V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
Constatações Sobre Reservas Extrativistas no Estado de Rondônia1
Osmar Siena (UNIR)
Docente e Pesquisador do Mestrado em Administração (PPGMAD/UNIR)
[email protected]
Dirlei Terezinha Fachinelo (UNIR)
Mestranda em Administração (PPGMAD/UNIR)
[email protected]
Daniele da Silva Maia (UNIR)
Aluna de Graduação em Ciências Sociais (UNIR)
[email protected]
Resumo
Este trabalho discute a situação das Reservas Extrativistas (RESEXs) no estado de Rondônia e
analisa aspectos relacionados às finalidades para as quais foram criadas. O objetivo das RESEXs de
conciliar inclusão de populações tradicionais e conservação da natureza é motivo de controvérsias.
Esta questão e o processo de criação desse tipo de Unidade em Rondônia foram discutidos na base
teórica. No Estado Existem 25 Reservas Extrativistas, 4 dessas são federais e 21 são reservas
estaduais. A vertente empírica do trabalho, que adotou como foco quatro RESEXs (duas federais e
duas estaduais), foi desenvolvida em três etapas: num primeiro momento foi realizado um
levantamento de documentos e informações sobre as em Rondônia. Foram realizadas entrevistas
com gestores das RESEXs, com moradores das Unidades e observação não participante. Sem
desprezar a influência do Movimento dos Seringueiros, os resultados permitem dizer que a criação
das RESEXs em Rondônia ocorreu como condição para aprovação de financiamento ou para cumprir
cláusulas contratuais com o Banco Mundial. A decisão apenas formal parece explicar os problemas
elementares enfrentados pelos técnicos dos Órgãos Gestores. Em alguns casos, após a criação é
que houve a preocupação em termos da ocupação da Unidade. Nas RESEXs considerados no
estudo, a maioria dos moradores não mais sobrevive do extrativismo; a maior parte dos recursos vem
da venda de produtos agrícolas, farinha, gado e do manejo florestal. Uma das unidades estudadas
parece ser exceção: a área natural continua relativamente integra e há um empenho da população
em preservar o modo de vida.
Palavras-Chave: RESEXs, Extrativismo, Manejo Florestal, Rondônia.
1
Este trabalho faz parte do projeto “Busca da Sustentabilidade para os Produtos Não-Madeiráveis (PFNM) para o Estado de Rondônia
(RO)”, desenvolvido por pesquisadores da UNIR (PPGMAD) e da UFRGS (PPGA) e conta com financiamento do CNPq.
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
Introdução
As Reservas Extrativistas (RESEXs) constituem uma categoria de Unidade de Conservação da
Natureza (UC), criadas para a manutenção de comunidades tradicionais e de áreas florestais
ocupadas tradicionalmente por elas. Esse novo modelo de ocupação da terra foi inspirado nas Terras
Indígenas e concebido no interior do movimento dos seringueiros. Na Amazônia, a criação das
RESEXs contou também com a mobilização das comunidades habitantes das florestas amazônicas:
extrativistas, ribeirinhos e indígenas, enfim, os “povos da floresta”, que habitavam a região há muito
tempo. Depois de criadas as RESEXs, e apesar da existência de um objetivo comum (manter a
floresta em pé), uma diferença de motivação se tornou evidente entre os ambientalistas de
determinadas vertentes e os extrativistas: os extrativistas querem a floresta para utilizá-la, enquanto
os ambientalistas para preservá-la. Atualmente, não existe um discurso homogêneo nem mesmo por
parte dos extrativistas. Alguns defendem a preservação, outros são contrários por vários motivos,
principalmente por questões de sobrevivência, dado a queda nos rendimentos do extrativismo. Há
também diferenças entre os discursos das lideranças extrativistas e a prática dos moradores das
RESEXs (D'Antona, 2003). Existem distintos graus de comprometimento com as RESEXs. Para Igliori
(2006), a literatura sobre reservas extrativistas e extrativismo tem sido ambígua na avaliação das
suas contribuições: alguns creditam sucesso a esse modelo enquanto outros têm questionado a sua
capacidade de atingir seus objetivos.
No caso do estado de Rondônia, mesmo reconhecendo a influência direta e indireta do movimento
dos seringueiros, o Banco Mundial exerceu papel decisivo para criações de várias UCs. Os
problemas ambientais surgidos durante a execução do Programa Integrado de Desenvolvimento do
Noroeste do Brasil (Polonoroeste) na década de 1980 geraram críticas de organizações nãogovernamentais (ONG’s) nacionais e internacionais. Um ajuste no plano incluiu a criação de unidades
de conservação e regularização e demarcação de terras indígenas.
A partir de meados da década de 1980, o governo de Rondônia, com apoio técnico de consultores do
Banco Mundial, iniciou a elaboração do Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia (Planafloro).
Para o Banco Mundial, um novo projeto em Rondônia representava a oportunidade de reverter
problemas que acompanharam o desenvolvimento do Polonoroeste, reparando os danos à sua
imagem (GTA, 2008). Assim, a criação de UCs estaduais foi imposta como condição para aprovação
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
do Planafloro. Outras UCs foram criadas durante a execução do plano, no âmbito da segunda
aproximação do zoneamento socioeconômico-ecológico (ZSEE) de Rondônia, aprovado por lei no
ano de 2000.
Legalmente, existem no estado de Rondônia 25 Reservas Extrativistas, quatro federais (738.173
hectares) e 21 estaduais (967.084 hectares), abrangendo uma área total de 1.705.257 hectares, ou
7,15% da superfície do Estado. No entanto, a criação das RESEX e de outras UCs foi essencialmente
motivada pelo desejo do Estado em conseguir o financiamento para o Plano ou para formalmente
cumprir cláusulas contratuais com o Banco Mundial. Na prática, várias Unidades nunca foram
efetivadas e a maioria não recebeu a atenção para que cumprissem a função de preservação
ambiental. Tanto é assim que o estado vem retirando áreas do contexto das UCs. O último caso
ocorreu no mês de julho último, quando a Assembléia Legislativa aprovou mensagem do executivo
revogando decretos de criação de seis áreas protegidas. A justificativa foi de que essas áreas já
estavam descaracterizadas. De fato, algumas delas possuem mais de 50% de áreas desmatadas, o
que vem confirmar que a simples criação de Áreas protegidas não garante a preservação ambiental.
Este artigo discute alguns aspectos da realidade das RESEX em Rondônia, a partir de constatações
dos autores durante os trabalhos de levantamento sobre produtos florestais não-madeiráveis no
Estado e trabalhos de outros pesquisadores. A vertente empírica do trabalho, que adotou como
referência para discussão quatro RESEXs (duas federais e duas estaduais), foi desenvolvida em três
etapas: num primeiro momento foi realizado um levantamento de documentos e informações para a
caracterização das RESEXs em Rondônia. A partir dos dados obtidos foram realizadas entrevistas
com gestores das RESEXs, com representantes dos moradores das Unidades e observação não
participante. Outros dados foram colhidos de trabalhos já concluídos que têm como foco essas
Unidades. As quatro RESEXs escolhidas para o estudo foram: Reserva Extrativista federal do Lago
do Cuniã (RESEX Lago do Cuniã); Reserva Extrativista federal do Rio Ouro Preto (RESEX Rio Ouro
Preto); Reserva Extrativista estadual do Rio Pacaás Novos (RESEX Rio Pacaás Novos); Reserva
Extrativista estadual Rio Preto-Jacunda (RESEX Rio Preto-Jacundá).
Criação de Reservas Extrativistas em Rondônia
Para o Estado brasileiro, a Amazônia das décadas de 1950 a 1970 possuía o caráter de fronteira
agrícola (BECKER, 1994). Embora com investimento significativos em alguns pólos industriais como
na Zona Franca de Manaus, teve destacada ênfase a ocupação de terras pela agricultura e pela
mineração. A apropriação da terra na Amazônia foi impulsionada pelas frentes camponesas e por
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
fazendeiros, os quais se apossaram da terra, simultaneamente ou mesmo anterior à construção das
rodovias. Frente ao projeto de rápida estruturação e controle do território, o Estado criou condições
para a apropriação privada de terras devolutas por segmentos da sociedade detentores de capital e
de capacidade de organização (BECKER, 1994). É neste já conhecido contexto que surgem as
Reservas Extrativistas na Amazônia; são consequência das lutas políticas empreendidas em
contraposição aos fazendeiros que invadiam as terras habitadas pelos seringueiros do Acre, num
processo de resistência à injustiça sofrida ao longo anos (GONÇALVES, 2003; ALEGRETTI, 1997;
2008).
A organização inicial se deu como resposta às grandes empresas agropecuárias que, ao comprar os
antigos seringais no intuito de transformá-los em pastos, atingia os locais de habitação dos
seringueiros, os seringais e castanhais utilizados para sua sobrevivência. Assim, pela resistência dos
seringueiros, se originou o movimento contra as derrubadas da floresta, cuja estratégia principal de
defesa era os cordões humanos protetores chamados de Empates (ALEGRETTI, 1997;
GONÇALVES, 2001; GONÇALVES 2003; MARTINEZ-ALIER, 2007).
Essa luta teve início antes do envio de imagens de queimadas na floresta amazônica ao exterior, fato
que inseriu a discussão no âmbito político internacional, em conjunto com os grupos sociais e
ambientalistas (ALEGRETTI, 1997). A associação extrativista-ambientalista se fundamentou no fato
de que a cobertura florestal das terras indígenas e extrativistas se encontrava preservada, ao
contrário das áreas em “desenvolvimento”.
Os seringueiros queriam a Reforma Agrária com a floresta em pé, e encontraram os índios com quem
criaram uma identidade, a de “Povos da Floresta”, ou seja, aqueles que conheciam a mata e sabiam
como manejá-la. Essa aliança criou uma distinção entre aqueles (de fora) que queriam a derrubada
da mata, concebendo-a como obstáculo a ser superado ou para explorá-la como fonte de recursos a
curto prazo e daqueles que habitavam a floresta e queriam preservá-la para sua sobrevivência
(D’ANTONA, 2003). Criou-se, assim, a Aliança dos Povos da Floresta (MARTINEZ-ALIER, 2007), já
em 1985, congregando também povos indígenas e, em 1989, realizou-se o 1º Encontro dos Povos da
Floresta.
As RESEXs foram criadas nos anos de transição para a democratização do Estado brasileiro,
quando o aparato estatal se tornou mais permeável. Baseada no movimento seringueiro, o
movimento social impôs uma nova forma de propriedade comunitária (MARTINEZ-ALIER, 2007). No
ano de 1990, são criadas as duas primeiras unidades da categoria: a RESEX Chico Mendes e a
RESEX Alto do Juruá no Estado do Acre. As Reservas Extrativistas foram institucionalizadas pelo
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
Decreto nº 98.897 de 1990 como sendo “[...] espaços territoriais destinados à exploração sustentável
e conservação dos recursos naturais renováveis, por população extrativista.” (BRASIL, 1990). Está
presente, ainda, no texto do referido decreto, a ênfase nos aspectos ecológico e social, bem como na
exploração sustentável dos recursos naturais.
No estado de Rondônia, a criação das UCs, incluindo as RESEXs, teve influência decisiva dos
organismos internacionais que exigiram a criação das mesmas como condição para aprovação ou
continuidade de financiamentos de projetos de desenvolvimento a partir meados da década de 1980.
Esta posição foi uma forma de responder às críticas internacionais devido à consequências do
Projeto de Desenvolvimento Integrado do Noroeste do Brasil (Polonoroeste), implantado no início da
década de 1980, pelo Governo Federal, para orientar o processo de ocupação de Mato Grosso e
Rondônia. Uma das principais obras desse plano foi o asfaltamento da BR 364 ligando Cuiabá a
Porto Velho, facilitando o transporte de produtos e migração para a região. O plano cumpriu seus
objetivos em relação ao componente infra-estrutura, mas não teve o mesmo desempenho nos
demais, particularmente em relação aos cuidados ambientais. O financiamento de um novo projeto, o
Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia (Planafloro), representava a oportunidade do Banco de
reverter problemas socioambientais devido a expansão 'desordenada' da fronteira, deixando evidente
que o financiamento somente ocorreria se o mesmo tivesse um forte caráter ambiental. Uma das
metas desse projeto era assegurar a conservação da biodiversidade por meio da criação e
implementação de uma ampla rede de Áreas Protegidas, sendo a criação de Unidades de
Conservação estaduais uma precondição para a efetivação do Plano.
Ainda no contexto do Polonoroeste e como preparativo para um novo Plano, foi realizada a primeira
aproximação do zoneamento socioeconômico-ecológico (ZSEE), instituindo em 1988. Entre este fato
e a aprovação do novo Plano, unidades estaduais de conservação foram criadas: Parques Estaduais,
Reservas Biológicas, Estações Ecológicas, Florestas Estaduais Extrativistas, Florestas Estaduais de
Rendimento Sustentado e Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Como um dos objetivos do
Planafloro era que o Estado adotasse estratégias de conservação e manejo dos recursos naturais em
florestas de produção florestal sustentada, reservas extrativistas, unidades de conservação de
proteção integral e proteção de áreas indígenas (GTA, 2008), outras Unidades foram criadas. Assim,
o Planafloro foi responsável pela criação da maioria das áreas protegidas do Estado durante a
década de 1990. Entretanto, ainda na década de 1990, várias Unidades tiveram seus limites
reduzidos por decretos e outras foram transformadas em zonas agropecuárias durante a aprovação
legislativa da segunda aproximação do ZSEE. E esse processo continua. O último caso ocorreu no
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
mês de julho último, quando a Assembléia Legislativa aprovou mensagem do executivo revogando
decretos de criação de seis áreas protegidas. A justificativa foi de que essas áreas já estavam
descaracterizadas. De fato, algumas delas possuem mais de 50% de áreas desmatadas, o que vem
confirmar que a simples criação de Áreas protegidas não garante a preservação ambiental. Esta
realidade vem confirmar a constatação de Alegretti (2006) de afirma que a criação destas unidades
ocorreu num ambiente de extrema fragilidade e instabilidade legais, com pouca clareza sobre os
papeis dos atores envolvidos, sem nenhuma iniciativa do governo no sentido de criar um arcabouço
legal e institucional para a efetiva implementação das mesmas.
Rondônia possui 25 (vinte e cinco) Reservas Extrativistas, 4 (quatro) dessas são federais e 21 (vinte
e uma) são reservas estaduais, todas criadas no contexto do Planafloro, ocupando em conjunto área
que corresponde 7,15% da superfície do Estado (GTA, 2008).
A Discussão Sobre a Contribuição das Reservas Extrativistas
Talvez a primeira e a mais evidente contribuição das RESEX foi a instituição do direito de acesso à
terra e a outros recursos naturais pelos extrativistas. Esse fato possibilitou a liberdade que o
extrativista passou a ter de decidir sobre o uso dos recursos e sua permanência ou não na área.
Na análise de Miranda (2006, p.79), as RESEX contribuem significativamente para o fortalecimento
da coletividade local – grupos de vizinhança, povoados, famílias, associações e conselhos – na luta
pelo reconhecimento de seus direitos, na identificação de seus territórios de ocupação, na resistência
ao uso e implementação de medidas de gestão comunitária dos recursos. Para comunidades
localizadas fora do eixo das grandes cidades a organização em associações é fator de sobrevivência
para muitos desses grupos e “[...] fortalecimento de um estilo de vida, da identidade do grupo.” Outro
resultado do processo de criação das RESEXs para os seringueiros, tão ou mais importante que o
direito à terra, foi a construção de uma nova identidade. Os seringueiros antes vistos como
“obstáculo” ao desenvolvimento, passaram a ser “defensores” ou “povos da floresta”. Trata-se de uma
constituição e valorização de um grupo antes marginalizado. (ALLEGRETTI 1997; DANTONA, 2003;
GONÇALVES, 2003). Para Almeida (2004, p.48) as “[...] novas idéias de defensores da natureza e da
“ecologia” eram reinterpretadas no âmbito local e regional.”.
Depois de criadas as RESEXs, e apesar da existência de um objetivo comum (manter a floresta em
pé), uma diferença de motivação se tornou evidente entre os ambientalistas e os extrativistas: os
extrativistas querem a floresta para utilizá-la, enquanto os ambientalistas para preservá-la.
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
Atualmente, não existe um discurso homogêneo nem mesmo por parte dos extrativistas. Alguns
defendem a preservação, outros lhe são contrários por motivos diversos, principalmente por questões
de sobrevivência, dada a queda nos rendimentos do extrativismo; existem distintos graus de
comprometimento com as RESEXs e diferenças significativas entre os discursos das lideranças
seringueiras e a prática dos moradores das RESEXs (D'ANTONA, 2003).
A contribuição da RESEX para a efetividade da preservação ambiental é talvez seja o aspecto mais
polêmico e gerador de críticas a esse modelo de UC.
Em 2007 as UCs foram objeto de um diagnóstico utilizando a metodologia Rapid Assessment and
Priorization of Protected Area Management (RAPPAM) (HOCKINGS et al, 2000 apud IBAMA; WWF,
2007). Em relação às 43 (quarenta e três) reservas extrativistas e 01 (uma) reserva de
desenvolvimento sustentável, todas federais, analisadas, constatou-se que 48% apresentavam alta
vulnerabilidade e 36% média vulnerabilidade, com vulnerabilidade média de 62%. Ocorre que estes
resultados não são muito diferentes, apenas um pouco superior, daqueles encontrados para outras
categorias de UCs, demonstrado a todas as categorias estavam com alta vulnerabilidade. De acordo
com o estudo, as maiores vulnerabilidades das RESEXs estão relacionadas aos indicadores de
insumo (recursos humanos, meios de informação e comunicação, infra-estrutura, recursos
financeiros), Processos (planejamento, processo de tomada de decisão, pesquisa, avaliação e
monitoramento) e Resultados (produtos e serviços específicos realizados por funcionários e gestores
da UC). Esses resultados parecem indicar que a vulnerabilidade das RESEXs pode não decorrer de
inconsistência desse modelo de UC.
Especialistas, como Allegretti (2008), defendem que a política de criação de áreas protegidas para o
uso sustentável é exitosa: do ponto de vista político, criou meios para resolução de conflitos em torno
da terra e da floresta; em termos sociais, garantiu meios para as gerações; ambientalmente, impediu
o avanço do desmatamento; e, culturalmente, respeitou formas tradicionais de uso dos recursos.
Cavalcante (2002) destaca que no documento de diretrizes das RESEXs a peculiaridade da proposta
é atribuída ao seu conteúdo de reforma agrária, constituindo alternativa ao modelo de
desenvolvimento com base na grande propriedade, característica da expansão da fronteira agrícola
na região.
Para Igliori (2006), a literatura sobre reservas extrativistas e extrativismo tem sido ambígua na
avaliação das suas contribuições: alguns creditam sucesso a esse modelo enquanto outros têm
questionado a sua capacidade de atingir seus objetivos. No entanto, o papel histórico-cultural e social
das RESEXs foi reconhecido por Gonçalves (2003), Allegretti (1997), D’Antona (2003) e Almeida
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
(2004), entre outros, com destaque para a garantia do direito a terra e ao uso de seus recursos, bem
como devido à construção de uma identidade para o extrativista: a de protetor da floresta.
O caráter inovador de inclusão social e econômica das RESEXs é motivo de contestação dos
ambientalistas preservacionistas que defendem o modelo de ilhas de conservação isoladas da
presença humana como o mais adequado, desconsiderando aspectos como justiça social ou mesmo
a importância da presença humana para desenvolvimento ecossistêmico. Para Pádua (2007), por
exemplo, as RESEX não têm nenhuma vinculação com a conservação e, dessa forma, são
inadequadas como modelo de UC; são criadas apenas para fins sociais e econômicos, para inclusão
das comunidades residentes. Pádua se refere ao processo de união entre seringueiros e
ambientalistas como mera estratégia de Chico Mendes para assegurar o direito à posse das áreas
por eles habitadas historicamente. Olmos (2007), por sua vez, afirma que há estudos comprovando a
extinção de espécies em RESEX.
A análise sobre o tema permite extrair três tipos de concepções de RESEX (MENEZES; SIENA,
2010): RESEX como UC de uso sustentável, conciliando conservação e justiça social (BRASIL, 2000;
MEDEIROS, 2006; GONÇALVES, 2003; ALEGRETTI, 1997; ALMEIDA, 2004); RESEX servindo à
Reforma Agrária, cujos objetivos estão vinculados essencialmente à questão da posse da terra
(PÁDUA, 2007; OLMOS, 2007); e, RESEX Oportunista, onde a questão da conservação serve
apenas de pretexto para e obtenção de benefícios políticos e econômicos (Pádua, 2007; Olmos,
2007).
As concepções de RESEXs têm uma estreita relação com as concepções de extrativismo, existente
nas RESEX da Amazônia, em seus entornos, bem como em áreas ribeirinhas a rios e igarapés. Os
produtos oriundos desse extrativismo, em boa parte, são comercializados sem agregação de valor e
com baixa utilização de tecnologias. Sendo os produtos de baixo valor agregado, as comunidades e
os produtores familiares enfrentam também os desafios da concorrência de produtos domesticados,
mais competitivos em termos de custos, qualidade e entrega. Sob este aspecto, há críticas
contundentes, como a de Homma (2000), segundo o qual, o setor extrativo compreende um ciclo
econômico de três fases distintas: na primeira há o aumento da extração e crescimento da demanda;
na segunda, a capacidade da oferta chega ao limite devido ao custo de extração com o aumento da
área de coleta e; na terceira, a extração começa a declinar devido a oferta de produto domesticado,
desde que exista tecnologia e viabilidade econômica. Na Amazônia foram domesticados, por
exemplo, o açaí, a seringueira, o cacau, o guaraná, a pupunha, etc. A domesticação anula, segunda
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
essas críticas, as condições de competir por parte da extração primária. Assim, apenas se o mercado
permanecer modesto, o setor extrativo sobrevive (HOMMA, 2000).
Em posição diferente, Campos (2006) argumenta que o extrativismo na Amazônia pode ser
compreendido como coleta de recursos naturais, dissociada do cultivo, da criação e do
beneficiamento dos produtos; o extrativismo faz parte da cultura das populações, numa forma de vida
harmoniosa com a natureza; tais estruturas produtivas não são avessas ao progresso técnico, o que
poderia elevar sua produtividade, propiciando uma nova alternativa econômica. Portanto, o
extrativismo assim como as RESEX, é objeto de oposição de parte dos ambientalistas, principalmente
os conservacionistas clássicos. Para Pádua (2007) e Olmos (2007) o extrativismo é uma atividade
falida, vista também como oportunista, onde o título de extrativista é utilizado apenas para obter
benefícios de políticas públicas.
Considerando as diversas posições registradas na literatura, é possível retirar concepções sobre
extrativismo tradicional (MENEZES; SIENA, 2010): Extrativismo Legítimo, viável economicamente
desde que receba investimentos e tecnologias adequadas, responsável pela sobrevivência das
comunidades que o praticam (MACIEL, 2003; SÁ; VASQUEZ, 2001; BECKER, 1999); Extrativismo
Falido, que não gera renda suficiente para seus praticantes (HOMMA, 2000; PÁDUA, 2007; OLMOS,
2007); e, Extrativismo Oportunista, onde a manutenção do status de extrativista é mera justificativa
para angariar recursos financeiros e políticos pelos supostos praticantes do extrativismo (PÁDUA,
2007; OLMOS, 2007).
Gestão das RESEXs de Rondônia, Invasões e Desmatamentos
Obedecendo as normas do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC), as RESEXs
são geridas por um conselho deliberativo, composto também por representantes de Associações de
Moradores, Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR) e cooperativas e representantes da
sociedade civil, presididos por um funcionário de seu órgão GESTOR. A estruturação do conselho
deliberativo, supostamente, garante o controle social através das associações. No entanto, as
associações existentes no estado apresentaram sérios problemas com relação à sua gestão,
tornando necessário, em alguns casos, intervenção do poder público. No caso das estaduais, devido
ao reduzido número de técnicos e problemas de infraestrutura, as reservas são agrupadas por
regiões: Porto Velho, Guajará-Mirim, Machadinho do Oeste e Costa Marques. Na região de
Machadinho do Oeste existem 15 (quinze) reservas e apenas 5 (cinco) servidores lotados no Órgão
Gestor, nenhum como fiscal, que mal conseguem atender as demandas administrativas. Improvável
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
neste caso evitar ou mesmo atenuar as principais causas de degradação das áreas e o
desenvolvimento de políticas que assegurem condições dignas ás populações residentes
(FACHINELO; SIENA, 2009).
Alguns problemas de gestão são comuns aos de outras unidades de conservação em outras regiões
do país (ARRUDA, 1.999; CUNHA; LOUREIRO, 2006; ALLEGRETTI, 2008), como falta de recursos
financeiros
e
consequentemente
de
veículos,
equipamentos
e
materiais
técnicos
para
desenvolvimento de suas atividades, além da carência das comunidades de itens de primeira
necessidade como escolas, postos de saúde, estradas, água potável, luz elétrica, etc. A exceção é a
RESEX Lago do Cuniã que conta com serviços básicos mínimos, incluindo a recente chegada da
rede de energia elétrica pelo Programa Luz para Todos e a possibilidade de acesso a internet pela
associação de moradores. Assim, o maior problema de gestão das RESEXs em Rondônia é a própria
gestão: de um lado, a falta de pessoal e recursos físicos e financeiros que permitam o
desenvolvimento de ações tanto preventivas quanto corretivas (FACHINELO; SIENA, 2009).
Quanto à gestão de modo geral as duas reservas federais estudadas aparecem como exceção no
quadro caótico do Estado. A RESEXs Lago do Cuniã conta com estrutura física e tecnológica mínima
que permite a presença efetiva do Órgão Gestor no seu interior, além de relativo controle no único
acesso à mesma, por via fluvial. Na RESEX Rio Ouro Preto também há presença efetiva do Órgão
Gestor, embora sem base física e recursos tecnológicos, talvez em função de ter sido gerenciada por
longo período por um técnico que criou laços com o local e suas comunidades, indicam os
depoimentos colhidos e as observações realizadas. Nos últimos três anos também foi realizado nesta
última reserva o levantamento socioeconômico e ambiental e toda a área e com todas as famílias,
bem como contratada equipe para elaboração do Plano de Manejo (VALIENTE; SIENA, 2009).
Um problema que parece crescente, por ausência, inoperância ou omissão do poder público, é a
apropriação das áreas por “associações de moradores”, realizando “assentamentos” de pequenos
produtores e, em função da exploração madeireira, incorporando às RESEXs pessoas sem nenhuma
relação com as mesmas ou com as atividades extrativistas.
O desmatamento e a redação das áreas e de UCs em geral, federais e estaduais, são questões
fartamente difundidas (GTA, 2008; ECO, 2010). Em relação às invasões e desmatamentos nas
RESEXs estudadas são encontradas situações distintas.
A RESEX Lago do Cuniã não há registro de desmatamento além dos limites permitidos, nem
invasões consolidadas dignas de nota. Tal realidade parece ser conseqüência da conjugação de três
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
fatores: presença do órgão gestor e atividades de fiscalização; população residente, majoritariamente
de origem local e; o fato da Unidade ter sido desmembrada de uma Estação Ecológica, ainda
presente em parte de seu entorno, o que reduz a pressão externa (GTA, 2008; MARTINS, 2008).
De acordo com Moret e Santos (2008), na RESEX do Rio Ouro Preto, a taxa de desmatamento vem
diminuindo, mas devido a uma fiscalização ineficiente do poder público, a pressão é de fora para
dentro, sendo crescente o desmatamento no seu entorno. Além disso, parte de sua área, às margens
da estrada de acesso, já era ou foi ocupada por sítios e fazendas no período de sua criação, situação
que permanece até hoje.
A RESEX do Rio Pacaás Novos é toda circundada por outras unidades de Conservação, até o
momento com o acesso a mesma apenas pelos rios, sendo o principal o Rio Pacaás Novos. No
entanto, levantamentos mais recentes apontam abertura de estrada em seu interior, consequência de
tentativa de execução de plano de manejo florestal, questão que é objeto de discussão em outra
parte deste trabalho. O desmatamento existente é realizado por moradores para cultivo de produtos
agrícola ou criação de gado. Entretanto, como o número de famílias residentes é pequeno em
comparação ao tamanho da área, o quadro não é alarmante.
Um caso típico e emblemático de desmatamento irregular, invasões e grilagem de Unidade de
Conservação em Rondônia é a RESEX Rio Preto-Jacundá. Os casos vão desde assentamentos
irregulares de pequenos agricultores por uma associação de moradores, passam pela permanência
de fazendas com áreas de lazer supostamente com título de propriedade e chegam à formação de
fazendas para criação de gado de corte.
Em ocorrência policial Nº 1310-2010 da 1ª Delegacia de Polícia Civil do município de Machadinho do
Oeste, em 15/07/2010, o ex dirigente da Secretaria de Desenvolvimento Ambiental do estado de
Rondônia naquela região, demitido em dezembro de 2009 no auge de ações repressoras às
atividades ilegais em Reservas, entre elas a Rio Preto-Jacundá, consta:
[...] as diligências [...] resultaram em várias prisões, apreensão de tratores, motoserras, motos e caminhões. [...] permitia acesso pela sua fazenda que está no entorno
da reserva, para furto de madeiras, grilagem e posterior venda de áreas no interior da
reserva [...] Na lista de pessoas citadas durante as abordagens estão no mato, estão a
Deputada [....] e seu irmão, o Prefeito [...] envolvidos com abertura de estradas [...] em
direção à fazenda do Deputado Federal [...] embargada pelos crimes ambientais ali
cometidos [...] diligenciaram o Seringal Fortaleza, situado no interior da Reserva [...]
onde o empresário [...], ostenta uma placa indicativa de suas fazendas. [...] arrancou
as placas Oficiais do estado e afixou novamente a placa da fazenda [...].
Outro registro confirma a essência dessas informações:
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
Em uma visita feita pelos moradores da reserva juntamente com o empresário
madeireiro, [...] a uma área que estava sendo desmatada, localizada no limite da
reserva extrativista, o responsável pelo desmatamento alegou ter comprado uma área
de 8.000 ha, o que supostamente lhe garantirá o direito de desmatá-la. Ao
argumentarem que a área estava dentro de uma reserva, o responsável pelo
desmatamento informou não ter conhecimento do fato e afirmou ter comprado a
propriedade de um fazendeiro que possui uma fazenda limitante à reserva e que
inclusive o seu acesso à área havia sido por essa fazenda e que o valor pago pela
área havia sido de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) e uma caminhonete. (MARTINS,
2008, P. 65-66).
Portanto, o que ocorre nessa região vai além dos conhecidos processos de invasão de áreas
protegidas. Ali há verdadeiro descontrole da situação, com o domínio transferido do poder público
para fazendeiros e grupos de saqueadores protegidos.
O Manejo Florestal como Alternativa para as RESEXs
De acordo com o Art. 18 da Lei do SNUC, a RESEX [..] é uma área utilizada por populações
extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na
agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos
proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos
naturais da unidade”. Portanto, o extrativismo madeireiro poderá fazer parta das atividades que
devem ser previstas e disciplinas em plano de manejo desse tipo de Unidade de Conservação, mas
não como atividade principal ou exclusiva. Apesar deste fato, em Rondônia, vem sendo apontado por
diversos atores ligados às RESEXs como única alternativa para sobrevivência dos residentes e para
preservação ambiental das RESEXs. Nas palavras de um conhecedor da realidade da região de
Machadinho do Oeste (DIR_01 em 03/06/2010:
[...] onde tem o manejo florestal madeireiro comunitário, que está sendo explorado
com a comunidade, as áreas de APP estão sendo protegidas. As sementeiras
também. [...]. Então alguma coisa menos pior está sendo feita. Porque onde não se
conseguiu chegar com esse manejo madeireiro, não conseguiu garantir o pedacinho
da fatia do bolo para essa comunidade extrativista, a indústria de Cujubim está
chegando e dizimando tudo! A fauna, as comunidades, as pessoas. E a floresta está
indo pro chão.
O manejo madeireiro em reservas extrativista no estado de Rondônia começou na Rio Preto-Jacundá
em 1999. O primeiro período de atividades foi até 2002. Foi interrompido nos anos de 2003 e 2004 e
retomado em 2005. Mesmo com alteração de alguns atores e dos acordos nesse período, o processo
envolve acordo entre a associação de moradores e empresas (madeireiras), com aval do órgão
gestor. Martins (2008) ao estudar detalhadamente os acordos para o manejo florestal na Rio PretoJacundá, chega entre outras às seguintes conclusões: perpetuação de adiantamentos que funcionam
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
como antigas práticas geradoras de relações de dependência; falta de habilidade na administração e
gestão dos acordos; falta de transparência na administração da associação; desconsideração aos
preços praticados no mercado; dependência em mediadores que interferem criando dependência
conceitual sobre a forma correta de realizar as atividades previstas; ausência do Estado como
interveniente dos processos de acordos em terras públicas.
Hoje essa prática iniciada na Rio Preto está estendida a várias RESEXs da região de Machadinho do
Oeste. Além dos aspectos já destacados para o caso da Rio Preto-Jacundá, outro podem ser
apontados como problemáticos em outras Unidades.
O maior deles talvez seja a submissão das associações e do órgão gestor às empresas madeireiras
que financiam os projetos. Nesta condição, são as empresas que ditam as regras, além dos riscos de
se efetivar uma relação imoral ou até mesmo promiscua entre dirigentes e madeireiros (DIR_01 em
03/06/2010). Assim, quando tem início o manejo a associação já está com dívida considerável com a
empresa exploradora. Essa prática de financiamento também se entende aos moradores,
aumentando a relação de dependência.
Assim foi realizado o plano de uso múltiplo e os custos arcados pelo conglomerado de
quatro empresas madeireiras. Estes chegavam ao valor de 180 mil reais, sendo quatro
empresários que emprestaram 45 mil reais cada. [...] Hoje, essa dívida está sendo
cobrada pelos quatro empresários que investiram o capital e não tiveram o retorno
esperado. [...] A renda gerada pelo manejo florestal ganhou mais importância a partir
da possibilidade de solicitar a qualquer momento, valores em real para a comunidade,
junto ao empresário que mantinha o acordo. Essa prática de adiantamento atuava
como uma forma de manter um compromisso que todos compreendiam melhor do que
o registrado e acordado no contrato, posto que os camponeses precisam de recursos
financeiros, mesmo sabendo que pagarão com sua floresta. (MARTINS, 2008, p. 9497).
Outra questão que está presente na posição dos extrativistas é o rateio dos recursos, envolvendo
órgão gestor, associações e extrativistas. A menor parcela fica com os moradores, com relata um
dirigente de uma cooperativa (COOP_01 em associação morador de uma reserva (EXT_01 em
21/08/2010): 25% é destinado à associação de moradores; 10% é repassado à Organização de
Seringueiros de Rondônia; 5% para o Fundo Ambiental; o 60 % restante é transformado em 100% e,
deste, 60% é transformado em benefícios comunitários de caráter desenvolvimentista e 40%
distribuído as famílias participantes.
Em relação à RESEX do Rio Pacaás Novos, a associação dos seringueiros firmou acordo com
empresa madeireira da região fez investiu, segundo dados oficiais, R$ 277.000,00 a título de a título
de adiantamento pela compra de madeira, o que permitiu a elaboração do plano de manejo (O ECO,
2010, 2008). Entretanto, informações de um entrevistado (DIR_02 em dezembro de 2009) dão conta
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
de a empresa já teria investido algo em torno de R$ 600.000,00, inclusive para abertura de estradas
no interior da Reserva, o que efetivamente foi feito. O processo não seguiu porque o ministério
público conseguiu liminar da Justiça Federal de Rondônia suspendendo o acordo e a autorização do
órgão gestor para a realização do manejo.
Além das conseqüências ambientais já constatadas, como a abertura de estrada, também há danos
às famílias da Reserva. Com a promessa de receberiam uma boa quantia em dinheiro, a maioria
acabou fazendo dívidas para promover benfeitorias nas colocações. De acordo com um morador
(EXT_03 em dezembro de 2009):
O problema foi que muitos pegaram financiamento contando com o plano de manejo,
que o Evandro estava com a ordem de funcionamento do plano de manejo, em mãos,
contando como certo. Eu nem queria pegar o financiamento, mas garantiram que com
o manejo a gente ia trabalhar e ter dinheiro pra pagar. Com o plano de manejo
(madeira) nós vamos trabalhar, vamos ter nossa renda e vamos conseguir pagar. Não
houve plano de manejo, agora todo mundo ta com dificuldade pra pagar, porque um é
avalista do outro, se não consegue pagar nem o seu, como é que vai pagar o do
outro?
Assim, o manejo florestal como vem sendo adotado nas RESEX em Rondônia está longe de ser
alternativa tanto para as Reservas quanto para a população residente.
O Extrativismo Não-Madeireiro nas RESEXs
Na RESEX Rio Ouro Preto residem aproximadamente 600 pessoas, parte com origem local,
especialmente os mais jovens, parte vindas de outras localidades. O principal produto do extrativismo
na RESEX é a castanha. Em relação à produção agrícola, uma pequena da produção é utilizada para
a alimentação das famílias, sendo o comercializado no mercado local, contribuindo para a formação
da renda familiar. A principal atividade agrícola é o cultivo de mandioca para a fabricação da farinha
(VALIENTE; SIENA, 2009).
Além da renda do extrativismo e da atividade agrícola, há rendimentos pagos pelo governo federal
através de benefícios sociais como Bolsa Família, Auxílio Maternidade ou proveniente de
Aposentadoria e Pensão. São agregados valores. Ao comparar as porcentagens de contribuição de
cada fonte na formação da renda total familiar da RESEX, conforme gráfico 1, constata-se que a base
está na produção agrícola, que apresenta uma contribuição de 57,55% do total. Outras rendas
apresentam uma contribuição significativa, 27,20% enquanto que o extrativismo, uma das razões de
criação das RESEXs contribui com somente 15,25% do total (VALIENTE; SIENA, 2009).
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
Gráfico 1 - Contribuição de cada fonte na formação da renda familiar da RESEX - 2007.
Fonte: Valiente e Siena, 2009.
Assim, as famílias estão basicamente sobrevivendo da agricultura e da fabricação de farinha de
mandioca.
Pelas observações de campo e informações de gestores e moradores são poucas as famílias que
residem na RESEX do Rio Pacaás Novos. As famílias visitadas, a maioria é composta por casais com
idade acima de 50 ou 60 anos e um ou outro filho que ainda está no local. Como a Unidade não
oferece serviços obrigatórios, como educação e saúde, os filhos acabam indo estudar em GuajaráMirim e a maioria não retorna mais à RESEX.
Nessa Unidade não mais a pratica de extrativismo vegetal. Nas entrevistas realizadas, ao falarem
sobre o tema, os residentes sempre usaram verbo no passado. As atividades são basicamente a
agricultura de subsistência, criação de gado e pequenos animais. A maioria está aguardando a
liberação para atuar no manejo florestal, conforme já discutido neste trabalho.
Em relação à RESEX Rio Preto Jacundá são raros os moradores com origem na própria área da
Reserva. A maioria tem origem em outras localidades, em geral pessoas com tradição de cultivo
agrícola. Praticamente não mais atividade extrativa não-madeireira. A maioria dos moradores é, de
fato, composta por pequenos agricultores e hoje uma parte também desenvolve atividades ligadas ao
manejo florestal. A produção é típica da agricultura familiar: milho, arroz e café, além da criação de
pequenos animais (MARTINS, 2008).
Moreira, Müller e Siena (2010), em levantamento em 2007 sobre a ocupação dos moradores na
Unidade, constaram: a maioria das famílias trabalha com base na agricultura (64,5%); uma pequena
parcela da população (6,5%) tem a pesca como rendimento; outros (26%) trabalham diretamente com
o manejo florestal (mateiros, operadores de moto-serra, coletores de sementes, etc.) e administram
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
associação; uma pena parcela (3%) ainda desenvolvia atividade extrativa. Segundo os mesmos
autores, quando perguntados sobre a atividade profissional, mais de 90% identificaram-se como
agricultores.
Essa realidade aponta para a descaracterização da Rio Preto Jacundá Reserva Extrativista, onde
proteger a cultura das populações tradicionais deveria ser um dos seus principais objetivos
(MOREIRA; MÜLLER; SIENA, 2010).
Aproximadamente 80 famílias residem na RESEX Lago do Cuniã, a maioria com origem no local ou
entorno. Além da atividade extrativa não-madeira, pratica a pesca, agricultura de subsistência e
fabricam a farinha para consumo e comercialização. A renda da produção extrativa não-madeira
corresponde a 20,50% da renda familiar, enquanto a renda da pesca equivale a 21%, farinha 10%,
aposentadorias 24%, salários e benefícios sociais aproximadamente 25% (TEIXEIRA, 2010).
Desse modo, a renda total do extrativismo corresponde a 41,50% da renda familiar. Essa Unidade
tem uma forte tradição de produção extrativa e a gestão e uma fiscalização mais presente impede o
desenvolvimento de atividades não permitidas numa RESEX. Ainda assim, a renda da produção
extrativa não atinge metade da composição da renda familiar.
Evidentemente que as rendas provenientes da aposentadoria e benefícios sociais as famílias
poderiam ter residindo em outro local ou desenvolvendo outras atividades. Excluídas essas rendas,
no caso da RESEX Lago do Cuniã, a participação do extrativismo alcança 59% da renda familiar.
Conclusões
Sem desconsiderar a influência do Movimento dos Seringueiros, os resultados permitem dizer que a
criação das RESEXs em Rondônia ocorreu fundamentalmente como condição para aprovação de
financiamento ou para cumprir cláusulas contratuais com o Banco Mundial por ocasião da aprovação
e execução do Planafloro. A decisão apenas formal parece explicar os problemas elementares
enfrentados pelos técnicos dos Órgãos Gestores. Em alguns casos, após a criação é que houve a
preocupação em termos da ocupação da Unidade. Este parece ser é o caso da RESEX Rio PretoJacunda. Como já detectou Martins (2008, p.148), “[...] não foram os extrativistas que constituíram a
RESEX, mas a RESEX que constituiu os extrativistas.”, pois o surgimento de associações e de
algumas comunidades teve participação decisiva de camponeses sem origem nas comunidades
tradicionais. É raro encontrar morador que tem origem nos antigos seringais da região. Nestes casos,
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
a condição de seringueiro ou extrativista é mantida como visando garantir a permanência na
localidade.
Nas RESEXs considerados no estudo, a maioria dos moradores não mais sobrevive do extrativismo;
a maior parte dos recursos vem da venda de produtos agrícolas, farinha, gado e do manejo florestal.
Nas RESEXs Rio Preto-Jacundá e Rio Pacaás Novos não há mais extrativismo não-madeiro. Na
primeira, os moradores são camponeses e desenvolvem atividades típicas da agricultura familiar e
realizam o manejo florestal. Na segunda, as poucas famílias residentes sobrevivem da agricultura e
criação de animais e esperam a chegada do manejo florestal. Uma das unidades estudadas parece
ser exceção: a área natural continua relativamente integra e há um empenho da população em
preservar o modo de vida.
O manejo florestal como vem sendo adotado nas RESEX em Rondônia está longe de ser alternativa
tanto para as Reservas quanto para a população residente. Basta ver o rateio dos recursos. Parece
servir mais às empresas e organizações gestores do que aos extrativistas.
Referências
ALMEIDA, Mauro W. Barbosa. Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e suas lutas. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, vol. 19, n. 55, p.33-52, São Paulo: jun 2004.
ALEGRETTI, Helena. Ambientalismo Político y Reforma Agrária: de Chico Mendes al movimiento de
los sien tierra. Nueva Sociedad, n. 150, p. 57-68, Julio-Agosto 1997.
______ . A Construção social de políticas públicas. Chico Mendes e o Movimento dos Seringueiros.
Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 18, p. 39-59, jul./dez. 2008.
______ . Redes Extrativistas de Rondônia. 2006.Disponível em:
http://reservasextrativistas.blogspot.com/2006/07/gt-resex-de-rondnia.html Acesso em: 06/05/2009.
ARRUDA, Rinaldo. “Populações Tradicionais” e a proteção dos recursos naturais em unidades
de conservação. Revista Ambiente & Sociedade - Ano II - No 5 - 2o Semestre de 1999.
BECKER, Bertha K. Amazônia. Editora Ática. São Paulo, 1994.
BECKER, Bertha K. Cenários de curto prazo para o desenvolvimento da Amazônia. Cadernos do
NAPIAm - nº 6. Secretaria de Coordenação da Amazônia. Brasília, outubro, 1999.
CAVALCANTI, F. C. da S. A política ambiental na Amazônia: um estudo sobre as reservas
extrativistas. Tese (Doutoramento em Economia). Instituto de Economia da UNICAMP, 2002.
CAMPOS, Índio. A sustentabilidade da agricultura na amazônia. Disponível em:
<http://www.anppas.org.br/gt/agricultura_meio_ambiente/Indio%20Campos.pdf> Acesso: jun. 2006.
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
CUNHA, Claudia Conceição; LOUREIRO, Carlos Frederico. Discutindo as reservas extrativistas
em um contexto de exclusão social. Disponível em:
<http://www.ivtrjnet/sapis/2006/pdf/ClaudiaCunha.pdf>. Acesso em 28/04/09.
D'ANTONA, Alvaro de Oliveira. Garantir a terra, garantia da terra? Reservas Extrativistas na
Amazônia Legal brasileira. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas,
2003.
HOMMA, Alfredo K. O. Extrativismo, biodiversidade e biopirataria na Amazônia. Brasília: Embrapa
Inf. Tecnológica, 2008. Texto para discussão. ISSN 1677-5473.
FACHINELO, Dirlei; SIENA, Osmar. Problemas de gestão das Reservas Extrativistas de Rondônia
(Br): a visão dos gestores. VIII Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. 5 a 7
de agosto de 2009, Cuiabá - Mato Grosso – Brasil.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Amazônia, Amazônias. São Paulo: Contexto, 2001.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Geografando nos varadouros do mundo: da territorialidade (o
seringal) à territorialidade seringueira (a Reserva Extrativista). Brasília: Ibama, 2003.
GTA. Ofim da floresta? A devastação das Unidades de Conservação e Terras Indígenas no Estado
de Rondônia. Grupo de Trabalho Amazônico – GTA, Regional Rondônia, Junho de 2008.
HOCKINGS, M.; STOLTON, S.; DUDLEY, N. Evaluating effectiveness – a framework for assessing
management effectiveness of protected areas. Best Practice Protected Areas Guidelines Series 6.
Swizertland: University of Cardiff and IUCN, 2000. 121 p.
IGLIORI, Danilo C. Economia espacial do desenvolvimento e da conservação ambiental: uma análise
sobre o uso da terra na Amazônia. Cienc. Cult., vol.58, nº.1,São Paulo Jan./Mar. 2006.
MACIEL, Raimundo Cláudio Gomes. Ilhas de alta produtividade: inovação essencial para a
manutenção dos seringueiros nas reservas extrativistas. Dissertação de mestrado. UNICAMP.
Campinas, 2003.
MARTINEZ-ALIER, Joan. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de
valoração. São Paulo: Contexto, 2007.
MARTINS, Deryck Pantoja. Novos caminhos e antigas práticas: acordos de comunidades com
empresas para o manejo florestal: o caso da Reserva Extrativista Rio Preto-Jacundá em
Machadinho D’oeste – RO. Dissertação de Mestrado. Núcleo de Ciências Agrárias e
Desenvolvimento Rural. Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas. Universidade
Federal do Pará, 2008.
MENEZES, Daniel; SIENA, Osmar. Ambientalismo no Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBIO) na Amazônia Legal. Aprovado para publicação na Revista O&S, 2010.
V Encontro Nacional da Anppas
4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
_______________________________________________________
MOREIRA, Rodrigo C. S.; MÜLLER, Carlos A.; SIENA, Osmar. Análise da viabilidade econômica da
reserva extrativista Rio Preto Jacundá sob enfoque da renda média nominal mensal da população
tradicional. 48º SOBER, 25 a 28 de julho. Campo Grande, MS, 2010.
MORET, Artur Souza; SANTOS, Fabiana B. N. dos. Desmatamento na Reserva Extrativista do
Rio Ouro Preto. Grupo de Pesquisa Energia Renovavel Sustentável - Gpers. Universidade Federal
de Rondônia- Unir, 2008.
O ECO. Disponível em:
<http://www.oeco.com.br/salada-verde/24178-rondonia-risca-parques-e-reservas-do-mapa>. Acesso
em: 24/08/2010.
OLMOS, Fábio. As Reservas Extrativistas são Unidades de Conservação? 2007. Disponível em:
http://www.oeco.com.br/todos-os-colunistas/44-fabio-olmos/16765>. Acesso em 02 de maio de 2009.
PÁDUA, Maria T. J. Instituto Chico Mendes. O ECO. 2007.
Disponível em:
<http://www.oeco.com.br/todos-os-colunistas/36-maria-tereza-jorge-padua/16297-oeco_21814>.
Acesso em: 28/06/2008.
SÁ, Rosa L. de, VASQUEZ, Regina (Coord.). Desenvolvimento e conservação do meio ambiente:
pesquisa de opinião com lideranças e a população da Amazônia. Brasília: WWF – Brasil, 2001.
TEIXEIRA, Ozanam T. S.. A contribuição do extrativismo para a sustentabilidade da RESEX Lago do
Cuniã. Projeto de Dissertação (Mestrado em Administração). Mestrado em Administração (PPGMAD),
UNIR, 2010.
VALIENTE, José O.; SIENA, Osmar. A sustentabilidade da produção extrativa na RESEX do Rio Ouro
Preto/RO. VIII Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. 5 a 7 de agosto de
2009, Cuiabá - Mato Grosso – Brasil.
Download

Constatações Sobre Reservas Extrativistas no Estado de Rondônia