GESTÃO DO CONHECIMENTO EM RESERVAS EXTRATIVISTAS Osmar Siena 1 2 Daniel Santos Menezes RESUMO A gestão e a preservação do conhecimento das populações tradicionais das Reservas Extrativistas – RESEXs carecem de propostas sistêmicas. Procurando desenvolvê-las, foi realizado um Workshop utilizando o Brainwriting, uma variação escrita do Brainstorming, com o objetivo de explorar a criatividade de especialistas. Assim foram escolhidos Analistas Ambientais e uma pesquisadora que tiveram contato direto com RESEXs e suas populações. Examinaram-se as propostas com fundamento em estudos sobre o conhecimento de populações tradicionais e sobre a teoria da Gestão do Conhecimento. Os resultados apontam para necessidade de uma maior atenção à gestão do conhecimento tradicional, tanto por parte do governo, quanto de ONG’s, pesquisadores e das próprias comunidades, na valorização de seus saberes. Para isso, propõe-se, entre outros aspectos: uma maior atenção nos projetos e pesquisas com uma abordagem mais focada na utilização, desenvolvimento e respeito pelo conhecimento local; a utilização de metodologias - para levantamento, registro e disseminação - diversificadas e adaptadas às comunidades-alvo; um aumento do intercâmbio entre essas comunidades; projetos educativos abrangendo as modalidades formal e informal nessas comunidades e; o fortalecimento institucional e político no trato e na utilização dos saberes tradicionais. Palavras-chave: conhecimento tradicional; RESEXs; gestão do conhecimento. 1 2 Dr. em Engenharia de Produção. Docente da Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR). E-mail: [email protected] Bacharel em Administração. Mestrando em Administração (UNIR). Analista Ambiental. E-mail: [email protected] 2 INTRODUÇÃO O conhecimento das populações tradicionais da Amazônia não possui um processo universalizado de levantamento e registro. Com o passar dos anos e com o acesso a novas tecnologias importadas dos núcleos urbanos, seja por meio de cursos ministrados por órgãos de apoio, informações obtidas pela mídia ou outros meios formais e informais de disseminação da informação, perde-se uma porção do conhecimento obtido pela convivência histórica com a floresta. O conhecimento empírico das populações tradicionais não pode ser desprezado. Existe considerável profundidade de conhecimento do comportamento ecossistêmico adquirido e desenvolvido ao longo do tempo, constituindo suas culturas (DIEGUES, 2000). O contexto atual da explosão da era informacional tende cada vez mais, por um lado, a globalizar o conhecimento, (DAVENPORT, 1998, SVEIBY, 2000, LASTRES, 2000, CARVALHO; TAVARES, 2001) padronizando roteiros e rotinas, padronizando o uso de determinadas tecnologias, podendo levar ao desaparecimento de outras. Por outro lado, a tecnologia da informação tem sido útil na disseminação do conhecimento de grupos excluídos, que não tinham quase nenhum acesso às mídias tradicionais, rádio e televisão, para divulgação de seus conhecimentos, história e cultura. Novas tecnologias, a exemplo da internet, propiciam a democratização do acesso a informações privilegiadas, não disponíveis nas mídias tradicionais. O conhecimento adquirido pelos diversos meio, inclusive de comunicação, não deveria destruir o conhecimento empírico das populações tradicionais, desenvolvido ao longo dos anos, sob pena de impedir sua preservação e o desenvolvimento de saberes estratégicos para a sua sobrevivência e bem-estar (DIEGUES, 2000). Pode-se perder, ainda, a geração de melhorias para toda a humanidade como medicamentos, conhecimentos de espécies e comportamentos fundamentais para o equilíbrio ecossistêmico, entre outros benefícios (MENEZES, 2001, 2002). Os conhecimentos tradicionais hoje são apropriados por pesquisadores ou empresas, em muitos casos, sem que haja retorno dos benefícios gerados para as comunidades. Este artigo explora propostas de estratégias, métodos, modelos e políticas que levem a preservação, valorização, disseminação e retorno dos benefícios gerados pelo uso do conhecimento tradicional das populações das Reservas Extrativistas (Resexs). Para isso, realizou-se um workshop com especialistas utilizando a técnica Brainwriting. Diegues (2005) estabelece alguns parâmetros identificadores de uma sociedade e cultura tradicional. Esses parâmetros podem ser reunidos em três grupos. O primeiro grupo diz respeito às características da relação estabelecida com a natureza. Essas populações possuem uma dependência e alguma simbiose com o meio natural, seus ciclos e recursos renováveis, construindo seus modos de vida a partir desses. Encontra-se refletido nas suas estratégias de uso e manejo dos recursos naturais um conhecimento da natureza, o qual é transmitido oralmente através das gerações. Existe, ainda, a noção de território ou espaço utilizado para a reprodução econômica e social do grupo, ocupado por várias gerações, embora ocorra a eventual migração de membros com um possível retorno posterior. 3 O segundo grupo de parâmetros identificadores abrange as características econômicas das populações tradicionais. Apesar das atividades econômicas poderem apresentar certo grau de desenvolvimento, implicando em uma relação com o mercado, as atividades de subsistência, por sua vez, representam papel importante, e a acumulação de capital é reduzida. Encontram-se ainda simbologias, mitos e rituais associados a caça, a pesca e a atividades extrativistas. A tecnologia utilizada é relativamente simples, de restrito impacto sobre o meio ambiente. A divisão técnica e social do trabalho é reduzida. Sobressai-se o trabalho artesanal, com o produtor (e sua família) dominando todo o processo de trabalho até o produto final. No aspecto sócio-cultural, verifica-se a considerável importância dada a unidade familiar, doméstica ou comunitária e às relações de parentesco ou apadrinhamento presentes no exercício das atividades econômicas, sociais e culturais. Identifica-se a debilidade do poder político, o qual, quando existe, se localiza em influentes grupos sociais dos centros urbanos. Por fim, existe a auto identificação dos grupos ou são identificados por outros como pertencentes a uma cultura distinta das demais. Cunha e Almeida (1999) reconhecem que não existem necessariamente aspectos conservacionistas nas populações tradicionais, mas suas histórias demonstram que realizaram a conservação. Segundo esses autores, os principais argumentos dos opositores que combatem a participação de comunidades tradicionais em Unidades de Conservação – Ucs são: 1. nem todas as populações tradicionais são necessariamente conservacionistas, 2. mesmo as que são (a exemplo de algumas comunidades indígenas), podem mudar ao entrar no mercado. Para eles, a questão central seria manter a permanência das práticas conservacionistas dessas populações, ou estabelecer com elas o que chamam de “um conservacionismo cultural”, o que estaria condicionado a um pacto a ser celebrado com a sociedade. Nessa ótica, ser “população tradicional” estaria condicionado ao pacto estabelecido na conservação. Ainda segundo Cunha e Almeida (1999), pode ser prudente evitar duas formas de dogmatismo: uma voltada para o conservacionismo autoritário inviável, visando manter livres de qualquer intervenção humana os ambientes naturais virgens e realizar uma limpeza humana nas áreas de conservação de uso direto, o que é socialmente impossível. A outra forma é uma espécie de populismo, igualmente inviável porque ignora as pressões ambientais que podem em longo prazo degradar a vida das próprias populações tradicionais. As populações localizadas em Resexs geralmente apresentam as características acima apontadas por Diegues (2005), havendo o diagnóstico das comunidades antes da decretação da reserva. Estabelecem também um pacto social, na perspectiva apresentada por Cunha e Almeida (1999), ao se colocarem sob a legislação que condiciona a sua permanência e o direito real de uso da área, ao uso sustentável dos recursos naturais. Ou seja, além de serem reconhecidas legalmente pelo Poder Público, preenchem as características realçadas. Na perspectiva de Diegues (2000), o conhecimento e as práticas de manejo das comunidades tradicionais constituem um patrimônio que requer valorização, pois o conhecimento 4 local acumulou durante gerações informações sobre os ecossistemas e suas variações. Para Campos (2006, p.9), esse conhecimento possui a capacidade de gerar novas tecnologias, pois desenvolve competências específicas geradas por processos de aprendizagem, ultrapassando a simples aquisição do saber formal, científico e transferível, determinado por um certo paradigma tecnológico. Segundo esse autor, um padrão tecnológico alternativo deveria se pautar pelos “[...] conhecimentos tácitos locais acumulados pelos extrativistas, onde as inovações são fruto do próprio manejo da biodiversidade”. Com a preocupação da melhoria na qualidade de vida comunitária, Menezes (2002) observa o extrativismo vegetal desenvolvendo novas tecnologias, contribuindo para uma indústria de alimentos, cosméticos e farmacêutica avançada, com bons potenciais de inserção no mercado exportador. Iniciativas tecnológicas nas Resex compreendem trabalhos como, por exemplo, o desenvolvimento de “Ilhas de Alta Produtividade” (MACIEL, 2003, CAMPOS, 2006, p.9) e “Couro Vegetal” (ANDRADE, 2003). Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá, no estado do Amazonas desenvolve-se em conjunto com os pescadores locais o manejo in natura de pirarucu. Para Menezes (2001) a biodiversidade aponta para ser o maior potencial presente e futuro da Amazônia, dependendo da forma como for apropriada. Seu potencial na produção de alimentos, cosméticos e medicamentos, e sua importância ecológica têm cada vez mais impacto e reconhecimento. As áreas de megadiversidade propiciam, assim, um diferencial competitivo na indústria de biotecnologia, considerada de ponta e de altíssimo valor agregado. É fato que muitos grupos indígenas e não indígenas como os seringueiros, ribeirinhos, caboclos e pescadores têm preservado e talvez até ampliado a biodiversidade nas florestas neotropicais. Na Reserva Extrativista do Alto Juruá, a pesquisa realizada por antropólogos e biólogos, em uma floresta antes habitada por grupos indígenas de tronco Pano e depois por seringueiros há cerca de cem anos, mostrou que pode haver ali índices de biodiversidade (baseados em grupos indicadores como borboletas, anuros e aves) comparáveis ou superiores aos dos locais campeões em espécies como Tambopata, Manu e Pakitza no Peru, e Jaru e Cacaulandia em Rondônia (CUNHA; ALMEIDA, 1999, p.3). Uma pesquisa de Batistella et al. (2005) sobre conhecimentos da comunidade do Lago Janauacá no Amazonas, correspondente a dieta de peixes na região, apresentou uma correlação de 83% com os existentes na literatura. A origem dos conhecimentos dos pescadores e seus familiares se deu através da observação na utilização das iscas, no tratamento dos peixes e nos conhecimentos adquiridos com outras pessoas. Ao término do ano de 2006 e início de 2007, se realizou uma consulta pública pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, objetivando coletar sugestões para a regulamentação da repartição e do acesso aos benefícios oriundos do uso de conhecimentos biológicos das populações tradicionais. Embora, os resultados ainda não estejam disponíveis, demonstra-se com essa iniciativa o crescimento da atenção ao tema. 5 Para Sveiby (1998, p.31), estamos em transição do paradigma industrial ao paradigma do conhecimento. Estamos abandonando a maneira industrial de ver o mundo, mas ninguém sabe com certeza ainda o que há de vir, pois há muitas contradições na configuração desse novo mundo, pois ele é “[...] intangível caótico, individual e global, pequeno e grande, mecânico, humano, tudo ao mesmo tempo”. No entanto, informação e conhecimento no sentido mais amplo, estão adquirindo mais importância. “Assim, por mais que descrevamos a nova sociedade que estamos criando, faz mais sentido vê-la em termos de conhecimento.” Na análise de Quinn (1992), os serviços compõem no mundo mais de dois terços do produto nacional bruto (PIB) e dos empregos, por isso podemos mudar nossa perspectiva – ou paradigma – para algo que possamos chamar de economia do conhecimento ou de serviço. Para ele, no novo paradigma, a alavanca das competências centrais de muitas companhias está em atividades de serviço, as quais por sua vez residem em determinadas habilidades especiais fundamentadas no conhecimento ou intelectuais. Cada vez mais gerentes de empresas bem sucedidas têm como interesse dominante a administração de intelectos e habilidades humanas em lugar de se priorizar a administração e distribuição física e de bens. Existem recursos ilimitados na economia da era do conhecimento porque a capacidade do ser humano de gerar conhecimentos é infinita; o crescimento cresce quando é compartilhado; os recursos físicos que diminuem com a distribuição (SVEIBY, 1998). Conforme Lastres (2000) existe certo consenso sobre a nova ordem mundial estar pautada pelo conhecimento, mas nota-se que o mesmo não se distribui uniformemente. Também ressalta o fato do conhecimento poder se perder pela aceleração da ênfase nos financiamentos que objetivam resultados de curto prazo, verificando-se o que, segundo autora, alguns estão chamando de Era da Ignorância. A autora ainda enfatiza que não se pode perder a produção do conhecimento, que devem ser verificadas as condições sociais e sua inserção local, regional e nacional. Observa uma variedade de enfoques e conceitos, o que não impede a verificação de importantes convergências analíticas. Segundo Davenport (1998), dados constituem um conjunto de fatos distintos e objetivos, relativos a eventos. Na perspectiva do autor, informação pode ser descrita como uma mensagem, geralmente veiculada na forma de um documento ou uma comunicação audível ou visível. Tem como qualquer mensagem um emitente e um receptor, e sua finalidade é mudar o modo como o destinatário vê algo, exercer algum impacto sobre seu comportamento ou julgamento. Informar significa originalmente “dar forma a”. Seria, então, dar forma aos dados. A maioria das pessoas tem a noção intuitiva que conhecimento é mais amplo, mais profundo e mais rico que dados ou informação. É usual se falar em um indivíduo esclarecido, bem informado, possuidor de conhecimento sobre determinado assunto, inteligente e com boa formação cultural. Raramente se refere a um banco de dados como sendo “repleto de conhecimento”, embora esses possam ter sido elaborados por indivíduos ou grupos “esclarecidos”. O conhecimento é uma mistura de elementos, e é ao mesmo tempo fluido e estruturado, intuitivo e, por isso mesmo, difícil de ser colocado em palavras ou de ser 6 plenamente entendido em termos lógicos. Existe dentro das pessoas e, assim, faz parte da complexidade e imprevisibilidade humana. Conhecimento não é dado, nem informação, mas está relacionado com ambos. A diferença entre dado, informação e conhecimento é geralmente uma questão de grau (DAVENPORT, 1998). Segundo, Carvalho e Tavares (2001), o conceito de informação está relacionado com dado, significado e contexto. Informação não é um mero acúmulo de dados, pois só existe na medida em que os dados constituem significado para seu receptor. Esse significado dependerá do contexto no qual o indivíduo estiver inserido. Daí a dificuldade na comunicação, no nivelamento de entendimentos, na aproximação de interpretações sobre determinado assunto. Informação gera aceitação no mundo ou capacidade de fazê-lo nos aceitar, dessa forma é também poder. Informação é poder para países, organizações e indivíduos, pois, por meio de “[...] um simples gesto ou palavras ou conhecimento adquirido pode-se mudar uma vida [...]” (CARVALHO e TAVARES, 2001, p.5). Por sua vez, conhecimento está relacionado com a capacidade de associação, relacionamento e colocação diante de um objeto. Essa característica seria própria do ser humano, como único capaz de se colocar diante de uma realidade e extrair dela informações necessárias para a formação de um novo entendimento ou juízo de valor. O homem é sujeito do conhecimento nessa ótica. É o único capaz de aprender diante da realidade a ele apresentada e de transmitir o aprendizado adquirido a outro. Diante do objeto o homem traça modelos mentais de interpretação “[...] intrinsecamente subjetivos – em cuja relação com objeto formará um novo estado de entendimento, um novo conhecimento.” (CARVALHO, TAVARES, 2001, p.46). Sveiby (1998) afirma que o método mais comum de transferência de conhecimentos – a palestra – é também o menos eficaz. Sugere que exaustivos estudos demonstraram que depois de cinco dias as pessoas se recordam de menos de um décimo do que ouviram. Discrimina dois tipos de transferência de conhecimento: pela audição: são exemplos as palestras e os audiovisuais; pela tradição - “aprender fazendo” é um método desse tipo. Para esse autor, se o objetivo for o de aumentar a competência, a transferência de conhecimento pela informação (audição) não é um método confiável. Métodos mais “osmóticos” semelhantes a tradicional transmissão de conhecimento mestre-aprendiz são mais eficazes (SVEIBY, 1998). Na figura 1 apresenta-se uma comparação entre os métodos de transferência pela informação e transferência pela tradição. Ainda hoje a tradição parece continuar sendo a melhor forma de transferência de conhecimento. O aprendizado prático é a melhor maneira de se aprender no ambiente de trabalho. Pessoas aprendem principalmente seguindo os exemplos de outras, praticando e conversando. Não gostamos de ler e interpretar instruções. “Portanto, a competência é transferida com mais eficácia quando o receptor participa do processo” (SVEIBY, 1998, p.52). Porém, o aprendizado prático leva tempo, e esse hoje é um bem que está escasso na vida dos indivíduos. Outra desvantagem da tradição é que grande parte dela é tácita, a ponto de quase se ter de exercer uma profissão para acessá-la. Em seguida, esse autor esquematiza as duas 7 formas de transferência do conhecimento, conforme figura 1. Subentende-se, em sua análise, que é muito importante haver uma interação entre informação e tradição, entre conhecimento explícito e tácito. INFORMAÇÃO TRADIÇÃO Transfere informações articuladas Transfere capacidades articuladas e não articuladas Independente do indivíduo Dependente e independente Estática Dinâmica Rápida Lenta Codificada Não codificada Fácil distribuição em massa Difícil distribuição em massa FIGURA 1 - A TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTO PELA INFORMAÇÃO E PELA TRADIÇÃO FONTE: Sveiby (1998, p.54) Davenport (1998, p. 108) assegura que “[...] a transferência espontânea e não estruturada do conhecimento é vital para o sucesso de uma empresa”. O termo gestão do conhecimento implica a transferência formalizada, embora um de seus elementos essenciais é o desenvolvimento de estratégias específicas estimuladoras das trocas espontâneas. A figura 2 apresenta alguns fatores culturais que inibem a transferência do conhecimento. ATRITO SOLUÇÕES POSSÍVEIS Falta de confiança mútua Construir relacionamentos e confiança mútua através de reuniões Diferentes culturas, vocabulários e quadros de referência. Estabelece um consenso através de educação, discussão, Falta de tempo e de locais e encontro; idéia estreita de Criar tempo e locais para a transferência de conhecimento: feiras, trabalho produtivo. salas de bate-papo, relatos de conferências. Status e recompensas vão para os possuidores de Avaliar o desempenho e oferecer incentivos baseados no face a face publicação, trabalha em equipe e rodízio de funções. conhecimento compartilhamento Falta de capacidade de absorção pelos recipientes Educar funcionários para a flexibilidade; propiciar tempo para aprendizado; basear as contratações na abertura a idéias. Crença de que o conhecimento é prerrogativa de Estimular a aproximação não hierárquica do conhecimento; a determinados grupos, “síndrome do não inventado aqui”. qualidade das idéias é mais importante do que o cargo da fonte. Intolerância com erros ou necessidade de ajuda Aceitar e recompensar erros criativos e colaboração; não há perda de status por não se saber tudo. FIGURA 2 - FATORES CULTURAIS INIBIDORES DA TRANSFERÊNCIA DO CONHECIMENTO FONTE: Davenport (1998, p.117) Para Davenport (1998) os valores e crenças das pessoas exercem forte impacto sobre o conhecimento organizacional, influenciam os pensamentos e atos dos indivíduos. As organizações possuem, então, histórias próprias originárias de atos e palavras das pessoas, expressando valores e crenças corporativos. Pela análise da figura 2, percebe-se os elementos de atrito, geralmente baseados nas diferenças culturais e de status entre os indivíduos e também algumas sugestões para superação desse obstáculos, a fim de criar um cultura que favoreça a transferência e crescimento do conhecimento dentro da organização. 8 Materiais e Métodos O Brainwriting é uma forma escrita, uma variação do Brainstorming ou “tempestade de idéias”. Sua finalidade é explorar campos do conhecimento de especialistas sobre determinado assunto, de forma livre, a fim de estimular a criatividade. É realizado por meio de rodadas ou sessões onde as pessoas podem expressar livremente suas propostas sobre determinada questão preenchendo-as em um formulário. A cada rodada uma pessoa recebe um novo formulário preenchido pelas pessoas que a antecederam, tendo acesso assim às propostas/sugestões produzidas pelo grupo, assim, uma quantidade variada de idéias é incorporada a cada sessão. O Workshop Brainwriting – Reservas Extrativistas e Conhecimento Tradicional, realizado neste pesquisa, utilizou formulários em meio eletrônico nas rodadas com cinco Analistas Ambientais que trabalham com Resexs, lotados no Instituto Brasileiro de Meio ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA), hoje Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade que assumiu a gestão das Resexs federais, e uma aluna de mestrado de uma Universidade holandesa, em estadia no município de Porto Velho-RO, pesquisadora de populações rurais, extrativistas e ribeirinhas. Os Analistas Ambientais participantes foram dois do Estado do Acre, um do Maranhão, um de Brasília e um de Rondônia. Os participantes foram esclarecidos sobre a técnica, as regras orientadoras, o objeto de pesquisa, a questão de pesquisa e um breve contexto no qual se insere a questão. Os participantes foram estimulados a expressar suas idéias/propostas livremente dentro do contexto apresentado, aperfeiçoá-las a cada rodada e modificar ou aprimorar idéias apresentadas por algum outro participante, de forma livre e espontânea. Todas as informações foram trocadas através do correio eletrônico, com o envio de formulários seqüencialmente numa ordem previamente estabelecida. Por ser o tema Resex e conhecimento tradicional um assunto relativamente novo, o objetivo foi explorar sugestões criativas de pessoas ligadas à área, preferencialmente aquelas que convivem com as populações das Resexs e suas práticas. Não houve a preocupação em atingir formas prontas para serem aplicadas. As sugestões aqui referidas servirão como subsídios, visando um aprofundamento na questão e suas propostas. Perguntou-se, por quais meios, instrumentos, métodos, abordagens ou políticas pode o conhecimento tradicional ser preservado diante da implementação de projetos e pesquisas diversos, para que não se perca com o decorrer do tempo, bem como as condições de produção desse conhecimento permaneçam? Antes de prosseguir às propostas apresentadas no workshop são apresentados conceitos e visões sobre o tema, pela revisão da literatura, com o objetivo de fundamentar as discussões das premissas que emergiram da aplicação da técnica. 9 Resultados Retirou-se da análise dos resultados do workshop algumas premissas, agrupando propostas em temas semelhantes. Os sub-tópicos seguintes apresentam tais premissas. Os projetos e pesquisas a serem implementados em Resexs devem manter um constante diálogo entre o conhecimento tradicional, o técnico e o científico Muitas propostas foram apresentadas nesse foco. Em geral, entende-se que o conhecimento tradicional precisa ser a base, a diretriz prioritária para os projetos a serem implementados em RESEXs. Na ótica dos participantes os projetos necessitam: ter o protagonismo e pleno domínio da população; incorporar o conhecimento tradicional em sua integridade e serem originados na demanda comunitária; ser de cunho participativo, desde a captação das demandas e ser objeto da análise e aprovação das organizações comunitárias legítimas; oportunizar nos momentos de elaboração conjunta o desenvolvimento, a troca e a valorização do conhecimento tradicional; respeitar a própria noção comunitária local de desenvolvimento sustentável; incorporar o conhecimento em propostas de cursos profissionalizantes, ou de capacitação em gestão, ao mesmo tempo, conscientizando técnicos e consultores para a utilização do conhecimento tradicional; respeitar as formas tradicionais de organização socioeconômica nos projetos relacionados a questões produtivas; devendo esses ser construídos pelas comunidades, com apoio técnico de instituições; e, estabelecer a obrigatoriedade de inclusão do conhecimento tradicional nos trabalhos de criação, gestão, monitoramento e fiscalização das RESEXs. De modo semelhante a outros tipos de projetos propostos ou desenvolvidos em reservas, observou-se que as pesquisas deveriam ser orientadas pelas demandas das comunidades, promovendo a valorização e a incorporação do conhecimento tradicional e o diálogo permanente entre os saberes científico/técnico e o tradicional. O conhecimento tradicional deveria ser o ponto de partida, ser trazido para o acadêmico e não o contrário. Os conhecimentos tradicionais deveriam ser introduzidos no dia-a-dia da pesquisa e gestão junto às comunidades, possibilitando uma visão “de dentro” das comunidades em relação aos seus horizontes presentes e futuros. A entrada de agentes de pesquisa sem a prévia autorização e organização das comunidades para autogestão do seu conhecimento deveria ser evitada. Um dos participantes citou a título de exemplo, uma experiência da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Insituto Rio Branco (IRB) e Universidade Federal do Acre/Universidade da Floresta (UFAC/Floresta), ocorrida no município de Cruzeiro do Sul/AC, onde pesquisadores estudam a agrobiodiversidade da cultura da mandioca, tradicional na região do Alto Juruá. A UNICAMP desenvolve várias experiências na RESEX Alto Juruá (REAJ), de onde saíram algumas publicações, sendo a mais importante a “Enciclopédia da Floresta”, que apresenta as culturas dos povos Ashaninka, kaxinauá e também dos seringueiros da REAJ. Outra publicação interessante foi um manual de monitoramento de ambientes através de libélulas. Os diários de monitoramento ainda renderam algumas publicações literárias, com causos e contos do povo da floresta. 10 Metodologias para levantamento, sistematização, registro e divulgação do conhecimento tradicional necessitam de criatividade e diversificação Indicou-se que as comunidades deveriam atentar para a perpetuação de seu conhecimento por meio de seu registro. Exemplos foram citados como a publicação de livros, editados por elas próprias, contendo seus modos de vida, práticas, inovações e conhecimentos tradicionais, com o apoio de instituições de pesquisa e gestão, e publicações em geral. Referiuse ao desenvolvimento de um banco de dados de fácil acesso aos extrativistas e que sirva como um meio de divulgação entre as Resexs e de registro junto ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN do Ministério do Meio Ambiente - MMA para fins de repartição de benefícios advindos do uso do conhecimento tradicional associado. Sugeriram-se patentes e certificações como forma de demonstrar o conhecimento tradicional. Foram propostos o levantamento e valorização do conhecimento tradicional nos momentos de diagnósticos e construção dos Planos de Manejo, formação dos Conselhos Deliberativos e demais instrumentos de gestão, inserindo nos respectivos roteiros metodológicos essa necessidade, ainda que de forma preliminar. De acordo com as demais sugestões e observações, as metodologias a serem utilizadas devem: permitir a opção das próprias comunidades no interesse de realizar ou não a sistematização de seus saberes, bem como a forma e meios de realização desse intento; aprimorar as metodologias a partir das iniciativas e pesquisas já existentes e do planejamento comum entre técnicos e extrativistas; incorporar o terceiro setor de áreas afins no desenvolvimento de tais metodologias; ser participativas visando garantir a apropriação do processo pelas populações tradicionais; e, buscar, junto às comunidades, formas alternativas de sistematizar seus conhecimentos tradicionais – evitando, por exemplo, sistemas frágeis como os banco de dados governamentais – e sistematizar experiências comunitárias já existentes relacionadas a valorização desses conhecimentos. Observa-se no último item certo dissenso/conflito sobre a proposta de banco de dados. Generaliza-se uma fragilidade nos bancos de dados governamentais, o que não é condição para que se estabeleça no âmbito governamental um sistema não “frágil”, ou seja, consistente e abrangente. Foram sugeridas as seguintes ferramentas para levantamento: técnicas adaptadas a populações iletradas, oralidade e rádios comunitárias; técnicas pictográficas de representações do conhecimento (mapas, esquemas, gráficos, desenhos); vídeos, questionários e entrevistas para levantamento do conhecimento tradicional dos extrativistas; e, resgate histórico das práticas e do conhecimento, através de pesquisa junto à população mais experiente, visando sistematizar o que “ainda se sabe, e resgatar o que está se perdendo”. Para sistematização do conhecimento propôs-se: utilizar a Tecnologia da Informação cadastro em banco de dados de experiências com informações sobre objetivo, área de atuação, metas alcançadas e por alcançar, bem como contatos; e, sistematizar o conhecimento por temas - por exemplo, com técnicas de manejo, taxonomia, métodos de administração, relações humanas e públicas, religião, geografia. 11 No aspecto da divulgação as seguintes propostas foram realizadas: realizar intercâmbios entre diferentes populações; criar espaço a oportunidades para as comunidades para a troca de conhecimento e experiências e especificamente reforçar a auto-estima delas em relação deste conhecimento; realizar feiras ou encontros, para possibilitar que as pessoas troquem conhecimentos entre si; e, criar publicações dos conhecimentos tradicionais. Não houve consenso no item “a”. Um participante manifestou a opinião de que tal proposta não preserva o conhecimento, antes o altera. Mas o mesmo participante reconheceu que não há a necessidade de preservação integral do conhecimento tradicional. No entanto, essa proposta valoriza a auto-estima e o conhecimento tradicional, sendo, por isso, uma forma de estímulo indireto a sua preservação. O conhecimento tradicional não é estanque, ou seja, está sempre sujeito a modificações. Assim, preservá-lo em toda sua integridade seria utopia, desnecessária e não-recomendável, uma vez que as populações tradicionais, principalmente no caso das Resexs, em sua maioria, estão em constante intercâmbio cultural com o meio urbano e outras culturas, além delas próprias estarem aperfeiçoando seus conhecimentos. Um dos participantes citou como exemplo o Projeto Rede dos Povos da Floresta, uma parceria do MMA com o Ministério das Comunicações, para propiciar uma grande rede de comunicação para troca de informações, experiências-piloto e cultura entre as RESEX/RDS e também Terras Indígenas e UC de Proteção Integral que possuam moradores no seu interior ou entorno. A necessidade de desenvolvimento de modelo para gestão do conhecimento tradicional O estabelecimento de uma política pública com o objetivo de preservar o conhe- cimento tradicional e estimular sua produção, bem como um trabalho de identificação destes conhecimentos e incorporação dos mesmos à gestão ambiental foi uma das propostas apresentadas. Propôs-se a incorporação dos saberes na gestão das Resexs. Sugeriu-se também a implementação de um modelo de Gestão do Conhecimento Tradicional no órgão público responsável pela gestão das Resexs. Alguns pressupostos e propostas dos participantes foram: valorizar os processos próprios de organização de comunidades locais; a abordagem do conhecimento deve contemplar o conhecimento tradicional (etnoconhecimento), costumes e estruturas hierárquicas locais (quando houverem); incorporar nas formas de gestão, com igual valor, o manejo tradicional na tomada de decisão. Os instrumentos de gestão dos recursos naturais das UCs de uso sustentável devem ser baseados nos conhecimentos tradicionais locais; os técnicos que trabalham com as RESEXs devem incorporar o item “conhecimentos tradicionais” em todos os seus planos de trabalho e traçar planos de ação específicos; levantar experiências e pesquisas porventura já existentes, o benchmarking, retirando elementos potenciais; adaptar modelos existentes em gestão do conhecimento, inteligência competitiva e sistemas de informação para construção de um modelo de gestão do conhecimento tradicional; e, estabelecer o conhecimento tradicional como o principal indicador das estratégias de planejamento. 12 Projetos educativos para a preservação e valorização do conhecimento das comunidades tradicionais Sugeriu-se uma educação antroposófica, a qual inclui, segundo a descrição de um dos participantes, o fortalecimento da consciência da personalidade, o que inclui a cultura. Recomenda-se um programa de Educação nas RESEXs/RDSs que utilize a base do conhecimento tradicional como temas transversais na programação escolar, contendo, por exemplo, cartilha regionalizada (A-Açaí, B-Buriti, etc.), “Livro Vivo”, rituais e hábitos, que sejam parte da programação nas escolas e com a inclusão do programa de Educação no Planos de Manejo. O estabelecimento de parcerias com as escolas das Resexs seria estratégico para o desenvolvimento de metodologias de ensino que incorporem e valorizem a cultura e o conhecimento tradicional. Algumas observações complementares incluem: a promoção da conscientização dos extrativistas da importância cultural, social e ecológica do conhecimento que detêm; e, a participação dos idosos na programação escolar para compartilhamento de seus conhecimentos com os jovens da comunidade. No campo da educação informal (direcionado ao público externo das escolas) foi proposta a capacitação dos técnicos do IBAMA/Instituto Chico Mendes que trabalham com comunidades tradicionais para valorizarem, desenvolverem e priorizarem o conhecimento tradicional e de forma semelhante capacitar técnicos de ONGs e órgãos parceiros que trabalham com essas populações para a inclusão do conhecimento tradicional em projetos, pesquisas e cursos profissionalizantes. Observou-se, ainda, a adequação da formação dos técnicos que trabalham nas UC’s ou mesmo com comunidades fora delas, devendo os mesmos possuir uma formação que admita o “[...] diálogo entre as ciências da natureza e as ciências sociais.” Fortalecimento político e institucional das comunidades tradicionais e das ações para preservação de seu conhecimento Foi recomendada a articulação no nível governamental para o reconhecimento do conhecimento tradicional, a construção e fortalecimento de propostas através da articulação técnica e política dos extrativistas, entidades representantes e órgãos gestores nos três poderes. O conhecimento tradicional precisaria ser reconhecido como uma das diversas maneiras possíveis de se conhecer o mundo, assim como o conhecimento científico, tão válido quanto este último e igualmente legítimo. Recomendou-se apoio às comunidades para inserção nas plataformas mundiais na área do conhecimento tradicional para defesa e representação de conhecimentos de seu domínio. Para o fortalecimento político-institucional indicou-se a construção de redes de relacionamento com outras Resex e com populações tradicionais de outros locais e países para fortalecimento de propostas, repartição de benefícios, transferência de tecnologia, entre outros. Observa-se ainda a necessidade de conscientização das comunidades tradicionais e acadêmicas sobre a legislação vigente de proteção dos conhecimentos tradicionais e a 13 importância de ser observada. Tal legislação necessita ser aprimorada, estabelecendo mecanismos institucionais de gestão desse conhecimento bem como sanções administrativas e penais para seu descumprimento. A mudança do status de Medida Provisória (CDB) para lei seria fundamental para assegurar sanções penais. Programas e políticas de conservação dos conhecimentos tradicionais deveriam ser criados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Observam-se ameaças e oportunidades na gestão do conhecimento tradicional na era da explosão da informação e do conhecimento. Ameaças na possibilidade da desvalorização e perda do conhecimento tradicional, se não forem estabelecidos mecanismos de estímulo para resistência dessa forma de conhecimento frente ao contato com outras culturas e modos de vida. Oportunidades também são percebidas, principalmente, quando se considera que as novas ferramentas de comunicação, bem como a ampliação do mercado de serviços favorecem, respectivamente, a sistematização/expressão do conhecimento tradicional e a valorização em termos simbólicos, tecnológicos e monetários para esses saberes históricos. Muitas idéias criativas, bem fundamentadas e consistentes foram apresentadas no workshop, visando implementar a gestão do conhecimento, as quais necessitam de ser aprimoradas e desenvolvidas nos aspectos conceituais, metodológicos e operacionais, além de serem objeto de um maior debate entre os atores que lidam com as questões inerentes aos conhecimentos associados às populações tradicionais. Não foram apresentados conceitos da gestão do conhecimento aos participantes. Entretanto, percebeu-se um adequada noção intuitiva sobre “conhecimento”, e predominaram sentidos como “sabedoria”, “experiência” e “competência”. Por poucas vezes se viu a concepção caminhando em direção ao sentido inferior de “informação”. Mas, considerando que o conhecimento depende da informação, as propostas para fortalecimento da gestão da informação também foram mantidas, entendendo-se que, se bem realizada, a gestão da informação contribui significativamente para perpetuação e desenvolvimento do conhecimento. Em geral, verificou-se a preocupação com a valorização do saber local frente à tendência de supremacia do saber científico. Coerentemente, observa-se uma ênfase propositiva na apropriação de todo o processo de planejamento e execução de projetos e pesquisas pelas comunidades locais, ou seja, valorizando de antemão seu conhecimento e autonomia decisórios na destinação de seu know-how, competências individuais e coletivas. A diversificação de técnicas e metodologias para diagnóstico, sistematização, gestão, divulgação foi bastante satisfatória, abrangendo desde técnicas pictográficas e de transmissão oral, até a construção de bancos de dados informacionais, passando por levantamentos por questionários, vídeos, divulgação em feiras, entre outros. Assim, preenchem as duas formas de transmissão analisadas, transferência pela audição (palestras e audiovisuais) e transferência pela tradição (aprender fazendo), este último teve menor presença nas propostas, embora 14 observa-se que nas Resexs a tradição é a principal forma de transmissão de aprendizado. Isso indica uma influência da concepção corrente de informação estruturada como conhecimento, e da necessidade de ênfase prática colocada por um mundo acelerado, pois o método da transferência pela tradição, embora muito mais eficiente, é demorado, exige tempo para que ocorra. Isso, porém, não é motivo para que não se desenvolvam estratégias espontâneas de troca, pois são a garantia efetiva de transferência de conhecimento. A ênfase colocada na necessidade de um modelo de gestão para esse conhecimento demonstra o sentimento e a realidade da falta de tratamento desse assunto, nos indicando, de forma geral, uma ausência dos órgãos públicos e não-governamentais na atenção ao tratamento do saber local. Demonstra ainda uma preocupação típica de quem vive algo semelhante à Era do Conhecimento, visto que a preocupação com a sabedoria popular, do trabalhador ou mesmo dos técnicos, é relativamente recente no meio acadêmico e governamental. Projetos voltados para a educação considerando o conhecimento tradicional, nos níveis formal (educação escolar) e não-formal (projetos educativos extra-escolares) foram enfatizados, colocando uma possibilidade inicial para formalização de uma proposta integrada para o conhecimento dessas populações. O fortalecimento político/institucional é fundamental para a consolidação da gestão desse conhecimento. Considera-se que o ponto mais sensível seria a valorização econômica, talvez por isso tenha sido o menos enfocado. Existem dificuldades para remunerar um bem considerado por muitos como coletivo. Como individualizar o detentor desse bem, ainda que seja uma comunidade não é algo fácil. Assim como também patentear algo que não foi necessariamente um trabalho fruto da intelectualidade nos termos acadêmicos. Sugere-se, para o aprimoramento das propostas aqui apresentadas, que sejam programadas pesquisas junto às populações locais, para que se colham mais subsídios para a discussão de uma proposta de gestão do conhecimento tradicional, valorizando, desde o primeiro momento a autonomia das populações extrativistas locais. Algumas questões colocadas desafiam métodos tradicionais de diagnóstico, como, por exemplo, quais estratégias de conciliação entre o saber científico e o tradicional devem ser utilizadas e como se estabelecer o diálogo entre os dois tipos de conhecimento, permitindo que esse diálogo ocorra em tempo hábil para execução de projetos governamentais e outros. Uma pesquisa ainda mais ousada seria a mensuração do quantitativo desse conhecimento em relação às Resexs, ou seja, quanto de conhecimento os extrativistas possuem. Em outro momento, poderia ser perguntado qual o valor desse conhecimento em termos simbólicos/culturais e em termos utilitários/monetários. Em termos de políticas públicas, qual deve ser o desenho adequado para valorização, preservação e remuneração desse conhecimento? Como aproveitar as experiências já existentes e buscar a universalização das práticas? As propostas apresentadas suscitam muitas questões, mas constituem um avanço no tratamento do tema, visto que já respondem parte dos questionamentos ou indicam caminhos para levantamentos mais específicos e em maior profundidade. 15 REFERÊNCIAS ALEXANDRE, Agripa Faria. A política que se apreende: avaliando o processo de implementação das reservas extrativistas no Brasil à luz do ideário da etnoconservação. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, n.25, Santa Catarina, ago, 2002. ANDRADE, Alexandre Augusto Lopes Goulart. Artesãos da floresta, população tradicional e inovação tecnológica: o caso do “couro vegetal” na Reserva Extrativista do Alto Juruá, Acre. Dissertação de mestrado. UNICAMP. Campinas, 2003. BATISTELLA, Alexandre Milaré, CASTRO, Carolina Pottër de, VALE, Julio Daniel do. Conhecimento dos moradores da comunidade de Boas Novas, no Lago Janauacá - Amazonas, sobre os hábitos alimentares dos peixes da região. Acta Amazônica, v. 35, n.1, p.51-54, 2005. 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