizado, o que o leva a ser atribuído às novatas, recém chegadas à escola, independente de qualquer preparação específica. Ora, dentre os sujeitos destas pesquisas, predominam aqueles com mais de 5 anos de experiência em Alfabetização e 1a. série (Gráfico 2), o que implica em trazer para cada um o desgaste, o cansaço e a desvalorização associada, mesmo que implicitamente, ao trabalho que desenvolve e a questionar o valor atribuído à experiência e ao preparo próprio. 60 Gráfico 2 -Tempo de atuação em Classes de Alfabetização e 1a. Série do EF. 6% 40% 35% 19% Legenda menos de 1 ano 1 a 5 anos 6 a 10 anos mais de 10 anos Observa-se, no Gráfico 2, que 40% e 19% dos sujeitos deste estudo têm, respectivamente, mais de 10 anos e de 6 a 10 anos de atuação como professores das séries iniciais. Esta distribuição aponta para uma experiência que se vai acumulando ao longo dos anos na prática cotidiana, nos cursos de atualização, no trato com as crianças, com diferentes metodologias e estratégias. Ao mesmo tempo, como analisa Soares (2003), esta permanência poderia decorrer de razões estranhas ao sujeito, o que traria ou acentuaria a insatisfação. No caso específico deste estudo, 63% dos sujeitos indicou estar atuando em classes de alfabetização ou séries iniciais porque assim o escolheu. Deste conjunto, a maioria (52%) justifica tal escolha por motivos diversos, ainda que as proposições que constroem essas justificativas aludam a idéias como gostar deste momento inicial da aprendizagem, do livro, de acompanhar a descoberta da escrita, sempre colocadas de modo impreciso ou indireto. 61 “Eu adoro. Acho emocionante ver seu aluno deslumbrado pela leitura e escrita, enfim, dominando a leitura e escrita. “ (s.61) Neste mesmo sentido, 35% indicaram como razão de sua escolha “se sentir à vontade em dar aulas nas séries onde se inicia o processo de leitura e escrita.”, sem, no entanto, explicitar melhor este sentimento; tal característica torna a justificativa, tipicamente, uma alusão a algo cuja chave interpretativa está no auditor. “Já havia feito um trabalho de pré-alfabetização e quando houve oportunidade para alfabetizar não pensei duas vezes. Estou amando.” (s.13) Apenas 13% dos sujeitos vinculam sua escolha, de modo direto, à preferência em trabalhar com crianças desta faixa etária. “Por ser uma faixa etária boa de ser trabalhada.” (s.42) Dentre os sujeitos que relataram não dar aula em classe de alfabetização ou 1a. série por vontade própria, 90% indicaram que tal atividade lhes havia sido imposta pela escola; “A direção da escola determina para que classe os professores são enviados” (s.82) “Os 5 primeiros anos em que lecionei me foram dadas esta classe sem direito de escolha, por acharem que eu combinava com esta classe.” (s.08) Dentre os que se referiram ao modo impositivo que os levou à vinculação às séries iniciais ou classes de alfabetização, 50% fizeram a ressalva 62 de que tal situação fora apenas inicial e que, no momento, continuavam a atuar em tais classes, por satisfação própria. “Mesmo não tendo escolhido eu gosto muito” (s.59) “A princípio não, porém hoje me sinto muito realizada profissionalmente” (s.58) Do total de professores que declararam não ter escolhido trabalhar em séries iniciais ou classes de alfabetização, 6% relataram que se sentiam inseguros diante da responsabilidade de tal tarefa, argumentando o próprio despreparo ou a importância atribuída a esta fase “Achava que não estava preparada par dar aulas em uma série tão fundamental” (s.11) Este justificativa tenta construir uma argumentação apoiada num lugar comum que se apresenta numa generalização: não se sentia preparada para trabalhar em série tão fundamental, o que leva a supor que, para este sujeito, é aceitável afirmar seu despreparo vez que todos reconhecem a importância de tal série, não carecendo a justificativa de maiores esclarecimentos. A expressão “tão fundamental” apresenta-se, assim, como um “quase lugar comum”, sugerindo a idéia de que, nestas séries iniciais, algo determinante acontece, algo cuja importância é admitida também pelo interlocutor, o que justifica a afirmação do próprio despreparo. É inegável o papel da alfabetização, como um divisor de águas na vida da criança: ser capaz de ler e escrever, significa ter acesso a coisas antes indisponíveis, ultrapassar barreiras, entrar num mundo novo. Como processo, no entanto, a alfabetização não se limita a uma classe ou a dois semestres... Logo, o emprego desse “quase- 63 lugar-comum” - série tão fundamental - é falacioso, pois tem como referente não a dita classe ‘tão fundamental’ mas o próprio locutor, ou seja, o professor que, implicitamente, se deixa ver como o responsável ou ‘aquele que garante o acesso ao umbral’ deste ‘novo mundo’. O emprego, quase invariante, de formas hiperbólicas ou metafóricas para justificar a importância atribuída às classes de alfabetização deixa entrever os mecanismos sociais de defesa mobilizados: a afirmação do próprio despreparo é atenuada frente ao reconhecimento da grandeza da tarefa. 4.3 COMO OS PROFESSORES LIDAM APRESENTADAS POR SEUS ALUNOS? COM AS DIFICULDADES A aprendizagem é um processo complexo que acompanha o homem nas diferentes idades de sua vida (FERNÁNDEZ, 2001). As dificuldades deste dinamismo vão se fazendo sentir sutilmente, aqui e ali, como sinais que os educadores precisam apreender e interpretar. Na aprendizagem da leitura e da escrita os percalços não surgem, portanto, de forma abrupta, salvo em casos de patologia neurológica1, ou transtornos que envolvam alterações afetivoemocionais-comportamentais. Ajuriaguerra (1988), Condemarin e Chadwick (1987) e Lofiego (1995), dentre outros, denominam pré-requisitos para o desenvolvimento da leitura e escrita, tudo o que contribua para que a criança apresente o 1 “Distúrbios na linguagem que resultam de dano cerebral, depois de começada a aquisição da linguagem, com etiologias como: traumatismo craniano, tumosres, crises convulsivas, entre outros.” (MURDOCH,1997, p.247). 64 amadurecimento necessário para desenvolver tais processos; dentre esses prérequisitos, podemos destacar, o desenvolvimento psicomotor, a lateralização, a noção de esquema corporal, a orientação espacial e temporal.2 Durante a préescola, as inúmeras atividades propostas às crianças, chamadas, em geral, pelos pais e professoras de “trabalhinhos”, buscam apoiar e orientar a descoberta e o desenvolvimento, destes pré-requisitos, o que faz desta etapa, um momento não só importante como, também, fundamental. O desenvolvimento da fala, dentre o conjunto anteriormente elencado, destaca-se como requisito primário, vez que é o canal preferencial para aquisição da linguagem, e “quando o código primeiro e oral não se organiza a tendência é adquirir-se o segundo código, leitura/escrita, nas mesmas linhas de desorganização. (ISSLER,1996, p.19). De um modo geral, tem-se a idéia de que crianças, quando pequenas, costumam falar errado. Esta colocação do senso comum, no entanto, ao justificar o olhar desatento ou pouco conhecedor dos processos pelos quais as crianças se apropriam de elementos para desenvolver sua fala, pode negligenciar indícios importantes de alterações fonológicas que, embora sejam apresentadas na fala de crianças da pré-escola, podem comprometer o processo de alfabetização futuro. 2 Apresentaremos, a seguir, definições destes termos, fundamentadas na literatura específica: “A lateralização é uma característica especificamente humana, que afeta de forma específica a linguagem e que guarda relação direta com a dominância de um hemisfério cerebral sobre o outro, durante o processo de execução da linguagem”. (LOFIEGO, 1995, p.63) “O esquema corporal é um elemento básico indispensável para a formação da personalidade da criança. É a representação relativamente global, científica e diferenciada que a criança tem de seu próprio corpo”. (DE MEUR & STAES, 1984, p.9) “A estruturação espacial é a orientação, a estruturação do mundo exterior referindo-se primeiro ao eu referencial, depois a outros objetos ou pessoas em posição estática ou em movimento”. (DE MEUR & STAES, 1984, p.13) “A estruturação temporal é a capacidade de situar-se em função da sucessão dos acontecimentos, da duração de intervalos, da renovação cíclica de certos períodos e do caráter irreversível do tempo”. (DE MEUR & STAES, 1984, p.15) 65 O desenvolvimento da fala, pressupõe domínios fonéticos, ou seja, a capacidade estrutural e funcional de articular os fonemas da língua e domínios fonológicos (ISSLER,1996), que representam reconhecimento, percepção e identificação destes fonemas e estão relacionados ao desenvolvimento da linguagem . A aquisição fonológica foi e ainda é objeto de estudo de diversos autores (STAMPE,1973; INGRAN,1983; STOEL-GAMMON,1990; CAPOVILLA 2002). Estes descrevem propostas do que poderíamos denominar de teorias sobre o desenvolvimento fonológico. Destacamos, do conjunto, os estudos de Stampe (1973) pois este autor contextualiza e fundamenta a noção de processos fonológicos definindo-os como operações mentais realizadas pela criança, com o intuito de simplificar as oposições fonêmicas que ainda não é capaz de produzir. Nesta perspectiva, diante do som de uma palavra que ainda não sabe como produzir, busca uma adaptação que lhe permita fugir da dificuldade, de modo a garantir a efetividade de sua comunicação. Baseado nos postulados de Stampe, as idéias de Ingram (1976), seguem as noções do desenvolvimento cognitivo proposto por Piaget (1978). Assim, relata que ao se deparar com o sistema fonológico da língua adulta, a criança inicialmente assimila os sons do modo como é capaz e, a partir do domínio inicial desses sons, associados ao que já era capaz de produzir sozinha, modifica-os chegando à acomodação dos “novos sons”. Consegue, desta forma, chegar à adaptação que, neste sentido, caracteriza a capacidade de falar conforme as regras fonológicas da língua adulta. 66 O desenvolvimento fonológico da criança demanda tempo e está intimamente relacionado com a necessidade de bons modelos, do ponto de vista articulatório, para que a fala seja correta e tenha como referência o padrão da língua falada pela comunidade adulta da região. É, portanto, de grande valia entendermos o desenvolvimento da fala como gradual e intrinsecamente relacionado ao desenvolvimento cognitivo e cronológico da criança. Logo, o erro na articulação das palavras ou frases precisa ser contextualizado para que possa ser captado em termos de suas referências significativas: por exemplo, o que pode ser considerado inerente ao desenvolvimento da fala e o que indica dificuldades específicas na percepção ou produção dos sons. Com o intuito de ter pistas consistentes e articuladas sobre o modo pelo qual são encaradas as dificuldades de fala apresentadas por alunos de classes de alfabetização e 1a série do Ensino Fundamental procuramos neste estudo, apreender como, o professor lida com estas dificuldades em seu trabalho em sala de aula. A questão, aberta, era introduzida por uma frase que colocava o problema em termos gerais , desvinculado da atuação do professor: “Como, em geral, a pré-escola lida com as dificuldades de fala apresentadas por algumas crianças?”. O material, assim coletado, foi submetido a uma análise categorial temática cujas categorias foram definidas a partir da leitura repetida dos textos formulados pelos sujeitos. Categorias adotadas no grupamento: a) recursos próprios: nesta categoria foram grupadas as referências ou alusões a recursos didáticos à disposição do professor, como leituras, atividades complementares, etc. 67 b) encaminhamentos: foram aqui reunidas as alusões a encaminhamentos para especialistas, não sendo estes discriminados pelos sujeitos. c) recursos próprios e encaminhamentos: nesta categoria foram grupadas as respostas que continham juntas, as duas descrições anteriores. d) orientação associada a encaminhamento: alguns sujeitos referenciaram além da realização de encaminhamentos, a necessidade de orientação através de uma conversa com os pais, e foram portanto, grupados nesta categoria. e) Fonoaudiólogo: nesta categoria foram enquadradas as respostas onde os sujeitos alegaram solicitar o parecer ou uma avaliação do fonoaudiólogo especificamente. f) Não responderam: sujeitos que declararam não saber, ou que deixaram a pergunta em branco. 68 Gráfico 3: Como os professores da pré escola lidam com as dificuldades de fala de seus alunos 9% 16% 13% 17% 32% 13% Recursos Próprios Encaminhamentos R.P. + Enc. Fonoaudiólogo Orientação + Enc. Não Responderam A observação do gráfico nos remete para a diversidade de estratégias que são frequentemente utilizadas, quando o aluno, ainda na préescola, não detém o domínio sobre a língua falada, de acordo com o modelo adulto. Neste estudo, 16% dos professores deixaram ver indícios de que as resoluções destas dificuldades são procuradas em seus próprios recursos: através de recursos didáticos, ou de outras estratégias selecionadas, direcionam o trabalho para as dificuldades de fala da criança; 9% não responderam a pergunta e, 13% referiram-se à possibilidade de encaminhar estas crianças para outros profissionais, além de também se utilizarem de recursos próprios para resolver tal questão. “Ensinando a forma correta de falar” (s.13) “Fazendo rodas, hora do conto, dia de novidade, músicas, meu brinquedo preferido, onde a criança acaba contando como é, etc...” (s.49) 69 “Primeiramente tentamos solucionar o problema e não conseguindo, encaminhamos.” (s.16) Neste sentido, é possível notar a falta de conhecimentos específicos sobre características e questões próprias do desenvolvimento da fala infantil: nenhum professor trouxe, em sua resposta, qualquer reflexão concernente a possíveis alterações de fala, suas raízes, ou ao fato dessas serem ou não esperadas para tal faixa etária; suas referências a estas questões se fizeram por um discurso amplo, geral ou alusivo, marcado pela falta de conhecimento e de domínio sobre o assunto. É interessante observar que tais peculiaridades acabaram por permitir o grupamento dos sujeitos entre aqueles que não consideravam as dificuldades de fala relevantes (por exemplo, s.53) e, por isso, tentavam, sozinhos, dar conta desta questão, e os que as classificavam como patológicas a priori, independente dos processos fonológicos de que a criança se utilizava e, assim, encaminhavam estes alunos diretamente para tratamento, não especificando o profissional (17%). Smolka (1993) analisa esta situação, ao mesmo tempo ambígua e inconsistente, ao discutir sobre o que é patológico e o que é pedagógico, nas crianças em idade escolar. O conhecimento de algo que faz parte do processo de aprendizagem, e o que caracteriza indícios de patologias repercutiria em condutas mais direcionadas e conscientes, o que não acontece normalmente. “Infelizmente vejo pouco trabalho nesse sentido, as pessoas acreditam muito no “vai passar” ou “é o ritmo dele”. (s.53) 70 Um dos sujeitos, ao apresentar uma justificativa das condutas diante das alterações de fala em pré-escolares, deixa ver o desconhecimento do que é denominado pela neuropsicologia de ‘habilidades prévias para o desenvolvimento da escrita’ (DIAS, 2004) e o conseqüente descuidado no sentido de deixar que a criança chegue à classe de alfabetização, ainda com dificuldades que poderão dificultar a aquisição da escrita. “Esperam a criança entrar na alfabetização (por volta dos 6 anos) para encaminha-la para tratamento.” (s.18) Considerando, ainda, o Gráfico 3, é possível verificar que 32% dos sujeitos julgaram que crianças com dificuldades de fala devem ser encaminhadas especificamente ao fonoaudiólogo, o que já nos mostra uma importante aproximação de sentidos entre as questões de fala e este profissional. “Está sempre atenta para encaminhar o mais rápido possível ao fonoaudiólogo, pois só assim se consegue superar as dificuldades.” (s.25) “Procuramos encaminhar para as fonos para que elas façam o acompanhamento da criança e nos oriente melhor.” (s.43) “Quando tem conhecimento do trabalho do fonoaudiólogo, trabalham com tranqüilidade. A interação escola X terapia é fundamental para o resultado final.” (s.58) Como já foi discutido anteriormente, o processo de aquisição da leitura e escrita, funciona para criança como a aprendizagem de uma nova língua; a complexidade deste processo pode trazer dificuldades específicas durante sua aquisição. Recursos apropriados e profissionais especializados podem, no entanto, minimizar grande parte destas dificuldades. 71 Quando questionados sobre como procuram solucionar as dificuldades encontradas por seus alunos durante a aquisição da linguagem escrita, a grande maioria (70%) refere-se à utilização de recursos didáticos, principalmente enfatizando a questão metodológica. Novamente, as justificativas e explicitações são enunciadas por um discurso vago e generalizado, que se calca na utilização de recursos didáticos, sem qualquer questionamento quanto à sua adequação ou efetividade. Não há referências a possibilidades diferenciadas de atuação. Observa-se falta de criatividade e as soluções sugeridas mostram a dificuldade de dar aos alunos estratégias diferenciadas para aquisição de novos conceitos. “Através da fixação da matéria” (s.11) “Trabalhando através do lúdico, ou seja, com músicas e jogos” (s.16) “Fazendo uma boa escolha da metodologia adequada aos seus alunos” (s.15) Analisando estes trechos, podemos observar que o professor carrega sozinho a responsabilidade de solucionar as dificuldades de seus alunos. Mais importante ainda, julga estas dificuldades como algo oriundo do momento, desconsiderando que o sintoma pode ter raízes nos pré-requisitos para o desenvolvimento da escrita que não foram devidamente sedimentados. Encontramos, ainda, respostas que deixam ver a ausência de um conhecimento teórico específico; os sujeitos adotam um discurso generalizado, calcado em afirmações vagas, indefinidas e sem vínculos com a prática. 72 “Sempre buscando aprender sobre as limitações e as dificuldades encontradas e colocando em prática todas as experiências” (s.27) A relação entre ‘a tarefa de ensinar’ e ‘a relação de ensino’ foi descrita por Smolka (1993); a autora trata do dilema vivido pelo professor a quem cabe a ‘tarefa de ensinar’, imposta e instituída pela escola, e que vive ‘a relação de ensino’ construída nas relações interpessoais. Este dilema caracteriza-se por colocá-lo frente a demandas muitas vezes inconciliáveis: com freqüência, ele enfrenta lacunas em seus conhecimentos e não sabe como assumir um posicionamento crítico com relação ao seu papel e sua função, nos contextos sociais. [...] da forma como tem sido visto na escola, a tarefa de ensinar adquire algumas características (é linear, unilateral, estática) porque do lugar em que o professor se coloca (e é colocado), ele se apodera (não se apropria) do conhecimento; pensa que o possui e pensa que sua tarefa é precisamente dar o conhecimento à criança. (p.31) Diante das dificuldades da criança o professor procura, no isolamento que se impõe, encontrar saídas que, cada vez, distanciam-se mais. No entanto, alguns professores, ainda que em minoria, afirmam encaminhar alunos a outros profissionais (não especificados) quando percebem as dificuldades encontradas nos processos de aprendizagem. O encaminhamento ao fonoaudiólogo foi tido como opção para apenas 5% dos sujeitos, e nestes casos não foi apresentada qualquer justificativa. 4.4 SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO FONOAUDIÓLOGO 73 Em sua grande maioria, as escolas atualmente, não contam com o Fonoaudiólogo em seu quadro de funcionários. Quando se pergunta aos professores ou dirigentes sobre a presença ou o papel deste profissional, é comum resposta que se referem à indicação, aos pais, de nomes, quando é julgado que a criança o necessita. Deste modo, já começa a ser atribuída ao fonoaudiólogo o papel de reabilitador, ou seja, aquele profissional que aparece para tentar solucionar um problema já instalado. A partir das considerações tecidas neste capítulo, cabe-nos questionar: para tratar um problema que determinado aluno apresenta, o profissional tem sua importância notada, reconhecida e o encaminhamento é aceito pela escola. Como explicar, então, que apenas 5% dos sujeitos afirmem recorrer ao encaminhamento a um fonoaudiólogo quando seus alunos apresentam dificuldades? Este percentual poderia ser considerado como indício de que o trabalho deste profissional é pouco conhecido ou vem sendo visto de forma restrita ou, mesmo, equivocada? Saberiam os sujeitos em que áreas o fonoaudiólogo pode atuar? Existiria o conhecimento sobre a possibilidade de sua atuação nos campos da prevenção? Conhecer o que o professor pensa e sabe a respeito do trabalho do fonoaudiólogo pode nos dar indícios da função que este profissional vem exercendo no espaço escolar. No intuito de facilitar o mecanismo projetivo para que os professores pudessem explicitar a imagem do fonoaudiólogo no âmbito escolar, foi perguntado aos sujeitos sobre como este profissional é visto na escola; dentre as 74 respostas dadas foi possível perceber dificuldades com relação à definição de atribuições a este profissional. Se, por um lado, alguns apresentam um discurso valorizando a atuação do fonoaudiólogo, percebe-se que nesta colocação manifesta-se um desconhecimento da especificidade de seu trabalho: valorizam a atuação de modo vago e pouco esclarecedor. “Como um profissional necessário para que haja um bom aprendizado.” (s.48) “É visto como um profissional muito importante, que ajuda o professor a solucionar “problemas”, a entender melhor o aluno.” (s.62) “Como um agente facilitador do trabalho.” (s.60) Antevendo a dualidade que cerca o que julgamos como ideal, e o que, na prática é realizado, propusemos duas questões para serem analisadas sob este ponto de vista; ao estudar as respostas obtidas procuramos apreender como os sujeitos vêem a atuação do fonoaudiólogo na escola e o que esperam receber deste profissional. No conjunto de respostas pudemos constar a predominância de relações entre a ação fonoaudiológica e assertivas referentes ao tratamento de patologias instaladas; tal predominância se fez em detrimento de ações preventivas, o que mais uma vez ratifica a idéia de que o profissional da fonoaudiologia pode estar sendo visto, atualmente, pelos professores, como agente atuante na reabilitação das dificuldades na aquisição e desenvolvimento da linguagem. 75 Gráfico 4 - Atuação do Fonoaudiólogo Ponto de vista do Professor 8% 16% 7% 63% 4% 2% tratamento tratamento (ênfase) e prevenção prevenção (ênfase) tratamento prevenção ajuda não respondeu É possível notar no relato de alguns sujeitos, diante da questão ‘Para que serve, na prática, a atuação do fonoaudiólogo?’, a generalização de alguma experiência individual vivenciada que, assim, torna-se regra geral para a prática fonoaudiológica, o que mostra mais uma vez, um importante grau de desconhecimento da área. “Serve exatamente para aplicar exercícios respiratórios que melhoram o condicionamento físico e ampliar o indivíduo num todo.”(s.49) “Através de exercícios solucionar problemas articulatórios ou não relacionados a pronúncia de algum fonema.” (s.73) Apesar de minoritários, foi possível também identificar relatos conscientes acerca do que pode ser esperado da vinculação entre professor e 76 fonoaudiólogo, e da necessidade que os sujeitos sentem de ter apoio em questões específicas. “Eu acho que na formação de professores deveria ter aulas específicas sobre as dificuldades da fala e da escrita. O fonoaudiólogo serve para também ajudar, orientar e trocar com os professores colaborando na prática do dia a dia.” (s.24) Ao se considerar, em conjunto, as respostas a todas as questões até aqui enfocadas, é possível notar que os professores reconhecem, ainda que superficialmente, o trabalho que a fonoaudiologia vem realizando e pode realizar. Este conhecimento, no entanto, expressa-se com imprecisão, num estilo vago, que, mesmo quando assume formas hiperbólicas de valorizar a atividade profissional em questão, as referências permanecem sem vínculos concretos com o cotidiano. Alguns pouco sujeitos lamentaram a ausência de informações mais detalhadas sobre essa profissão e a ausência, em seu processo de formação, da veiculação de conhecimentos que lhes permitisse situar sua potencial articulação com o trabalho desenvolvido pela escola. As experiências que os sujeitos apresentam nessa área advêm, na maioria dos casos, da experiência que tiveram na escola onde lecionam ou lecionaram ou, ainda, do contato com profissionais que atendiam a seus alunos. Tal colocação é corroborada quando se considera que alguns sujeitos afirmam que gostariam de encontrar, no trabalho fonoaudiológico, formas de parceria (25%), de ajuda (20%), ou sugestões de atividades a serem desenvolvidas com os alunos (22%). Essas afirmativas, no entanto, se fazem em 77 meio a um discurso generalizante, que arrola idéias sem fundamentação ou o apoio de exemplos concretos. “Uma verdadeira parceria, ou seja, trabalhar em conjunto.” (s.56) “Auxiliar o trabalho com as crianças que apresentam dificuldades.” (s.45) “Gostaria de obter um conhecimento maior em relação aos exercícios para desenvolver também em sala-de-aula.” (s.41) Ainda sobre a mesma questão, 23% dos professores relataram desejar a presença do fonoaudiólogo na escola visando sobretudo à realização de triagens com os alunos de modo a “facilitar o trabalho pedagógico”. Ora, sob a aparência de uma parceria, o que se tem, neste caso, e a dominância de um modelo terapêutico que teria no diagnóstico seu primeiro momento: com seu problema diagnosticado, o aluno seria encaminhado facilitando o trabalho pedagógico. “Uma avaliação obrigatória, porém preventiva nas séries iniciais.” (s.64) Nesta etapa, três sujeitos não responderam e dois declararam não saber em que o fonoaudiólogo poderia ajudá-los, o que corrobora os indícios, anteriormente vislumbrados, do desconhecimento deste campo profissional e de seu potencial de contribuição à área da Educação, conforme vimos assinalando. Considerando as análises das repostas dos sujeitos ao questionário e, também, os resultados da livre evocação de palavras, é possível afirmar que no espaço escolar circulam informações concernentes ao objeto em estudo: fonoaudiólogo. Não é um objeto desconhecido. Vagas ou estereotipadas, elas 78 dão conta da descoberta, pelo professor, de uma atividade profissional que, como a sua, tem como foco as crianças, a aquisição e a correção da escrita e da fala. Note-se que, no possível núcleo central da representação social daquele objeto, encontramos os termos fala, escrita e crianças 3, o que nos leva a pensar neste conjunto como o que define e caracteriza o objeto: por constituírem o núcleo duro e inegociável da representação, estes elementos não podem deixar de estar presentes pois qualquer modificação sua implicaria na mudança da própria representação. Na periferia próxima, por sua vez, tem-se o termo linguagem com fortíssima tendência à centralidade, como é possível constatar no quadro abaixo. 3 Quando submetidos ao teste da dupla negação (CAMPOS, ROUQUETTE, 2003), aplicado a 26 sujeitos, estes termos foram confirmados com 92,3%, 100% e 100%, respectivamente. 79 QUADRO 1 POSSÍVEL ESTRUTURA DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO OBJETO EM ESTUDO fala escrita F>=10 crianças 6<=F< audicao voz 10 som ca-fonemas OME<2,5 F MOME 31 1,452 14 2,286 13 2,077 9 2,222 9 1,667 7 2,286 6 2,167 OME>=2,5 ajuda linguagem correcao palavra F 12 10 MOME 2,667 2,500 7 7 3,143 2,714 Essa configuração sugere a possibilidade de uma mudança na representação social do objeto, pela passagem da evocação linguagem ao Núcleo Central. Esta passagem ratificaria e explicitaria, ainda mais, a proximidade das redes de sentidos que articulam o objeto em estudo e as que definem o trabalho do professor das Classes de Alfabetização e 1as. Séries do Ensino Fundamental: o professor também trabalha com crianças; é ele que, enquanto profissional, responde pela introdução de seus alunos ao domínio da escrita, à adequação da fala e à proficiência das linguagens socialmente consideradas como aceitáveis. A proximidade destas redes pode ser uma pista que explicaria a dificuldade dos professores entenderem e situarem a atuação do fonoaudiólogo na perspectiva da prevenção, captadas no estudo das questões do questionário. Esta pista precisaria ser mais consistentemente analisada em estudos 80 posteriores, mas o que se pode levantar, neste trabalho exploratório, dá conta da recorrência e da invariância com que os professores restringem a atuação desse profissional aos limites do consultório e seu potencial de ajuda à recuperação de casos já instalados. Outro ponto relevante que deve ser observado no quadro acima é a localização das palavras voz e audição no sistema periférico, vale aqui relembrar que Motricidade oral (fala), Linguagem, Audição e Voz são as quatro principais áreas de estudo da Fonoaudiologia, e portanto teriam para este profissional basicamente o mesmo grau de importância, no entanto, ao ser perguntado sobre fonoaudiólogo ao professor, este vincula sua ação a áreas que são também de sua atribuição, trazendo para o núcleo central a palavra fala, e para sua proximidade, linguagem. Levantamos aqui, considerando o conjunto do material analisado, que mais que a ignorância ou falta de conhecimentos sobre uma profissão, a possível estrutura das representações sociais de fonoaudiólogo, para professores de Classes de Alfabetização e 1ª. Série do Ensino Fundamental, deixa ver a atuação de mecanismos sociais de defesa tentando garantir a positividade do espaço da prática profissional dos próprios sujeitos. 81 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta dissertação teve como objetivo apreender e analisar as representações sociais do fonoaudiólogo para professores de classe de alfabetização e 1ª série do ensino fundamental. Estas classes foram escolhidas porque nelas começa a se concretizar, mais diretamente, processos decisivos no desenvolvimento infantil quais sejam, a iniciação ao domínio da leitura e da escrita e a propriedade no uso da linguagem oral. A teoria das representações sociais foi adotada por partir do pressuposto de que os sentidos atribuídos ao objeto são construções de sujeitos concretos, integrando informações de diferentes ordens relacionadas ao objeto, às suas vivências e experiências a ele concernentes, de modo a facilitar suas relações com os grupos a que pertence ou que toma como referência. Considerando este pressuposto, esta dissertação procurou apreender indícios dos sentidos atribuídos ao fonoaudiólogo no espaço escolar, tomando, particularmente, como sujeitos, um grupo de professores das séries nas quais se inicia a apreensão e o domínio da linguagem escrita. A tranqüilidade no desenvolvimento do processo que, então, começa a tomar formar é importante para sua facilitação: tudo o que possa contribuir para tanto é salutar, bem como a adequação de procedimentos e estratégias para evitar eventuais problemas ou contorná-los. Neste contexto, quais os sentidos atribuídos ao fonoaudiólogo? A relação entre escola e fonoaudiologia não é antiga. No entanto, ainda que a regulamentação dessa atividade profissional tenha acontecido há 82 pouco mais de 30 anos, desde seu surgimento a fonoaudiologia e a educação estiveram ligadas, de alguma forma. Nos dias atuais, é possível perceber certa consolidação com relação ao encaminhamento de alunos com dificuldades de fala ou linguagem para o fonoaudiólogo. Resta-nos, entretanto, ter indícios sobre como acontecem tais encaminhamentos, os critérios que os orientam e como este conjunto se integra e articula aos sentidos atribuídos ao profissional. No município do Rio de Janeiro, algumas escolas particulares contam com a participação do fonoaudiólogo como integrante da equipe de apoio ao trabalho do professor, participando de reuniões e do planejamento escolar, bem como orientando os docentes no âmbito de sua formação. Tais escolas, no entanto, caracterizam-se como uma minoria. Na prática, maior parte das vezes, a relação entre a escola com seus professores e o fonoaudiólogo fica restrita a encaminhamentos para tratamento de alunos com dificuldades já instaladas, deixando de lado a possibilidade do trabalho preventivo que poderia ser realizado, com o concurso da competência específica desse profissional em apoio ao processo educativo escolar. Este estudo, de caráter exploratório, teve como sujeitos 83 professores de classe de alfabetização e 1ª série do ensino fundamental, vinculados a escolas públicas ou particulares de diferentes zonas do município do Rio de Janeiro. Adotando uma metodologia pluri-metodológica, a pesquisa, em seu desenvolvimento, aplicou aos sujeitos um questionário e um teste de livre evocação de palavras. 83 A análise repetida e cumulativa do material assim coletado permitiu ter alguns indícios sobre as imbricações de aspectos que cabe apresentar: parece que as informações relativas ao desenvolvimento infantil, oriundas da formação, foram apropriadas pelos sujeitos de modo abstrato, sem vínculos efetivos com sua prática em sala de aula; ao se referirem à prática, por exemplo, eles fazem apelo à experiência, não aos conhecimentos teóricos de que dispõe e quanto a estes se referem isto é feito ou em estilo alusivo ou em generalizações. Em conseqüência, não conseguem aventar, de modo consistente, possíveis raízes de eventuais dificuldades apresentadas pelas crianças ou estar alerta ao problema antes de sua instalação ou, ainda, ter estratégias pertinentes e efetivas de prevenção. Tais condições acabam por gerar inseguranças, incertezas, falta de direcionamento de conduta e, pior, a definição de rótulos ou a ratificação de estereótipos, no momento em que as dificuldades surgem. Cabe-nos ressaltar, mais uma vez, que não consideramos apropriado que o professor faça diagnósticos ou estabeleça condutas terapêuticas para seus alunos, o que, de fato, não é sua função. Trata-se apenas de estar preparado para captar e discernir sobre o tipo de dificuldade que se insinua, sabendo distinguir, com consistência, até que ponto o aluno precisa ser melhor assistido, ou se sua dificuldade pode ser sanada em sala-de-aula. Nesta pesquisa, as análises do material nos forneceram pistas sobre como os professores reagem frente às dificuldades de seus alunos: alguns tentam saná-las mediante o uso de recursos didáticos, muitas vezes inapropriados. Para a mesma dificuldade de fala apresentada por várias crianças, por exemplo, os sujeitos determinaram atividades de leitura, contagem de 84 histórias, ditados, indiscriminadamente, sem qualquer consideração sobre as raízes do sintoma de cada uma. A incidência de tal postura pode estar deixando ver que as condutas são traçadas de acordo com a experiência do sujeito, numa transposição a-crítica e generalizada de recursos didáticos tidos como eficazes nos contextos de atuação desses sujeitos. Foi possível, ainda, verificar que, com freqüência, os sujeitos apresentaram um discurso vago e pouco esclarecedor, quando as perguntas abordavam como lidar com questões relativas às dificuldades dos alunos, ou sobre o papel do fonoaudiólogo na escola ou, ainda, sobre o que gostariam de receber deste profissional. Chama a atenção a invariância com que os sujeitos tornam sua, e exclusivamente sua, a responsabilidade sobre a aprendizagem dos alunos: esta responsabilidade torna-se um definidor de seu trabalho e, em conseqüência, ratifica-se a dificuldade de reconhecer que, por vezes, se faz necessária a presença de outro profissional, e que esta presença não diminui o valor da tarefa em realização. No que concerne a atuação do fonoaudiólogo fica explicitada a dominância da ligação que os sujeitos estabelecem entre este profissional e a prática de tratamentos. Esta dominância se faz presente, ainda que tenha sido captada, em alguns, a noção do trabalho preventivo que a fonoaudiologia poderia realizar na escola, principalmente no campo da orientação, o que acarretaria, em conseqüência, um suporte ao trabalho do professor. Buscando apreender a possível estruturação das representações sociais de fonoaudiólogo para professores de classe de alfabetização e 1ª série do ensino fundamental, foi realizado o teste de livre evocação de palavras, que 85 apresentou como possível núcleo central, os elementos fala, escrita e crianças. O termo linguagem está na periferia próxima, com forte tendência à centralidade, o que não ocorre com o elemento ajuda, situado na mesma periferia. A configuração do núcleo central e as características da incidência do termo linguagem dão pistas sobre uma possível aproximação, uma sobreposição, mesmo, que os sujeitos estariam estabelecendo entre o trabalho do professor e o do fonoaudiólogo, se este se dedicasse a uma atuação preventiva. Estas pistas precisariam ser aprofundadas e melhor exploradas em outros estudos, o que ajudaria a uma melhor compreensão da dinâmica e dos processos em jogo nestas séries da escola. A análise conjunta de todos os dados colhidos, evidencia que o fonoaudiólogo é reconhecido no âmbito escolar, embora tenha sido possível, observar, também, indícios da potencial evolução das relações que este profissional pode estabelecer no espaço da escola. Talvez o olhar restritivo, delimitado ao campo do tratamento, possa ser, em breve ampliado. Neste caso, o professor reconheceria que esta parceria no campo do desenvolvimento infantil não implicaria numa ameaça ao seu espaço mas, sim, uma busca de melhores resultados nos processos de aquisição da linguagem escrita. Esta Dissertação, ainda que limitada e introdutória à questão, traduz a necessidade de novos trabalhos, no que concerne à relação entre fonoaudiologia e à educação. Muitos aspectos ainda precisam ser discutidos, mas fica aqui um convite, para maiores aprofundamentos e questionamentos enfocando a multidisciplinaridade e a integração de perspectivas e enfoques para uma melhor atuação no espaço escolar. 86 87 REFERÊNCIAS ABRIC, J.C. L’approche structurale des réprésentations sociales: développements récents (p.81-103). In: Psychologie & Société, no. 4, Réfllexions sur les réprésentations sociales. Ramonville Saint-Agne: Éditions Érès, 2002. ____. A Abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, S. P.; OLIVEIRA, D. (Orgs.) Estudos Interdisciplinares de Representação Social. Goiânia: AB Editora, 1998. ____. Exclusion sociale, insertion et prevention. Saint-Agne: Eres,1996. ____. Pratiques sociales et reprèsentations. Paris: Presses Universitaires de France,1994. ALVES-MAZZOTTI, A.J.; MADEIRA, M. et al. O Sentido de Ser Professor. In: III Jornada Internacional sobre Representações Sociais. 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( ) até 5 anos; ( ) de 6 a 10 anos; ( ) de 11 a 20 anos; ( ) mais de 20 anos c) O que você tem ouvido falar sobre o trabalho do fonoaudiólogo? ___________ _________________________________________________________________ ________________________________________________________________ d) Dar aulas em classes de alfabetização foi escolha sua? ( ) NÃÕ ( ) SIM. Justifique sua resposta: _____________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ e) Como, em geral, a pré-escola lida com as dificuldades de fala apresentadas por algumas crianças? ______________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ f) Como professor, que ajuda você gostaria de encontrar no trabalho do fonoaudiólogo? ____________________________________________________ _________________________________________________________________ 94 g) Pelo que você observa, como o fonoaudiólogo é visto nas escolas? ________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ h) No seu entender, qual deveria ser o papel do fonoaudiólogo na escola?______ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ i) Para que serve, na prática, a atuação do fonoaudiólogo? __________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________