TV Pública Digital: análise da política pública para um espaço midiático interativo, participativo e democrático.1 Patrícia Cerqueira Reis2 Escola Superior de Propaganda e Marketing Resumo Este artigo é um resumo dos principais pontos abordados em pesquisa de mesmo nome e autoria para o Instituto de Economia da UFRJ, curso de especialização em Análise de Políticas Públicas. O objetivo da pesquisa foi levantar e avaliar a condução do processo de formulação e implementação da gestão da TV pública, identificando os aspectos que impactaram a natureza pública, democrática e participativa desta mídia. Para isso utilizou-se arcabouços teóricos dos campos da economia, direito e comunicação e a análise empírica do processo de criação da TV pública brasileira no ano de 2007. Concluiu-se que o modelo adotado nessa política pública conduziu ao aparelhamento do modelo de TV pública pelo governo. A conclusão da pesquisa estimulou o questionamento sobre a função das TVs públicas na sociedade contemporânea. Palavras-Chave Televisão; Democratização; Política Pública; Mídia, Contemporaneidade 1 Trabalho apresentado no GT ABRAPCORP 6 - Comunicação pública, governamental e política do IV Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de relações Públicas. 2 Publicitária, mestre em comunicação (ECO/UFRJ), especialista em análise de políticas pública (IE/UFRJ) e em sistemas de informação (UFF). Professora e pesquisadora da ESPM, autora do livro Comunicação, Cultura e Sustentabilidade (E-paper, 2008) e consultora na área de comunicação corporativa e pública. 1 1. Introdução Em junho de 2006, o Governo Federal, através do poder executivo, publica o Decreto 5.820 e assim cria o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T). Esse vai ser o primeiro movimento num complexo tabuleiro de xadrez que se formará nos anos seguintes onde interesses públicos e privados, representados por intelectuais, políticos e empresários, se articularão sobre o tema da criação de uma TV pública brasileira. Simultaneamente, o conceito de uma comunicação pública aplicável ganha relevância na academia, principalmente nas universidades de Brasília (UNB) e de São Paulo (USP). Seus fundamentos remetem às estratégias de comunicação das instituições públicas, no primeiro e terceiro setor, que têm, no seu modelo de atuação, objetivos voltados ao acesso à informação, estímulo ao debate, exercício da cidadania e difusão dos princípios democráticos. Tais fundamentos sustentam que uma TV pública seria a principal mídia em termos de capacidade de penetração junto a todas as camadas sociais, democratização do acesso a informação e possível criação de novos espaços para as produções independentes. Este artigo é um resumo dos principais pontos abordados em pesquisa de mesmo nome e autoria desenvolvida para o Instituto de Economia da UFRJ, curso de especialização em Análise de Políticas Públicas. O objetivo da pesquisa foi levantar e avaliar a condução do processo de formulação e implementação da política pública de criação da TV pública brasileira, identificando os aspectos que impactam a natureza pública, democrática e participativa que esta mídia pode exercer na sociedade. A metodologia utilizada analisou a bibliografia disponível sobre o conceito de comunicação pública, levantou os modelos de TVs públicas em outros países, remontou a cronologia dos acontecimentos no processo de formulação e implementação da política pública em questão através de notícias publicadas na web e cruzou esses dados no intuito de atingir o objetivo proposto. Embora a política pública em questão inclua a criação da Empresa Brasileira de Comunicação – EBC, por uma questão de objetividade a pesquisa focou sua análise apenas na criação dos critérios de gestão da TV Brasil. 2. Comunicação pública e o exercício da cidadania Com a Constituição Federal de 1988 e a democratização das relações entre sociedade e Estado, o conceito de Comunicação Pública ganhou força e passou a estar presente em diferentes pesquisas e trabalhos acadêmicos em diversas universidades brasileiras. Alguns 2 pontos comuns entre os autores caracterizam-na como um modelo estratégico na construção de discursos que tenham como foco a esfera pública, as disputas de interesses dos diversos públicos e a criação de espaços participativos que permitam a existência e estimulem modelos dialógicos. A idéia de comunicação pública é melhor compreendida quando refere-se às estratégias de comunicação de instituições públicas, sejam elas os órgãos de governo, administração indireta ou entidades do terceiro setor que têm nos seus modelos de atuação questões referentes à esfera pública e a articulação de interesses. Numa ampliação da compreensão do conceito, pode-se dizer que também se trata das atuais estratégias de comunicação adotadas por algumas empresas privadas que têm o objetivo de agregar valor as suas marcas através da sua articulação com questões sobre sustentabilidade social, ambiental, econômica e cultural nas comunidades onde elas impactam o território ou podem ser impactada pelos agentes vinculados à elas. Nesse campo, a comunicação de questões públicas instrumentaliza-se nas empresas pelo diálogo social, com foco na compreensão, assimilação e resposta dos consumidores cidadãos envolvidos. No âmbito das instituições públicas, Ana Lúcia Novelli (2006) utiliza os conceitos de Bauman sobre liquidez, leveza, e inconstância do ambiente contemporâneo para explicar as novas exigências do consumidor cidadão por transparência, agilidade, eficiência e profissionalismo e que suscitam diferentes modelos de cidadania, de representatividade e de participação. Todo este processo de transformação implica em utilizar diversos instrumentos de comunicação para a atuação direta ou indireta do cidadão que deve ser informado, consultado, deliberado, regulado ou agente executor. Com isso, a comunicação passa a ser compreendida como estratégia de informação, consulta e participação ativa (via fóruns, conselhos, plebiscitos, referendos, audiências públicas, pesquisas de opinião, contratos de co-gestão com entidades do terceiro setor, etc). Múltiplos mecanismos são adotados na tentativa de ampliar a capacidade de gestão (governança), de articulação e de legitimação (governabilidade). Assim, diferentes princípios ou premissas acabam por serem desenvolvidos para que haja uma efetiva mobilização social e intercâmbio entre os atores sociais dos três setores. (NOVELLI, 2006). Para Zèmor (1995) a comunicação pública só se legitima com a legitimação do interesse geral, por isso ela corresponde àquela que ocorre nos espaços púbicos, sob o olhar do cidadão. Seguindo essa lógica, sua finalidade não pode estar desassociada das finalidades das 3 instituições públicas que são: (1) informar – dar conhecimento e prestar contas; (2) ouvir as demandas, expectativas, interrogações e debate público; (3) assegurar as relações sociais no sentido do sentimento de pertencimento; (4) acompanhar as mudanças comportamentais e da organização social. Zèmor identifica a informação como o objetivo principal das estratégias de abordagem da comunicação de instituições públicas que podem ser descritas como: (1) responder à obrigação que as instituições públicas têm de informar o público, (2) estabelecer uma relação de diálogo de forma a permitir a prestação de serviço ao público, (3) apresentar e promover os serviços da administração, (4) tornar conhecida a instituição através da comunicação externa e interna e (5) divulgar ações de comunicação cívica e de interesse geral. Alinhado com o conceito de comunicação de instituições públicas, Monteiro (2007) afirma tratar-se do processo comunicativo entre Estado, Governo e Sociedade com o objetivo de informar para a construção da cidadania. Conclui considerando que é o caminho para se restabelecer a simetria de poderes na sociedade democrática dando mais espaço na mídia para as diferentes vozes e gerindo espaços alternativos fora da mídia que permitam a formulação de novas interpretações. Soma-se ao conceito de comunicação pública como mecanismo de exercício de cidadania, a compreensão de que ela também sustenta as discussões sobre as disputas de poder nos espaços midiáticos. No decorrer da pesquisa percebeu-se que a discussão conceitual sobre comunicação pública muita vezes alimentou e em tantas outras foi alimentada pela formulação da política sobre a criação da TV pública brasileira. 3. Conceituando a TV pública no Brasil A Constituição Federal de 1988 prevê no Art. 223 a coexistência e a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal, embora seu texto dê ênfase ao processo de concessão, permissão e autorização. Contrasta-se com o texto do Art 221 que obriga a todas as emissoras de rádio e televisão dar preferência a programações educativas, artísticas, culturais e informativas (remetendo ao Decreto 4.901/2003 de criação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital); a promover a cultura nacional e regional e estímulo a produção independente; a regionalizar a produção cultural, artística e jornalística; e a respeitar os valores éticos e sociais. (Constituição Federal – Saraiva). 4 Para Cláudio Nazareno (2007), no relatório da consultoria legislativa sobre TV pública para a Câmara dos Deputados, a confusão no texto da Constituição advém da origem do sistema de radiodifusão do Brasil que se consolidou como comercial, não se preocupando em formar uma rede única de televisão no campo público. A “Constituição Cidadã” de 1988 tentou corrigir este equívoco, mas não define em seu texto o que vem a ser uma TV pública. A polêmica tomou relevância em 2007 com as declarações do então Ministro das Comunicações sobre o lançamento de uma rede nacional pública de televisão. Desde então o conceito de TV pública está presente na agenda dos principais representantes e intelectuais do país. A realização do Fórum Nacional de TVs Pública em 2006 trouxe em seus cadernos alguns pontos para a conceituação. Embora com algumas variações de pontos de vistas, é unânime a opinião de que a principal característica da TV pública está no fato de ser desvinculada do governo, ter sua programação focada em temas que promovam a educação e o exercício da cidadania com ampla valorização da diversidade cultural brasileira e suas regionalidades. Em todos os textos, o que se destaca é o debate a respeito do papel do governo no processo de formação da TV pública e a análise sobre qual o modelo de gestão mais adequado para a prevalência de sua natureza pública. Orlando Senna (2006), considerado um dos idealizadores da TV pública no Brasil, descreve como sendo sua missão “prestar serviços educativos e culturais à comunidade, capacitar e ampliar os horizontes filosóficos e culturais do indivíduo e preparar melhor o indivíduo para uma condição de protagonista nos processos de inserção social”. Ele considera que através deste canal privilegiado diferentes grupos sociais podem ter contato com bens e serviços do patrimônio simbólico nacional. Acrescenta ainda ser possível pensar em novos modelos de negócios e novas maneiras de fazer e de ver televisão, chamando a sociedade a participar de todo o processo. A TV pública pode exercer um papel fundamental na geração de novos paradigmas para a televisão brasileira, atuando como ambiente dinamizador de novos modelos de negócio, novas maneiras de fazer e de ver televisão. Modelos que chamem a participação da sociedade, por meio da incorporação de novos atores no processo de elaboração de conteúdos e serviços de interesse público, reunindo no seu entorno segmentos representativos das diferentes áreas do conhecimento e de correntes de opinião. (SENNA, 2006, p. 9) Regina Mota (Tavares, 2007), em palestra no II Seminário TV pública na Era Digital organizado pela Rede Minas em outubro de 2007, levantou questionamentos sobre como seria possível garantir uma TV que efetivamente fosse um lugar para a expressão da diferença e 5 que permitisse a invenção do mundo trazendo a discussão para as nossas relações com o outro. Ela considerou equivocado o início das transmissões em São Paulo e nos grandes centros urbanos por ser uma forma de reafirmar as desigualdades entre as cidades. Para ela, o formato desta TV deve prever a criação de uma rede que parta do interior do país e que coopere com o desenvolvimento da tecnologia e da linguagem a ser adotada. Ela também reforça a importância das produções colaborativas possíveis através do incremento tecnológico como forma de reduzir as diferenças. Para Ivana Bentes (2007) em depoimento para a WebTV da UFRJ em novembro de 2007, este processo exige a compreensão da comunicação como extremamente estratégica, já que não há governabilidade sem comunicação. Para ela, a TV pública deve ter um investimento inicial do Estado, mas com Conselhos que permitam a participação da sociedade. Lentamente este processo passaria o Estatal para o público, de forma gradativa, numa sistemática aprendizagem do exercício de cidadania. Para isso tem que haver pressão política da própria sociedade no sentido de tomar posse desta TV pública, utilizando-se dos mecanismos digitais para participar. 4. Análise do processo de política pública da TV pública brasileira 4.1. Etapas do processo de políticas públicas Uma política pública caracteriza-se pela ação deliberada do Estado sobre a sociedade e diferencia-se da rotina da administração pública pelo seu caráter pontual, inovador e mais politizado. Seu objeto é sempre um tema empiricamente contextualizado e teoricamente difundido. Embora seja uma ação governamental, ela deve representar as demandas e interesses de grupos ou segmentos sociais. Conforme demonstrado na figura 1, a questão a ser formulada no processo de problematização vem a partir de um fato ocorrido, ou gerador, de interesse público, colocado pela sociedade ao Estado e que toma forma através de agendas políticas que se originam a partir da consciência sobre a questão, interesses compartilhados por uma parcela significativa da sociedade ou pela agenda governamental (Cobb e Elder, 1976). A percepção sobre a questão pela sociedade se dá em diferentes instâncias de participação. Nos meios de comunicação se dá pela forma como os temas são tratados – seja nos discursos da mídia definido por suas linhas editoriais e posicionamento político ou pela 6 legitimação dos discursos dos atores através da mídia com sua capacidade de propagação e mobilização. Nas comunidades científicas, a problematização das questões públicas surge através das produções acadêmicas e dos resultados de pesquisas. Outra instância de participação são as mobilizações sociais e políticas, onde grupos de atores diretamente afetados pelo fato gerador se organizam e influenciam diretamente a problematização, seja através de fóruns, consultas públicas, audiências públicas, plebiscitos, entre tantos outros meios de se fazer ouvir. Figura 1: Representação gráfica do processo de uma política pública Fonte: desenvolvido pela autora Ao inserir a questão no âmbito do Estado, ela perde seu caráter difuso e passa a especificar o processo de formulação composto pelo processo decisório e pela implementação burocrática (ver figura 1). Nesse momento a questão deixa de compor a opinião pública, entendida com uma dimensão mais abstrata, e passa a fundamentar o saber público com a concretização do tema relacionado a grupos e organizações da sociedade civil diretamente influenciados ou influenciadores da questão. O processo decisório caracteriza-se por ser a fase onde todos os grupos que possuem algum interesse sobre o tema podem manifestar suas posições, articular seus discursos e utilizar de mecanismos de pressão como o lobby. É a fase onde é possível a maior produção 7 de conhecimento e difusão de informações, diagnósticos e proposições. Busca-se um consenso sobre o tema, cuja utopia aumenta de acordo com a sua complexidade. A etapa da implementação ocorre dentro do aparelho burocrático do Estado e caracteriza-se pelo processo no qual a estratégia escolhida para desenvolvimento da questão é colocada em prática. Envolve agências governamentais de diferentes níveis, organizações privadas, parcerias público-privado, grupos de interesse e a aqueles que são afetados direta ou indiretamente da política. Já a fase de avaliação compreende um exame retrospectivo das operações e análise dos resultados alcançados. Depende fortemente da existência de indicadores de desempenho consistentes que devem ser produzidos ainda na fase de formulação para que se possa transversalizar o tema. Da mesma forma, uma clara definição dos objetivos é fundamental na criação de tais indicadores. 4.2. O processo de política pública adotada para a TV pública brasileira Ao aplicar conceitualmente o processo de uma política pública sobre a cronologia da criação da TV pública é possível analisar de que forma ela ocorreu e como se caracterizou, ou não, em um processo democrático e participativo. Este trabalho considera que o processo de construção de uma política pública para o estabelecimento da estrutura funcional de uma TV pública deve levar em consideração tanto os mecanismos de criação da TV em si quanto sua dimensão midiática e interativa como um espaço de problematização, formulação e avaliação de outras políticas públicas. A problematização se dá quando o Projeto Nacional de TV Pública entra na agenda do governo na carona da implantação da tecnologia para TV digital, reconhecendo as transformações que essa tecnologia vai promover na forma de comunicação e na capacidade de interação e participação do público no processo de produção de conteúdos e programação. A cronologia do processo decisório demonstra que seu início caracteriza-se pela participação de grupos representativos de diferentes setores econômico, social e cultural. A criação do Fórum, os grupos de trabalhos e a formulação de dois Cadernos conduzem os primeiros passos de forma democrática e participativa. O ponto alto desta fase é a elaboração da Carta de Brasília e o início dos debates regionais sobre o processo. 29 de junho de 2006: Publicação do Decreto 5.820, que cria o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTD-T). 8 2º semestre de 2006 – Criação do Fórum Nacional de TVs Públicas com o objetivo de discutir o desenvolvimento da TV pública no Brasil. Coordenado pelo Ministério da Cultura com o apoio da Casa Civil, Radiobrás, TVE e das associações representativas das entidades do setor de radiodifusão pública: Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais), ABTU (Associação Brasileira de Televisão Universitária), Astral (Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativas) e ABCCOM (Associação Brasileira de Canais Comunitários). 2º semestre de 2006 - Reuniões dos oito grupos temáticos: Missão e Finalidade das TVs Públicas, Configuração Jurídica Institucional, Legislação e Marcos Regulatórios, Programação e Marcos de Negócios, Tecnologia e Infra-Estrutura, Migração Digital, Financiamento e Relações Internacionais. 9 de abril de 2007 – Lançamento do Caderno de Debates: Relatórios dos Grupos Temáticos de Trabalho (volume II), no Rio de Janeiro, pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil. A publicação traz a síntese do trabalho dos grupos temáticos que desenvolveram o mapeamento do diagnóstico do segmento do campo público de televisão assim como a elaboração das pautas a serem levadas para as plenárias do I Fórum Nacional de TVs Públicas. 8 a 11 de maio de 2007 – Fórum Nacional de TVs Públicas, em Brasília, com a presença dos Ministros da Educação, Cultura, do Secretário de Comunicação Social da Presidência da República e do Presidente da República, o que reforça a idéia de que o tema virou política prioritária do Governo Federal. Ponto de destaque foi a criação de categorias entre as emissoras do campo público. As emissoras “cabeças” seriam a TVE e a Radiobrás. O Fórum também serviu para reforçar o anseio das televisões ligadas aos Poderes Executivos, nos três níveis, de receberem uma chancela “social” na sua gestão e financiamentos e, assim, poderem se autodenominar emissoras públicas de televisão. Entretanto, em meados de 2007, após a realização do Fórum, o governo assume uma postura centralizadora. Decide, mesmo sem o apoio das principais entidades do setor, que a gestão da TV pública será indicada pelo executivo. Julho de 2007 – Uma reunião do comitê que discute questões relativas à nova emissora pública confirmou que o conselho gestor será mesmo uma composição de “personalidades notáveis” escolhidas pelo executivo, ainda sem critérios definidos. A 9 idéia de representação pela sociedade civil foi descartada pelo ministro Franklin Martins. O comitê foi composto pelo(a): Presidente da Radiobrás, José Roberto Garcez; Diretora-executiva da TVE Brasil, Beth Carmona; Assessor especial do Ministério da Cultura, Mário Borgneth; Diretor da Rádio MEC, Orlando Guilhon; Assessor da Casa Civil, André Barbosa; Professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, Laurindo Leal Filho e por três assessores da Secretaria de Comunicação Social – SECOM. A indicação do conselho gestor e da diretoria executiva da EBC pelo governo reforça o temor de que a TV pública se materialize em uma TV estatal camuflada. Com conselho e diretoria indicados pelo governo, sua autonomia fica fragilizada e inócua enquanto mecanismo de representação social. 30 de julho de 2007 – Reunião entre representantes da sociedade civil e do governo sobre o desenho da futura TV pública. A principal discordância é em relação ao Conselho Gestor que, para as entidades, aponta para uma composição de um “conselho de notáveis do governo”, quando se previa uma composição por entidades representativas. Final de julho de 2007 – reunião com representantes do executivo e as associações de TVs educativas, comunitárias, universitárias e legislativas. As associações sentem-se frustradas pela forma do governo concentrar a formação da TV Brasil. Há o consenso de que outras questões de interesse do chamado “campo público” de televisão, como a possibilidade de integrar a chamada televisão aberta com a implantação da TV digital, devem mesmo ficar para um outro momento, podendo, inclusive, não se concretizar. No decorrer das discussões, as atenções são desviadas para o debate sobre a localização da sede da EBC, o que toma uma dimensão surpreendente, sendo amplamente veiculada. A decisão sobre a sede no Rio de Janeiro é alterada pelo governo após sua divulgação. Em setembro de 2007 inicia-se intenso debate sobre os rumos da política pública adotada para a TV pública, com manifestação de várias entidades e acadêmicos: Bernardo Kucinski – jornalista, professor da USP e autor – publica na Carta Maior texto onde discute qual seria a forma consistente de uma TV pública. Entidades e organizações da sociedade civil aderem ao manifesto “Pela gestão democrática da nova TV pública”. 10 Abepec – Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais – entrega ao ministro Franklin Martins uma carta aberta propondo princípios e fazendo sugestões que possam nortear a criação de uma nova rede pública de televisão. FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – e Espaço Cultural Casa dos Bancários do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região promovem o painel “Caráter público ou OSCIP? A TV pública do Rio Grande” em resposta à intenção da governadora Yeda Crusius de transformar a Fundação Cultural Piratini, mantenedora da TVE e da FM Cultura (uma fundação pública de direito privado) em OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) com uma possível terceirização. Parlamentares discutem o porquê da necessidade de se criar uma TV pública por Medida Provisória, o que traz autoritarismo para o processo. Gaudêncio Torquato – jornalista, professor titular da USP e consultor político – publica no O Estado de S. Paulo artigo questionando se a TV pública é ou não representativa dos brasileiros sob o título “TV pública, um olhar dos brasileiros?”. Audiência pública na Comissão de Serviços Públicos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul realizada com o ministro Franklin Martins no painel “TV pública brasileira: modelo e desafios”. Frente Parlamentar Mista da Radiodifusão, presidida pelo deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), debate a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), por meio de medida provisória com a presença da jornalista Tereza Cruvinel, nomeada para a presidência da EBC. Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social – divulga uma nota em que defende a iniciativa da criação da Empresa Brasileira de Comunicação – EBC, mas pontua com críticas seu processo de construção e os mecanismos de gestão da nova empresa. A implementação da política ocorreu em 02 de dezembro de 2007 com o lançamento da TV Brasil a partir da fusão da TV Nacional, TV Educativa do Rio de Janeiro e Educativa do Maranhão. O lançamento em rede nacional da TV Brasil foi impedido por falta de equipamentos para transmitir o sinal para todo o país que entrou no apenas no Rio, Brasília, São Luís (MA) e São Paulo. A transmissão em tempo real da programação pela internet ocorreu somente durante a inauguração através de uma parceria com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa. 11 A total falta de aderência junto aos grupos sociais organizados ou mesmo a segmentos do Estado, assim como a ausência de consenso faz com que a implementação da política ocorra por Medida Provisória enfraquecendo o processo de representação e participação social. 11 de janeiro de 2008 – Ministro da Cultura, Gilberto Gil, declara que o grupo de oposição ao projeto é o mesmo que também fez oposição à CPMF, declarando que os mesmos que derrubaram a CPMF, desejam “derrubar a legítima aspiração do Brasil para criar a TV pública”. O DEM entrou com ação contra a criação da TV Brasil e o PSDB pediu a suspensão do projeto. 19 de fevereiro de 2008 – O Plenário da Câmara aprova a Medida Provisória 398/07, que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela gestão da TV pública. 26 de fevereiro de 2008 – Votação na Câmara dos destaques da MP, depois de ter sido adiada três vezes por falta de quorum. Oposição é derrotada nos principais pontos. 7 de março de 2008 – Grupo de debates organizado pela INTERVOZES discute a necessidade de criação de um Sistema Público de Comunicação e de uma TV pública em nível nacional. 12 de março de 2008 – Senado aprova a criação da TV pública via MP. Para esclarecer a decisão de utilizar uma Medida Provisória, o assessor do ministro da comunicação social, cita a possível instabilidade emocional dos funcionários da Radiobrás e da Acerp (que seriam extintas) durante o tempo de tramitação do Projeto de Lei no Congresso. Aqui vale um destaque, estes órgãos foram duramente questionados por terem uma série de problemas trabalhistas e vínculos irregulares em seus quadros. Outro ponto para justificar a MP foi o sinal digital estar previsto para iniciar naquela data, mas todo o levantamento feito por esta pesquisa não indica a necessidade da simultaneidade dos fatos. 5. Conclusão No Brasil, desde a década de 60, diversos meios de comunicação estatal foram criados como as TVEs, a Radiobrás e as rádios nacionais. Porém, o mais próximo que chegamos de meios de comunicação público foram com os veículos comunitários os quais trazem em sua essência as diretrizes do bem público, mas restringem suas atuações a territórios menores, profundamente interconectados e articulados, como são as comunidades. Uma mídia pública 12 mantém em sua base o foco no interesse público, mas seu raio de atuação e de penetração, assim como sua capacidade de conectar e articular os mais diversos setores e suas representações, são infinitamente maiores. O caso brasileiro torna-se ainda mais relevante do ponto de vista investigativo quando confrontamos a existência de TVs estatais e comunitárias com o monopólio em termos de audiência da Rede Globo – TV privada com altíssima capacidade de penetração nos lares brasileiros nos cinco territórios. A análise cronológica da política pública adotada para a TV pública, envolvendo a criação da Empresa Brasileira de Comunicação – EBC e a formação de uma rede que soma todos os veículos de comunicação pública sejam, estatais, comunitários ou universitários, demonstra o quanto os meios de comunicação são estratégicos na sociedade contemporânea e o quanto os governos reconhecem essa importância. Junto minha análise às ponderações daqueles que compreendem que o início da implementação de uma política pública requer uma participação maior do ente governamental, já que é da natureza do Estado Democrático de Direito ser o gestor dos processos que afetam a esfera pública e social. Porém, a indicação do primeiro conselho poderia ser menos impactante no processo democrático se fosse feita em conjunto com a criação de mecanismos de acompanhamento da gestão e controle social. Enfim, também não fica claro no decorrer da análise de todo o processo o porquê do governo mudar seu posicionamento frente à forma de conduzir o processo. Da mesma forma, não é justificado porque utilizar mecanismos como decreto e medidas provisórias para implementar uma política que por sua natureza deveria priorizar posturas democráticas. A falta de clareza induz que pode se tratar de um processo de negociações de interesses balizados pela extinção da CPMF, a votação do orçamento (que ocorreu no mesmo dia) e o comprometimento junto aos aliados na reeleição presidencial. Nessa direção, a análise indica que há interesse do governo em criar efetivamente uma rede de comunicação governamental chancelada como TV pública e reestruturada juridicamente na forma da EBC, de forma a obter um orçamento significativo, assim com outras formas de financiamento. Destaca-se aqui que as duas principais instituições Radiobrás e Acerp (rede de TVEs) foram obrigatoriamente inseridas na estrutura da EBC. Já as TVs universitárias, comunitárias, regionais tiveram opção de escolha, podendo usufruir da chancela e do orçamento, no caso da sua inclusão na rede. 13 Por fim, reforço minha percepção de que a utilização do mecanismo de formulação e implementação de política pública sobre um tema com grande aderência social poderia renovar a imagem do governo junto a segmentos estratégicos, posicionando-o frente à opinião pública como democrático. A conclusão da pesquisa remeteu-me a uma nova questão: qual o futuro, na sociedade contemporânea, de uma TV pública. O exercício da cidadania vai ocorrer por estar atrelado à disputas de interesses de grupos socialmente organizados. A democratização dos meios de comunicação, incrementado pela convergência tecnológica, é o caminho com maior aderência ao conceito de participação. As emissoras privadas, pela regulação natural do mercado, serão cada vez mais representativas dos segmentos sociais para o qual trabalham, participativas e interativas por conta das demandas do seu público. E os governos, com a profissionalização do uso dos recursos de marketing e comunicação cada vez mais usarão os meios de comunicação de forma estratégica, seja em produções cinematográficas, em campanhas eleitorais pesadamente inseridas nas redes sociais da internet ou na criação de redes de comunicação. Cabe ao governo estimular a inclusão digital em todas as camadas, criando mecanismos que facilite a chegada de sinais de TV, celular e internet, com qualidade, a todo o país. Promover o exercício da cidadania e difundir os fundamentos democráticos através de uma educação básica de qualidade para todos. Assim como, possuir veículos de comunicação de governo através dos quais possa transmitir seu posicionamento, promover sua imagem a fim de fortalecer as instituições políticas e prestar contas de suas ações e utilização dos recursos públicos. As TVs governamentais podem ser veículos com atratividade para o público desde que estejam claramente posicionadas como comunicação governamental, com sua função social definida e compreendida dentre os diferentes meios de comunicação contemporâneos onde co-existem os espaços de laser, entretenimento e participação. 14 6. Referências Bibliográficas BENTES, Ivana. Estreou a TV digital na cidade de SP e a TV pública para todo o país. UFRJ WEB TV. Revista 29 em 02/12. Disponível em: http://www.webtv.ufrj.br/?option=com_content&task=view&id=203&Itemid, acesso em 2007 CANCLINI, Nestor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. CARNOY, Martin. Estado e Teoria Política. Ed. Papirus, Campinas, SP, 1988. COBB, R. & ELDER, C. Issue Creation and Agenda Building In Cases in Public Policy Making. J.E. Anderson (ed.) New York: Praeger, 1976. HASWANI, Mariângela Furlan. Comunicação governamental: em busca de um alicerce teórico para a realidade brasileira. In Revista Organicom, São Paulo, ano 3. n. 4, p. 75 - 89, 1º semestre 2006. HELD, David. Political theory and the morden state. Stanford University Press, 1989 In BATISTA, Vanessa Oliveira. Legitimidade e representação democrática. Revista de Direito Comparado, nº4. Belo Horizonte, 2002. INTERVOZES. Disponível em: http://www.intervozes.org.br/o-intervozes/historico Acesso em 2007. MONTEIRO, Graça França. A singularidade da comunicação pública In DURTE, Jorge. Comunicação Pública: estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo, Atlas, 2007. NAZARENO, Claudio. A implementação da TV pública no Brasil. 2007. Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa. Disponível em: www2.camara.gov.br/publicacoes/estnottec/tema4/2007_4317.pdf. Acesso em março de 2008. OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=474JDB001 OBSERVATÓRIO DO DIREITO A INFORMAÇÃO. Disponível em: http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/index.php OLIVEIRA, J.A. P. Desafios do planejamento em políticas públicas: diferentes visões e práticas In Rev. Adm. Pública, vol. 40, nº 2, Rio de Janeiro, Mar./Apr, 2006. REIS, Patrícia. A gestão da comunicação na sociedade da informação: o caso de uma agência reguladora. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicação, 2005. SENNA, Orlando. TV pública: uma janela para o futuro do audiovisual brasileiro (2006). Ministério da Cultura. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2006/11/27/tv-publica-uma-janela-para-ofuturo-do-audiovisual-brasileiro-orlando-senna-secretario-do-audiovisual-minc/ Acesso em 4/08/08. TAVARES, Júlia. TV pública deve promover a 'invenção do mundo', diz pesquisadora. Disponível em Observatório do Direito à Comunicação: http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo. Em: 02 de novembro de 2007. ZÉMOR, Pierre. La Communication Publique. PUF, Col. Que sais-je ? Paris, 1995. 15