MOBILIDADE PEDONAL NO ESPAÇO PÚBLICO Caso de Estudo e Aplicação ao Projecto em Sete Rios BRIGITE EUNICE DUARTE GIL Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em ARQUITECTURA Júri Presidente: Professora Doutora Maria Helena Neves Pereira Ramalho Rua Orientador: Professor Doutor Pedro Filipe Pinheiro de Serpa Brandão Vogal: Professor Doutor Fernando José Silva e Nunes da Silva Abril 2009 1 MOBILIDADE PEDONAL NO ESPAÇO PÚBLICO Caso de Estudo e Aplicação ao Projecto em Sete Rios RESUMO ANALÍTICO O principal objecto da presente dissertação é avaliar a qualidade do espaço público no âmbito da acessibilidade e mobilidade pedonal, percebendo o modo de o tornar mais agradável, seguro e confortável para a praticabilidade das actividades urbanas que acontecem no dia-a-dia. Deste modo, a dissertação desenvolve-se três partes. A primeira parte aborda uma definição geral sobre o espaço público e a sua evolução, possibilitando a percepção do estado de degradação que alguns “pedaços” de cidade chegaram. Aborda-se ainda questões sobre as actividades urbanas pedonais e as qualidades e condições para tornar um espaço público agradável. A segunda parte abrange a problemática da acessibilidade e mobilidade pedonal no espaço público, referindo aspectos como o sistema de deslocação pedonal e sua relação com outros sistemas urbanos, os obstáculos/barreiras com que nos deparamos no dia-a-dia e a segurança que os locais públicos põem em causa. Por último, na terceira parte são analisados comparativamente dois casos de estudo, considerados de um mau (Sete Rios) e um bom (Parque das Nações) exemplo de espaço urbano, para elaboração de uma proposta de melhoramente do espaço público de Sete Rios, com aplicação directa ao projecto desenvolvido na cadeira de Projecto Final. De um modo geral, pode-se dizer que, para satisfazer as pessoas que usam quotidianamente o espaço público, há que tentar relacionar este com o contexto urbano em que se insere, de forma a analisar as mudanças culturais e da vida urbana que as pessoas promovem, individualmente e em grupo, já que são essas mesmas mudanças que produzem novas necessidades e novos espaços. Por isso, será desejável incentivar novos processos de desenho do espaço público no sentido de oferecer a cidade a todos. Palavras-Chave: Espaço Público, Actividades Urbanas, Mobilidade, Obstáculos, Segurança, Conforto 2 PEDESTRIAN MOBILITY IN PUBLIC SPACE Case Study and Project Application in Sete Rios ABSTRACT The main purpose of this dissertation is to evaluate the quality of public space within pedestrian accessibility and mobility, understanding how to make it more enjoyable, safe and comfortable for the daily urban activities. Thus, the dissertation develops in three parts. The first part deals with a general definition of public space and its evolution, enabling the perception of the state of deterioration that some parts of the city have come to. It also addresses issues on the urban pedestrian activities and the qualities and conditions to make a pleasant public space. The second part covers the issue of pedestrian accessibility and mobility in public space, referring aspects such as pedestrian movement system and its relation to other urban systems, obstacles / barriers we face in a daily basis and safety issues public places bring up to. Finally, the third part is about the comparative analysis of two case studies, taken from a bad (Sete Rios) and a good (Parque das Nações) example of urban space, for a better understanding and development of a proposal for the improvement of Sete Rios public space, with direct application to the project developed in the Final Project Course. In general, we can say that to meet the needs of everyday people who use public space, we must try to relate this to the urban context in question, in order to examine the cultural changes and urban life that people promote, individually and in groups, since these changes are producing new needs and new spaces. It is therefore desirable to encourage new ways of public space design so we can offer the city to each and every one of us. Keywords: Public Space, Urban Activities, Mobility, Barriers, Safety, Comfort 3 ÍNDICE RESUMO ANALÍTICO ............................................................................................................ 2 ABSTRACT............................................................................................................................. 3 ÍNDICE ................................................................................................................................... 4 ÍNDICE DE FIGURAS ............................................................................................................. 6 ÍNDICE DE TABELAS............................................................................................................. 7 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 8 1. Objecto de Estudo .............................................................................................................. 8 2. Motivações.......................................................................................................................... 8 3. Objectivos ........................................................................................................................... 9 4. Metodologia e Estrutura ...................................................................................................... 9 5. Estado de Arte .................................................................................................................. 10 CAPÍTULO 1 – ESPAÇO PÚBLICO ........................................................................................ 12 1.1. Conceitos e Contexto ..................................................................................................... 12 1.2. Tipologias do Espaço Público ........................................................................................ 15 1.3. Tipos de Actividades Pedonais no Espaço Público ........................................................ 17 1.3.1. Andar a pé .............................................................................................................. 18 1.3.2. Permanecer em pé.................................................................................................. 19 1.3.3. Sentar ..................................................................................................................... 20 1.4. Qualidades das Actividades e Percursos no Espaço Público......................................... 20 CAPÍTULO 2 – ACESSIBILIDADE E MOBILIDADE PEDONAL ............................................. 25 2.1. Conceitos ....................................................................................................................... 25 2.2. Tipos de obstáculos ....................................................................................................... 27 2.2.1. Obstáculos Físicos .................................................................................................. 28 2.2.2. Obstáculos Psicológicos ......................................................................................... 30 2.3. Parâmetros do uso – Segurança e Conforto .................................................................. 31 CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS CASOS DE ESTUDO ............................................................. 34 3.1. Introdução ...................................................................................................................... 34 3.2. Sete Rios ....................................................................................................................... 34 4 3.3. Parque das Nações ....................................................................................................... 40 3.4. Aplicação ao Projecto Final............................................................................................ 45 3.4.1. Enquadramento do Projecto.................................................................................... 45 3.4.2. Proposta de melhoramento do espaço público aplicada ao Projecto ...................... 48 CAPÍTULO 4 – CONCLUSÕES FINAIS ................................................................................... 55 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 57 5 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Vivências urbanas ................................................................................................... 12 Figura 2 – Veneza, cidade medieval ......................................................................................... 13 Figura 3 – Grandes conflitos no espaço público ....................................................................... 13 Figura 4 - Crescimento dos centros urbanos / Domínio do transporte individual ...................... 14 Figura 5 – Actividades necessárias: movimentação entre interface de transporte e trabalho (Cais de Sodré)......................................................................................................................... 17 Figura 6 – Actividades opcionais: actividades de lazer no Parque das Nações ........................ 18 Figura 7 – Drachten: antes e depois do projecto ...................................................................... 23 Figura 8 – Relação entre o tráfego automóvel e as vivências ocorridas no espaço público...... 33 Figura 9 – Enquadramento de Sete Rios no contexto urbano................................................... 34 Figura 10 – Tipos de actividades necessárias no período da manhã ....................................... 35 Figura 11 – Deslocações pedonais no período da hora de almoço junto à Twin Towers .......... 36 Figura 12 – Transportes públicos existentes em Sete Rios ...................................................... 36 Figura 13 – Proximidade com o Parque Florestal de Monsanto................................................ 37 Figura 14 – Atravessamento do Eixo Norte/Sul facilitando o acesso a vários pontos ............... 37 Figura 15 - Estacionamento excessivo ..................................................................................... 38 Figura 16 – Largura reduzida de passeio ................................................................................. 38 Figura 17 - Paragem de autocarro isolada ................................................................................ 38 Figura 18 – Ausência de vida urbana ....................................................................................... 38 Figura 19 – Passagem pedonal ................................................................................................ 38 Figura 20 - Estacionamento ilegal............................................................................................. 38 Figura 21 – Jardim desocupado ............................................................................................... 39 Figura 22 – Falta de continuidade de passadeiras ................................................................... 39 Figura 23 – Desníveis ............................................................................................................... 39 Figura 24 – Estrutura viária demasiado densa.......................................................................... 39 Figura 25 – Descontinuidade da malha urbana ........................................................................ 39 Figura 26 – Barreiras visuais de grande impacto ...................................................................... 40 Figura 27 – Vida urbana na parte da manhã no Parque das Nações ....................................... 41 6 Figura 28 – Deslocações durante a hora de almoço ................................................................. 41 Figura 29 – Elementos atractores ............................................................................................. 44 Figura 30 – Elementos incentivadores ...................................................................................... 44 Figura 31 – Rede pedonal pontuada por equipamentos ........................................................... 46 Figura 32 – Esquema geral dos princípios orientadores da proposta de grupo ........................ 46 Figura 33 - Proposta geral de enquadramento ......................................................................... 47 Figura 34 - Impacte da escala do Eixo Norte/Sul no contexto urbano....................................... 48 Figura 35 – Proposta de edificado mais elevado junto ao Eixo Norte/Sul ................................. 48 Figura 36 – Vista geral da faixa de arborização densa junto à linha férrea ............................... 49 Figura 37 – Faixa de arborização junto à linha-férrea e atravessamentos da mesma .............. 49 Figura 38 – Linha Ferroviária de Sete Rios............................................................................... 49 Figura 39 – Reorganização dos transportes colectivos proporcionando novas vivências ......... 50 Figura 40 – Rede viária proposta .............................................................................................. 51 Figura 41 – Rede viária actual .................................................................................................. 51 Figura 42 – Estacionamento subterrâneo na área do Centro de Congressos ........................... 52 Figura 43 – Estacionamento excessivo à superfície, por baixo do Eixo Norte/Sul .................... 52 Figura 44 – Largura do passeio demasiado estreita ................................................................. 52 Figura 45 – Relação passeio/via confortável ............................................................................ 52 Figura 46 – Redimensionamento da rede viária ....................................................................... 53 Figura 47 – Largura da faixa de rodagem excessiva e consequente largura reduzida de passeio ................................................................................................................................................. 53 Figura 48 – Descontinuidade do tecido urbano ......................................................................... 53 Figura 49 – Soluções de vencimento dos declives acentuados através de: ............................. 54 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 – Tipologias de espaço público .................................................................................. 16 7 INTRODUÇÃO 1. Objecto de Estudo A presente dissertação tem como objecto de estudo a problemática do espaço público, no âmbito da mobilidade e acessibilidade pedonal. Pretende-se que o estudo seja baseado na percepção intuitiva das condições da qualidade do espaço público, incidindo sobre o caso de estudo de Sete Rios (área da interface de transportes estudada na cadeira de Projecto Final), e aborda assuntos como: 1. Importância da mobilidade pedonal no espaço público • O sistema de mobilidade pedonal • Condições do uso acessível 2. Vivência do Espaço Público como espaço de mobilidade e sociabilidade • Usabilidade do espaço exterior • Segurança no espaço público 3. Obstáculos • Caracterização da noção de obstáculo e do seu oposto (elementos incentivadores, facilitadores ou atractores da mobilidade pedonal) • Criação de espaços urbanos acessíveis a todos os grupos da população, de modo a facilitar a mobilidade pedonal • Tipo de obstáculos existentes em locais exteriores e parâmetros de conforto, tanto a nível físico como psicológico De modo geral, pretende-se identificar os obstáculos existentes no espaço público, propondo soluções de boa acessibilidade para todas as pessoas, independentemente das diferenças de idade, sexo, capacidades físicas ou cultura, garantindo uma boa mobilidade, o conforto e a segurança das pessoas, para uma agradável utilização do espaço público. 2. Motivações A escolha do tema tem como base o trabalho desenvolvido na cadeira de Projecto Final, onde se abordam com algum cuidado questões relacionadas com o espaço público e seu desenho urbano. O projecto em questão baseia-se na requalificação e reformulação de Sete Rios e a sua integração com as zonas envolventes, criando assim uma nova praça que interligasse todos os modos de transportes e dando a possibilidade às pessoas que se deslocam naquela área de desfrutar de um espaço público agradável e convidativo para se frequentar. Uma reflexão mais sistematizada, com apoio teórico, sobre condições da acessibilidade e mobilidade pedonal poderá ser enriquecedora das opções do projecto, reunindo mais informação e abrindo maior leque de opções. 8 3. Objectivos Este tema tem como principal objectivo estudar formas intuitivas e de apoio ao projecto, para avaliar a qualidade do espaço público, no domínio da mobilidade pedonal. Neste contexto, pretende-se: 1. Perceber factores favoráveis e critérios para um espaço público mais eficiente e agradável; 2. Estudar as vivências no espaço urbano e condições para torná-lo num local seguro, relativamente a um vasto leque de situações, relacionadas com o seu uso pelas diferentes faixas etárias e étnicas que frequentam estes locais; 3. Identificar situações físicas que, à partida, são desfavoráveis (por exemplo, como atravessar ou frequentar um espaço sob o impacto de grandes infra-estruturas, ou um local com elevado grau de movimento e intensidade de ruído), e caso hajam obstáculos/barreiras, compreender a maneira mais eficaz de conter ou eliminar os seus efeitos; 4. Estudar, no caso de um espaço complexo, o movimento pedonal gerado em torno de uma interface (Sete Rios), de forma a garantir os requisitos para ser considerado um espaço público agradável e sem obstáculos, no âmbito da mobilidade pedonal; 5. Ensaio de algumas aplicações ao Projecto. 4. Metodologia e Estrutura A dissertação baseia-se numa análise da qualidade do espaço público estruturada em três partes. • A primeira parte aborda uma definição geral sobre o espaço público e os elementos que o constituem, ou seja, perceber exactamente o que é o espaço público e como é definido, e a sua importância como elemento de continuidade num projecto urbano. • A segunda parte abrange questões relativas à acessibilidade e mobilidade pedonal no espaço público, referindo aspectos como o sistema de deslocação pedonal e sua relação com outros sistemas urbanos, os obstáculos/barreiras com que nos deparamos no dia-a-dia e a segurança que os locais públicos põem em causa. • Na terceira parte são analisadas comparativamente situações de bons e maus exemplos de espaços urbanos para uma melhor percepção e elaboração do caso de estudo (Sete Rios) com aplicação directa ao projecto desenvolvido na cadeira de Projecto Final, desenvolvida como conclusão. Em relação à metodologia deste trabalho, seguiram-se as seguintes fases: • Pesquisa e recolha de informação geral – revisão da literatura; • Recolha de elementos no local (fotografias); • Experimentação de uma matriz de observação e diagnóstico para mapificação de obstáculos por tipo, aplicada a situações de referência ao caso de estudo, com bons e 9 maus exemplos, em função de requisitos pré-estabelecidos, para identificar os pontos fortes e fracos no domínio da mobilidade pedonal; • Elaboração de uma tabela, para o caso de estudo, com critérios e indicadores feitos a partir da pesquisa sobre a qualidade do espaço público no caso de estudo, para obter uma ferramenta aplicável noutros casos; • Aplicação das conclusões ao Projecto com identificação de condicionantes pertinentes e justificação de opções tomadas. 5. Estado de Arte Quanto ao estado de arte, registo aqui algumas das obras de referência consultadas para esta investigação, abordando em especial temas sobre a caracterização do espaço público e alguns métodos de análise e sua qualidade, tais como: 1 GEHL, Jan – La humanización del espacio urbano: la vida social entre los edificios. Nesta obra, Gehl descreve essencialmente os usos sociais do espaço público e as experiências e opiniões das pessoas sobre os espaços públicos. Foca com grande ênfase a importância da qualidade dos espaços urbanos, e debate questões acerca da maneira como as capacidades sensoriais afectam a utilização de espaço, concebendo algumas técnicas de como se pode incentivar o uso activo do espaço exterior. Este livro considera-se a principal fonte para a presente dissertação no âmbito em que procede a uma descrição detalhada das principais actividades realizadas no espaço público. Além da classificação destas actividades, tendo como principal interveniente a pessoa (enquanto utilizador/espectador) e o peão (enquanto caminhante), relaciona-as ainda com as qualidades do espaço e com o meio envolvente, físico e social. JACOBS, Jane – Morte e vida de grandes cidades.2 Jane Jacobs vem contradizer, pela primeira vez, os pressupostos do planeamento urbano do século XX. Jacobs descreve o que torna as ruas seguras ou inseguras; o que vem a ser um bairro e a sua função dentro do complexo organismo que é a cidade; os motivos que fazem um bairro permanecer pobre enquanto outros se revitalizam; os perigos do excesso de dinheiro para a construção e os perigos da escassez de diversidades. Esta obra é fundamental para esta investigação, do ponto de vista das vivências em diferentes tipos de ruas e espaços. É bastante interessante ver como a autora retrata a maneira de como um espaço pode ter “má fama” e ser bastante agradável e seguro para os habitantes desse local; o modo como as personagens principais intervêm, numa área à escala de bairro, dá segurança aos figurantes, como se a segurança se tratasse apenas de um factor 1 Jan Gehl – La humanización del espacio urbano: la vida social entre los edificios. Barcelona: Editorial Reverté, 2006 2 Jane Jacobs – Morte e vida de grandes cidades. 1ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2000 2 10 psicológico; e a confiança que se pode ganhar para que um espaço tenha uma vida urbana confortável e segura. BRANDÃO, Pedro (ed alt.) – O Chão da Cidade – Guia de avaliação do design de espaço de espaço público.3 Este Guia aborda assuntos no âmbito do design de espaços públicos. Baseia-se em princípios e critérios que permitem uma reflexão sobre a problemática do design urbano e um bom desenho do espaço público. A sua estrutura é bastante prática uma vez que aprofunda o tema do espaço público, referindo princípios para a qualidade do desenho, classificação dos espaços públicos, assim como critérios de avaliação da qualidade dos projectos. Apresenta também um conjunto variado de casos de estudo do projecto de espaço público. REMESAR, Antoni (ed alt.) – Do projecto ao objecto – Manual de boas práticas de mobiliário urbano em centros históricos.4 Esta manual revela a importante dinamização que o espaço público foi sofrendo com a evolução dos centros históricos e com o aparecimento e evolução do mobiliário urbano. É apresentado um guia de avaliação de projecto de espaço público que mostra a importância de determinadas características como segurança | conforto e acessibilidade | mobilidade. Para a presente dissertação, esta publicação tem um carácter fundamental, na medida em que detalha o tipo de mobiliário urbano, que por vezes é visto como um obstáculo à mobilidade pedonal caso não sejam cumpridas algumas regras de implantação e colocação aqui descritas. ALVES, Fernando – Avaliação da qualidade do espaço público urbano. Proposta metodológica.5 Esta dissertação explora a qualidade do espaço público urbano. Aponta para um aspecto que me pareceu relevante para o meu estudo, em que tanto na concepção do espaço público como da cidade em geral tem de se ter a preocupação para que todos tenham a possibilidade de acesso a uma melhor qualidade de vida pública. 3 Pedro Brandão – O Chão da Cidade – Guia de avaliação do design de espaço de espaço público. Lisboa: Centro Português de Design, Abril de 2002 4 Antoni Remesar (ed alt.) – Do projecto ao objecto – Manual de boas práticas de mobiliário urbano em centros históricos. 2ª Edição. Lisboa: Centro Português de Design, Julho 2005 5 Fernando Alves – Avaliação da qualidade do espaço público urbano. Proposta metodológica. Dissertação para obtenção do grau de doutor no Instituto Superior Técnico na Universidade Técnica, Lisboa, Julho 1996 11 CAPÍTULO 1 – ESPAÇO PÚBLICO 1.1. Conceitos e Contexto “O espaço público de uma cidade é formado pelo sistema de espaços públicos livres (ruas, praças, jardins, parques, praias, rios, mar) e pelos elementos morfológicos que são visíveis a partir destes espaços. Engloba por um lado, aquilo a que chamamos paisagem urbana, e por outro, as fachadas que formam uma interface entre espaço público e privado.”6 De um modo geral, podemos definir o espaço público como o espaço resultante do vazio entre os edifícios (Gehl, 2006). Este espaço é, deste modo, constituído por elementos físicos, nomeadamente, a rua, a praça, avenidas, jardins, entre outros. As vivências nestes elementos constituintes do espaço público são muito diversas e variadas, natureza individual ou colectiva, onde predomina o peão e que incluem exigências de mobilidade, em que hoje é dominante o uso do automóvel. a) b) Figura 1 – Vivências urbanas a) Veneza, Itália | Gehl e Gemzoe – Novos Espaços Urbanos b) Piazza del Campo, Siena | Gehl e Gemzoe – Novos Espaços Urbanos Na Idade Média, as cidades nasceram essencialmente para usufruto do indivíduo enquanto peão ou utilizador do espaço público exterior e eram caracterizadas pela sua continuidade, densidade urbana elevada, multifuncionalidade e diversidade de espaços e vivências. As ruas eram moldadas aos pedestres e as praças eram desenhadas a pensar nos vários usos que poderiam ter, tais como, mercados, desfiles, procissões, enfim, inúmeros tipos de actividades ao ar livre. Estas tipologias eram consideradas os elementos estruturantes de espaço público e da identidade morfológica do tecido urbano. As cidades desta época foram evoluindo progressiva e lentamente, daí que se adaptavam às exigências e surgiram espaços públicos que, ainda hoje, oferecem condições ideais para usufruto do mesmo, tendo como referência todos os tipos de actividades pedestres. Exemplo disto, temos a cidade de Veneza, considerada uma cidade medieval que continua a funcionar de maneira tradicional, devido às 6 Antoni Remesar – Do Objecto ao Projecto – Manual de Boas Práticas de Mobiliário Urbano em Centros Históricos, pp. 22 12 suas condições naturais que inviabilizam o automóvel como modo de deslocação. A escala destas cidades está em harmonia com os usos e os vários tipos de movimentos, favorecendo os pedestres sem interrupções. Esta harmonia encontra-se tanto na dimensão das ruas como na distribuição dos usos ao longo das ruas e praças, e nos edifícios, em relação à escala e ao detalhe (Gehl e Gemzoe, 2002). Figura 2 – Veneza, cidade medieval | www.flickr.com Até ao século XIX, as limitações dos transportes locais e regionais restringiam o crescimento natural das cidades. No final do século XIX, esta situação começou a sofrer uma reviravolta com o aparecimento dos novos padrões de mobilidade e com a evolução industrial, sucedendo os primeiros grandes conflitos no espaço urbano. A mobilidade nas cidades, e entre elas, começou a ser mais facilitada pelos veículos motorizados, fazendo com que estas expandissem significativamente. Inicialmente, as pessoas usavam os eléctricos e autocarros, para se deslocarem em distâncias maiores, enquanto os veículos pesados faziam o transporte de mercadorias. Nesta época, quem possuía um automóvel particular pertencia a famílias privilegiadas, pois era considerado um luxo, um bem dispendioso, sendo um sinal de riqueza. O modo de deslocação mais utilizado era, sem dúvida, o meio pedonal. a) b) c) Figura 3 – Grandes conflitos no espaço público a) Westport, Irlanda | Gehl e Gemzoe – Novos Espaços Urbanos b) Istambul, Turquia | Gehl e Gemzoe – Novos Espaços Urbanos c) Nápoles, Itália | Gehl e Gemzoe – Novos Espaços Urbanos A partir de meados do século XX, a mobilidade depende, cada vez mais, do meio automóvel, que foi consequência do aumento exponencial da motorização, “associado à crescente urbanização da população e ao crescimento urbano difuso e fragmentado dos 13 principais centros urbanos”7. Apenas alguns países, do norte e centro da Europa, se aperceberam rapidamente do problema que este desenvolvimento apresentava para a sociedade, enquanto os outros viram as suas políticas de transportes falharem. Foram feitos grandes investimentos no domínio dos transportes colectivos e na oferta de infra-estruturas rodoviárias. As áreas urbanas continuaram a crescer de uma forma complexa, apareceram novos espaços urbanos e as grandes cidades continuaram a crescer para as periferias, ultrapassando a capacidade de cobertura pela rede de transportes públicos. Surgiu, assim, o domínio do transporte individual, perante a queda dos transportes públicos e da deslocação pedonal. Figura 4 - Crescimento dos centros urbanos / Domínio do transporte individual a) Riad, Arábia Saudita | Gehl e Gemzoe – Novos Espaços Urbanos b) Spokane, Estados Unidos | Gehl e Gemzoe – Novos Espaços Urbanos c) Claksdale, Estados Unidos | Gehl e Gemzoe – Novos Espaços Urbanos a) b) c) Sistematizando, ao longo do século XX, diversos factores provocaram a crise do espaço público urbano, tais como, a dinâmica da propriedade privada, a ocupação praticamente exclusiva do espaço de circulação por parte do automóvel, a oferta comercial cada vez mais inexistente (comércio tradicional) concentrada em grandes superfícies, a insegurança que cada vez é mais sentida na cidade, entre outros. Em consequência, mais recentemente, tem-se tentado salvar e recuperar o espaço público, principalmente nos centros históricos, mas frequentemente esta tentativa tem tornado os centros históricos num espaço segregado e fragmentado. Assim se vêm perdendo as principais funções do espaço público, na continuidade urbana, das quais derivam todas as suas potencialidades: • Dar forma e sentido ao conjunto da cidade, garantir trajectos e elementos de continuidade, incluindo o subsistema de transportes públicos, e ressaltar as diferenças entre edifícios, quarteirões e áreas urbanas. • Ordenar as relações entre edifícios, equipamentos, monumentos, vias, espaços de transição e espaços abertos em cada área da cidade.8 7 Fernando Nunes da Silva – “Ordenamento do território, sistemas de transportes e mobilidade urbana”. in: Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um Plano de Mobilidade Sustentável, Março 2008 8 Jordi Borja; Zaida Muxi – El Espacio Público y La Cidadania. Barcelona: Electa, 2003 14 Alguns países como a Dinamarca, França, Itália, Espanha, Suíça, Alemanha, Estados Unidos da América e Reino Unido, e muitos outros países, têm vindo a desenvolver experiências e intervenções nas cidades para devolver ao peão o espaço urbano que o automóvel tem vindo a ocupar, tentando criar novas soluções de desenho para as áreas de circulação, onde estão envolvidas as ruas, praças e outros elementos públicos. A mobilidade urbana cresceu exponencialmente e alterou-se de forma muito significativa nas últimas décadas, em especial nas cidades que assim puderam crescer para territórios à escala suburbana, metropolitana e regional. Este desenvolvimento deu-se em grande parte pela dispersão urbanística residencial e pela desnuclearização das actividades, novas formas de organização profissional, novos modos e estilos de vida que foram surgindo na sociedade contemporânea. Dados estes factos, a mobilidade urbana converteu-se actualmente numa realidade diversificada, segregada e heterogénea, marcada pela complexidade das deslocações diárias. Todas estas mudanças desencadearam um alongamento das distâncias a percorrer, logo de maior duração e com elementos de insegurança, convidando e incentivando à utilização excessiva do automóvel. Em consequência, as cidades começaram a crescer para a periferia, tornando a rede viária dos centros urbanos caótica e, naturalmente, com menos qualidade de vida. Por outro lado, a agressividade urbana que se tem vindo a sentir, nos últimos tempos, originou uma desorganização no espaço público com novas barreiras, como as de novas infra-estruturas ou de urbanizações de enclave ou condomínios privados, dificultando e, por vezes até mesmo, impedindo o acesso. 1.2. Tipologias do Espaço Público “O projecto de espaço público deve contribuir para a criação/consolidação de uma malha urbana coerente. Para tal, deve saber reconhecer o contexto e identificar as características de cada espaço e a forma como concorrem para a formação de um todo, mais vasto e complexo.”9 É fundamental que exista uma continuidade entre todos os elementos do espaço público num sistema de mobilidade pedonal e, para isso, é imprescindível compreender as diferentes tipologias do espaço público. Na tabela seguinte estão representadas, segundo Pedro Brandão (2008), 15 tipologias organizadas em seis referências estruturais: 9 Pedro Brandão – O Chão da Cidade – Guia de avaliação do design de espaço de espaço público. 15 a. Espaços – traçado Encontro 1. Largos, praças Circulação 2. Ruas, avenidas b. Espaços – “paisagem” Lazer – natureza 3. Jardins, parques Contemplação 4. Miradouros, panoramas c. Espaços – deslocação d. Espaços – memória e. Espaços comerciais f. Espaços gerados Transporte 5. Estações, paragens, interfaces Canal 6. Vias-férreas, auto-estradas Estacionamento 7. Parking, silos Saudade 8. Cemitérios Arqueologia 9. Industrial, agrícola, serviços Memoriais 10. Espaços monumentais Semi-interiores 11. Mercados, centros comerciais, arcadas Semi-exteriores 12. Mercado levante, quiosques, toldos Por edifícios 13. Adro, passagem, galeria, pátio Por equipamentos 14. Culturais, desportivos, religiosos, infantis Por sistemas 15. Iluminação, mobiliário, comunicação, arte Tabela 1 – Tipologias de espaço público | Pedro Brandão – A Identidade dos lugares e a sua representação Para uma melhor compreensão da tipologia e morfologia de espaço público, serão descritas algumas características referentes aos espaços–traçado, pois é nos espaços de encontro e de circulação que a presente tese tem maior enfoque. Uma tipologia de “espaço – traçado” que permite compatibilizar diferentes usos é a rua. A rua é, por definição, um espaço multi-funcional, proporcionando espaços próprios de um recinto de actividade, bem como de movimento. As suas principais funções são: 1. A circulação, tanto de veículos como de pedestres, 2. Os acessos aos edifícios, bem como fornecimento de luz e ventilação para edifícios, 3. Um percurso de transeuntes, 4. Lugares de estacionamento para carros, 5. Espaço público de interacção e sociabilidade. A rua tem perdido muito rapidamente o seu carácter pedonal, admitindo-se muitas vezes e com demasiada facilidade a sua substituição por vias mais ou menos rápidas e por edifícios isolados. Por vezes, a criação de áreas urbanas onde predominam os edifícios isolados pode privilegiar o espaço público, através da criação de parques urbanos, embora também possa acontecer o contrário, tornando-o degradado, e por sua vez, a rua perde a sua relação de lugar de passagem, de trajecto, de elemento de continuidade e de relação entre as diversas peças 10 urbanas. Segundo Jane Jacobs , é preciso atingir alguns objectivos, para que as ruas sejam capazes de oferecer segurança e diversidade para os seus frequentadores e moradores. Dentro destes objectivos realçam-se os seguintes: 1. Fomentar ruas vivas e atraentes; 2. Fazer com que o tecido das ruas forme uma malha o mais contínua possível; 10 Jane Jacobs – Morte e vida de grandes cidades 16 3. Fazer com que os parques, praças e edifícios integrem esse tecido das ruas; utilizá-los para intensificar e alinhavar a complexidade e multiplicidade de usos, de modo a não isolar usos diferentes. Para se ter uma boa leitura da cidade e uma boa coerência entre os vários espaços públicos não se devem isolar as funções das ruas. Pode haver zonas e ruas pedonais, mas tendo sempre em atenção para que não contribuam para uma marginalização nem para um “museísmo”, pois elas devem ser acessíveis também aos veículos. As tipologias de “boulevard” ou avenida mostram que quando se trata de uma rua larga não tem, obrigatoriamente, de ser considerada como uma “auto-estrada” urbana para se atravessar a cidade. Esta pode ser desenhada com elementos não rígidos de separação de funções, como por exemplo, as filas de árvores, o mobiliário urbano, os degraus e outros, que consoante o tipo de espaço público podem desempenhar várias funções. 1.3. Tipos de Actividades Pedonais no Espaço Público Segundo Jan Gehl (2006), as actividades exteriores realizadas no espaço público podem ser divididas em três categorias: necessárias, opcionais e sociais, em que as opcionais e as sociais são os tipos de actividade chave para a qualidade da cidade. Através desta caracterização é possível ter uma noção mais clara para a necessidade dos diferentes tipos de movimento, tais como, o caminhar e o parar. E para cada tipo de actividade são exigidos diferentes factores e condições para se utilizar o espaço exterior. As actividades necessárias são aquelas, tal como o próprio nome indica, que acontecem quase como uma obrigatoriedade, que têm de ser cumpridas mesmo em condições não muito favoráveis nem desejáveis do ambiente exterior. Nesta categoria encontram-se principalmente as deslocações prioritárias, como por exemplo a deslocação casa-trabalho e vice-versa, ir às compras, deslocação até ao meio de transporte, etc., tornando o espaço exterior como o meio ligação entre os dois pontos a alcançar. É de notar que este grupo abrange a maior parte das actividades relacionadas com a acção de caminhar. Figura 5 – Actividades necessárias: movimentação entre interface de transporte e trabalho (Cais de Sodré) | Fotografia do autor 17 A categoria das actividades opcionais é definida por aquelas que são realizadas se existir desejo para tal ou se as condições climatéricas e o lugar são convidativos. São actividades sem qualquer tipo de obrigação como dar um passeio, apanhar sol, sentar, podendo ser definidas como actividades de lazer. Gehl (2006) afirma que, caso as condições do ambiente exterior sejam de pouca qualidade, apenas se realizam as actividades estritamente necessárias e de modo que o tempo de duração seja o mais curto possível. No caso contrário, isto é, quando as condições exteriores são favoráveis, embora as actividades necessárias ocorram com a mesma frequência, tendem a durar mais tempo, e as actividades opcionais tendem a aparecer de uma forma exponencialmente maior, pois sendo o cenário convidativo e agradável, há maior motivo para se sentar, jogar, comer e muito mais coisas. Por último, as actividades sociais são todas as actividades que dependem da interacção de outras pessoas no espaço público. Estão incluídas nesta categoria actividades lúdicas como jogar, conversar e até contactos de carácter passivo, isto é, ver e ouvir os outros utilizadores do espaço. Figura 6 – Actividades opcionais: actividades de lazer no Parque das Nações | Fotografia de autor 1.3.1. Andar a pé As várias formas de circulação pedonal exigem várias características, físicas e psicológicas, comuns entre elas, no que respeita ao espaço físico. Para se circular a pé, é preciso espaço e liberdade para se conseguir percorrer determinado caminho sem nos atropelarmos uns aos outros, sem que nos incomodem, e até mesmo sem que nos empurrem. A grande problemática existente nesta questão é encontrar a dimensão “ideal” (se é que existe) do espaço de circulação, já que o nível de tolerância aos obstáculos, que se encontram enquanto se caminha, varia bastante de pessoa para pessoa, do grupo de pessoas ou da situação. 18 Um modo de melhorar a qualidade de circulação na rua por parte do peão é reduzir a largura das vias para automóveis, tornando possível um aumento dos passeios, fazendo com que estes adquiram bons espaços de passagem e, ao mesmo tempo, de permanência para conversar, ou simplesmente espaço para se fazer compras, podendo o peão saltitar de montra em montra ao seu ritmo. 1.3.2. Permanecer em pé O acto de estar em pé é considerado uma actividade social que embora não seja de primeira necessidade acaba por acontecer com muita frequência, principalmente a nível funcional. A este nível temos, o parar num sinal vermelho para se atravessar a estrada, parar para se ver ou observar algo que nos despertou a atenção. Normalmente, estas paragens são muito curtas, logo não têm grandes influências para o espaço. No entanto, existem outros motivos pelos quais um indivíduo permanece em pé num espaço, exigindo certas características físicas fundamentais, essencialmente para uma boa circulação neste. Motivos estes, como o facto de se encontrar alguém conhecido e sentir-se necessidade de parar para cumprimentar ou ficar a falar durante algum tempo. Esta necessidade é quase obrigatória uma vez que é uma falta de respeito perante o outro, fazendo desta paragem uma actividade necessária, o que requer maior dimensão para se circular e permanecer. Os locais mais propícios a estas vivências são a envolvente do espaço público. Segundo Jan Gehl, esta zona da periferia do espaço oferece vantagens práticas e psicológicas para um espaço de permanência.11 Toda a envolvente edificada funciona como um apoio ao indivíduo. Geralmente, os espaços públicos têm a sua área envolvente, a nível do piso térreo, ligada ao público no geral através de lojas e restauração. Estes serviços e apoios que o espaço exterior usufrui ajudam a dar-lhe carácter e identidade, funcionando como marcos e elementos marcantes fáceis de identificar, de maneira a que as pessoas possam marcar melhor os seus encontros, por exemplo. No entanto, uma vantagem determinante para a permanência na envolvente é a existência de toldos, arcadas, varandas, elementos que servem de protecção ao meio ambiente. Além destes elementos há ainda as árvores e o mobiliário urbano localizado, na sua maioria, nas extremidades de um local público. A envolvente edificada funciona também como uma protecção ao indivíduo perante o meio urbano. Trata-se essencialmente de um factor psicológico, é como se o indivíduo se encaixasse no seu domínio, quer estivesse sozinho ou em grupo, e conseguisse ver e controlar tudo o que se passa em seu redor. 11 Jan Gehl – La Humanización del Espacio Urbano, pp. 164 19 1.3.3. Sentar É de grande importância notar que os espaços públicos mais habitados são aqueles que oferecem boas condições para os seus utilizadores se sentarem. O mobiliário urbano, neste caso o banco, pode proporcionar inúmeras actividades de atracção ao espaço público, como comer, ler, jogar às cartas, observar o espaço e as pessoas, entre outras tantas. Estas vivências são determinantes para a qualidade do espaço público. A inexistência de sítios onde as pessoas se possam sentar pode levar à desertificação e ao abandono de um local. Daí que 12 torna-se essencial criar mais e melhores oportunidade para se sentar. Relativamente à colocação das zonas para se sentar, não difere muito das zonas onde as pessoas preferem permanecer em pé a conversar ou a admirar o espaço. Estas duas actividades localizam-se preferencialmente nos limites dos espaços públicos, em recantos, mais concretamente em lugares que ofereçam uma certa intimidade e segurança e, sempre que possível, um bom microclima. Os locais onde as pessoas podem usufruir do assento são mais favoráveis quando oferecem uma sensação de conforto, em especial com protecção de trás (das costas), privilegiando uma ampla visibilidade sobre todo o espaço. 1.4. Qualidades das Actividades e Percursos no Espaço Público Kevin Lynch, no seu livro “A Boa Forma da Cidade”, sustenta a importância do processo de desenho urbano na construção da cidade moderna, onde o espaço público pode propiciar uma intensa vida urbana desde que contenha vitalidade, sensação, adequação, acesso e controlo. Jane Jacobs13 marcou a viragem entre os ideais modernos e as novas ideias sobre o modelo de cidade, fazendo uma crítica directa e optimista à miopia e à arrogância intelectual que têm caracterizado grande parte do planeamento urbano do século XX. Jacobs enuncia alguns objectivos para a construção de espaços públicos de qualidade: 1. A vivência; 2. A identidade e o controle; 3. O acesso a oportunidades, imaginação e distracção; 4. A autenticidade e significado; 5. A vida pública e comunitária; 6. A auto-confiança urbana; 7. O bom ambiente para todos. 12 Jan Gehl – La Humanización del Espacio Urbano, pp. 169 13 Jane Jacobs – Morte e vida de grandes cidades 20 Os principais indicadores de qualidade das actividades e percursos pedonais no espaço urbano podem ser designados nas seguintes categorias: • Confortável e seguro para todos os pedestres que o utilizam, desde crianças, idosos, deficientes; • Uso inclusivo para acomodar todos os tipos de funções (desde um simples encontro até à realização de actividades) e todas as pessoas (no que respeita a idades, raças); • Boa Imagem. Visualmente simples e organizado. Por exemplo, simplicidade e clareza da pavimentação, mobiliário urbano, iluminação, elementos artísticos ou paisagísticos, aparência cuidada, desenho, detalhe. A qualidade das actividades exercidas no espaço público está relacionada com a qualidade de vida, que pode ser interpretada como: “o resultado da interacção de múltiplos factores no funcionamento das sociedades humanas e traduz-se na situação de bem-estar físico, mental e social e na satisfação e afirmação culturais, bem como em relações autênticas entre o indivíduo e a comunidade, dependendo da influência de factores inter-relacionados, que compreendem, designadamente: • A capacidade de carga do território e dos recursos; • A alimentação, a habitação, a saúde, a educação, os transportes e a ocupação dos tempos livres; • Um sistema social que assegure a posteridade de toda a população e os consequentes benefícios da Segurança Social; • A integração dos espaços urbano-industriais na paisagem, funcionando como valorização da mesma e não como agente de degradação.”14 Para que o espaço público seja notável numa cidade são, certamente, necessárias algumas qualidades físicas, que só resultam se forem pensadas no seu conjunto. A maioria está ligada a factores sociais e económicos. Nos próximos pontos serão abordadas algumas destas qualidades, através dos seus indicadores, dando mais ênfase às vivências criadas pelos diferentes tipos de espaços; à acessibilidade, mais concretamente, às suas dificuldades e obstáculos; e à segurança e ao conforto de um modo conjunto, uma vez que estão interrelacionados. Condições Temporais A questão da protecção contra o mau tempo é um ponto importante que se deve focar quando se trata da criação da agradabilidade de espaços públicos. Os tipos de condições atmosféricas variam consoante as zonas em que os locais se contextualizam, e as soluções devem ser obtidas em cada caso particular. De um modo geral, a protecção contra o sol e o 14 Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 7 de Abril) in: Pedro Brandão – O Chão da Cidade – Guia de avaliação do design de espaço de espaço público, pp. 192-3. 21 calor tem um papel fundamental no sul da Europa, enquanto nos países mais a norte os problemas são completamente distintos. Outro factor dentro desta questão trata-se da protecção contra a chuva. Uma vez que não se pode evitar a chuva e não é possível caminhar sempre em espaços interiores fechados, há que recorrer a elementos de protecção para o espaço público exterior. Exemplo disto temos as varandas dos edifícios ou os pisos ao nível térreo recuados, que funcionam de forma agradável para quem tem de percorrer um determinado percurso necessário. Grande parte dos espaços exteriores agradáveis para se estar são, normalmente, aqueles que têm árvores. A sombra é um elemento determinante na qualidade destes espaços, tornando-se assim fundamental estudar a relação entre a altura dos edifícios envolventes com as dimensões físicas da zona de estar, tais como, por exemplo, a largura de uma rua. A iluminação nocturna é uma condição, de tal modo importante na qualidade e existência das actividades urbanas nocturnas, que sem ela pode-se afirmar que não existiria vida pública, a não ser a estritamente necessária, apenas se sentiria um clima de insegurança. Esta é responsável por assegurar “a segurança do tráfego, de veículos e peões, a manutenção da ordem pública, incentiva o recreio ao ar livre, beneficia o comércio, prolongando a visibilidade dos produtos expostos, reforça as características e o significado de elementos urbanos (ruas, edifícios, monumentos, vegetação, etc.), favorece a animação da paisagem urbana e cria condições de aprazibilidade e conforto”15. Quando se pensa na colocação de iluminação deve-se considerar alguns factores que influenciam o conforto visual, como a quantidade, que deve-se estabelecer dependendo do tipo de actividades e o tipo de espaço; a distribuição, onde se deve ter atenção aos níveis de contraste e brilho; e a qualidade, que por vezes não é adequada pela sua direccionalidade e cor. Nalguns casos, acontece que, por causa da qualidade e quantidade de luz estabelecida para aquela área, o espaço pareça medonho ou assombroso, mesmo que esteja bem tratado e seja seguro. A primeira impressão e sensação são muito decisivas para se começar a usar um espaço que é desconhecido para alguém que chegue pela primeira vez. Condições de Protecção e Segurança Uma rua consideravelmente chamativa deve convidar ao lazer e oferecer segurança aos pedestres. Deve, também, proporcionar diferentes ritmos de circulação, desde o de lazer (mais lento) ao de atravessamento (mais rápido), mantendo sempre o peão como a principal figura do espaço público e seguro em relação ao automóvel. É importante fazer-se notar a segurança por parte do peão em relação ao automóvel. Esta pode ser assegurada pela separação física entre pedestres e automóveis através de passeios e lancis. Contudo, esta separação pode não ser a mais eficaz no que toca à 15 Pedro Brandão – O Chão da Cidade – Guia de avaliação do design de espaço de espaço público, pp. 193. 22 segurança e tranquilidade. Por vezes, é acentuada com a colocação de uma zona de estacionamento, embora muitas vezes, não seja das mais agradáveis, uma vez que acaba por funcionar como uma barreira, física e visual, impedindo o fácil atravessamento de um lado para o outro da rua. Outra forma de proteger o peão é fazer esta separação através de um alinhamento de árvores podendo ser intercalado com mobiliário urbano incentivando a paragem e a socialização no espaço exterior. Outra leitura oposta a esta questão é a inexistência da separação física entre os veículos e os peões, compatibilizando o peão com o automóvel fazendo com que este circule à velocidade do peão16. Figura 7 – Drachten: antes e depois do projecto | Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um Plano de Mobilidade Sustentável Condições de Socialização Gehl e Gemzoe consideram que o uso do espaço público, como espaço social e recreativo, tem vindo a crescer gradualmente. Deste modo, o planeamento urbano reconhece como cada vez mais importante, para a vida urbana, as formas de vida pública no espaço. Os anos noventa do século XX foram marcados por mudanças na condição institucional, política e social, que conduziram a uma nova mentalidade urbanística. Estabeleceram-se objectivos estratégicos para o desenvolvimento sustentado e sustentável da cidade, passando este pela necessidade de aproximar o centro da cidade às periferias, pela melhoria da qualidade do espaço público, pela integração de dinâmicas sociais e pelos acabamentos cuidados do próprio espaço que, por sua vez, se relacionam com preocupações não só de ordem estética, mas igualmente de disposição funcional. O papel do espaço público, assim como o conteúdo da interacção social que nele tem lugar, varia consoante a classe, grupo étnico, idade, estruturas e tipo de especialização funcional do bairro onde se localiza. O aumento da especialização e compartimentação das actividades contribuiu, na sociedade actual, para a deslocação para o interior dos edifícios de muitas das actividades que antes tinham lugar na rua. Por outro lado, deve-se recuperar a razão de que a cidade, enquanto sistema, promove o contacto humano. Nessa medida, as zonas centrais da cidade assumem-se como importantes pólos, dado que proporcionam a 16 Alguns países como Holanda e Dinamarca utilizam este princípio para criar zonas residenciais seguras. Hans Monderman consultável em: Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um Plano de Mobilidade Sustentável, pp 95. 23 oportunidade das pessoas se encontrarem. Por isso, os espaços públicos devem ser acessíveis a todos, independentemente da idade, capacidades, origens ou rendimento. Deste modo, o espaço público é um mecanismo fundamental para a socialização da vida urbana. A negação da cidade é precisamente o isolamento, a exclusão da vida colectiva e a segregação. Quem mais necessita do espaço público, da sua qualidade, acessibilidade e segurança são, em geral, os que têm mais dificuldades para aceder ou estar nele. Trata-se das crianças, das mulheres, dos pobres. Para garantir a qualidade dos espaços de circulação e espaços de estar é necessário oferecer condições favoráveis para deambular e permanecer nesses espaço, assim como condições para a realização de diversas actividades sociais e recreativas. Deste modo, o carácter do espaço envolvente tem um papel fundamental na qualidade destes espaços, daí que o desenho de cada espaço, até ao mais ínfimo pormenor, é um factor determinante. A qualidade dos espaços de encontro permite a interacção entre gerações, classes sociais e diferentes comunidades. Sem estes, a cidade torna-se mais pobre, sem o convívio dos cidadãos, que por sua vez, se isolam nos seus habitats do mundo exterior. Mas por outro lado, para que estes tipos de espaço existam na cidade é necessário muito mais que o convívio dos cidadãos. É obrigatório que sejam bem tratados pelos seus frequentadores, que exista mobiliário urbano adequado a todo o tipo de pessoas, boa iluminação pública, incentivando a permanência e usabilidade dos cidadãos nos chamados espaços de encontro. Em síntese, pode-se dizer que, para satisfazer melhor as necessidades das pessoas que usam quotidianamente o espaço público, há que tentar relacionar os espaços públicos com o contexto urbano em que estes se inserem, de forma a analisar as mudanças culturais e da vida urbana que as pessoas promovem, individualmente e em grupo, já que são essas mesmas mudanças que produzem novas necessidades e novos espaços. Por isso, será desejável incentivar novos processos de desenho do espaço público no sentido de oferecer a cidade a todos. Devem ser ultrapassadas as barreiras físicas que condicionam o acesso e a movimentação de determinados segmentos da comunidade, quer estas decorram em qualquer estágio de vida (crianças ou idosos), quer estejam incapacitadas (permanente ou temporariamente) de se movimentarem normalmente. 24 CAPÍTULO 2 – ACESSIBILIDADE E MOBILIDADE PEDONAL Depois de esclarecidos os conceitos relativos ao espaço público com pertinência para a mobilidade pedonal e as condições de qualidade das actividades exercidas nele, este capítulo aborda essencialmente a problemática do movimento pedonal, seja ele necessário ou opcional, no que se refere aos obstáculos. Procura-se uma melhor percepção dos perigos e dos impedimentos ao utilizador do espaço exterior para que seja possível reviver as cidades de uma forma segura e confortável. 2.1. Conceitos Acessibilidade A asserção corrente do significado de acessibilidade reúne noções relativas à liberdade do movimento e à igualdade no acesso a todos os locais: “Acessibilidade – Facilidade com que podemos circular numa área e aceder a determinado lugar ou equipamento. Incluindo os idosos, os deficientes, aqueles com carrinhos de bebé ou que transportam bagagens, pressupõe uma adequação específica aos diferentes utilizadores e conectividade intensa com os demais elementos pertencentes ao mesmo sistema, considerando as variáveis: tempo, custo, modo de transporte e conforto. A acessibilidade é geralmente medida pelo tempo necessário para uma determinada deslocação.”17 Temáticas como acessibilidade e o carácter dos espaços urbanos são importantes, como se pode notar quando, por exemplo, um fluxo pedonal num ambiente pouco amigável pode ser significativamente aumentado se o espaço se tornar mais amigável do ponto de vista pedonal18. A acessibilidade foi durante muito tempo encarada unicamente como uma necessidade das pessoas portadoras de deficiência. Este conceito era redutor e de certa forma uma manifestação de exclusão a que estão sujeitas as pessoas com deficiência. Considerou-se, então, que eram as cidades, os edifícios e os objectos de uso quotidiano existentes, a origem da exclusão não só de elevada percentagem de pessoas com deficiência, mas também de parte de idosos e crianças. Surge assim, na perspectiva de igualdade social, o conceito de Design para Todos. Design Universal Em termos concretos, este conceito, também conhecido como “Design Universal” ou “Design Inclusivo”, pode ser definido como “The design of products and environments to be 17 Pedro Brandão – O Chão da Cidade – Guia de avaliação do design de espaço de espaço público, pp. 187 18 Jan Gehl; Lars Gemzoe – Novos Espaço Urbanos 25 usable by all people, to the greatest extent possible, without the need for adaptation or specialized design”.19 Este conceito visa o benefício de toda a população, ao desenvolver soluções físicas que englobam pessoas de todas as idades, estaturas, capacidades e necessidades, além de considerar também a diversidade cultural e religiosa, e deve ainda ser tomado em conta por todos os profissionais que interajam no meio urbano e que actuem pela igualdade social dos cidadãos. Sete princípios do desenho universal20: 1. Utilização equitativa: pode ser utilizado por qualquer utilizador; 2. Flexibilidade de utilização: proporcionar a possibilidade de ser utilizado por todos; 3. Utilização simples e intuitiva: facilidade na compreensão; 4. Informação perceptível: design comunicativo de modo a passar a informação mais facilmente; 5. Tolerância ao erro: o design minimiza o risco dos acidentes; 6. Esforço físico mínimo: design deve ser utilizado de maneira fácil com o mínimo esforço; 7. Dimensão e espaço de abordagem e de utilização: o design oferece espaços e dimensões apropriados para a interacção, alcances, manipulação e uso, independente do tamanho, postura ou mobilidade do usuário. Acessibilidade e Mobilidade • O conceito de acessibilidade assenta nos princípios de Design Universal e aplica-se ao design de edifícios, de infra-estruturas e de produtos de consumo, traduzindo-se na disponibilização de meios físicos adequados, seguros, usufruídos por todas as pessoas com deficiência e rejeitam a divisão que se faz de pessoas com e sem deficiência.21 • “A noção de mobilidade está relacionada com o grau de liberdade com que nos podemos movimentar em determinado espaço (capacidade de deslocação); é assim um conceito que traduz o modo e a intensidade em que nós nos deslocamos”22 e que está na base da construção de sistemas urbanos, com três subsistemas principais (transporte público, transporte individual e deslocação pedonal). Quando se fala de mobilidade, não se trata apenas do movimento e da deslocação em si, trata-se sim de compreender, também, as novas realidades sociais. Não é possível falar de mobilidade sem perceber as suas relações com o território e com as estruturas sociais. As actuais reflexões conduzem ao conhecimento e valorização de novos padrões de mobilidade, que não podem ser ignorados aquando dos projectos de planeamento e desenho urbano, uma vez que essa ignorância pode criar rupturas na continuidade do espaço originando 19 20 http://www.design.ncsu.edu/cud/about_ud/udprincipleshtmlformat.html#top http://www.inr.pt/content/1/5/desenho-universal/ 21 O conceito ECA (European Concept for Acessibility) foi criado em 1996 em resposta ao Pedido da Comissão Europeia. http://www.eca.lu/index.php 22 Pedro Brandão – O Chão da Cidade – Guia de avaliação do design de espaço de espaço público, pp. 191 26 fragmentação dentro da cidade. O envelhecimento da sociedade, o surgimento intensivo da mulher no mundo profissional e as novas exigências das pessoas de mobilidade reduzida são exemplos desses novos paradigmas. Daí que, convém perceber exactamente, a noção de percursos pedonais acessíveis: “são contínuos, desobstruídos ou livres de barreiras físicas que fazem a ligação a outros elementos igualmente sem o mesmo tipo de obstáculos e que obedecem às presentes normas (por exemplo edifícios, espaços verdes ou de diversão, etc.) ”23. Estas perspectivas de exclusão de mobilidade são enormes desafios ao futuro planeamento, face à sua tendência crescente e face aos novos desafios de uma sociedade democrática e livre. Obstáculo Por definição, obstáculo refere-se a “tudo o que impede o caminho ou a passagem”24, também denominado por barreira. Obstáculos são “impedimentos que complicam, limitam, afrouxam ou impedem a autonomia de movimento das pessoas com incapacidade, a sua livre circulação em locais públicos ou privados, exteriores, interiores ou a utilização de serviços das colectividades”25. Para a análise seguinte, deve-se ter conhecimento dos tipos de obstáculos existentes, tendo em conta que só serão referidos e analisados aqueles que estão directamente ligados com o espaço público e a deslocação pedonal: • “Urbanísticos – são os que existem nas vias públicas assim como nos espaços de uso público; • Arquitectónicos – são os existentes nos acessos e no interior dos edifícios, tanto públicos com privados; • Sensoriais – são todos os impedimentos que impossibilitam ou dificultam a expressão ou recepção de mensagens através dos meios de comunicação, sejam ou não de massas; De transportes – são aqueles existentes nos meios de transporte.”26 • 2.2. Tipos de obstáculos A realidade tem evidenciado que os obstáculos com que nos deparamos todos os dias impedem um elevado número de pessoas com grandes dificuldades na acessibilidade à cidade. Nesse grupo de pessoas estão incluídos, em especial, os idosos, as crianças, as 23 Jorge Falorca; Sílvia Gonçalves – Projectar e Construir com Acessibilidade. Coimbra: J. Falorca, 2008, pp. 49 24 http://www.infopedia.pt 25 Jorge Falorca – op. cit., pp. 50 26 idem 27 grávidas, as mães com carrinhos de bebés, os acidentados temporalmente, ou simplesmente, cada um de nós quando transporta sacos com compras, por exemplo. Estes obstáculos, como veremos adiante, podem ser classificados como de tipo físico ou psicológico: • Os obstáculos físicos (serão apenas referidos os urbanísticos por estarem, directamente, ligados com o espaço público) são mais limitadores como as escadas, o mobiliário urbano, o declive do terreno, entre outros; • Os obstáculos psicológicos (sendo considerados os sensoriais) são obstáculos que podem abranger todo o tipo de pessoas, como por exemplo, a má visibilidade do espaço público exterior, o tipo de pessoas que frequenta um determinado local, o uso dos edifícios que delimitam o espaço urbano, o ruído causado pelo tráfego circundante, etc. No caso dos obstáculos psicológicos é relevante analisar os elementos incentivadores, facilitadores e atractores do movimento pedonal, e mencionar a sua importância para determinadas opções e escolhas, por parte dos transeuntes e dos utilizadores, do espaço urbano. É também relevante mostrar como estes critérios influenciam a qualidade do espaço exterior. 2.2.1. Obstáculos Físicos A cidade não pode ter limites de mobilidade. Porém, a realidade tem mostrado que a cidade em vez de reunir, separa as pessoas e em vez de incluir, exclui, justamente, porque na generalidade, sem qualquer preocupação e cumprimento das leis em vigor, realizam-se passeios estreitos, interrompem-se os sistemas de continuidade pedonal, não se colocam passadeiras, não se fazem rebaixamentos de acesso aos passeios, coloca-se a sinalética informativa, publicitária e de trânsito em qualquer sítio, localizam-se as árvores nos passeios em vez de se colocarem nos canteiros, os ecopontos nos passeios, não se adaptam os transportes e os acessos. Todas estas barreiras simples, nada complexas, tornam o dia-a-dia de muitos, quase impossível de ultrapassar. Estas cidades não correspondem do ponto de vista físico, informativo e comunicativo às reais necessidades da sua população. Será necessário para a sua sustentabilidade a existência de percursos acessíveis, sem descontinuidade, que permita a todos, em condições de independência, conforto e segurança, deslocarem-se na cidade. Relação com o automóvel A supremacia do tráfego automóvel em certas cidades e áreas urbana conduziu à transformação do espaço público. O automóvel foi o principal causador da má ocupação e qualidade deste espaço, interferindo não só com o espaço físico (ruas e praças), mas também trouxe problemas relacionados com a sujidade do espaço exterior, poluição sonora e poluição 28 visual. Tornou-se, deste modo, desagradável e quase impossível utilizar e viver o espaço público, por falta de espaço e por causa dos problemas ambientais. a) Poluição Alguns dos problemas ambientais, causados pelo uso abundante do automóvel, são os vários tipos de poluição, que este marca o espaço exterior. Além da poluição atmosférica originada pela libertação de gases tóxicos prejudicando o meio ambiente, o excesso de automóveis provoca poluição visual, impedindo que a ligação entre peão/condutor funcione de uma forma aberta e clara. Muitas das vezes, obstruem ângulos de visão e direcções principalmente juntos a cruzamentos e passagens de peões. A poluição visual é uma barreira que impede os vários tipos de actividades que se podem praticar no espaço exterior, como o estar sentado, numa esplanada ou no banco, e não conseguir observar o que se passa à volta por causa dos automóveis estacionados ou em movimento; e que impede, também, as pessoas, enquanto peões, de atravessarem vias com elevado tráfego ou passadeiras por causa do estacionamento indevido. A poluição sonora é outro factor bastante perturbante para uma agradável vivência urbana. Este é um factor difícil de se controlar, pois quanto maior o número de automóveis a circular e maior a velocidade, maior é o ruído sentido por parte dos utilizadores. Conjuntamente, o tipo de pavimento “ajuda” à impraticabilidade da vida social urbana, uma vez que, se o pavimento for mais liso provoca menos ruído mas leva a velocidades maiores, se o pavimento for mais fragmentado o ruído passa a ser insuportável e incómodo. Se este for demasiado elevado torna-se impossível conversar e ouvir os sons da natureza e de outros utilizadores presentes no local. b) Estacionamento Um problema cada vez mais comum, nos dias de hoje, é o uso abusivo do automóvel, mais explicitamente, o estacionamento dos veículos motorizados sobre o passeio. Daqui podem surgir vários perigos à circulação pedonal e à vida dos transeuntes. Com o estacionamento do automóvel a ocupar grande parte dos passeios, o espaço de passagem torna-se quase impraticável e por vezes a passagem de pessoas com carrinhos de bebé e em cadeiras de rodas é totalmente impossível, piorando ainda mais em situações em que estes têm de se deslocar pela estrada onde a largura da via é insuficiente para ambos se cruzarem. Outro grave problema causado pelo indevido estacionamento é a inexistente relação visual entre os condutores e as crianças que brincam nos passeios, acabando por vezes da pior maneira. c) Separação Como solução a esta problemática temos a separação de usos e vias com a colocação dos pilaretes, já existentes em muitas situações. Mas esta solução deve-se, apenas e unicamente, a uma razão, não estacionar em locais indevidos. Além de tornar o espaço público pouco atractivo e funcional, não tendo nenhuma utilidade ao peão, como por exemplo servir de banco, ainda são considerados obstáculos físicos perigosos à circulação de invisuais. Mas pior que a sua colocação é a sua colocação indevida, ora impedindo a passagem a pessoas de 29 cadeiras de rodas, ora continuando a permitir o estacionamento indevido, pelo seu afastamento insuficiente ou excessivo, respectivamente. A sua utilização reduz, em cerca de 40 cm, a largura da rua, tirando espaço útil ao peão27. d) Velocidade A velocidade automóvel é um grande problema para os transeuntes e espectadores do espaço público. O pavimento é um elemento muito marcante de delimitação da velocidade. Embora este factor tenha as suas vantagens e desvantagens em simultâneo para tentar solucionar o problema da velocidade. Em geral recorre-se a pavimento mais fragmentados, come o caso da calçada, para reduzir a velocidade, mas é preciso ter em conta que este caso vai aumentar o ruído, causando desconforto sonoro. Na situação em que se melhora os efeitos sonoros, o pavimento é demasiado liso e confortável aos condutores, que estes incentivam-se a conduzir mais depressa. Outro factor para a diminuir o impacto da velocidade automóvel é a colocação de lombas nas vias onde existem passagens ou maior tráfego pedonal. 2.2.2. Obstáculos Psicológicos Distância Para se dizer que a distância a percorrer a pé é aceitável, é fundamental analisar não só a distância física real, como também a distância experimentada. Um percurso com cerca de 500 metros, em linha recta, desprotegido e aborrecido, sem edifícios, árvores, mobiliário urbano, lojas ou cafés, torna-se um percurso fatigante e longo, além de se tornar, por vezes, medonho e inseguro. Esta mesma distância pode parecer bastante atractiva e rápida de se fazer se for percebida por etapas. Consideremos que esta distância a percorrer é uma rua. Esta pode ter uma forma um pouco curva, de modo a que o espaço se torne mais acolhedor, fechado e que não seja imediatamente visível o seu fim. Ao tornar visível esse fim, tratar-se de um obstáculo psicológico, em que por vezes, por muito que o transeunte ande, ora mais rápido ora mais devagar, esse ponto parece não ter fim. Desta maneira, a distância aceitável para se percorrer a pé está relacionada entre a longitude e a qualidade do percurso. Etapas Outro factor, também ele psicológico, que faça parecer o percurso mais curto é a alternância entre ruas, praças e largos, tornando-o exequível de uma forma natural subdividindo-se em várias etapas. As pessoas concentrar-se-ão nas partes, como atravessar a praça, percorrer mais um troço da rua passando por um largo, e não no percurso como um todo e longo como realmente é. Assim, o factor psicológico é favorável à circulação pedonal pois a distância parece menor e chega-se ao destino mais rapidamente. 27 Manual de Metodologias e Boas Práticas para a Elaboração de um Plano de Mobilidade Sustentável 30 Elementos incentivadores, facilitadores e atractores a) Atractores Os elementos atractores estão relacionados com os usos urbanos que motivam trânsito pedonal, como a localização de equipamentos ou transportes públicos, comércios ou actividades de lazer. Sem a existência deste as pessoas não procuram os espaços públicos, tornando-os inseguros, vazios, medonhos. b) Incentivadores Os incentivadores são os elementos que por qualidades de amenidade, paisagem, actividade e outros elementos de interesse enriquecem o percurso. Estas qualidades nos espaços exteriores torna-se muito importante no que respeita ao conforto. São, sobretudo, estes elementos que tornam os espaços urbanos agradáveis e com as vivências sociáveis. c) Facilitadores Quanto aos facilitadores são os que asseguram a continuidade da rede de mobilidade incluindo e ligações entre modos de deslocação. É através destes elementos que se consegue assegurar uma melhor acessibilidade, contornando algumas barreiras à mobilidade. 2.3. Parâmetros do uso – Segurança e Conforto “Os peões são os “glóbulos vermelhos” da cidade, caso deixem de percorrer e irrigar uma rua ela entra em dificuldades, degradando-se, tornando-se insegura, gangrenando e finalmente morrendo.”28 A segurança e o conforto são dois aspectos cruciais a ter em conta quando se analisa ou projecta um espaço público. Estes poderão estar directamente relacionados, visto que um espaço que ofereça segurança traz quase, automaticamente, uma sensação de conforto à permanência e usabilidade desse mesmo. Enquanto um espaço que não ofereça conforto, principalmente psicológico, é meio caminho andado para os seus utilizadores o considerarem inseguro, e vice-versa em ambas as situações. A questão da segurança é muito complexa e, em especial, muito psicológica, variando entre pessoas e grupos etários e étnicos. 28 Mário J. Alves – Os peões, os passeios e as “causas comun” in Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um Plano de Mobilidade Sustentável 31 A principal razão para o abandono dos espaços públicos e o aumento dos medos e da insegurança por parte dos usuários deve-se, particularmente, a factores como: 1. Qualidade formal, a manutenção, a iluminação, a diversidade de usos possíveis, a acessibilidade, a vigilância, a presença de serviços e actividades que atraiam e fixem as pessoas. 2. A relação com a envolvente, a valorização da relação entre os usuários do espaço público e os da envolvente (ruas, comércios, equipamentos, habitação) e tudo o que facilite a integração urbana dos espaços públicos contribua à segurança como, praças, avenidas, parques com espaços de transição (esplanadas de cafés, galerias comerciais, quarteirões abertos). A melhor maneira de garantir a segurança no espaço público é a continuidade do seu uso social, ou seja, garantir a presença de pessoas o que implica que esse espaço seja agradável, movimentado, acessível a todo o tipo de pessoas e grupos, tanto a nível de idades como etnia, e que se possam realizar certas actividades. Um espaço público é considerado confortável a nível físico se oferece condições razoáveis de protecção dos elementos naturais, sejam eles calor, frio ou vento. Uma boa rua urbana deve oferecer protecção ao vento, tal como referido, e será cerca de 25 a 40% do vento fora da cidade em campo aberto, caso contrário estamos perante uma situação de efeito de túnel que acelera o vento causado pela localização e altura dos edifícios29. A percepção da qualidade do espaço público surge como consequência das imagens que se têm do local, onde se fundem aspectos de ordem formal e funcional, e de como e por quem essas imagens são apreendidas. A interacção entre a forma urbana e o comportamento humano pode ser concordante ou conflituosa, mas não pode ser separada das exigências humanas da vida urbana. As alterações e substituições das actividades humanas relacionadas com o uso do espaço são consequência da percepção individual e social sobre esse espaço, mas é distinta em cada caso. Segundo o estudo realizado por Appleyard30, o número de interacções sociais numa rua está directamente relacionado pelo número dos automóveis que por lá passam. Dizendo de outra forma, a nossa solidão aumenta com o número de automóveis à nossa porta. O esquema seguinte mostra a relação do elevado tráfego com o peão. 29 Allan Jacobs – Great Streets 30 Appleyard, D. Liveable Streets. Berkeley: Univ. of California Press, 1981 in Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um Plano de Mobilidade Sustentável 32 a) b) c) Figura 8 – Relação entre o tráfego automóvel e as vivências ocorridas no espaço público | Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um Plano de Mobilidade Sustentável a) Tráfego calmo – vivências abundantes b) Tráfego moderado – vivências moderadas c) Tráfego pesado – quase inexistências de vivências A questão do tráfego é fundamental ser analisada sobretudo quando se projecto um novo espaço ou se faz alterações no existente. É importante a circulação de alguns veículos motorizados para assegurar uma melhor segurança por parte dos utilizadores do espaço público. Embora o excesso deste também torne um espaço desagradável, barulhento e demasiado poluído. 33 CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS CASOS DE ESTUDO 3.1. Introdução Com a análise dos casos práticos pretende-se uma melhor compreensão prática das condições que permitem ou favorecem a ocorrência de vida urbana no espaço público da cidade. Esta análise tem por base o estudo da vida pública das pessoas no exterior, mostrando como muitas vezes o desenho urbano interfere na forma e intensidade de utilização do espaço público. Com base na aplicação teórica desenvolvida anteriormente, estudou-se o papel da estrutura urbana e funcional na qualidade da vida urbana, tendo em conta o espaço urbano, os movimentos pedonais e a permanência das pessoas no espaço, para os casos particulares de Sete Rios e do Parque das Nações. Ambos têm em comum a interface de transportes, que serve como elo de ligação do espaço local com o resto da cidade e subúrbios, e diversos espaços públicos e vivências com características diferentes e distintas. A escolha dos dois casos de estudo tem por base, o facto de uma área encontrar-se segregada, caótica e dequalificada (Sete Rios), necessitando de uma revitalização profunda ao nível do espaço público, e por outro lado estamos perante uma área que se encontrava abandonada e foi toda ela reconvertida a um plano urbano, com especial atenção para o espaço urbano (Parque das Nações). No final do capítulo é apresentada uma aplicação dos resultados ao trabalho elaborado na cadeira de Projecto Final. 3.2. Sete Rios Enquadramento no contexto urbano Sete Rios situa-se a Noroeste da cidade de Lisboa e enquadra-se nas freguesias de São Domingos de Benfica, Campolide e Nossa Senhora de Fátima. As suas grandes infra-estruturas e os vários equipamentos existentes têm um grande impacto à escala metropolitana e suburbana. É pela sua centralidade táctica que existe uma grande convergência de fluxos pedonais e automóveis, em especial nas horas de ponta. Figura 9 – Enquadramento de Sete Rios no contexto urbano | Imagem do autor 34 Situação Actual A nível da estrutura viária, a área de Sete Rios é um dos locais da cidade de Lisboa com melhores acessibilidades de grande e médio fluxo. No entanto, a ligação entre os vários níveis de vias é caótica, em especial a nível local. As vias, na maioria dos casos, são subdimensionadas ou sobredimensionadas. A estrutura viária é demasiado complexa e as ligações entre vias, por vezes, não se enquadram nos locais mais apropriados. Sete Rios pode ser considerada, actualmente, como uma das zonas de Lisboa com melhores ofertas e diversidade de transportes públicos, tal como na Gare do Oriente. No entanto, estes encontram-se muito dispersos, integrados numa malha complexa e rodeada por vias de tráfego automóvel de grandes dimensões. O principal problema desta desfuncionalidade é o facto dos diferentes tipos de transportes não se interligarem. A Vida Urbana em Sete Rios A vida urbana em Sete Rios, nas primeiras horas do dia, é completamente dominada pelas actividades necessárias das pessoas que frequentam e se deslocam no espaço público. É possível observar as inúmeras deslocações efectuadas essencialmente da interface de transportes (comboio e metro) para outros transportes públicos como os autocarros da Carris (sistema de distribuição urbana); para transportes privados que transportam as pessoas para os seus empregos mais distantes; e para os seus empregos no local. a) b) c) Figura 10 – Tipos de actividades necessárias no período da manhã | Fotografia do autor a) Movimento pedonal interligação com a interface b) Deslocações pedonais entre a interface e os autocarros urbanos c) Transportes privados que transportam as pessoas aos seus empregos mais distantes No período da manhã notam-se muito poucas actividades a acontecer. Não existem grandes actividades culturais e sociais na área e os espaços de lazer não são convidativos para a sua permanência e vivência. A grande atractividade é o equipamento do Jardim Zoológico que, actualmente, já não “chama” tantas pessoas quanto era desejado. No período da hora de almoço verifica-se um aumento de movimentações e deslocações, principalmente na Avenida Columbano Bordalo Pinheiro e na Avenida José Malhoa. Nestas zonas encontram-se a maior percentagem de escritórios, comércio e restauração, e os movimentos terão origem no intervalo do horário de trabalho. 35 Figura 11 – Deslocações pedonais no período da hora de almoço junto à Twin Towers | Fotografia do autor As vivências urbanas ao longo da tarde são idênticas ao período da manhã. O movimento pedonal quase desaparece, onde predomina em grande força a circulação automóvel. A redução das vivências no espaço público devem-se a vários factores que serão explicados mais adiante, em grande parte devido aos factores de qualidade, ou falta desta, na praticabilidade do espaço urbano. Análise de elementos atractores, incentivadores e facilitadores do movimento pedonal: a) Atractores A área de Sete Rios pode ser caracterizada como um ponto de chegada, de partida e de passagem de muitas pessoas. Isto acontece devido à extensa variedade de transportes públicos existentes, embora a sua organização e ligação seja um “caos”. Encontramos aqui: a estação de comboios (nível regional e nacional), o terminal de Expressos (nível nacional), paragens de autocarros (nível urbano, e junto à Praça de Espanha existem de nível suburbano), terminais de Táxis e vários acessos à estação de metropolitano (Jardim Zoológico). Figura 12 – Transportes públicos existentes em Sete Rios | Fotografia do autor 36 O Jardim Zoológico é um equipamento de interesse a nível nacional e tem a capacidade de atracção capaz de mobilizar grupos de pessoas à zona. Pode-se dizer que este espaço de lazer é o ponto de identidade de Sete Rios. Outros equipamentos portenciadores desta área são o IPO (Instituto Português de Oncologia), o Centro de Saúde, a Escola D. Pedro V, o Teatro Comuna e o Mercado da Praça de Espanha. Todos eles fazem com que as pessoas se desloquem a Sete Rios. b) Incentivadores A proximidade com parque florestal de Monsanto é uma mais-valia, não só pela sua presença cénica, mas também pela sua proximidade física, possibilitando a sua ligação para actividades de lazer e desportivas. Figura 13 – Proximidade com o Parque Florestal de Monsanto | Fotografia do autor c) Facilitadores A nível de acessibilidades, a zona é muito enriquecedora pelo facto de ter a Eixo Norte/Sul a atravessá-la. Este permite o fácil e rápido acesso a vários pontos da cidade, arredores e, até mesmo, o acesso ao Sul e Norte do país. Além deste elemento bastante facilitador das deslocações motorizadas, Sete Rios abrange uma vasta rede viária de distribuição para toda a cidade de Lisboa. Figura 14 – Atravessamento do Eixo Norte/Sul facilitando o acesso a vários pontos | Fotografia do autor 37 Obstáculos presentes no Espaço Público A primeira imagem de Sete Rios é a diversidade de obstáculos existentes no espaço público. Além da desorganização e desqualificação do espaço exterior, este local tem como ponto marcante os seus obstáculos. Seguidamente, serão mencionados os obstáculos que causam maior obstrução à mobilidade pedonal, através de fotografias tiradas no local. Figura 15 - Estacionamento excessivo | Fotografia do autor Figura 20 - Estacionamento ilegal | Fotografia do autor Figura 19 – Passagem pedonal | Fotografia do autor Figura 18 – Ausência de vida urbana | Fotografia do autor Figura 17 - Paragem de autocarro isolada | Fotografia do autor Figura 16 – Largura reduzida de passeio | Fotografia do autor 38 Figura 25 – Descontinuidade da malha urbana | Fotografia do autor Figura 22 – Falta de continuidade de passadeiras | Fotografia do autor Figura 21 – Jardim desocupado | Fotografia do autor Figura 11 - Falta de bons acessos ao Parque Natural de Monsanto | Fotografia do autor Figura 24 – Estrutura viária demasiado densa | Fotografia do autor Figura 23 – Desníveis | Fotografia do autor 39 Figura 26 – Barreiras visuais de grande impacto | Fotografia do autor 3.3. Parque das Nações Enquadramento no contexto urbano O Parque das Nações situa-se a Nordeste da cidade de Lisboa e enquadra-se nas freguesias de Moscavide, Sacavém e Santa Maria dos Olivais. Tal como Sete Rios possui grandes infra-estruturas, principalmente com grande impacto à escala suburbana. Situação Actual Após a realização da EXPO 98, o Parque das Nações tornou-se um centro de actividades culturais e um novo bairro da cidade de Lisboa. Encontram-se presentes várias instituições culturais e desportivas que tornam a área mais atractiva. Deste modo, verifica-se que o projecto de urbanização e requalificação trouxeram nova dinâmica à zona oriental da cidade, tendo em conta que, em 1990, ainda era uma zona industrial. A Vida Urbana no Parque das Nações A vida urbana observada no Parque das Nações, nas primeiras horas da manhã, é dominada pela necessidade das pessoas se deslocarem aos seus locais de trabalho e pela utilização da área de restauração que ficasse a caminho. Esta vivência urbana teve maior expressão em espaços como a Avenida D. João II, onde se nota a maior localização de serviços, e a Avenida Pacífico. Ainda neste período da manhã, a vida urbana é marcada pela presença significativa de crianças. A sua presença no espaço público tem mais impacto no Passeio de Ulisses, por ser este o melhor acesso ao Oceanário. Para além daquele grupo aceder ao referido equipamento, também utilizou o espaço para realizar outras actividades, com evidência para o estar e o lazer urbano, ao fazerem aí o lanche da manhã, tirando partido da dimensão do espaço, para realizarem breves brincadeiras em segurança. 40 Figura 27 – Vida urbana na parte da manhã no Parque das Nações | Fotografia do autor Neste mesmo período, os idosos também protagonizam uma vida urbana, embora seja mais individualizada, orientada para a permanência. Escolhem locais onde existam bancas ou muros para se sentarem, passando algum tempo em privacidade, mas na proximidade de outras pessoas, dedicando-se sobretudo a observar as actividades das outras pessoas. Estas actividades ocorreram preferencialmente nos espaços ribeirinhos, no Passeio das Tágides e na Rua da Pimenta. Por outro lado, grupos de jovens e de adultos usaram estes dois espaços referidos para praticarem desporto, como corrida, jogging e andar de bicicleta. As características ambientais e de desenho urbano do espaço, caracterizado por uma dimensão generosa, onde a divisão em sub-espaços, através dos Jardins Garcia de Horta, é subtil mas clara, proporcionam diversidade na utilização por parte dos diferentes grupos (adultos, jovens e idosos), e mostraram-se adequadas à ocorrência de actividades de carácter ocasional e de sociabilização. Também pelas mesmas características, alguns indivíduos escolheram a Alameda dos Oceanos para realizarem algumas actividades de estar e lazer urbanos. No período da hora de almoço registam-se padrões de deslocação orientados para o aproveitamento da pausa no trabalho, de acordo com os diferentes grupos etários presentes no espaço público. As pessoas que saem dos empregos e se deslocavam até aos locais habituais de refeição, como o Centro Comercial Vasco da Gama, bares e restaurantes junto ao rio, caminham de forma tranquila, normalmente em grupo, aproveitando para conversar, fumar e falar ao telemóvel. Nota-se que o espaço mais utilizado nessas deslocações foi a Avenida D. João II, onde os passeios têm uma dimensão confortável, permitindo às pessoas circular lado a lado, e por ser o trajecto mais directo para o Centro Comercial. Figura 28 – Deslocações durante a hora de almoço | Fotografia do autor 41 Para aqueles que preferem deslocar-se até à zona ribeirinha, onde se encontram os bares e restaurantes, é necessário atravessar a área no sentido Oeste/Este, através de um percurso sinuoso. Nestas condições, as pessoas procuram tirar maior partido da agradabilidade ambiental e estética da zona, pela existência de espaços com arborização ou com planos de água. Ao tomarem a opção de permanecer neste espaço, fazem-no por sentirem segurança, pela presença de mais indivíduos, e conforto, pela presença de mobiliário urbano adequado às necessidades dos utentes. Durante a tarde, os utilizadores do espaço público no Parque das Nações mostram maior disponibilidade para permanecerem nele por períodos de tempo mais longos. Dos grupos presentes na área, são os adultos que registaram maior número de presença, embora as crianças e os jovens também se assumam como grupos activos. O Passeio das Tágides, a Rua da Pimenta e os Jardins de Água, foram os espaços onde se concentram mais pessoas, em consequência, por um lado, do desenho urbano e o conforto ambiental e, por outro, pelas dimensões generosas que possuem, proporcionando diversidade no uso a todos os seus diferentes utilizadores. Ao final da tarde, observam-se de novo padrões de vida urbana associados à concentração de emprego na zona, permitindo registar diferentes tipos de deslocação pedonal. Notou-se novamente o tipo de deslocação directa, em que as pessoas usam o espaço público como ligação entre o emprego e os modos de transporte, público ou privado. Este tipo de deslocação foi observado na Avenida D. João II, eixo onde se concentram os serviços, em direcção à estação intermodal, a Gare do Oriente, tornando a praça entre a Gare e o Centro Comercial, a Avenida do Índico e a Avenida do Pacífico espaço de convergência. Esta actividade necessária de andar a pé está, em grande parte das situações, associada a outras, tais como, conversar, fumar e falar ao telemóvel, o que permite associar à deslocação o convívio entre indivíduos. Um pouco mais tarde, mas ainda dentro deste período, notou-se que o padrão de vida observado reflecte uma maior diversidade, tendo sido identificadas vivências relacionadas com o lazer, como por exemplo, estar sentado a observar o por do sol e as coisas que se passam à volta, e outras actividades, como andar de bicicleta, caminhar, correr e passear o cão. A observação de tanta diversidade de actividades num só espaço, como no Passeio das Tágides, valida a qualidade do desenho urbano, a identidade do local, o controlo que as pessoas têm sobre o espaço e a diversidade de oportunidade que elas têm em apropriá-lo. Em síntese, o estudo da vida no Parque das Nações permitiu avaliar o modo como as pessoas interagem com o espaço urbano e como este as estimulou a realizarem as mais variadas actividades. A análise das variáveis sintácticas permitiu confirmar a existência de espaços públicos com menos vivência, onde a vida urbana é escassa ou ocorre esporadicamente, a que correspondem espaços de menor acessibilidade e por isso menos integrados, e a existência de espaços com boa acessibilidade, onde a vida urbana foi mais intensa e diversificada, assumindo-se como espaços de passagem obrigatória. O estudo 42 confirmou, ainda, a convicção de que a zona central do Parque das Nações é uma zona onde as pessoas gostam de estar no seu dia-a-dia ou em lazer. A permeabilidade do sistema espacial revelou-se muito boa, particularmente, nos períodos de maior afluência e concentração de pessoas no espaço público. Este estudo permitiu também conhecer quais as funções urbanas que mais contribuíram para a ocorrência de vida urbana no Parque das Nações. Embora a zona estudada possua uma diversidade de funções urbanas, apenas algumas revelaram a existência de relações de dependência com o número de pessoas presentes no espaço público, tais como, serviços, comércio, restauração e equipamentos. A qualidade do desenho urbano, (largura dos passeios, área de espaço público pedonal), a presença de mobiliário na maioria dos espaços públicos (bancos, balizadores), e a qualidade ambiental do espaço (áreas de sombra, elementos de água), foram factores que permitiram certificar a agradabilidade do espaço e a dinâmica das relações entre o espaço e as pessoas. Deste modo, pode-se concluir que não só a qualidade do espaço público e a mistura de funções que ocorre no espaço urbano influenciam o modo como este é utilizado pelas pessoas, como, por outro lado, também se observam diferentes comportamentos destas em função do tipo de actividades que pretendem realizar no espaço público, o que, por sua vez, conduz à maior utilização desses espaço em detrimento de outros, em função as suas características físicas e urbanas. Análise de elementos atractores, incentivadores e facilitadores do movimento pedonal: a) Atractores O Parque das Nações é uma área muito rica e diversa em equipamentos. Entre eles encontramos o Oceanário, o Pavilhão de Portugal, o Pavilhão Multiusos, a FIL (Feira Internacional de Lisboa), entre outros. Todos estes atractores são uma mais valia para a zona pois são geradores de movimentos pedonais intensos, dinamizando assim a ocupação do espaço público. Os serviços, o comércio, a restauração e os equipamentos colectivos são considerados os principais geradores de movimentos pedonais intensos. Esta zona é caracterizada por uma boa oferta de transportes públicos, com uma rede bem estruturada a nível urbanos, suburbano e nacional. A interface da Gare do Oriente encontra-se muito bem organizado, estruturado em três pisos principais: no piso -1 situa-se o acesso ao metropolitano; no piso 0 estão distribuídos os taxis e os autocarros urbanos, suburbanos e nacionais; e no piso 1 encontra-se a ligação à linha-férrea. Os elementos de mobiliário urbano no espaço público promovem condições à ocorrência de actividades humanas, e são também assumidos como factores de atracção à deslocação pedonal ou ao recreio e convívio públicos. Mencionam-se, neste âmbito: bancos para descanso, alinhamentos de árvores e elementos artificiais de projecção de sombra, espaços verdes (jardins, parques, áreas verdes e passeios ribeirinhos) e elementos de água. 43 Figura 29 – Elementos atractores | Fotografia do autor b) Incentivadores A proximidade com o rio Tejo é um elemento de motivação aos passeios pedonais ribeirinhos de lazer, incentivando a procura deste espaço para passar umas horas de relaxamento e descontracção. Pelos factores ambientais pode-se considerar como elementos incentivadores ao movimento podenal os alinhamentos de árvores e elementos artificiais de projecção de sombra, espaços verdes (jardins, parques, áreas verdes) e elementos de água. Figura 30 – Elementos incentivadores | Fotografia do autor c) Facilitadores Quanto aos elementos facilitadores, considera-se a acessilidade como reveladora do espaço público. As ligações entre os vários modos de deslocação conseguem conciliar-se de uma forma segura, no ponto de vista da relação peão/automóvel pela separação existente através de pilaretes e diferenciação de pavimentos. Quanto aos elementos de desenho urbano, é de ter em conta a boa funcionalidade entre a largura dos passeios, os balizadores e o estacionamento à superfície que conseguem ter entre eles em relação que priveligia sempre o peão. 44 3.4. Aplicação ao Projecto Final Como já foi referido anteriormente, o tema da presente dissertação surge no âmbito do trabalho desenvolvido na cadeira de Projecto Final, que teve como enunciado a requalificação da área de intervenção em Sete Rios, com especial ênfase no desenho do espaço público. Pretende-se, acima de tudo, estabelecer novas formas de articulação entre as diferentes infraestruturas ligadas à mobilidade, valorizando a continuidade ao nível do espaço urbano, e propor novos programas e tipologias urbanas (actividades e espaços colectivos) capazes de requalificar e transformar as áreas em questão. Trata-se de uma zona nevrálgica da cidade onde a presença de diversas infra-estruturas urbanas associadas à mobilidade assumem particular relevância, como é o caso do Eixo Norte/Sul, a linha do caminho-de-ferro e o metro. Estas infra-estruturas são elementos importantes na estrutura da cidade e do território mas por vezes têm impactes negativos nas áreas urbanas onde se inserem, pela escala que assumem, pela descontinuidade que provocam e pelos espaços residuais que criam. 3.4.1. Enquadramento do Projecto Numa primeira fase foram efectuadas várias análises à área de estudo e, por fim, elaborada uma proposta desenvolvida em grupo. Foram abordadas questões relacionadas com a caracterização biofísica da área de intervenção (topografia, estrutura dos espaços verdes, orientação e exposição solar), evolução histórica, caracterização da mobilidade (potencialidades, rede de transportes públicos e individual, estacionamento, e percursos pedonais), caracterização da estrutura edificada, dos espaços públicos e suas tipologias (espaços vazios, público/privado, espaços públicos/conflitos, Equipamentos públicos/privados), e alguns planos urbanísticos condicionantes para a área (P.D.M., condicionantes urbanísticas). Os principais objectivos da proposta eram: 1. Criação de uma nova centralidade, potenciada pelas boas acessibilidades e pela requalificação da praça central junto à Estação de Comboios, com capacidade para possibilitar a grande movimentação de pessoas, gerada pela colocação de um equipamento de carácter público, originando diversas actividades e vivências à volta deste; 2. Reorganização dos vários transportes públicos existentes numa nova interface, de modo a facilitar as deslocações entre eles. Este aspecto proporciona uma “limpeza” bastante agradável a nível do espaço urbano, proporcionando a reorganização do mesmo; 3. Interligação das malhas urbanas, que se desagregavam ao chegarem ao centro de Sete Rios, através de uma nova malha edificada. Falta, deste modo, uma identidade e clareza entre o espaço edificado e o espaço público; 45 4. Reorganização da rede viária tendo como principal interveniente o peão. A reestruturação desta baseia-se, essencialmente, na redução do tráfego de atravessamento, permitindo o desenho de novos perfis, possibilitando o alargamento dos passeios e a segurança de quem os utiliza; 5. Criação de uma rede pedonal articulando a rede edificada, pontuada por alguns equipamentos públicos existentes e propostos. Esta rede pedonal dá vida às ruas de Sete Rios pelas diferentes vivências e usos que se observariam ao percorrê-la. Jardim Zoológico Piscinas Municipais Auditório Centro de Lazer Universidade Cinemas Zona Desportiva Figura 32 – Esquema geral dos princípios orientadores da proposta de grupo Teatro da Comuna Fundação Calouste Gulbenkian Teatro Figura 31 – Rede pedonal pontuada por equipamentos Numa segunda fase do trabalho, esta individual, o estudo incidiu sobre a área central de Sete Rios, delimitada pelo Bairro das Furnas a Oeste, pelo Jardim Zoológico a Norte, pelo Bairro do Rego a Este e pela linha ferroviária a Sul. Apesar deste limite, era essencial estabelecer uma relação pedonal e da malha urbana para além dele, “cosendo” este ponto da cidade, que se encontra bastante desfragmentado, com a sua envolvente. Nesta fase, o trabalho incide, principalmente, sobre questões relacionadas com as tipologias urbanas, o espaço público, a articulação entre os edifícios e o espaço público, o espaço público e privado, a mobilidade (sendo a pedonal prioritária) e as infra-estruturas. A proposta tem por base os princípios orientadores definidos na fase de grupo. Deste modo, desenvolve-se da seguinte maneira: 1. Reestruturação e reorganização da rede viária possibilitando a requalificação e revitalização do espaço público. 2. A praça de Sete Rios tornou-se o novo ponto de centralidade, que se caracteriza como o elemento de distribuição do centro para a malha edificada na sua envolvente e proximidade, e vice-versa. Esta distribuição é feita sempre com o intuito de favorecer o peão a deslocar-se, segura e confortavelmente, uma vez que neste local se encontram diversos meios de transportes públicos. 3. Ligação dos vários transportes públicos numa nova interface. Esta abrange o metropolitano, o comboio e os expressos. Todos eles têm um patamar de acesso e ligação comum ao nível do piso -1. Este piso é livre da circulação automóvel e aberto 46 ao ar livre em parte com a existência de comércio, restauração e serviços favorecendo a mobilidade pedonal. Permite também o atravessamento livre, por baixo do Eixo Norte/Sul e das vias locais, dando acesso directo ao espaço público junto ao Jardim Zoológico. 4. O grande equipamento cultural (centro de congressos) situa-se junta à praça proporcionando um maior dinamismo ao espaço público, com ligação ao piso -1, e serve de elemento organizador de espaço urbano em conformidade com a malha urbana, estando inserido, em parte, por baixo do Eixo Norte/Sul, minimizando o grande impacto de este causa na zona. Neste equipamento foi edificada uma torre com a funcionalidade de elemento marcante onde culminam todos os percursos pedonais e sistemas de vistas. 5. A área localizada a Este da praça é maioritariamente habitacional com algum comércio e restauração de carácter local, fazendo a ligação ao Bairro do Rego. 6. Do lado oposto da praça, a Oeste, encontra-se uma zona de grande densidade, onde se localizam os expressos (nível -1) e serviços com algum comércio mais direccionado para a praça. 7. Por fim, a frente do Jardim Zoológico é toda ela pedonal com uma área verde, com o intuito de minimizar o efeito de separação do muro existente, na tentativa de trazer a vivência deste equipamento para a cidade. Figura 33 - Proposta geral de enquadramento 47 3.4.2. Proposta de melhoramento do espaço público aplicada ao Projecto Neste tópico serão apresentadas algumas soluções, a partir da análise feita para o caso de estudo no capítulo anterior, de como se podem resolver e/ou melhorar certas problemáticas existentes no espaço público de Sete Rios. Como foi referido, Sete Rios é uma zona bastante problemática ao nível da mobilidade pedonal, com algumas condicionantes e barreiras para o espaço público. De seguida, serão descritas possíveis soluções para esses elementos deixarem de ser tão constrangedores para a mobilidade pedonal na zona e sua envolvente. 1. Eixo Norte/Sul O viaduto do Eixo Norte/Sul é um grande impacto visual no espaço público. Dado que é um elemento de grande consistência e fundamental para a organização da rede viária, no contexto da cidade e seus subúrbios, não se pode retirar ou deslocá-lo. Assumindo-o como uma condicionante física, no plano proposto para área de intervenção, foi definido que as cérceas dos edifícios, que se localizassem junto a este elemento viário de grande impacte visual, fossem mais elevadas de modo que a escala deste ficasse integrada no contexto urbano. Além das alturas do edificado, estabeleceu-se também outra regra para uma ocupação adequada do espaço por baixo do viaduto, actualmente ocupado por estacionamento, que consiste na colocação de edificado ou prolongamento do mesmo para baixo do viaduto, no contexto da malha edificada, criando uma continuidade da vida urbana e percursos pedonais de ligação entre o lado da praça e o lado do Jardim Zoológico. Esta medida ajuda à “típica” construção de estacionamento nos espaços sobrantes do espaço urbano e à eliminação de espaços vazios, desaproveitados e sem qualidade de utilização. Figura 34 - Impacte da escala do Eixo Figura 35 – Proposta de edificado mais Norte/Sul no contexto urbano elevado junto ao Eixo Norte/Sul 48 2. Linha Ferroviária A linha-férrea é considerada como mais uma condicionante na área de Sete Rios, tal como o Eixo Norte/Sul, embora seja mais difícil de contorná-la. Esta condicionante é mesmo classificada como um obstáculo físico que só pode ser ultrapassado pontualmente por túneis ou pelo interior da estação de comboios. Para optimizar o espaço junto à linha foi proposta uma faixa de arborização densa, de modo a reduzir o elevado ruído que se faz sentir quando os comboios passam e a criar uma protecção visualmente agradável à vivência no espaço exterior. A nível do atravessamento deste obstáculo, foram melhoradas as passagens já existentes, através da criação de eixos visuais e pedonais dinamizadores do espaço público. Na passagem principal onde circulam automóveis e peões, o espaço público foi tratado de um modo mais cuidado. A confusão da rede viária criando um espaço entre ela desaproveitado, servindo apenas para estacionamento ilegal, foi controlada passando apenas para uma parte do espaço de passagem. A restante área foi dedicada ao peão numa continuidade da Avenida Columbano Bordalo Pinheiro para a praça, com um acesso directo para o piso -1 (plataforma onde se encontram os principais transportes públicos e acesso directo ao lado do Jardim Zoológico sem obstáculos). Figura 38 – Linha Ferroviária de Sete Rios Figura 36 – Vista geral da faixa de arborização densa junto à linha férrea Figura 37 – Faixa de arborização junto à linha-férrea e atravessamentos da mesma 49 3. Ligação dos vários modos de transporte colectivo A separação dos vários modos de transporte foi resolvida pela nova interface que os acomoda, em conjunto, ao nível do piso -1. Para que este espaço não fosse, todo ele, subterrâneo e claustrofóbico foi aberto, gerando deste modo uma grande praça em dois níveis. No nível -1 desenvolvem-se inúmeras actividades, todas elas pedonais, pois esta área é restrita aos veículos motorizados, desde as necessárias até às opcionais e sociais, dada a existência de grande percentagem de comércio e restauração neste piso. Aqui encontramos as ligações directas com as estações rodoviária, metropolitana e ferroviária, em que o espaço central com comércio e restauração serve de distribuição entre elas. No caso da estação de metro, existe uma particularidade que torna a própria estação mais dinâmica, interagindo com o espaço exterior. Esta é, também, aberta para o espaço público exterior. Ou seja, quem circula na praça, tanto ao nível do piso 0 como do -1, pode comunicar visualmente com os utilizadores que se encontram no cais de espera. Este aspecto torna muito mais animador o tempo de espera das pessoas. Autocarros Urbanos Estação Rodoviária Estação Metro Estação Ferroviária a) c) Estação Metro Equipamento Cultural Comércio Estação Ferroviária Estação Rodoviária b) d) Figura 39 – Reorganização dos transportes colectivos proporcionando novas vivências a) Vista aérea da localização dos transportes actualmente b) Ligação dos transportes na proposta de Projecto (piso -1) c) Espaço público com vista para a nova estação rodoviária, serviços e comércio d) Plataforma de ligação ao metropolitano e Jardim Zoológico 50 4. Rede viária A rede viária sofreu uma grande alteração, principalmente, pelo facto de se ter retirado alguns acessos ao Eixo Norte/Sul e conciliado em locais menos prejudiciais ao espaço público. Esta mudança veio reduzir consideravelmente o tráfego de atravessamento e permitiu um redesenho das vias com um carácter mais urbano, conciliando o automóvel com o peão. O número e a largura de vias diminuíram significativamente e a via situada à direita destina-se a uso exclusivo do transporte colectivo. Esta última medida privilegia o peão no sentido em que lhes serve de protecção, pois estes circulam a uma velocidade inferior e com menor frequência. A redução da largura das vias foi pensada também com o intuito da redução da velocidade. Outro aspecto notório para conforto do peão foi a colocação de alinhamentos de árvores junto às vias. Estes servem de protecção sonora, visual e da poluição e ajudam a criar uma métrica de estacionamento à superfície, quando existente, agradável. Eixo Norte/Sul Rede Viária Linha-férrea Figura 41 – Rede viária actual Rede Viária Linha-férrea Via de acesso local Figura 40 – Rede viária proposta 5. Estacionamento Sendo uma zona bastante invadida pelo estacionamento (algum ilegal), retirou-se grande parte à superfície, passando para o subterrâneo situado por baixo do Centro de Congressos. Esta solução permite o reaproveitamento de todo o espaço por baixo do Eixo Norte/Sul e de uma área junto ao Jardim Zoológico. Os acessos pedonais a este estacionamento subterrâneo são muito facilitados pela praça que se encontra ao nível do mesmo (piso -1), servindo, em primeiro lugar, o equipamento cultural e o Jardim Zoológico e, secundariamente, os serviços e comércio existentes. A área habitacional prevista para a área de intervenção possui estacionamento próprio nos pisos subterrâneos da sua edificação, permitindo criar espaços de lazer de carácter semi-privados para os residentes. A ideia da redução do estacionamento permitido à superfície assenta no conceito da redução do tráfego automóvel e de tornar o espaço exterior com alguma qualidade para os utilitários. Ou seja, quanto menor for a oferta de estacionamento, maior a procura dos 51 transportes públicos, o que implica uma melhor praticabilidade do espaço público e a existência de mais espaços de estada com vivência urbana. Estacionamento Subterrâneo Figura 43 – Estacionamento excessivo à superfície, por baixo do Eixo Norte/Sul Figura 42 – Estacionamento subterrâneo na área do Centro de Congressos 6. Passeios (largura) A largura dos passeios em Sete Rios não é o seu ponto mais caótico. Existem alguns, em que se nota perfeitamente, que foram mal dimensionados, ou dimensionados para uma situação diferente da actual, sendo a passagem bastante estreita e perigosa pela velocidade excessiva dos veículos. A principal problemática relativa aos passeios é a colocação indevida do mobiliário urbano dificultando a passagem. Por estes motivos no projecto seguiram-se com rigor as normas regulamentadas pela lei das acessibilidades e de manuais referentes às regras adequadas de colocação do mobiliário urbano. Figura 44 – Largura do passeio demasiado estreita Figura 45 – Relação passeio/via confortável 52 7. Aproveitamento dos espaços públicos Os espaços públicos que têm mais obstáculos à mobilidade pedonal são a praça principal e toda a área em frente ao Jardim Zoológico. Figura 47 – Largura da faixa de rodagem excessiva e consequente largura reduzida de passeio Figura 46 – Redimensionamento da rede viária 8. Continuidade do tecido urbano A ligação da área central de Sete Rios com a sua envolvente é um ponto crítico para quem anda a pé. Nota-se uma grande descontinuidade da malha urbana com a envolvente e os percursos pedonais existentes são desagradáveis de se fazerem. A proposta teve sempre como principal ênfase, a preocupação de unir as malhas urbanas criando uma continuidade, em especial, dos percursos pedonais. Foram resolvidos os espaços intersticiais por espaços de lazer ajardinados e alguns terrenos privados totalmente perturbadores desta continuidade foram relocalizados, como é o caso dos terrenos ocupados pelo actual stand da Mercedes, pelas oficinas do metropolitano e pela estação de expressos. Figura 48 – Descontinuidade do tecido urbano 53 9. Declive do terreno O terreno em Sete Rios apresenta alguns declives acentuados, principalmente para quem se dirige a pé para fora da área central, pois encontram-se a subir. O declive mais acentuado (cerca de 10 metros) localiza-se na zona a Este da praça, que faz a ligação entre esta com o Bairro do Rego. A solução proposta para o vencimento dos declives foi desenvolver percursos pedonais através da criação de patamares ou, quando não era possível executá-los de modo confortável, estas passagens serem feitas pelo interior dos edifícios públicos por meios mecânicos. Figura 49 – Soluções de vencimento dos declives acentuados através de: a) Patamares que ligam a praça ao Bairro do Rego b) Patamares que ligam a praça à zona de serviços c) Meios mecânicos pelo interior de edifícios públicos 54 CAPÍTULO 4 – CONCLUSÕES FINAIS Com o aumento significativo do uso do transporte individual, as cidades sofreram grandes alterações, sucedendo os primeiros conflitos no espaço público. A mobilidade começou a ser mais facilitada, fazendo com que as cidades expandissem significativamente para a periferia, de um modo difuso e fragmentado. Surgiu, assim, o domínio do transporte individual, perante a queda dos transportes públicos e da deslocação pedonal. Por outro lado, a agressividade urbana que se tem vindo a sentir, nos últimos tempos, originou uma desorganização, de tal modo no espaço público, com inúmeros obstáculos para quem se desloca a pé. De um modo geral, pode-se dizer que, para satisfazer melhor as pessoas que usam quotidianamente o espaço público, há que tentar relacionar os espaços públicos com o contexto urbano em que estes se inserem, de forma a analisar as mudanças culturais e da vida urbana que as pessoas promovem, individualmente e em grupo, já que são essas mesmas mudanças que produzem novas necessidades e novos espaços. Por isso, será desejável incentivar novos processos de desenho do espaço público no sentido de oferecer a cidade a todos. Segundo Gehl (2006), as actividades exteriores realizadas no espaço público podem ser divididas em três categorias: necessárias, opcionais e sociais, em que as opcionais e as sociais são os tipos de actividade chave para a qualidade da cidade. Após identificados os tipos de actividades urbanas e analisados os obstáculos (físicos e psicológicos) existentes no espaço urbano verifica-se que a qualidade dos espaços públicos depende destes. A questão dos obstáculos psicológicos é mais complexa, variando muito de indivíduo para indivíduo e relaciona-se em parte com a segurança e conforto que é sentido por utilizador do espaço. A realidade tem evidenciado que os obstáculos com que nos deparamos todos os dias impedem um elevado número de pessoas com grandes dificuldades na acessibilidade à cidade. A qualidade do espaço exterior está ainda directamente relacionada com os elementos incentivadores, facilitadores e atractores ao movimento pedonal, pois explica as opções e escolhas tomadas por parte dos transeuntes e dos utilizadores do espaço urbano. 55 A partir da pesquisa efectuada e dos conhecimentos adquiridos foi possível elaborar um estudo das vivências e dos obstáculos à mobilidade pedonal no espaço público, para os casos específicos de Sete Rios e do Parque das Nações. Assim sendo, o estudo das vivências urbanas permitiu: • Avaliar o modo como as pessoas interagem com o espaço urbano e como este as estimulou a realizarem as mais variadas actividades. As análises efectuadas, em ambos os casos de estudo, permitiram confirmar que a espaços de menor acessibilidade e menos integrados no contexto urbano, correspondem a espaços públicos com menor vivência, onde a vida urbana é escassa ou ocorre esporadicamente. A existência de espaços com boa acessibilidade corresponde a espaços públicos onde a vida urbana é mais intensa e diversificada, assumindo-se como espaços de passagem obrigatória. • Conhecer quais as funções urbanas que mais contribuem para a ocorrência de vida urbana. Embora as zonas estudadas possuam uma diversidade de funções urbanas, apenas algumas revelaram a existência de relações de dependência com o número de pessoas presentes no espaço público, tais como, serviços, comércio, restauração e equipamentos. A qualidade do desenho urbano, a presença de mobiliário urbano e a qualidade ambiental do espaço, são factores que permitem certificar a agradabilidade do espaço e a dinâmica das relações entre o espaço e as pessoas. Deste modo, pode-se concluir que não só a qualidade do espaço público e a mistura de funções que ocorre no espaço urbano influenciam o modo como este é utilizado pelas pessoas, como, por outro lado, também se observam diferentes comportamentos destas em função do tipo de actividades que pretendem realizar no espaço público, o que, por sua vez, conduz à maior utilização desses espaços em detrimento de outros, em função das suas características físicas e urbanas. Quanto ao estudo dos obstáculos presentes na mobilidade pode-se concluir que estes resultam essencialmente de um mau planeamento e desenho urbano. Através da proposta de revitalização do espaço público de Sete Rios apresentada no capítulo 4, percebe-se que quando as cidades são pensadas no seu conjunto existe continuidade ao nível dos percursos pedonais e da malha urbana. O espaço exterior torna-se assim mais agradável e praticável à vida urbana. 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Zygmunt – Confiança e Medo na Cidade. Lisboa: Relógio D’Água Editores, Julho de 2006 BORJA, Jordi; MUXI, Zaída – El Espacio Público y la Ciudadania. Barcelona: Electa, 2003 BRANDÃO, Pedro – “A identidade dos lugares e a sua representação colectiva”. Lisboa: CESUR-IST, para a DGOTDU, 2008 BRANDÃO, Pedro – O Chão da Cidade – Guia de avaliação do design de espaço de espaço público. Lisboa: Centro Português de Design, Abril de 2002 BRANDÃO, Pedro; REMESAR, Antoni (eds.) – Design Urbano Inclusivo: uma experiência de projecto em Marvila “Fragmentos e Nexos”. Lisboa: Centro Português de Design, Fevereiro de 2004 CULLEN, Gordon – Paisagem Urbana. 1ª Edição. Lisboa: Edições 70, Março 2008 ESTEVES, Alina Isabel Pereira – A criminalidade na cidade de Lisboa: Uma geografia da insegurança. Lisboa: Edições Colibri, Fevereiro 1999 FALORCA, Jorge; GONÇALVES, Sílvia – Projectar e Construir com Acessibilidade. Coimbra: J. Falorca, 2008 GEHL, Jan – La humanización del espacio urbano: la vida social entre los edificios. Barcelona: Editorial Reverté, 2006 GEHL, Jan; GEMZOE, Lars – Novos espaços urbanos. Barcelona: Gustavo Gili, 2002 JACOBS, Allan B. – Great Streets. 1ª Edição. MIT Press, 1995 JACOBS, Jane – Morte e vida de grandes cidades. 1ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2000 LAMAS, José – Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. 2ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Outubro 2000 LYNCH, Kevin – A Boa Forma da Cidade. 1ª Edição. Lisboa: Edições 70, Abril 2007 LYNCH, Kevin – A Imagem da Cidade. Lisboa: Edições 70, 1 LYNCH, Kevin – Planificación del sitio. Barcelona: Gustavo Gili, 1980 PRINZ, Dieter – Urbanismo II: Configuração Urbana. Lisboa: Editorial Presença, 1984 57 WIEDENHOEFT, Ronald – Cities for people: Pratical measures for improving urban environments. New York: Van Nostrand Reinhold Company, 1981 Manuais: Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um Plano de Mobilidade Sustentável. Março 2008 REMESAR, Antoni (ed alt.) – Do projecto ao objecto – Manual de boas práticas de mobiliário urbano em centros históricos. 2ª Edição. Lisboa: Centro Português de Design, Julho 2005 Revistas/Artigos: FIGUEIREDO, António – “Cidade Pedonal”, Planeamento: Mobilidade. Aveiro, APPLA, nº 3, pp. 67-69. GEHL ARCHITECTS – “Towards a fine City for People. Public Space and Public Life”. London, Junho 2004 NASCIMENTO, Inês Fidalgo – “Arquitectura Paisagista: Acessibilidade e mobilidade pedonal na qualificação do espaço urbano”, Arquitectura e Vida. Lisboa, Loja da Imagem, nº 36, Março 2003, pp. 72-77 TELES, Paula – “Desenhar Cidades com Mobilidade Para Todos”, Planeamento: Mobilidade. Aveiro, APPLA, nº 3, pp. 115-121 Teses: ALVES, Fernando – Avaliação da qualidade do espaço público urbano. Proposta metodológica. Dissertação para obtenção do grau de doutor no Instituto Superior Técnico na Universidade Técnica, Lisboa, Julho 1996 Websites: Decreto-Lei nº163/2006, de 8 de Agosto Disponível em: http://www.inr.pt/bibliopac/diplomas/dl_163_2006.htm PPS – Project for Public Spaces Disponível em: http://www.pps.org/ Dicionário da Língua Portuguesa – Porto Editora Disponível em: http://www.infopedia.pt 58