UMA ANÁLISE TEÓRICO-METODOLÓGICA DO ENSINO E
APRENDIZAGEM DOS GÊNEROS ACADÊMICOS
Eliete Correia dos Santos (UEPB/UFPB/PROLING)
[email protected]
Introdução
A universidade, a pesquisa e o acesso ao conhecimento e a produção de novas
informações evoluem a cada dia. Anteriormente voltados à formação de profissionais
para o ingresso no mercado de trabalho, os cursos superiores, hoje, respondem a
múltiplas demandas do governo e da sociedade de nosso tempo. Multiplicam-se,
igualmente, as agências de fomento e as empresas que investem em pesquisa, todos
estes pautados pela excelência dos projetos e pela produtividade do pesquisador. Como
consequência, a produção escrita de textos como resumo, resenha, ensaio, artigo é
bastante solicitada.
Na universidade, a produção e a sistematização do conhecimento são mais
complexas do que nos níveis da escola básica, consequentemente a leitura e a produção
de textos exigem uma formalidade maior do que dos gêneros desenvolvidos no nível
anterior. Essa problemática vem sendo discutida em vários congressos e é pauta de
reunião de curso nas universidades como uma manifestação de preocupação em relação
à competência linguística dos alunos na modalidade escrita.
Nessas discussões, a busca de explicações são as mais diversas: a educação
básica como a raiz do problema, cujo ensino de língua é voltado para exercícios
padronizados e repetitivos; uso exclusivo do livro didático no ensino fundamental e
médio; má formação do professor, entre outras proposições. Além dessa frágil formação
de leitor e produtor de textos, o universitário se depara com a cultura da leitura
fragmentada de textos, a leitura de xerox sem as indicações da obra ou com páginas
faltando. Se a maioria não domina os gêneros ensinados na escola básica, quiçá os
gêneros acadêmicos, completamente estranhos a ela, mesmo que haja um esforço
considerável do corpo discente, há um baixo desempenho nas atividades de
interpretação e produção de textos.
Outro aspecto que vale ser lembrado é que, na década de 90, havia uma
cobrança menor com relação à produção textual para publicação por parte de alunos e
professores, diferentemente do que acontece hoje nas várias áreas de conhecimento
cuja divulgação docente e discente é essencial para o avanço no processo de
sedimentação em vários campus do saber, considerada como o retorno esperado das
Bolsas de Iniciação Científica e de Pós-Graduação e dos Projetos de Pesquisa que são
financiados pela própria Universidade ou por órgãos de fomento, uma vez que é a forma
mais adequada para socializar essa modalidade de conhecimento.
Entretanto, a tarefa de redigir um texto para ser publicado ainda impõe um
grande desafio para a maioria daqueles envolvidos com produção do conhecimento em
instituições dedicadas à ciência e à educação. Essa dificuldade de escrita é comumente
visível na construção de monografias ou trabalhos de conclusão de curso (TCC) na
graduação e extrapola para os cursos de mestrado e de doutorado.
Percebemos, nessa etapa final da graduação quando o aluno se depara com a
construção da monografia ou TCC, um trabalho solitário do orientador que precisa sanar
dificuldades tipicamente linguísticas ou de caráter cientifico. É importante dizer que em
alguns cursos de graduação não há sequer uma disciplina de língua portuguesa, por
exemplo, no curso de Biologia, como se escrever fosse apenas atividade do curso de
Letras.
No contexto acadêmico, a compreensão dos valores e categorias com as quais
várias disciplinas trabalham em torno do objeto de estudo é condição essencial para
saber o que pode ser dito ou não, como, quando, quem diz, a quem dizer. Portanto, a
produção de texto é solicitada desde o ingresso do aluno na academia e não apenas nos
últimos semestres dos cursos e, talvez, seja por essa razão que recentemente
pesquisadores preocupados com a linguagem em uso produzem textos (manuais)
disponibilizando a professores de língua vernácula uma possibilidade de material
didático que leva o aluno a se adequar a essa nova comunidade discursiva.
Essa adequação gera bastante discussão, pois se refere à submissão às normas
do discurso acadêmico, tais como cuidado formal, coerência global, propósito
comunicativo frequentemente limitado apenas para obtenção de nota, reforço de
convenções discursivas canônicas da linguagem escrita e isso pode tentar moldar os
textos, em contrapartida, se não atender às normas que vigoram nessa comunidade
científica, há possibilidade de ver seu texto ser rejeitado.
Nesse cenário, desconhecendo total ou parcialmente as convenções
comunicativas/pragmáticas da produção dos discursos da comunidade acadêmica, nem
sempre o aluno consegue se engajar nesse contexto de produção e isso talvez possa ser
um dos fatores de desistências nos diversos cursos. A partir dessa reflexão,
consideramos que se pode buscar explicações que colaborem para o ensino dos gêneros
acadêmicos já que estes demandam uma descrição dos elementos linguísticos, mas
sobretudo dentro de um contexto. É pertinente notar que Mikhail Bakhtin (1929/1995),
Marxismo e Filosofia da Linguagem, refere-se a uma ordem teórico-metodológica para
o estudo da língua que parte do contexto para o texto, um ensino de linguagem centrado
nas práticas da leitura e da produção de texto e não mais na gramática. Assim,
concordando com a ordem teórico-metodológica desse autor, consideramos que o
ensino de produção textual deve começar pela identificação do contexto social,
passando pelos gêneros até chegar às formas gramaticais.
Ao aprender os gêneros que estruturam um grupo social com uma dada
cultura, o aluno aprende maneiras de participar nas ações de uma comunidade e parece
ser esse o desafio como professores de língua em sala de aula podem ensinar a escrever
na academia e como a interação verbal e a transposição didática podem colaborar nesse
processo, ou seja, uma preocupação com as transformações que um saber sofre quando
passa do campo científico para a escola.
Vale ressaltar que a prática pedagógica é produto da relação dialética entre uma
situação e um habitus escolar, que torna possível a realização de várias tarefas
diferentes. Habitus é originado em Bourdieu1 (1994), mas repensado por Setton (2002,
p. 69) e compreendido
como um sistema flexível de disposição, não apenas visto como a
sedimentação de um passado incorporado em instituições sociais
tradicionais, mas um sistema de esquemas em construções, em
constante adaptação aos estímulos do mundo moderno; habitus como
produto de relações dialéticas entre uma exterioridade e uma
interioridade; habitus visto de uma perspectiva relacional e processual
de análise, capaz de apreender a relação entre indivíduo e sociedade,
ambos em processo de transformação.
Baseando-nos nesse conceito de habitus, aguçamos nossa inquietação, pois
muitos trabalhos já foram desenvolvidos no exterior e no Brasil a respeito dos gêneros
típicos da academia, a saber: trabalhos que analisam resenha, resumo, introdução dos
textos, uma valorosa contribuição para a linguística e para a linguística aplicada, no
entanto não conhecemos nenhum trabalho na esfera universitária que busque analisar os
vários fatores, linguísticos ou não, que interferem no processo de ensino e aprendizagem
de textos escritos na universidade brasileira.
O presente trabalho é recorte de nossa pesquisa de doutorado, ora em
andamento, desenvolvida na disciplina de Oficina de Texto do curso de Arquivologia da
UEPB, cujo intuito é preparar os alunos para produção de trabalhos acadêmicos e inserilos nesse contexto, incentivando-os a participar da produção científica.
Trata-se de uma pesquisa-ação com metodologia baseada em sequência
didática e reescrituras dos diversos gêneros. Tomamos com marco teórico os estudos de
Bakhtin (1992) e seu círculo e de Schneuwly (2004), entre outros. Dentre outras
questões, buscamos responder às seguintes: 1. Como o ensino de um gênero pode
colaborar para a compreensão de outro? 2. É possível pensar numa cadeia de
transposição didática para o ensino-aprendizagem dos gêneros?
1 A pesquisa sobre gêneros acadêmicos: breve retrospectiva
Conforme Motta-Roth (2006, p. 503), “a consciência individual se amplia na
interação com os outros, na interação com uma realidade idealizada, mediada pela
cultura: a participação em atividades no mundo medeia o individual e o social”. Assim,
escrever só é importante na medida em que nos possibilita desempenhar determinados
papéis em uma sociedade. Sob essa perspectiva, achar lugar para a escrita na vida do
aluno não é suficiente.
Não cabe aqui fazer um levantamento dos autores que contribuíram com as
várias perspectivas de gêneros, até mesmo porque muitos trabalhos já foram feito a esse
respeito, mas apenas citar alguns autores que parecem ter uma visão social da
linguagem, pois enfatizam a importância do engajamento em atividades socialmente
1
Conforme Bourdieu (1994, p. 65) “como um sistema de disposições duráveis e transponíveis que,
integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de
apreciações e de ações”.
relevantes para o desenvolvimento da linguagem, dentre estes, Mikhail Bakhtin, na
Rússia, Basil Bernstein, na Inglaterra, Paulo Freire e Luiz Antônio Marcuschi no Brasil.
O conceito de gênero certamente assumiu um novo papel na Linguística
Aplicada na década de 80, especialmente no contexto anglofônico. A partir do início da
década, autores comprometidos com a educação linguística começaram a usar o termo
com frequência na teorização das práticas. Autores como Swales (1981), o artigo de
Carolyn Miller (1984) acerca dos gêneros como tipos de ação social e o de Jim Martin
(1985/1989) sobre o ensino de redação na escola como uma prática concreta de
exploração e desafio da realidade social.
Embora esses autores mudem seu foco de interesse em termos do aspecto da
linguagem que enfatizam (elementos léxico-gramaticais, estruturas retóricas,
contextualização do discurso) ou alterando sua visada teórica sobre o mesmo objeto de
estudo, transformando, assim, a sua própria representação do conceito de gênero,
podemos encontrar um ponto comum: a análise de textos, em seu conteúdo temático,
organização retórica e formas linguísticas, em função dos objetivos comunicativos
compartilhados por pessoas envolvidas em atividades sociais, em contextos culturais
específicos.
Ao final dos anos 90 e início dos 2000, surgem múltiplos olhares sobre o
fenômeno dos gêneros discursivos, com frequente referência aos escritos de Mikhail
Bakhtin e à análise do discurso crítica de Norman Fairclough que enfatizam a
contextualização do discurso, os aspectos externos da construção dos gêneros .
Uma das grandes contribuições foram as teorias de gênero sobre textos escritos
institucionalizados, especialmente aqueles do contexto educacional, chamados de
escolas (cf. Motta-Roth, 2008):
1. A escola britânica de ESP, formada por autores como Swales (1990) e
Bhatia (1993), com foco na organização retórica dos "tipos de textos, definidos por suas
propriedades formais bem como por seus objetivos comunicativos dentro de contextos
sociais"
2. A Escola Americana da nova retórica ou sócio-retórica, representada por
Bazerman (1988) e Miller (1984), com foco nos contextos sociais e nos atos de fala que
os gêneros realizam numa dada situação.
3. A Escola Sistêmico-Funcional de Sydney, representada por Halliday e Hasan
(1985/1989) e Martin (1985/1989), com foco na léxico-gramática e nas funções
desempenhadas por ela nos contextos sociais.
Motta-Roth (2006) acrescenta uma quarta tendência, a da chamada escola
suíça, representada por autores como Jean-Paul Bronckart, Bernard Schneuwly e
Joachin Dolz. Tomando o trabalho de J.-P. Bronckart como exemplo, a autora afirma
que o Interacionismo Sócio-Discursivo (ISD) teoriza centralmente sobre a semiotização
das relações sociais, tendo como base o trabalho do Círculo de estudos de Lev
Vygotsky. A linguista explica que o ISD contesta a atual divisão das Ciências
Humanas/Sociais por não se inscrever apenas numa ou noutra área, se constituindo em
"uma corrente da ciência do humano" e postulando que o "problema da linguagem é
absolutamente central ou decisivo para essa ciência do humano (Bronckart 2006:10).
Nesses termos, o quadro do ISD leva á análise da ação da linguagem como ação
imputada a um agente, por um motivo e com uma intenção, situada em formações
sociais identificáveis (Bronckart 1999:13). A ação de linguagem é analisada por meio
do texto, a partir de tipos de discurso (teórico, interativo, etc.) e sequências (narrativa,
argumentativa, etc), mecanismos de textualização (conectores, coesão nominal, etc.) e
mecanismos enunciativos (modalização, voz, etc.)
Depois dessa breve contextualização, levantamos alguns trabalhos que dentro
dessa esfera já investigaram o gênero discursivo. Uma das pionerias na investigação dos
gêneros acadêmicos no Brasil é Motta-Roth. Em 1995, em sua tese de doutorado
defendida na Universidade Federal de Santa Catarina, estudou a organização retórica em
60 resenhas acadêmicas produzidas por especialistas de três diferentes culturas
disciplinares – a saber, linguística, química e economia –, todas escritas em inglês e
publicadas em periódicos científicos internacionais das respectivas áreas.
A partir daí, a autora, ao longo de mais de uma década de prática de ensino de
redação acadêmica, busca levar o aluno a tornar-se um autor, um analista do discurso.
O pressuposto é que, para produzir textos adequados à disciplina nos níveis ideacional,
interpessoal e textual, o aluno sem qualquer experiência acadêmica precisa conhecer o
contexto acadêmico. Pode fazer isso, aprendendo a ler textos para identificar quem
escreve para quem (em que posição) (relação), para dizer o quê (campo) e de que forma
(modo).
Baseada por uma pesquisa-ação, Motta-Roth (2006) afirma que a proposta
didática adotada no curso de Redação Acadêmica tenta orientar a produção de texto do
aluno sob uma perspectiva sociointerativa, vendo seu texto como resposta às
necessidades de conhecimento de sua disciplina e como ação que poderá influenciar
esse campo. O curso pressupõe que o aluno precisa aprender a língua, sobre a língua e
por meio da língua.
Uma contribuição para o ensino de Redação Acadêmica é dada pela proposta
de ensino de produção textual com base em gêneros da escola australiana. A proposta
d'A Roda (The Wheel) ressalta o ensino explícito da estrutura léxico-gramatical e do
modo como se produzem os significados disponibilizados pela linguagem.
A proposta metodológica é um ciclo de Modelagem (leitura exploratória em
grupo de exemplares do gênero), Negociação (discussão em aula sobre o gênero e
desconstrução dos textos) e Construção textual (produção textual individual),
representado em um modelo em forma circular, pensado em termos das funções sociais
a que a linguagem serve, portanto a linguagem é ensinada como texto que faz parte de
um contexto com caráter político porque visa possibilitar, a grupos historicamente
marginalizados pela sociedade letrada e tecnologicamente desenvolvida.
Conforme já dissemos, no Brasil, várias propostas de ensino de gêneros
acadêmicos foram elaboradas, tais como as obras de Machado, Lousada & AbreuTardelli 2007a; 2007b; 2007c; 2007d; Motta-Roth 2001; 2006, 2008). Essas propostas
têm demonstrado que as pedagogias voltadas para gêneros discursivos são desejáveis,
segundo Motta-Roth (2006) porque apontam caminhos para levar o aluno a se engajar
em uma atividade de produção textual como uma forma de estar no mundo, de agir com
um objetivo e com um motivo.
Há também uma contribuição para o ensino de Redação acadêmica, a proposta
de "modelos didáticos" da escola suíça. Conforme Machado e Cristóvão (2006, p. 557),
o objetivo da construção de Modelos Didáticos de gêneros é promover a análise, a
reconstrução e a apropriação de gêneros em atividades pedagógicas comunicativas e
prática em contextos culturais específicos. Os Modelos Didáticos servem à aula de
redação e de leitura, uma vez que permitem "a visualização das dimensões constitutivas
do gênero e a seleção das que podem ser ensinadas" em um determinado nível de
ensino.
A construção do Modelo Didático pressupõe a análise de um conjunto de textos
considerados como pertencentes ao gênero que se quer estudar/ensinar, na ordem
analítica referida no trabalho de Bakhtin, partindo do contexto em direção ao texto. Essa
construção de dá com base nos seguintes elementos (cf.: Machado e Cristóvão 2006, p.
557-8 apud Motta-Roth, 2008):
1.
as características da situação de produção (quem é o produtor (que papel
social desempenha), quem é o leitor em potencial (que papel social desempenha), onde
e quando o texto é produzido, em que instituição social se produz e circula o gênero, em
qual suporte, com qual objetivo, qual o valor social que lhe é atribuído, etc...);
2.
os conteúdos típicos do gênero;
3.
as diferentes formas de mobilizar esses conteúdos;
4.
a construção composicional dos conteúdos caracteristicamente associada
ao gênero;
5.
o estilo particular do gênero: as configurações específicas de unidades de
linguagem quanto à posição enunciativa do enunciador (presença/ausência de pronomes
pessoais de primeira e segunda pessoa, dêiticos, tempos verbais, modalizadores,
inserção de vozes); as sequências textuais (descritiva, explicativa, argumentativa,
narrativa, injuntiva, dialogal) e os tipos de discurso (interativo, teórico, relato interativo
e narração), predominantes e subordinados que caracterizam o gênero; as características
dos mecanismos de coesão nominal e verbal; as características dos mecanismos de
conexão; as características dos períodos; as características lexicais.
No campo teórico, apesar de autores, no Brasil e no exterior, terem trabalhado
para mapear os diferentes aspectos da interação escrita e para produzir abordagens
pedagógicas aos gêneros acadêmicos (como, por exemplo, Swales, 1990; Motta-Roth,
2001; Bazerman, 2005; Machado et al., 2007), ainda não encontramos obras que
sistematizam as contribuições de Bahktin para o conceito de interação verbal associado
ao de transposição didática para as práticas efetivas de ensino de redação acadêmica de
modo a ajudar pesquisadores iniciantes a compreender mais facilmente o discurso
acadêmico e seu contexto.
Nos Modelos Didáticos propostos pelo ISD, a construção não precisa ser
teoricamente perfeita, devendo mobilizar as diversas referências relevantes para o
contexto do professor que está propondo o Modelo Didático. Coloca-se, assim, a
possibilidade da utilização de referências teóricas diversas, de diferentes estudos sobre o
gênero a ser ensinado, além de referências obtidas por meio da observação e da análise
de práticas sociais que envolvem o gênero, junto a especialistas na sua produção (cf.:
Machado e Cristóvão 2006, p. 557).
Esse ponto nos faz raciocinar que precisamos ter uma luz a seguir, mas não
precisamos olhar fixamente para um único ponto, pois para dar conta da linguagem em
toda a sua complexidade, não podemos deixar de nos comunicar com outras teorias e
outras áreas do conhecimento. Sendo assim, estabelecer um diálogo entre a interação
social e a transposição didática para o ensino de gêneros acadêmicos parece-nos ser algo
inovador, uma vez que se encontra nos diversos manuais ou pesquisas realizadas no
Brasil, um estudo exaustivo do gênero resenha; como também levantamentos sobre o
resumo, entre outros poucos gêneros acadêmicos.
Não pensamos numa proposta de ensino isolada do gênero, mas um plano de
ação que busca levar em consideração que cada contexto de ensino e de pesquisa da
linguagem tem um perfil de tempo e espaço particular, num processo de atividades
desenvolvidas a partir de sequências didáticas pré-estabelecidas pelo professor, mas
discutidas pelos interlocutores em sala de aula, numa relação dialética entre uma
exterioridade e uma interioridade, numa perspectiva relacional e processual de análise,
capaz de apreender a relação entre indivíduo e sociedade, ambos em processo de
transformação.
Defendemos aqui a permanência do livro didático, como um recurso que ajuda
o professor no processo e não como o fim. Não nos valemos de uma metodologia
apresentada em um livro didático, mas um meditar de um conjunto de práticas e
reflexões, baseadas na experiência dos autores que me precederam, mas que tem muito
a ver com a nossa própria experiência de ensino de linguagem que adotamos nas aulas.
Acreditamos em um processo ensino-aprendizagem voltados para o princípio de que o
aluno aprende a linguagem à medida que se envolve na realização de tarefas, nas quais
exploram um conteúdo por meio dos textos que leem, escrevem, dialogam.
2 Cadeia de transposição didática: reflexões para o ensino2
Nesta seção, apresentamos, de forma sucinta, alguns elementos relacionados à
teoria da transposição didática, dando destaque aos seus aspectos essenciais. O termo
“transposição didática” foi introduzido em 1975, no âmbito do movimento de
reconceituação da didática, pelo sociólogo Michel Verret e rediscutido por Yves
Chevallard, em 1991, em seu livro La Transposición Didáctica :del saber sabio al saber
enseñado no qual mostra as transformações que um saber sofre quando passa do campo
científico para a escola e alerta para a importância da compreensão desse processo por
aqueles que lidam com o ensino das disciplinas científicas.
A noção de transposição didática aparece numa primeira definição dada por
Chevallard (1991, p. 39):
Um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a
ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que
vão torná-lo apto a tomar lugar entre os “objetos de ensino”. O
2
Essa seção é resultado de nossa pesquisa no mestrado cujo estudo se preocupava com a transposição
didática na escola e na mídia. Os sujeitos da pesquisa eram crianças que liam o suplemento infantil
Diarinho na sala de aula. Influenciados por essas reflexões, sentimos a necessidade de estudá-la em um
outro contexto social, na comunidade universitária.
“trabalho”, que de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de
ensino, é chamado de transposição didática.
Em outras palavras, a citação acima conceitua "Transposição Didática" como o
trabalho de fabricar um objeto de ensino, ou seja, fazer um objeto de saber produzido
pelo "sábio" ser objeto do saber escolar. Nesse sentido, com base no conceito de
transposição didática, o saber ensinado supõe processos que organizam o
funcionamento didático, ou seja, o saber é quase sempre caracterizado por ser
relativamente descontextualizado, despersonalizado e mais associado a um contexto
científico histórico e cultural. (cf. CHEVALLARD, 1991; BRONCKART & GIGER,
1998; RAFAEL, 2001a/b; MARANDINO, 2004).
Para Chevallard (1991), a didática tem por objeto o que denomina de sistema
didático. Esse sistema didático, numa relação triádica, formado pelo saber ensinado,
pelo professor e pelo aluno, é modificado , numa profunda relação entre os elementos
internos e externos que o influenciam. O conceito de noosfera, que é central para a
compreensão da transposição didática, constitui, segundo esse autor, o lugar onde se
processa a interação entre os saberes que emanam das instituições de produção
científica e o entorno societal; onde se operam os sistemas de ensino (tipo de
estabelecimento escolar, natureza dos programas, instrumentos pedagógicos, etc) e o
sistema didático; onde se encontram os sistemas de ensino articulados ao ambiente
social, incluindo pais, administração escolar e instâncias políticas. (cf. também
CHEVALLARD, 1991; BRONCKART & GIGER, 1998; RAFAEL, 2001a/b;
MARANDINO, 2004).
Chevallard (op cit) destaca a importância da compatibilização entre o sistema e
seu entorno. Conforme afirma, há um envelhecimento biológico e moral do saber
ensinado, deixando-o mais próximo do senso comum e se distanciando do saber
científico (banalização e deslegitimização), porém determinados conceitos do saber
científico no saber ensinado se dão por necessidade da manutenção do próprio sistema
que os legitimam, principalmente pela pressão exercida pelos pais, que, em alguns
casos, são leigos, mas discursivamente estão associados à concepção de saber científico
como indispensável à vida moderna.
Esse autor diz que o saber se modifica para fins de aprendizagem, cuja
necessidade do aluno é suprida através de uma reorganização do saber nos conteúdos a
serem ensinados. Esse trabalho de reorganização do saber em um novo texto, em nova
forma linguística de apresentação, seria uma estratégia frente às dificuldades de
aprendizagem, em busca de um ensino eficiente. Entretanto, conforme Marandino
(2004, p. 98), antes de ser eficiente, o ensino deve ser possível e, neste sentido, “a
noosfera acaba somente por considerar alguns elementos referentes às condições
didáticas, deixando muitos outros escaparem”. Para Chevallard (1991), já na preparação
dos programas de ensino começa a transposição didática interna, pois há uma
transformação dos conteúdos de saber, em conteúdos de ensino, ou seja, em verdadeiras
criações didáticas, suscitadas pelas necessidades do processo de ensino- aprendizagem.
É importante destacar que esse autor se preocupou com o ensino da
Matemática, que não é do interesse da imprensa, em princípio. Assim, embora se refira
ao entorno societal, esquece de levá-lo em consideração no que diz respeito à
transformação do saber científico através da divulgação científica, feita pela imprensa,
antes mesmo que esse saber seja modificado para fins de aprendizagem e passe a figurar
nos programas de ensino. Além disso, parece-nos que a teoria da transposição didática,
da maneira que Chevallard apresenta, seria insuficiente, pois não se adequa a outras
áreas, como por exemplo, em línguas o objeto é diferente do da Matemática.
A respeito da legitimidade das práticas sociais enquanto saberes, Chevallard
(1991) diferencia saberes de práticas. Este autor afirma que o conceito de saber está
relacionado ao conhecimento epistemológico que, por sua vez, está submetido à
legitimação cultural, ou seja, um saber científico não pode se autoproclamar um saber,
nem a escola pode autorizar a si mesma a criação de um saber científico. O que ocorre
na escola depende essencialmente da legitimação, do que é concedido ou negado pela
sociedade.
Segundo Chevallard, a origem dos saberes pode se dar nas práticas sociais; no
entanto, nem todo saber chega a ser legitimado e alcança o status de saber científico.
Para o autor, “existe uma distância entre um saber e uma prática, e o saber sobre o
domínio de uma prática não se constitui necessariamente em um saber dessa prática”
(MARANDINO, 2004, p. 98). Então, nessa teoria, os saberes das práticas sociais só
serão considerados efetivamente saberes a partir de sua legitimação cultural, mas
principalmente da legitimação epistemológica.
De acordo com Chevallard (1991), a noção de cadeia de transposição didática
designa o conjunto das transformações sofridas pelos conteúdos culturais em seu
processo de escolarização, da elaboração dos programas às escolhas do professor
sozinho em sua sala de aula. Com relação a isso, Perrenoud (2002, p. 74) afirma que,
na cadeia de transposição didática, os saberes são transformados não
porque há perversidade ou má-fé, mas porque isso é indispensável
para ensiná-los e avaliá-los, dividir o trabalho entre professores,
organizar planos e metas de formação e gerenciar progressões anuais
de algumas horas de curso por semana.
Considerando essa cadeia citada acima, gostaríamos de refletir sobre as formas
que o professor escolhe para fazer uma transposição didática. Pensamos que desde a
motivação da aula à construção realmente dos saberes a ser ensinados, há uma cadeia
interna e, portanto, fundamental para a apreensão de um conteúdo. Para que haja
efetivamente aprendizagem, as atividades e tarefas precisam ser significativas para o
aluno e estar intrinsecamente ligada à maneira como a transposição didática é feita.
Sendo assim, as ações pensadas pelo professor na sequência didática, parecem-nos
representar uma cadeia interna de transposição didática na sala de aula. O percurso feito
pelo professor, as opções escolhidas para ensinar o conteúdo, a valorização dada por ele
a certos aspectos e não a outros, sinalizam ações de transposição.
A respeito disso, Perrenoud (2002, p. 78) afirma que
a transmissão de saberes parece corresponder à forma mais simples, já
que permanecemos no universo dos conteúdos. Entretanto, não
devemos esquecer que o estudante só se apropria dos saberes por meio
de uma atividade, orientada por condições e situações de
aprendizagem. Essa perspectiva construtivista incita-nos a considerar
que a transposição de saberes eruditos não se limita a uma operação
sobre seus conteúdos, mas abrange também sua aplicação em uma
situação concreta, por exemplo em um projeto, em uma situaçãoproblema ou mesmo em um exercício convencional.
Essa citação traz em seu bojo a concepção de que a docência se constrói numa
articulação do conhecimento de um corpo organizado de conteúdos com conhecimento
do processo de ensino. Para saber ensinar é indispensável saber o que e como ensinar.
Esse conceito parece óbvio, no entanto é determinante para nós. Implica refletir sobre o
envolvimento dos saberes científicos com os saberes de ação apresentados por
Perrenoud (2002). Esse autor (2002, p. 25) define como transposição didática a essência
do ensinar, ou seja, "a ação de fabricar artesanalmente os saberes, tornando-os
ensináveis, exercitáveis e passíveis de avaliação no quadro de uma turma, de um ano, de
um horário, de um sistema de comunicação e trabalho". Para ele, essa é uma tradução
pragmática dos saberes para atividades e situações didáticas, que surge como uma
resposta ou reação às situações reais de sala de aula.
Ainda conforme Perrenoud (2002), para a Linguística Aplicada, o importante é
a construção de saberes na esfera escolar. Esta mobilização de saberes poderia ser
pensada a partir de uma visão cumulativa que vai do mais para o menos abrangente. Ou
seja, em primeiro lugar, os conteúdos a serem ensinados. Em segundo lugar, os
conteúdos efetivamente ensinados em sala de aula, sejam na exposição didática ou em
materiais escritos. E por fim, os conteúdos efetivamente aprendidos pelos alunos.
Mediante estas reflexões sobre cadeia de transposição didática feitas por
Perrenoud (2002), percebemos a importância dos agentes da noosfera, inclusive na
elaboração de seu planejamento. A respeito disso, Rojo (2001, p. 314), afirma que
planejamento educacional ainda exige a capacidade de definir,
selecionar e organizar ‘conteúdos’ que deverão ser tematizados por
meio de ações didáticas distribuídas no tempo e no espaço escolar.
Para tal, quase sempre a modelização didática é necessária.
Como mostra na citação, as ações didáticas são estabelecidas por diversos
recursos que ajudam no processo de transposição didática. Nesse sentido, Shulman
(1996) cunhou a expressão "conhecimento pedagógico dos conteúdos" que inclui "as
formas mais úteis de representação daquelas ideias, as mais poderosas analogias,
exemplos, ilustrações, explicações e demonstrações, numa palavra, as maneiras de
representar e formular a matéria de modo a torná-la compreensível para os outros"(p.9).
Como também faz inclusão das formas mais precisas da compreensão daquilo que torna
fácil ou difícil a aprendizagem de um tópico específico, das concepções e préconcepções dos estudantes de diferentes idades e com diferentes experiências em
relação à aprendizagem dos temas mais frequentemente ensinados.
Acreditamos que podemos pensar nos saberes não apenas como transmissíveis,
mas, sobretudo, pensar que os saberes são construídos nos e pelos discursos. E,
justamente na sala de aula, as ações e recursos de transposições didáticas escolhidos
pelo professor podem ajudar a essa esperada formação crítica de leitores,
consequentemente, a construção de uma prática social consciente. Nesse sentido,
Fairclough (2001) busca resgatar o valor dos saberes oriundos do conhecimento
científico, desqualificados, em favor de processos valorativos das informalidades, das
racionalidades técnicas, formas mascaradas da ilusão democrática do saber. A
transposição didática é socialmente construída, desde os sistemas de ensino à prática
efetiva das ações do professor, sendo assim, construída também numa prática
discursiva. Em nosso entendimento,
a transposição didática é uma forma específica de transformação
sofrida por um saber científico ou cultural proveniente das práticas
profissionais, (...) que não se limita à codificação e transmissão de
conteúdos, avança em direção a um conjunto de ações de seus agentes
que possibilitam a mobilização e integração em uma situação de
aprendizagem tacitamente aceita entre seus interlocutores (SANTOS,
2009, 211).
Percebemos que a adaptação que um saber sofre, num momento de
transposição didática, está relacionada a um processo discursivo e a legitimação de um
saber não depende apenas do reconhecimento epistemológico, como sinaliza
Chevallard, nem apenas da ordem social, como sinaliza Bernstein, mas da ordem
discursiva, ou seja, a legitimidade e a autorização do discurso são controladas por um
poder constitutivo e hegemônico dos discursos. Isso implica admitir que a legitimidade
do discurso não depende apenas de uma ordem científica, mas de ordens políticas, no
caso aqui estudado, das políticas das próprias universidades, isto é, entram em
negociação fatores sociais, culturais, políticos e ideológicos (SANTOS, 2009).
3 O Projeto SESA: relato parcial da pesquisa-ação
O projeto Seminários de Saberes Arquivísticos - SESA nasceu da experiência
das aulas de Oficina de Textos I e II do curso de Arquivologia (1º e 2º período) da
UEPB – Campus V – João Pessoa, ao introduzirmos o estudo do gênero seminário
acadêmico. As discussões dos alunos em sala de aula revelaram as dificuldades
temáticas, composicionais e linguísticas que cercam os gêneros. A maioria deles
apresentou insegurança e medo ao falar em público e ao escrever textos. Vários relatos e
bilhetes apontavam para a problemática da ausência de gêneros orais e produção efetiva
de textos escritos na educação básica e do impacto causado na aprendizagem com
gênero. A partir desses relatos, verificamos a necessidade de um projeto interdisciplinar
que assistisse o corpo discente e minimizasse as deficiências de produção textual, quer
na modalidade oral quer na escrita, um projeto que propusesse o estudo de vários
gêneros, em especial da vivência acadêmica.
Para isso, organizamos atividades com sequência didática (Schneuwly et al.,
2004) e reescrituras dos diversos gêneros textuais, tais como resumo, resenha, diário de
leitura, ensaio e artigos acadêmicos. A conclusão do semestre culminou com o
Seminário de Saberes Arquivísticos (SESA), cujas apresentações estavam na
modalidade de comunicação oral e foram publicados, internamente, em um cd de anais
de cada semestre.
No início do trabalho desse projeto, surgiu a necessidade de repensarmos o
processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita na sala de aula, na perspectiva
de gênero textual/discursivo e de suas condições sócio-históricas. Bakhtin ([1953] 1992)
assegura que os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados que emanam
das diferentes esferas sociais. São caracterizados por conteúdo temático, estilo e
construção composicional. O conteúdo temático constitui aquilo que é dizível por meio
de um gênero. O estilo diz respeito às escolhas linguísticas (recursos lexicais,
fraseológicos, gramaticais); já os aspectos estruturais do texto formam sua construção
composicional.
Para esse autor, os usos da língua são marcados por estabilidade, uma vez que
são frutos de construção sócio-cultural e histórica. Assim como as atividades humanas
são dinâmicas também se transformam com o tempo, os textos e os discursos que
permeiam tais atividades mudam. Por isso, analisar a escrita dos gêneros acadêmicos
(resumo, resenha, artigos) passou a ser um passo importante para a inicialização do
processo de escrita.
Ao escolhermos alguns gêneros para serem estudados e analisados de maneira
mais contundente, procuramos situá-los no tempo e no espaço em um determinado
domínio do conhecimento. Os sujeitos ao assumirem papéis sociais em contextos
culturais tendem a utilizar a língua de determinada maneira e a interagir com seus pares
por meio de gêneros típicos daquela esfera. Porém, variações nas condições de produção
dos gêneros podem torná-los instáveis e abrir espaço para mudanças. Para isso,
adotamos para a disciplina de Oficina de texto II a coleção, organizada por Machado
(2004/ 2007), sobre a produção de textos técnicos e científicos.
As dificuldades iniciais com o material a ser trabalho devem-se ao fato de os
alunos recém-ingressos virem de uma cultura de ler e resumir textos (embora não
saibam fazê-lo). A coleção selecionada sugere que leitor pratique exercícios, construa o
conceito do gênero estudado e ainda perceba as diversas condições de produção que
consequentemente modificam o estilo, as escolhas linguísticas (recursos lexicais,
fraseológicos, gramaticais), os aspectos estruturais do texto. Por exemplo, ao estudar o
gênero resumo, o aluno precisa estar atento à correção gramatical e ao léxico adequado
a cada situação acadêmica de uso; seleção das informações colocadas com as mais
importantes no texto original; indicação dos dados sobre o texto resumido, no mínimo
autor e título; apresentação das ideias principais do texto e de suas relações; menção ao
autor do texto original em diferentes partes do resumo e de formas diferentes; menção
de diferentes ações do autor do texto original (o autor questiona, debate, explica...). Ao
final do trabalho com o gênero na sala de aula, os resultados mostraram que houve uma
melhora considerável na produção dos textos.
Outro ponto bastante discutido em sala foi a condição de produção do texto,
assim firmamos alguns conceitos-chave sobre leitura, resumo/resenha e sobre como
produzir qualquer gêneros, tais como: a antecipação do conteúdo como facilitador da
leitura; o leitor potencial para o texto; a época e o local em que foi produzido; o
propósito de escrita do autor daquele texto; o veículo e o suporte de circulação.
A compreensão global do texto a ser resumido ou resenhado passou a ser um
passo importante na produção dos textos, a saber: o gênero de texto; o meio de
circulação; o autor; a data de publicação; o tema; posição ideológica do autor; a questão
que é discutida; a posição (tese) que o autor rejeita ou sustenta; os argumentos que
sustentam ambas as posições; a conclusão final do autor. A pesquisa revela que a leitura
e a escrita dos alunos passou a ser mais consciente, inclusive, quando a escrita era
incoerente bastava pedir que refletisse sobre esses elementos e o próprio aluno já
apontava a resposta esperada.
Foi perceptível a contribuição dessas teorias para o ensino e aprendizagem do
gênero. No depoimento de um aluno ao entregar um ensaio, ele afirmou que para
escrever um gênero é necessário o conhecimento de outros gêneros, por exemplo, ao
escrevermos o ensaio, utilizamos o roteiro, o sumário, o resumo, a resenha. O aluno
acrescenta também que o conhecimento de outros gêneros facilitou a organização das
ideias, a organização de outros gêneros e o uso das normas da ABNT.
Um gênero que chamou a atenção dos alunos foi o diário de leitura pela não
frequência de uso na sala de aula. Os diários de leitura, em geral, não oferecem qualquer
modelo preestabelecido, sendo bastante diversificados entre si. O primeiro e o mais
importante objetivo da produção de um diário de leitura é estabelecer um verdadeiro
diálogo com o autor e uma reflexão crítica e autônoma sobre o que está sendo lido.
Conforme relato de experiência dos alunos, jamais teriam lido dessa maneira, e a
atividade de leitura com esse gênero facilitou a compreensão da leitura que é concebida
como construção de sentidos.
Com relação à sequência didática, levantamos alguns pontos para discussão.
Primeiramente, a sequência de Oficina de texto articula-se à de Metodologia Científica.
Em Oficina de Texto estuda-se resumo e resenha; em Metodologia trata-se de paráfrase;
Na primeira, planejam-se gêneros acadêmicos; na outra, trabalham-se as várias etapas
de um projeto. Nesse jogo de interação, conclui-se que o conhecimento não é acabado,
uma disciplina se articula e se completa com outra.
O segundo ponto diz respeito ao conhecimento prévio das atividades e dos
textos agendados. Essa postura ajuda o planejamento da escrita e das leituras prévias.
Além disso, toda aula estimula a leitura e participação ativa de escrita. Por exemplo,
enquanto um grupo apresenta o seminário sobre uma temática, os demais devem
apresentar um trabalho escrito sobre o mesmo livro. Um dos grandes problemas
enfrentados pelos professores de ensino superior no trabalho com o gênero seminário é
que os demais alunos não leem os textos, apenas aqueles que o apresentam. O
planejamento com sequência didática possibilita o aluno a ler e estimula a discussão
sobre as temáticas para que haja a interação entre os interlocutores na sala de aula e não
seja uma mera exposição do grupo.
O terceiro ponto da sequência didática é o processo de reescritura dos textos.
Essa é uma parte bem dinâmica do projeto na qual o aluno escreve artigo científico ou
ensaio teórico, e os textos são orientados, corrigidos por duas professoras. O processo
de escritura do gênero científico e a busca do tema conduzem o aluno a procurar outros
professores para os ajudarem na elaboração dos textos. A pesquisa demonstra o
interesse dos alunos por gestão de documentos, uma área ainda não estudada no 1º
período, pela preservação de documentos, pelos métodos que precisam de auxílio de
colegas ou professores para desenvolver os trabalhos.
Após construírem os textos, os alunos precisam apresentá-los, por isso o
projeto não podia deixar de refletir também sobre a oralidade. No que se refere às
modalidades oral e escrita da língua, os gêneros se distribuem numa escala contínua de
relações, podendo apresentar desde diferenças mais acentuadas, até semelhanças tais
que fica difícil, se não impossível, enquadrá-los como pertencentes a uma modalidade
da língua ou a outra. De acordo com Schneuwly (2004:135)
Não existe “o oral”, mas os “orais” em múltiplas formas, que, por
outro lado, entram em relação com os escritos, de maneira muito
diversas: podem se aproximar da escrita e mesmo dela depender –
como é o caso da exposição oral, ou ainda, do teatro e da leitura para
os outros -, como também podem estar mais distanciados – como nos
debates ou, é claro, na conversação cotidiana. Não existe uma essência
mítica do oral que permitiria fundar sua didática, mas práticas de
linguagem muito diferenciadas, que se dão, prioritariamente, pelo uso
da palavra (falada), mas também por meio da escrita (...).
Assim, podemos dizer que alguns gêneros orais são mais permeados pela
escrita e outros menos, do mesmo modo, alguns gêneros escritos apresentam mais
traços da oralidade, enquanto outros os apresentam em quantidade menor. Fica,
portanto, difícil sustentar a dicotomia entre fala e escrita. Os usos reais da língua
revelam a existência de muitos gêneros que apresentam uma relação estreita entre as
duas modalidades.
Após essa etapa de apresentação, um dos alunos da área da Tecnologia da
Informação (TI), organiza todos os textos em um cd dos anais do Seminário de Saberes
Arquivísticos. Nele, está a produção dos artigos acadêmicos, independente de sua
competência linguística, pois o objetivo maior das disciplinas, consequentemente do
projeto, é despertar o interesse pela pesquisa e que haja uma melhoria no letramento
acadêmico do corpo discente, atendendo às normas da ABNT.
Depois de todas as apresentações, alguns trabalhos foram selecionados e
organizados para publicação em uma coletânea impressa para um evento interdisciplinar
da instituição. Essa é uma etapa fundamental, porque o corpo discente descobre não só a
importância da construção desse gênero, mas também que há uma finalidade para a
produção de qualquer texto.
4 Considerações finais
Mediante as inquietações apontadas anteriormente, levantamos algumas
hipóteses, tais como:
1.
Uma vez que o aluno é novo membro da comunidade acadêmica, não
traz conhecimentos prévios indispensáveis para a produção de gêneros acadêmicos;
2.
O conhecimento desses gêneros no inicio da graduação é essencial para a
produção acadêmica nas diversas disciplinas, pois todos terão que escrever textos
acadêmicos durante os vários semestres e farão a monografia no final do curso. Essa
hipótese contraria a opinião de alguns professores do curso de Arquivologia que acham
que o estudo do gênero acadêmico deveria ser feito no sétimo período, um semestre
antes da monografia;
3.
A transposição didática do professor e as diversas interações verbais
presentes na sala de aula, inclusive do material didático é fator predominante para a
compreensão, análise e produção dos gêneros acadêmicos, sendo assim, cremos que a
aprendizagem de um gênero mais simples pode colaborar para a compreensão de outro,
por isso é possível pensar numa cadeia de transposição didática para o ensino e
aprendizagem dos gêneros, num processo de hibridização.
Os dados nos revelam que as reflexões para um processo teórico-metodológico
precisam ser debruçadas sobre o sentido do humano, em relação com o outro, com o
mundo, com o transcendente. Uma elaboração que, ao mesmo tempo, possibilite a
incorporação dos valores concernentes ao humano e que conduz os indivíduos a se
desenvolverem de maneira autônoma e autêntica.
Parafraseando Martin Buber, compreender o humano como ser de relação
significa, por sua vez, a impossibilidade de compreendê-lo isoladamente, mas apenas na
sua relação com o mundo: sua família, seu trabalho, suas responsabilidades e
obrigações, experiências que nos permitem caracterizar o humano como ser
essencialmente vinculado à comunidade. O estabelecimento de relações autênticas é
uma condição para a formação, algo que pressupõe é a vivência da totalidade da
relação, enquanto experiência do Inter-humano.
O educador é apenas mais um componente na vivência do educando. Ele se
distingue dos demais pela presença significativa da vontade que orienta a sua ação de
participar nesse processo e de representar, para o que está se tornando homem, através
da consciência, uma determinada escolha do ser, uma escolha do ‘certo’ daquilo que
deve ser. O que faz dela uma ação inegavelmente intencional.
A educação é assim compreendida como responsabilidade com o outro, o
educando; “responsabilidade para a escolha do ser”, é um componente daquilo que
chamamos relação. Uma relação que não se constitui por um ato impositivo, por um
decreto, mas que requer abertura e tem como única via a confiança. É a confiança que
suplanta a resistência contra o estar sendo formado e possibilita que o educando aceite o
educador como pessoa.
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