TIBOLONA E MAMA. Tibolona – o que vem a ser esta enigmática substância? Para entendê-la é necessário conhecermos o básico da esteroidogênese e os mecanismos de ação dos hormônios esteróides. Se assim não for, teremos que conviver com expressões pomposas e vazias, tais como substância gonadomimética, ação tecidual específica, o primeiro composto STEAR (Selective Tissue Estrogenic Activity Regulators), SEEM (Moduladores Seletivos de Enzimas Estrogênicas) e outras, que procuram atribuir uma qualidade especial a um determinado produto. Esteroidogênese Hormônios esteroides são compostos orgânicos de baixo peso molecular, tendo como núcleo básico o ciclopentanoperidrofenantreno. Apesar de todos os esteróides possuírem uma estrutura básica semelhante, uma pequena alteração química, como a redução de um átomo de carbono ou a conversão de um radical hidroxila em cetona, por exemplo, poderá provocar uma mudança radical na sua atividade biológica. Os esteróides derivam do colesterol, cuja estrutura molecular possui 27 átomos de carbono e o seu núcleo básico é denominado colestano. São reunidos em três grandes grupos, de acordo com o número de átomos de carbono: 1. Os que possuem 21 átomos de carbono (C-21 esteróides), cuja estrutura básica é o pregnano e são representados pelos corticóides e os C-21 progestogênios. 2. Os que possuem 19 átomos de carbono (C-19 esteróides), cuja estrutura básica é o androstano e são representados pelos androgênios. 3. Os que possuem 18 átomos de carbono (C-18 esteróides), cuja estrutura básica é o estrano e são representados pelos estrogênios. Durante a esteroidogênese, o número de átomos de carbono do esteróide poderá ser reduzido, mas nunca aumentado, ou seja, os C-18 derivam dos C-19, que derivam dos C-21, que derivam do C-27 (colesterol). Dependendo do tipo e da concentração das enzimas celulares, co-fatores, substratos, estímulo gonadotrófico, corticotrófico, ações parácrinas, autócrinas, intrácrinas e outros fatores, as supra-renais, gônadas e placenta utilizarão diferentes vias, a partir da pregnenolona (o primeiro esteróide derivado do colesterol, do qual se originam todos os demais), para a síntese dos corticóides, progestogênios, androgênios e estrogênios1. A tibolona é um esteroide com 19 átomos de carbono, portanto um androgênio. É sintetizada a partir da 19-nor-testosterona, que, por sua vez, é resultante da perda de um radical oxigênio no carbono 19 da molécula da testosterona. A 19-nor-testosterona sofre a seguir uma etilação no carbono 17, transformando se na 17-alfa-etinil-19-nor testosterona (noretisterona ou noretindrona), que, por um processo de isomerização, se transforma em noretinodrel. O noretinodrel submetido a uma 7alfa metilação se transforma então na tibolona. Lembremos que a testosterona também se liga aos receptores de progesterona e que seus derivados, especialmente a noretisterona, o noretinodrel, a tibolona, o levonorgestrel, o desogestrel, o etonogestrel e o gestodeno, exercem uma potente ação progestacional, mas são intrinsecamente substâncias androgênicas. Este fato as torna muito interessantes em determinadas situações e eventualmente indesejáveis, pelos seus efeitos potencialmente androgênicos, em outras. Mecanismo de ação dos esteroides. A quase totalidade das ações hormonais se fazem através da ligação do esteroide ao seu receptor celular. Receptores hormonais são moléculas protéicas que, ao se ligarem aos hormônios, formam um complexo ativo “hormônio-receptor” e se acoplam a elementos reguladores do DNA (promotores) iniciando e influenciando a transcrição genética. Os receptores dos hormônios esteroides, do hormônio tireoideano, do ácido retinóico e da 1,24-diidroxi vitamina D, fazem parte de um grupo de receptores que atuam no DNA nuclear e possuem uma estrutura semelhante. Por esta razão são chamados de superfamília dos receptores nucleares. Os receptores estrogênicos alfa e beta, os receptores de progesterona A e B, assim como os demais desta superfamília, são formados por 6 regiões ou domínios, rotulados de A a F e designados como: Domínio regulador (regiões A/B), Domínio de ligação ao DNA (Região C), Domínio Hinge – dobradiça ou pivô – (região D), Domínio de ligação hormonal (Região E) e o segmento terminal carboxílico (Região F). Para maiores detalhes, vide artigo em FEMINA2. A interação dos diversos domínios do receptor com o hormônio (ligante) e o tipo de ligação ao DNA das células alvo, irão influenciar a transcrição genética por meio de dois mecanismos principais: • Através do Elemento de Resposta Simples. - É a maneira clássica, específica para cada esteroide, onde o complexo receptor-esteroide se liga diretamente, sem intermediários, ao SRE (Steroid Response Element) do DNA. É a mais importante e confere a especificidade para cada hormônio. É desta maneira que os diversos esteroides promovem suas mensagens típicas, ou sejam, estrogênicas, androgênicas, progestacionais, mineralo e glicocorticoides. • Através do Elemento de Resposta Composto (AP-1 site). - Atua via TAF-1 e TAF-2 (Transcription Activation Function 1 e 2). Para que ele seja ativado é necessário a presença de uma proteína intermediária entre o complexo receptor-esteróide e o DNA, denominada Receptor Associated Protein ou simplesmente adaptor (Proteína adaptadora). Estas proteínas são próprias de cada tipo de célula e poderão modificar a resposta fisiológica ao hormônio, ampliando-a ou limitando-a, ao induzir uma mensagem co-ativadora ou corepressora. Podemos resumir a seqüência dos mecanismos da transcrição genética nas seguintes etapas: 1. Acoplamento do hormônio ao domínio de ligação hormonal do receptor que encontra-se inativo pela presença das heat shock proteins. 2. Ativação do complexo hormônio-receptor pela sua alteração conformacional (transformação halostérica), provocada pela separação das heat shock proteins. 3. Dimerização do complexo receptor-esteroide. 4. Acoplamento dos dímeros ao SRE do DNA por meio dos “dedos de zinco” do domínio de ligação ao DNA. 5. Inicio da transcrição, influenciada pelos TAFs e pelas proteínas adaptadoras. A resposta celular, por sua vez, dependerá: - Da natureza do receptor (alfa ou beta no caso do receptor estrogênico, A ou B, no caso do receptor da progesterona). - Da prevalência e quantidade de cada tipo de receptor nos diversos tecidos. - Da dimerização do receptor, formando homodímeros ou heterodímeros, cada um deles induzindo mensagens distintas. - Do SRE e promotores vizinhos (AP-1 sites). Do contexto celular das proteínas adaptadoras, que podem atuar como coativadoras ou co-repressoras. - Da potência intrínseca do hormônio, que é proporcional ao tempo em que permanece ligado ao DNA. - Da modulação pelos fatores de crescimento e agentes que atuam (por via não genômica) nos receptores da membrana celular por intermédio das proteinaquinases e fosforilação. Com base nestes conhecimentos, podemos inferir que, na realidade, não é o hormônio que tem uma ação tecidual específica. Não é ele quem comanda, mas sim, os diferentes tecidos que respondem de maneira diferente a uma mesma substância, na dependência no contexto celular próprio. Isto vale para qualquer tipo de hormônio esteroide. O que acontece quando se administra a tibolona por via oral? Uma parte é rapidamente metabolizada pelas enzimas 3-alfa e 3-beta hidroxiesteroide dehidrogenases presentes no intestino e fígado, formando respectivamente a 3-alfa e 3beta hidroxi-tibolona. A presença de uma oxidrila (-OH) no carbono 3 de qualquer esteroide ou substância que apresente em sua fórmula um anel fenólico aromatizado (por ex.: dietil-estilbestrol, tamoxifen, isoflavona), permite que ele se ligue ao receptor estrogênico, fazendo com que o complexo exerça ações estrogênicas ou antiestrogênicas. Os metabólitos 3-alfa e 3-beta hidroxitibolona não são tão potentes como o estradiol, porem, foi identificado recentemente, em pesquisas animais, um outro metabólito da tibolona, a 7alfa-metil-17alfa-etinilestradiol, cuja potência se assemelha à do etinilestradiol. Sua concentração sérica após 2,5mg de tibolona oral encontra-se próxima à obtida com 30 microgramas de etinilestradiol3-4. Um outro metabólito, o isômero delta-4-tibolona, é formado pela ação da 3-beta hidroxiesteroide isomerase, que juntamente com a tibolona exercem uma efetiva ação progestacional. A tibolona é, portanto, um androgênio (esteroide com 19 átomos de carbono) que apresenta além da ação androgênica própria, ações estrogênicas via 3-alfa e 3-beta hidroxitibolona e 7alfa-methyl-17alfa-ethinylestradiol e ações progestacionais acentuadas via tibolona e o seu isômero delta-4. Estas características tornam a tibolona um esteroide complexo e especial, cujos efeitos podem ser particularmente desejáveis ou indesejáveis, dependendo do perfil e quadro clínico de cada paciente. Androgênios e mama. Existem dados conflitantes sobre a associação entre níveis de androgênios e risco de câncer de mama. Na maioria dos estudos prospectivos não se evidenciou uma correlação entre níveis séricos de testosterona, androstenediona, DHEA, DHEA-S e risco de câncer de mama5-6. Em culturas de células mamarias e experiências animais, androgênios não aromatizáveis (incapazes de se converterem em estrogênios) exerciam efeitos anti-proliferativos. Em outros trabalhos, androgênios aromatizáveis em estrogênios mostravam efeito proliferativo7. Existem várias observações sugerindo que os androgênios, além de induzirem a apoptose do tecido glandular mamário, podem bloquear os efeitos proliferativos dos estrogênios e da progesterona. Dimitrakakis et al. mostraram que o tratamento com flutamida (potente inibidor androgênico) aumentou acentuadamente a proliferação epitelial mamária em macacas Rhesus com ciclos normais8. A supressão da proliferação do epitélio mamário está relacionada com a “down regulation” dos receptores estrogênicos alfa induzida pelo androgênio e pela “up regulation” dos receptores estrogênicos beta, resultando na reversão da relação RE-alfa/RE-beta encontrada no epitélio mamário dos animais tratados com estradiol. Uma importante conseqüência da alteração da relação dos receptores estrogênicos foi a “down regulation” da expressão do MYC induzida pelo estradiol. Recentemente, o mesmo grupo formulou a hipótese de que a adição da testosterona à terapia hormonal usual poderia proteger a mulher do câncer mamário. Apesar das limitações metodológicas do estudo, suas observações clínicas, associadas a vários outros tipos de evidências sugerindo a supressão do crescimento epitelial da mama pelos androgênios, fortalecem o conceito de que uma formulação balanceada dos hormônios ovarianos, incluindo estrogênio, androgênio e progesterona, pode ser vantajosa no tratamento da mulher com falência ovariana9. Dados experimentais em roedores e primatas sugerem que o tratamento convencional com estrogênios em animais ooforectomizados, perturba o balanço estrogênio/androgênio normal e promove uma estimulação estrogênica isolada do epitélio mamário, possibilitando um aumento no risco de câncer. A supressão das gonadotrofinas pelo tratamento estrogênico resulta na redução global da esteroidogênese ovariana, particularmente dos androgênios produzidos pelo estroma sob o estímulo do LH - que se acha naturalmente elevado na menopausa. Nesta situação, prevalecerá somente o estrogênio fornecido pelo regime terapêutico. Alem do mais, os estrogênios estimulam a síntese hepática da SHBG, que por sua vez se liga à testosterona com maior afinidade do que ao estradiol, reduzindo ainda mais a biodisponibilidade androgênica e acentuando o desequilíbrio. Por estas observações, pode-se concluir que seria mais fisiológico e possivelmente mais seguro, administrar a testosterona junto com os regimes de estrogênio e progestogênio. Entretanto, a terapia usual consiste em usar o estrogênio associado ao progestogênio em mulheres com útero e somente estrogênio em mulheres histerectomizadas, apesar do risco ligeiramente aumentado para câncer de mama. A racionalidade da suplementação com testosterona em mulheres ooforectomizadas é bem estabelecida, porém, ao não faze-la, muitas mulheres na pós-menopausa se queixam da perda da libido e/ou sintomas de fraqueza e desânimo com o tratamento convencional. Isto pode ser explicado pela supressão da produção androgênica pelo estroma ovariano, devido ao feedback negativo sobre as gonadotrofinas (mais especificamente sobre o LH) exercido pelos estrogênios. Sendo intrinsecamente uma substância androgênica cujos metabólitos apresentam ações estrogênicas e progestacionais, a tibolona pode apresentar, em graus variáveis, os efeitos mencionados acima. Tibolona e mama. Existem inúmeros mecanismos possíveis pelos quais a tibolona pode limitar as ações estrogênicas e exercer um efeito inibidor tumoral na mama. Enzimas que atuam no metabolismo dos esteroides no tecido mamário promovem a síntese de estrogênios a partir dos androgênios produzidos nas supra-renais e estroma ovariano. As aromatases transformam de maneira irreversível a androstenediona em estrona. No tecido mamário normal, a 17beta-hidroxiesteroide dehidrogenase (tipo I) pode converter a estrona em estradiol, que é bem mais potente, enquanto a isoenzima 17beta-hidroxiesteroide dehidrogenase (tipo II) pode converter o estradiol de volta em estrona. A primeira prevalece no tecido mamário, enquanto a segunda prevalece no endométrio. Este sistema enzimático está sob o controle dos progestogênios que regulam a sua síntese. A mama também contem a enzima sulfotransferase que apresenta uma alta afinidade pela estrona, transformando-a em sulfato de estrona, que é inativa. Por sua vez, o sulfato de estrona pode ser dissociado pela enzima sulfatase, liberando novamente a estrona. A alta concentração tissular de sulfato de estrona na mama de mulheres menopausadas indicam que o sistema sulfatase-sulfotransferase possui um importante papel na regulação da quantidade de estrogênios livres, que são biologicamente ativos. Os níveis de estradiol, por sua vez, se acham 8 a 10 vezes mais elevados nos carcinomas da mama10. Inúmeros trabalhos sugerem que a tibolona e seus metabólitos conseguem inibir as aromatases, ao mesmo tempo em que estimulam a sulfotransferase e bloqueiam a sulfatase. Estas ações, teoricamente, conferem um efeito protetor da tibolona sobre o tecido mamário. Vários trabalhos indicam que a tibolona não estimula o tecido mamário em estudos pré-clínicos e modelo in vivo. Clinicamente, a tibolona não aumenta a dor mamária nem a densidade mamária, ao contrário, pode diminuí-las. Estes efeitos favoráveis, fizeram com que a tibolona fosse o medicamento preferencial para as pacientes portadoras de patologias benignas e de risco elevado para câncer de mama e esta posição foi assumida por ginecologistas, mastologistas e oncologistas. Pesquisa quantitativa realizada em 5 países europeus sobre as preferências da prescrição da tibolona entre 50 ginecologistas e oncologistas, cada um tratando uma média de 79 pacientes menopausadas por mês, mostrou11: • Na Holanda, 25% do total das pacientes em terapia hormonal faziam uso da tibolona, mas no grupo de risco de câncer de mama, a tibolona era utilizada em 90% das pacientes. • Na Inglaterra, 20% e 64% respectivamente. • Na Alemanha, 17% e 80%. • Na Áustria, 17% e 94%. • Na Suíça, 13% e 61%. Mediante os dados obtidos das pesquisas biomoleculares e respostas clínicas favoráveis na mastalgia e densidade mamária, foi admitida a possibilidade de se utilizar a tibolona em pacientes já tratadas de câncer de mama, e muitas o estão fazendo atualmente em todo o mundo, independente do estudo LIBERATE (Livial Intervention following Breast Cancer, Recurrence, and tolerability Endpoints). Este estudo encontrase em andamento e está projetado para acompanhar pelo menos 2.600 mulheres com história de câncer mamário. É um estudo clínico, randomizado, duplo cego, placebo controlado que investiga os efeitos da tibolona no intervalo livre da doença nesta população específica. A análise principal está planejada para 4 anos após a randomização da primeira paciente. Em 1º de abril de 2004, já haviam mais de 1.900 pacientes recrutadas. E o Million Women Study? A indicação quase universal da tibolona para as pacientes com risco elevado de câncer de mama foi duramente atingida com a publicação, em 2003, do Million Women Study Collaborators12. É estranho como um único trabalho, mais valorizado pelo grande número de mulheres envolvidas do que pelo rigor analítico dos seus dados, consegue desqualificar anos e anos de pesquisas sérias e condutas clínicas universalmente aceitas. Este trabalho observacional, surpreendentemente, encontrou um risco relativo de 1.45 para as usuárias de tibolona, muito próximo do RR de 1.30 para as usuárias de estrogênio isolado (o que, por si só, já questiona a credibilidade do trabalho, face ao achado do RR de 0.77 encontrado no braço do estrogênio isolado nas 10.000 mulheres do estudo WHI). Em excelente e minuciosa análise crítica dos grandes estudos observacionais (MWS) e dos “trials” HERS e WHI, realizada por Shapiro e divulgado em dois capítulos do “Climateric Medicine – where do we go? 13-14, ele questiona a validade dos estudos observacionais com número maciço de pacientes. Possíveis fontes de vièzes e fatores confundidores são reconhecidos como problemas que nunca poderão ser completamente eliminados em pesquisas deste tipo, e suas possíveis existências impõem limites na interpretação de qualquer associação identificada em tal pesquisa. Nestas circunstâncias, se, em um estudo bem conduzido, uma associação for grande (digamos, um risco relativo bem acima de 3.0), é razoável concluir que qualquer fonte residual de viés seja pouco provável de ser responsável por ela. Entretanto, se uma associação for pequena, pode ser impossível discriminar entre viés, fatores confundidores e causalidade como explicações alternativas. Nestas circunstâncias, é uma falácia comum interpretar uma associação estatisticamente significativa como causal. Contudo, uma vez presente um viés, tudo o que um grande estudo pode concluir em relação a um estudo pequeno, é estabelecer limites de intervalo de confiança mais estreito em volta da magnitude daquele viés. Resumindo, uma vez um estudo apresente um viés, aumentar a sua magnitude pode torná-lo mais robusto estatisticamente, mas robusteza não é a mesma coisa que validade. Analisando o “MWS” especificamente, entre mais de 15 erros, alguns grotescos, Shapiro assinala: - A análise principal foi limitada a ex-usuárias e usuárias atuais, no momento da inclusão. Em relação às não usuárias, entre as mulheres que haviam usado a TRH pela última vez há mais de um ano antes do recrutamento, não houve evidências de uma associação com o câncer, mesmo quando tal uso durou até 10 ou mais anos. Em contraste, entre as usuárias na época do recrutamento (usuárias atuais), o risco relativo estimado para o estrogênio isolado, estrogênio mais progestogênio, tibolona e outros hormônios desconhecidos, foi de 1.30, 2.0, 1.45 e 1.44, respectivamente; sendo todos estatisticamente significativos. Poderiam estes resultados serem atribuídos a um viés de detecção? Os investigadores excluíram as mulheres com qualquer tipo de câncer relatado antes do recrutamento. Porem, os cânceres identificados durante a mamografia realizada entre as pacientes recrutadas, deveriam ser comunicados aos registros de câncer, e as pacientes continuariam no estudo. Além disso, nas melhores mãos, a sensibilidade da mamografia é de 70 a 80% - podendo ser mais baixa ainda entre as usuárias de TRH, devido ao aumento da densidade mamária. Assim, mulheres recrutadas que escaparam da detecção mamográfica inicial, alertadas pela presença de um nódulo, poderiam ter o câncer clinicamente diagnosticado pouco tempo depois. Outro ponto crítico foi levantado pelos próprios investigadores do MWS. Em uma amostra de 1183 mulheres do estudo, o recrutamento também foi seletivo. As usuárias de TRH representavam 32% das pacientes que atenderam ao convite para participar de estudo, comparadas com 19% das mulheres que não atenderam ao recrutamento. Assim, o risco relativo elevado observado entre as mulheres do estudo poderia ser creditado a este recrutamento seletivo. Mais ainda, um intervalo médio de apenas 1.7 anos do diagnóstico até a morte, pode somente ser explicado se um número substancial de cânceres de mama já estivessem presentes por um longo período de tempo antes do recrutamento. Vide a história natural do câncer de mama15. Um raciocínio mais diferenciado nos alertaria para o fato de que, se a TRH fosse interrompida, os cânceres eventualmente induzidos por ela, naturalmente continuariam a crescer, embora mais lentamente, e continuariam sendo diagnosticados nos próximos 10 anos, pois esta é a evolução natural do câncer mamário16 Para não deixar de mencionar meu grande mestre Leon Speroff, na conclusão do seu editorial relativo ao estudo MWS, ele assinala: - “A importante questão não respondida é se a terapia hormonal causa o câncer de mama ou está promovendo o diagnóstico de tumores preexistentes. Os achados que apoiam um impacto em tumores preexistentes incluem uma impressionante concordância, entre todos os estudos, de que não encontraram um risco elevado em ex-usuárias e o rápido diagnóstico do câncer de mama dentro de poucos anos após o início da terapia17. Pelos questionamentos assinalados, não existe nenhuma argumentação sólida que coloque a tibolona como uma droga que favoreça um aumento no risco do câncer de mama. Pelo contrário. Em recente Simpósio realizado em outubro de 2004 em Amsterdam, cujo foco central foi “A saúde da mulher após WHI” (contando com a presença de autoridades internacionais nas áreas afins, inclusive do Dr. Chlebowski RT, responsável pela parte relacionada com a mama no referido estudo), ficou bem evidente que a maioria dos estudos observacionais, experimentais “in vitro”, em animais e humanos, bioquímicos e metabólicos apontam para um efeito favorável da tibolona sobre o tecido mamário, o que, alias, fez com que a mesma se tornasse a droga de eleição para as pacientes com risco elevado. Estudos clínicos randomisados como o LIBERATE, THEBES (Tibolone Histology of the Endometrium and Breast Endpoints study), OPAT (Osteoporosis Prevention and Antiatherosclerosis effects of Tibolone) irão fornecer dados clínicos adicionais mais concretos. Até que seus resultados sejam conhecidos, não há nenhum motivo para mudarmos a preferência por este produto. Por fim, o objetivo das ciências básicas e clínicas é conhecer a verdade. Todo estudo epidemiológico, não importa tão bom ou tão grande, fornece apenas uma visão da verdade. São necessárias muitas visões para chegar perto da verdade absoluta18. Privar uma mulher dos benefícios de uma terapia hormonal racional e bem individualizada, por causa de medo de raros efeitos colaterais, não parece ser uma medicina satisfatória19. Primum non nocere, nem por excesso nem por abstenção, como diz Manuel Neves-e-Castro. BIBLIOGRAFIA 1. Machado LV. Bioesteroidogênese. FEMINA 1980; 8: 424-38. 2. Machado LV. Quão estrogênicos são os fitoestrogênios? FEMINA 2003; 31: 77580. 3. Bodine PVN, Harris HA, Lyttle CR, et al. Estrogenic effects of 7alfa-methyl-17alfaethinylestradiol: a newly discovered tibolone metabolite. Steroids 2002; 67: 681-6 4. Wiegratz I, Sänger N, Kuhl H. Formation of 7alfa-methyl-17alfa-ethinylestradiol during treatment with tibolone. Menopause 2002; 9: 293-5. 5. Zumoff B. 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