UMA ANÁLISE TEÓRICO-METODOLÓGICA DO ENSINO E APRENDIZAGEM DOS GÊNEROS ACADÊMICOS Eliete Correia dos Santos (UEPB/UFPB/PROLING) [email protected] Introdução A universidade, a pesquisa e o acesso ao conhecimento e a produção de novas informações evoluem a cada dia. Anteriormente voltados à formação de profissionais para o ingresso no mercado de trabalho, os cursos superiores, hoje, respondem a múltiplas demandas do governo e da sociedade de nosso tempo. Multiplicam-se, igualmente, as agências de fomento e as empresas que investem em pesquisa, todos estes pautados pela excelência dos projetos e pela produtividade do pesquisador. Como consequência, a produção escrita de textos como resumo, resenha, ensaio, artigo é bastante solicitada. Na universidade, a produção e a sistematização do conhecimento são mais complexas do que nos níveis da escola básica, consequentemente a leitura e a produção de textos exigem uma formalidade maior do que dos gêneros desenvolvidos no nível anterior. Essa problemática vem sendo discutida em vários congressos e é pauta de reunião de curso nas universidades como uma manifestação de preocupação em relação à competência linguística dos alunos na modalidade escrita. Nessas discussões, a busca de explicações são as mais diversas: a educação básica como a raiz do problema, cujo ensino de língua é voltado para exercícios padronizados e repetitivos; uso exclusivo do livro didático no ensino fundamental e médio; má formação do professor, entre outras proposições. Além dessa frágil formação de leitor e produtor de textos, o universitário se depara com a cultura da leitura fragmentada de textos, a leitura de xerox sem as indicações da obra ou com páginas faltando. Se a maioria não domina os gêneros ensinados na escola básica, quiçá os gêneros acadêmicos, completamente estranhos a ela, mesmo que haja um esforço considerável do corpo discente, há um baixo desempenho nas atividades de interpretação e produção de textos. Outro aspecto que vale ser lembrado é que, na década de 90, havia uma cobrança menor com relação à produção textual para publicação por parte de alunos e professores, diferentemente do que acontece hoje nas várias áreas de conhecimento cuja divulgação docente e discente é essencial para o avanço no processo de sedimentação em vários campus do saber, considerada como o retorno esperado das Bolsas de Iniciação Científica e de Pós-Graduação e dos Projetos de Pesquisa que são financiados pela própria Universidade ou por órgãos de fomento, uma vez que é a forma mais adequada para socializar essa modalidade de conhecimento. Entretanto, a tarefa de redigir um texto para ser publicado ainda impõe um grande desafio para a maioria daqueles envolvidos com produção do conhecimento em instituições dedicadas à ciência e à educação. Essa dificuldade de escrita é comumente visível na construção de monografias ou trabalhos de conclusão de curso (TCC) na graduação e extrapola para os cursos de mestrado e de doutorado. Percebemos, nessa etapa final da graduação quando o aluno se depara com a construção da monografia ou TCC, um trabalho solitário do orientador que precisa sanar dificuldades tipicamente linguísticas ou de caráter cientifico. É importante dizer que em alguns cursos de graduação não há sequer uma disciplina de língua portuguesa, por exemplo, no curso de Biologia, como se escrever fosse apenas atividade do curso de Letras. No contexto acadêmico, a compreensão dos valores e categorias com as quais várias disciplinas trabalham em torno do objeto de estudo é condição essencial para saber o que pode ser dito ou não, como, quando, quem diz, a quem dizer. Portanto, a produção de texto é solicitada desde o ingresso do aluno na academia e não apenas nos últimos semestres dos cursos e, talvez, seja por essa razão que recentemente pesquisadores preocupados com a linguagem em uso produzem textos (manuais) disponibilizando a professores de língua vernácula uma possibilidade de material didático que leva o aluno a se adequar a essa nova comunidade discursiva. Essa adequação gera bastante discussão, pois se refere à submissão às normas do discurso acadêmico, tais como cuidado formal, coerência global, propósito comunicativo frequentemente limitado apenas para obtenção de nota, reforço de convenções discursivas canônicas da linguagem escrita e isso pode tentar moldar os textos, em contrapartida, se não atender às normas que vigoram nessa comunidade científica, há possibilidade de ver seu texto ser rejeitado. Nesse cenário, desconhecendo total ou parcialmente as convenções comunicativas/pragmáticas da produção dos discursos da comunidade acadêmica, nem sempre o aluno consegue se engajar nesse contexto de produção e isso talvez possa ser um dos fatores de desistências nos diversos cursos. A partir dessa reflexão, consideramos que se pode buscar explicações que colaborem para o ensino dos gêneros acadêmicos já que estes demandam uma descrição dos elementos linguísticos, mas sobretudo dentro de um contexto. É pertinente notar que Mikhail Bakhtin (1929/1995), Marxismo e Filosofia da Linguagem, refere-se a uma ordem teórico-metodológica para o estudo da língua que parte do contexto para o texto, um ensino de linguagem centrado nas práticas da leitura e da produção de texto e não mais na gramática. Assim, concordando com a ordem teórico-metodológica desse autor, consideramos que o ensino de produção textual deve começar pela identificação do contexto social, passando pelos gêneros até chegar às formas gramaticais. Ao aprender os gêneros que estruturam um grupo social com uma dada cultura, o aluno aprende maneiras de participar nas ações de uma comunidade e parece ser esse o desafio como professores de língua em sala de aula podem ensinar a escrever na academia e como a interação verbal e a transposição didática podem colaborar nesse processo, ou seja, uma preocupação com as transformações que um saber sofre quando passa do campo científico para a escola. Vale ressaltar que a prática pedagógica é produto da relação dialética entre uma situação e um habitus escolar, que torna possível a realização de várias tarefas diferentes. Habitus é originado em Bourdieu1 (1994), mas repensado por Setton (2002, p. 69) e compreendido como um sistema flexível de disposição, não apenas visto como a sedimentação de um passado incorporado em instituições sociais tradicionais, mas um sistema de esquemas em construções, em constante adaptação aos estímulos do mundo moderno; habitus como produto de relações dialéticas entre uma exterioridade e uma interioridade; habitus visto de uma perspectiva relacional e processual de análise, capaz de apreender a relação entre indivíduo e sociedade, ambos em processo de transformação. Baseando-nos nesse conceito de habitus, aguçamos nossa inquietação, pois muitos trabalhos já foram desenvolvidos no exterior e no Brasil a respeito dos gêneros típicos da academia, a saber: trabalhos que analisam resenha, resumo, introdução dos textos, uma valorosa contribuição para a linguística e para a linguística aplicada, no entanto não conhecemos nenhum trabalho na esfera universitária que busque analisar os vários fatores, linguísticos ou não, que interferem no processo de ensino e aprendizagem de textos escritos na universidade brasileira. O presente trabalho é recorte de nossa pesquisa de doutorado, ora em andamento, desenvolvida na disciplina de Oficina de Texto do curso de Arquivologia da UEPB, cujo intuito é preparar os alunos para produção de trabalhos acadêmicos e inserilos nesse contexto, incentivando-os a participar da produção científica. Trata-se de uma pesquisa-ação com metodologia baseada em sequência didática e reescrituras dos diversos gêneros. Tomamos com marco teórico os estudos de Bakhtin (1992) e seu círculo e de Schneuwly (2004), entre outros. Dentre outras questões, buscamos responder às seguintes: 1. Como o ensino de um gênero pode colaborar para a compreensão de outro? 2. É possível pensar numa cadeia de transposição didática para o ensino-aprendizagem dos gêneros? 1 A pesquisa sobre gêneros acadêmicos: breve retrospectiva Conforme Motta-Roth (2006, p. 503), “a consciência individual se amplia na interação com os outros, na interação com uma realidade idealizada, mediada pela cultura: a participação em atividades no mundo medeia o individual e o social”. Assim, escrever só é importante na medida em que nos possibilita desempenhar determinados papéis em uma sociedade. Sob essa perspectiva, achar lugar para a escrita na vida do aluno não é suficiente. Não cabe aqui fazer um levantamento dos autores que contribuíram com as várias perspectivas de gêneros, até mesmo porque muitos trabalhos já foram feito a esse respeito, mas apenas citar alguns autores que parecem ter uma visão social da linguagem, pois enfatizam a importância do engajamento em atividades socialmente 1 Conforme Bourdieu (1994, p. 65) “como um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações”. relevantes para o desenvolvimento da linguagem, dentre estes, Mikhail Bakhtin, na Rússia, Basil Bernstein, na Inglaterra, Paulo Freire e Luiz Antônio Marcuschi no Brasil. O conceito de gênero certamente assumiu um novo papel na Linguística Aplicada na década de 80, especialmente no contexto anglofônico. A partir do início da década, autores comprometidos com a educação linguística começaram a usar o termo com frequência na teorização das práticas. Autores como Swales (1981), o artigo de Carolyn Miller (1984) acerca dos gêneros como tipos de ação social e o de Jim Martin (1985/1989) sobre o ensino de redação na escola como uma prática concreta de exploração e desafio da realidade social. Embora esses autores mudem seu foco de interesse em termos do aspecto da linguagem que enfatizam (elementos léxico-gramaticais, estruturas retóricas, contextualização do discurso) ou alterando sua visada teórica sobre o mesmo objeto de estudo, transformando, assim, a sua própria representação do conceito de gênero, podemos encontrar um ponto comum: a análise de textos, em seu conteúdo temático, organização retórica e formas linguísticas, em função dos objetivos comunicativos compartilhados por pessoas envolvidas em atividades sociais, em contextos culturais específicos. Ao final dos anos 90 e início dos 2000, surgem múltiplos olhares sobre o fenômeno dos gêneros discursivos, com frequente referência aos escritos de Mikhail Bakhtin e à análise do discurso crítica de Norman Fairclough que enfatizam a contextualização do discurso, os aspectos externos da construção dos gêneros . Uma das grandes contribuições foram as teorias de gênero sobre textos escritos institucionalizados, especialmente aqueles do contexto educacional, chamados de escolas (cf. Motta-Roth, 2008): 1. A escola britânica de ESP, formada por autores como Swales (1990) e Bhatia (1993), com foco na organização retórica dos "tipos de textos, definidos por suas propriedades formais bem como por seus objetivos comunicativos dentro de contextos sociais" 2. A Escola Americana da nova retórica ou sócio-retórica, representada por Bazerman (1988) e Miller (1984), com foco nos contextos sociais e nos atos de fala que os gêneros realizam numa dada situação. 3. A Escola Sistêmico-Funcional de Sydney, representada por Halliday e Hasan (1985/1989) e Martin (1985/1989), com foco na léxico-gramática e nas funções desempenhadas por ela nos contextos sociais. Motta-Roth (2006) acrescenta uma quarta tendência, a da chamada escola suíça, representada por autores como Jean-Paul Bronckart, Bernard Schneuwly e Joachin Dolz. Tomando o trabalho de J.-P. Bronckart como exemplo, a autora afirma que o Interacionismo Sócio-Discursivo (ISD) teoriza centralmente sobre a semiotização das relações sociais, tendo como base o trabalho do Círculo de estudos de Lev Vygotsky. A linguista explica que o ISD contesta a atual divisão das Ciências Humanas/Sociais por não se inscrever apenas numa ou noutra área, se constituindo em "uma corrente da ciência do humano" e postulando que o "problema da linguagem é absolutamente central ou decisivo para essa ciência do humano (Bronckart 2006:10). Nesses termos, o quadro do ISD leva á análise da ação da linguagem como ação imputada a um agente, por um motivo e com uma intenção, situada em formações sociais identificáveis (Bronckart 1999:13). A ação de linguagem é analisada por meio do texto, a partir de tipos de discurso (teórico, interativo, etc.) e sequências (narrativa, argumentativa, etc), mecanismos de textualização (conectores, coesão nominal, etc.) e mecanismos enunciativos (modalização, voz, etc.) Depois dessa breve contextualização, levantamos alguns trabalhos que dentro dessa esfera já investigaram o gênero discursivo. Uma das pionerias na investigação dos gêneros acadêmicos no Brasil é Motta-Roth. Em 1995, em sua tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Santa Catarina, estudou a organização retórica em 60 resenhas acadêmicas produzidas por especialistas de três diferentes culturas disciplinares – a saber, linguística, química e economia –, todas escritas em inglês e publicadas em periódicos científicos internacionais das respectivas áreas. A partir daí, a autora, ao longo de mais de uma década de prática de ensino de redação acadêmica, busca levar o aluno a tornar-se um autor, um analista do discurso. O pressuposto é que, para produzir textos adequados à disciplina nos níveis ideacional, interpessoal e textual, o aluno sem qualquer experiência acadêmica precisa conhecer o contexto acadêmico. Pode fazer isso, aprendendo a ler textos para identificar quem escreve para quem (em que posição) (relação), para dizer o quê (campo) e de que forma (modo). Baseada por uma pesquisa-ação, Motta-Roth (2006) afirma que a proposta didática adotada no curso de Redação Acadêmica tenta orientar a produção de texto do aluno sob uma perspectiva sociointerativa, vendo seu texto como resposta às necessidades de conhecimento de sua disciplina e como ação que poderá influenciar esse campo. O curso pressupõe que o aluno precisa aprender a língua, sobre a língua e por meio da língua. Uma contribuição para o ensino de Redação Acadêmica é dada pela proposta de ensino de produção textual com base em gêneros da escola australiana. A proposta d'A Roda (The Wheel) ressalta o ensino explícito da estrutura léxico-gramatical e do modo como se produzem os significados disponibilizados pela linguagem. A proposta metodológica é um ciclo de Modelagem (leitura exploratória em grupo de exemplares do gênero), Negociação (discussão em aula sobre o gênero e desconstrução dos textos) e Construção textual (produção textual individual), representado em um modelo em forma circular, pensado em termos das funções sociais a que a linguagem serve, portanto a linguagem é ensinada como texto que faz parte de um contexto com caráter político porque visa possibilitar, a grupos historicamente marginalizados pela sociedade letrada e tecnologicamente desenvolvida. Conforme já dissemos, no Brasil, várias propostas de ensino de gêneros acadêmicos foram elaboradas, tais como as obras de Machado, Lousada & AbreuTardelli 2007a; 2007b; 2007c; 2007d; Motta-Roth 2001; 2006, 2008). Essas propostas têm demonstrado que as pedagogias voltadas para gêneros discursivos são desejáveis, segundo Motta-Roth (2006) porque apontam caminhos para levar o aluno a se engajar em uma atividade de produção textual como uma forma de estar no mundo, de agir com um objetivo e com um motivo. Há também uma contribuição para o ensino de Redação acadêmica, a proposta de "modelos didáticos" da escola suíça. Conforme Machado e Cristóvão (2006, p. 557), o objetivo da construção de Modelos Didáticos de gêneros é promover a análise, a reconstrução e a apropriação de gêneros em atividades pedagógicas comunicativas e prática em contextos culturais específicos. Os Modelos Didáticos servem à aula de redação e de leitura, uma vez que permitem "a visualização das dimensões constitutivas do gênero e a seleção das que podem ser ensinadas" em um determinado nível de ensino. A construção do Modelo Didático pressupõe a análise de um conjunto de textos considerados como pertencentes ao gênero que se quer estudar/ensinar, na ordem analítica referida no trabalho de Bakhtin, partindo do contexto em direção ao texto. Essa construção de dá com base nos seguintes elementos (cf.: Machado e Cristóvão 2006, p. 557-8 apud Motta-Roth, 2008): 1. as características da situação de produção (quem é o produtor (que papel social desempenha), quem é o leitor em potencial (que papel social desempenha), onde e quando o texto é produzido, em que instituição social se produz e circula o gênero, em qual suporte, com qual objetivo, qual o valor social que lhe é atribuído, etc...); 2. os conteúdos típicos do gênero; 3. as diferentes formas de mobilizar esses conteúdos; 4. a construção composicional dos conteúdos caracteristicamente associada ao gênero; 5. o estilo particular do gênero: as configurações específicas de unidades de linguagem quanto à posição enunciativa do enunciador (presença/ausência de pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa, dêiticos, tempos verbais, modalizadores, inserção de vozes); as sequências textuais (descritiva, explicativa, argumentativa, narrativa, injuntiva, dialogal) e os tipos de discurso (interativo, teórico, relato interativo e narração), predominantes e subordinados que caracterizam o gênero; as características dos mecanismos de coesão nominal e verbal; as características dos mecanismos de conexão; as características dos períodos; as características lexicais. No campo teórico, apesar de autores, no Brasil e no exterior, terem trabalhado para mapear os diferentes aspectos da interação escrita e para produzir abordagens pedagógicas aos gêneros acadêmicos (como, por exemplo, Swales, 1990; Motta-Roth, 2001; Bazerman, 2005; Machado et al., 2007), ainda não encontramos obras que sistematizam as contribuições de Bahktin para o conceito de interação verbal associado ao de transposição didática para as práticas efetivas de ensino de redação acadêmica de modo a ajudar pesquisadores iniciantes a compreender mais facilmente o discurso acadêmico e seu contexto. Nos Modelos Didáticos propostos pelo ISD, a construção não precisa ser teoricamente perfeita, devendo mobilizar as diversas referências relevantes para o contexto do professor que está propondo o Modelo Didático. Coloca-se, assim, a possibilidade da utilização de referências teóricas diversas, de diferentes estudos sobre o gênero a ser ensinado, além de referências obtidas por meio da observação e da análise de práticas sociais que envolvem o gênero, junto a especialistas na sua produção (cf.: Machado e Cristóvão 2006, p. 557). Esse ponto nos faz raciocinar que precisamos ter uma luz a seguir, mas não precisamos olhar fixamente para um único ponto, pois para dar conta da linguagem em toda a sua complexidade, não podemos deixar de nos comunicar com outras teorias e outras áreas do conhecimento. Sendo assim, estabelecer um diálogo entre a interação social e a transposição didática para o ensino de gêneros acadêmicos parece-nos ser algo inovador, uma vez que se encontra nos diversos manuais ou pesquisas realizadas no Brasil, um estudo exaustivo do gênero resenha; como também levantamentos sobre o resumo, entre outros poucos gêneros acadêmicos. Não pensamos numa proposta de ensino isolada do gênero, mas um plano de ação que busca levar em consideração que cada contexto de ensino e de pesquisa da linguagem tem um perfil de tempo e espaço particular, num processo de atividades desenvolvidas a partir de sequências didáticas pré-estabelecidas pelo professor, mas discutidas pelos interlocutores em sala de aula, numa relação dialética entre uma exterioridade e uma interioridade, numa perspectiva relacional e processual de análise, capaz de apreender a relação entre indivíduo e sociedade, ambos em processo de transformação. Defendemos aqui a permanência do livro didático, como um recurso que ajuda o professor no processo e não como o fim. Não nos valemos de uma metodologia apresentada em um livro didático, mas um meditar de um conjunto de práticas e reflexões, baseadas na experiência dos autores que me precederam, mas que tem muito a ver com a nossa própria experiência de ensino de linguagem que adotamos nas aulas. Acreditamos em um processo ensino-aprendizagem voltados para o princípio de que o aluno aprende a linguagem à medida que se envolve na realização de tarefas, nas quais exploram um conteúdo por meio dos textos que leem, escrevem, dialogam. 2 Cadeia de transposição didática: reflexões para o ensino2 Nesta seção, apresentamos, de forma sucinta, alguns elementos relacionados à teoria da transposição didática, dando destaque aos seus aspectos essenciais. O termo “transposição didática” foi introduzido em 1975, no âmbito do movimento de reconceituação da didática, pelo sociólogo Michel Verret e rediscutido por Yves Chevallard, em 1991, em seu livro La Transposición Didáctica :del saber sabio al saber enseñado no qual mostra as transformações que um saber sofre quando passa do campo científico para a escola e alerta para a importância da compreensão desse processo por aqueles que lidam com o ensino das disciplinas científicas. A noção de transposição didática aparece numa primeira definição dada por Chevallard (1991, p. 39): Um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar entre os “objetos de ensino”. O 2 Essa seção é resultado de nossa pesquisa no mestrado cujo estudo se preocupava com a transposição didática na escola e na mídia. Os sujeitos da pesquisa eram crianças que liam o suplemento infantil Diarinho na sala de aula. Influenciados por essas reflexões, sentimos a necessidade de estudá-la em um outro contexto social, na comunidade universitária. “trabalho”, que de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino, é chamado de transposição didática. Em outras palavras, a citação acima conceitua "Transposição Didática" como o trabalho de fabricar um objeto de ensino, ou seja, fazer um objeto de saber produzido pelo "sábio" ser objeto do saber escolar. Nesse sentido, com base no conceito de transposição didática, o saber ensinado supõe processos que organizam o funcionamento didático, ou seja, o saber é quase sempre caracterizado por ser relativamente descontextualizado, despersonalizado e mais associado a um contexto científico histórico e cultural. (cf. CHEVALLARD, 1991; BRONCKART & GIGER, 1998; RAFAEL, 2001a/b; MARANDINO, 2004). Para Chevallard (1991), a didática tem por objeto o que denomina de sistema didático. Esse sistema didático, numa relação triádica, formado pelo saber ensinado, pelo professor e pelo aluno, é modificado , numa profunda relação entre os elementos internos e externos que o influenciam. O conceito de noosfera, que é central para a compreensão da transposição didática, constitui, segundo esse autor, o lugar onde se processa a interação entre os saberes que emanam das instituições de produção científica e o entorno societal; onde se operam os sistemas de ensino (tipo de estabelecimento escolar, natureza dos programas, instrumentos pedagógicos, etc) e o sistema didático; onde se encontram os sistemas de ensino articulados ao ambiente social, incluindo pais, administração escolar e instâncias políticas. (cf. também CHEVALLARD, 1991; BRONCKART & GIGER, 1998; RAFAEL, 2001a/b; MARANDINO, 2004). Chevallard (op cit) destaca a importância da compatibilização entre o sistema e seu entorno. Conforme afirma, há um envelhecimento biológico e moral do saber ensinado, deixando-o mais próximo do senso comum e se distanciando do saber científico (banalização e deslegitimização), porém determinados conceitos do saber científico no saber ensinado se dão por necessidade da manutenção do próprio sistema que os legitimam, principalmente pela pressão exercida pelos pais, que, em alguns casos, são leigos, mas discursivamente estão associados à concepção de saber científico como indispensável à vida moderna. Esse autor diz que o saber se modifica para fins de aprendizagem, cuja necessidade do aluno é suprida através de uma reorganização do saber nos conteúdos a serem ensinados. Esse trabalho de reorganização do saber em um novo texto, em nova forma linguística de apresentação, seria uma estratégia frente às dificuldades de aprendizagem, em busca de um ensino eficiente. Entretanto, conforme Marandino (2004, p. 98), antes de ser eficiente, o ensino deve ser possível e, neste sentido, “a noosfera acaba somente por considerar alguns elementos referentes às condições didáticas, deixando muitos outros escaparem”. Para Chevallard (1991), já na preparação dos programas de ensino começa a transposição didática interna, pois há uma transformação dos conteúdos de saber, em conteúdos de ensino, ou seja, em verdadeiras criações didáticas, suscitadas pelas necessidades do processo de ensino- aprendizagem. É importante destacar que esse autor se preocupou com o ensino da Matemática, que não é do interesse da imprensa, em princípio. Assim, embora se refira ao entorno societal, esquece de levá-lo em consideração no que diz respeito à transformação do saber científico através da divulgação científica, feita pela imprensa, antes mesmo que esse saber seja modificado para fins de aprendizagem e passe a figurar nos programas de ensino. Além disso, parece-nos que a teoria da transposição didática, da maneira que Chevallard apresenta, seria insuficiente, pois não se adequa a outras áreas, como por exemplo, em línguas o objeto é diferente do da Matemática. A respeito da legitimidade das práticas sociais enquanto saberes, Chevallard (1991) diferencia saberes de práticas. Este autor afirma que o conceito de saber está relacionado ao conhecimento epistemológico que, por sua vez, está submetido à legitimação cultural, ou seja, um saber científico não pode se autoproclamar um saber, nem a escola pode autorizar a si mesma a criação de um saber científico. O que ocorre na escola depende essencialmente da legitimação, do que é concedido ou negado pela sociedade. Segundo Chevallard, a origem dos saberes pode se dar nas práticas sociais; no entanto, nem todo saber chega a ser legitimado e alcança o status de saber científico. Para o autor, “existe uma distância entre um saber e uma prática, e o saber sobre o domínio de uma prática não se constitui necessariamente em um saber dessa prática” (MARANDINO, 2004, p. 98). Então, nessa teoria, os saberes das práticas sociais só serão considerados efetivamente saberes a partir de sua legitimação cultural, mas principalmente da legitimação epistemológica. De acordo com Chevallard (1991), a noção de cadeia de transposição didática designa o conjunto das transformações sofridas pelos conteúdos culturais em seu processo de escolarização, da elaboração dos programas às escolhas do professor sozinho em sua sala de aula. Com relação a isso, Perrenoud (2002, p. 74) afirma que, na cadeia de transposição didática, os saberes são transformados não porque há perversidade ou má-fé, mas porque isso é indispensável para ensiná-los e avaliá-los, dividir o trabalho entre professores, organizar planos e metas de formação e gerenciar progressões anuais de algumas horas de curso por semana. Considerando essa cadeia citada acima, gostaríamos de refletir sobre as formas que o professor escolhe para fazer uma transposição didática. Pensamos que desde a motivação da aula à construção realmente dos saberes a ser ensinados, há uma cadeia interna e, portanto, fundamental para a apreensão de um conteúdo. Para que haja efetivamente aprendizagem, as atividades e tarefas precisam ser significativas para o aluno e estar intrinsecamente ligada à maneira como a transposição didática é feita. Sendo assim, as ações pensadas pelo professor na sequência didática, parecem-nos representar uma cadeia interna de transposição didática na sala de aula. O percurso feito pelo professor, as opções escolhidas para ensinar o conteúdo, a valorização dada por ele a certos aspectos e não a outros, sinalizam ações de transposição. A respeito disso, Perrenoud (2002, p. 78) afirma que a transmissão de saberes parece corresponder à forma mais simples, já que permanecemos no universo dos conteúdos. Entretanto, não devemos esquecer que o estudante só se apropria dos saberes por meio de uma atividade, orientada por condições e situações de aprendizagem. Essa perspectiva construtivista incita-nos a considerar que a transposição de saberes eruditos não se limita a uma operação sobre seus conteúdos, mas abrange também sua aplicação em uma situação concreta, por exemplo em um projeto, em uma situaçãoproblema ou mesmo em um exercício convencional. Essa citação traz em seu bojo a concepção de que a docência se constrói numa articulação do conhecimento de um corpo organizado de conteúdos com conhecimento do processo de ensino. Para saber ensinar é indispensável saber o que e como ensinar. Esse conceito parece óbvio, no entanto é determinante para nós. Implica refletir sobre o envolvimento dos saberes científicos com os saberes de ação apresentados por Perrenoud (2002). Esse autor (2002, p. 25) define como transposição didática a essência do ensinar, ou seja, "a ação de fabricar artesanalmente os saberes, tornando-os ensináveis, exercitáveis e passíveis de avaliação no quadro de uma turma, de um ano, de um horário, de um sistema de comunicação e trabalho". Para ele, essa é uma tradução pragmática dos saberes para atividades e situações didáticas, que surge como uma resposta ou reação às situações reais de sala de aula. Ainda conforme Perrenoud (2002), para a Linguística Aplicada, o importante é a construção de saberes na esfera escolar. Esta mobilização de saberes poderia ser pensada a partir de uma visão cumulativa que vai do mais para o menos abrangente. Ou seja, em primeiro lugar, os conteúdos a serem ensinados. Em segundo lugar, os conteúdos efetivamente ensinados em sala de aula, sejam na exposição didática ou em materiais escritos. E por fim, os conteúdos efetivamente aprendidos pelos alunos. Mediante estas reflexões sobre cadeia de transposição didática feitas por Perrenoud (2002), percebemos a importância dos agentes da noosfera, inclusive na elaboração de seu planejamento. A respeito disso, Rojo (2001, p. 314), afirma que planejamento educacional ainda exige a capacidade de definir, selecionar e organizar ‘conteúdos’ que deverão ser tematizados por meio de ações didáticas distribuídas no tempo e no espaço escolar. Para tal, quase sempre a modelização didática é necessária. Como mostra na citação, as ações didáticas são estabelecidas por diversos recursos que ajudam no processo de transposição didática. Nesse sentido, Shulman (1996) cunhou a expressão "conhecimento pedagógico dos conteúdos" que inclui "as formas mais úteis de representação daquelas ideias, as mais poderosas analogias, exemplos, ilustrações, explicações e demonstrações, numa palavra, as maneiras de representar e formular a matéria de modo a torná-la compreensível para os outros"(p.9). Como também faz inclusão das formas mais precisas da compreensão daquilo que torna fácil ou difícil a aprendizagem de um tópico específico, das concepções e préconcepções dos estudantes de diferentes idades e com diferentes experiências em relação à aprendizagem dos temas mais frequentemente ensinados. Acreditamos que podemos pensar nos saberes não apenas como transmissíveis, mas, sobretudo, pensar que os saberes são construídos nos e pelos discursos. E, justamente na sala de aula, as ações e recursos de transposições didáticas escolhidos pelo professor podem ajudar a essa esperada formação crítica de leitores, consequentemente, a construção de uma prática social consciente. Nesse sentido, Fairclough (2001) busca resgatar o valor dos saberes oriundos do conhecimento científico, desqualificados, em favor de processos valorativos das informalidades, das racionalidades técnicas, formas mascaradas da ilusão democrática do saber. A transposição didática é socialmente construída, desde os sistemas de ensino à prática efetiva das ações do professor, sendo assim, construída também numa prática discursiva. Em nosso entendimento, a transposição didática é uma forma específica de transformação sofrida por um saber científico ou cultural proveniente das práticas profissionais, (...) que não se limita à codificação e transmissão de conteúdos, avança em direção a um conjunto de ações de seus agentes que possibilitam a mobilização e integração em uma situação de aprendizagem tacitamente aceita entre seus interlocutores (SANTOS, 2009, 211). Percebemos que a adaptação que um saber sofre, num momento de transposição didática, está relacionada a um processo discursivo e a legitimação de um saber não depende apenas do reconhecimento epistemológico, como sinaliza Chevallard, nem apenas da ordem social, como sinaliza Bernstein, mas da ordem discursiva, ou seja, a legitimidade e a autorização do discurso são controladas por um poder constitutivo e hegemônico dos discursos. Isso implica admitir que a legitimidade do discurso não depende apenas de uma ordem científica, mas de ordens políticas, no caso aqui estudado, das políticas das próprias universidades, isto é, entram em negociação fatores sociais, culturais, políticos e ideológicos (SANTOS, 2009). 3 O Projeto SESA: relato parcial da pesquisa-ação O projeto Seminários de Saberes Arquivísticos - SESA nasceu da experiência das aulas de Oficina de Textos I e II do curso de Arquivologia (1º e 2º período) da UEPB – Campus V – João Pessoa, ao introduzirmos o estudo do gênero seminário acadêmico. As discussões dos alunos em sala de aula revelaram as dificuldades temáticas, composicionais e linguísticas que cercam os gêneros. A maioria deles apresentou insegurança e medo ao falar em público e ao escrever textos. Vários relatos e bilhetes apontavam para a problemática da ausência de gêneros orais e produção efetiva de textos escritos na educação básica e do impacto causado na aprendizagem com gênero. A partir desses relatos, verificamos a necessidade de um projeto interdisciplinar que assistisse o corpo discente e minimizasse as deficiências de produção textual, quer na modalidade oral quer na escrita, um projeto que propusesse o estudo de vários gêneros, em especial da vivência acadêmica. Para isso, organizamos atividades com sequência didática (Schneuwly et al., 2004) e reescrituras dos diversos gêneros textuais, tais como resumo, resenha, diário de leitura, ensaio e artigos acadêmicos. A conclusão do semestre culminou com o Seminário de Saberes Arquivísticos (SESA), cujas apresentações estavam na modalidade de comunicação oral e foram publicados, internamente, em um cd de anais de cada semestre. No início do trabalho desse projeto, surgiu a necessidade de repensarmos o processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita na sala de aula, na perspectiva de gênero textual/discursivo e de suas condições sócio-históricas. Bakhtin ([1953] 1992) assegura que os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados que emanam das diferentes esferas sociais. São caracterizados por conteúdo temático, estilo e construção composicional. O conteúdo temático constitui aquilo que é dizível por meio de um gênero. O estilo diz respeito às escolhas linguísticas (recursos lexicais, fraseológicos, gramaticais); já os aspectos estruturais do texto formam sua construção composicional. Para esse autor, os usos da língua são marcados por estabilidade, uma vez que são frutos de construção sócio-cultural e histórica. Assim como as atividades humanas são dinâmicas também se transformam com o tempo, os textos e os discursos que permeiam tais atividades mudam. Por isso, analisar a escrita dos gêneros acadêmicos (resumo, resenha, artigos) passou a ser um passo importante para a inicialização do processo de escrita. Ao escolhermos alguns gêneros para serem estudados e analisados de maneira mais contundente, procuramos situá-los no tempo e no espaço em um determinado domínio do conhecimento. Os sujeitos ao assumirem papéis sociais em contextos culturais tendem a utilizar a língua de determinada maneira e a interagir com seus pares por meio de gêneros típicos daquela esfera. Porém, variações nas condições de produção dos gêneros podem torná-los instáveis e abrir espaço para mudanças. Para isso, adotamos para a disciplina de Oficina de texto II a coleção, organizada por Machado (2004/ 2007), sobre a produção de textos técnicos e científicos. As dificuldades iniciais com o material a ser trabalho devem-se ao fato de os alunos recém-ingressos virem de uma cultura de ler e resumir textos (embora não saibam fazê-lo). A coleção selecionada sugere que leitor pratique exercícios, construa o conceito do gênero estudado e ainda perceba as diversas condições de produção que consequentemente modificam o estilo, as escolhas linguísticas (recursos lexicais, fraseológicos, gramaticais), os aspectos estruturais do texto. Por exemplo, ao estudar o gênero resumo, o aluno precisa estar atento à correção gramatical e ao léxico adequado a cada situação acadêmica de uso; seleção das informações colocadas com as mais importantes no texto original; indicação dos dados sobre o texto resumido, no mínimo autor e título; apresentação das ideias principais do texto e de suas relações; menção ao autor do texto original em diferentes partes do resumo e de formas diferentes; menção de diferentes ações do autor do texto original (o autor questiona, debate, explica...). Ao final do trabalho com o gênero na sala de aula, os resultados mostraram que houve uma melhora considerável na produção dos textos. Outro ponto bastante discutido em sala foi a condição de produção do texto, assim firmamos alguns conceitos-chave sobre leitura, resumo/resenha e sobre como produzir qualquer gêneros, tais como: a antecipação do conteúdo como facilitador da leitura; o leitor potencial para o texto; a época e o local em que foi produzido; o propósito de escrita do autor daquele texto; o veículo e o suporte de circulação. A compreensão global do texto a ser resumido ou resenhado passou a ser um passo importante na produção dos textos, a saber: o gênero de texto; o meio de circulação; o autor; a data de publicação; o tema; posição ideológica do autor; a questão que é discutida; a posição (tese) que o autor rejeita ou sustenta; os argumentos que sustentam ambas as posições; a conclusão final do autor. A pesquisa revela que a leitura e a escrita dos alunos passou a ser mais consciente, inclusive, quando a escrita era incoerente bastava pedir que refletisse sobre esses elementos e o próprio aluno já apontava a resposta esperada. Foi perceptível a contribuição dessas teorias para o ensino e aprendizagem do gênero. No depoimento de um aluno ao entregar um ensaio, ele afirmou que para escrever um gênero é necessário o conhecimento de outros gêneros, por exemplo, ao escrevermos o ensaio, utilizamos o roteiro, o sumário, o resumo, a resenha. O aluno acrescenta também que o conhecimento de outros gêneros facilitou a organização das ideias, a organização de outros gêneros e o uso das normas da ABNT. Um gênero que chamou a atenção dos alunos foi o diário de leitura pela não frequência de uso na sala de aula. Os diários de leitura, em geral, não oferecem qualquer modelo preestabelecido, sendo bastante diversificados entre si. O primeiro e o mais importante objetivo da produção de um diário de leitura é estabelecer um verdadeiro diálogo com o autor e uma reflexão crítica e autônoma sobre o que está sendo lido. Conforme relato de experiência dos alunos, jamais teriam lido dessa maneira, e a atividade de leitura com esse gênero facilitou a compreensão da leitura que é concebida como construção de sentidos. Com relação à sequência didática, levantamos alguns pontos para discussão. Primeiramente, a sequência de Oficina de texto articula-se à de Metodologia Científica. Em Oficina de Texto estuda-se resumo e resenha; em Metodologia trata-se de paráfrase; Na primeira, planejam-se gêneros acadêmicos; na outra, trabalham-se as várias etapas de um projeto. Nesse jogo de interação, conclui-se que o conhecimento não é acabado, uma disciplina se articula e se completa com outra. O segundo ponto diz respeito ao conhecimento prévio das atividades e dos textos agendados. Essa postura ajuda o planejamento da escrita e das leituras prévias. Além disso, toda aula estimula a leitura e participação ativa de escrita. Por exemplo, enquanto um grupo apresenta o seminário sobre uma temática, os demais devem apresentar um trabalho escrito sobre o mesmo livro. Um dos grandes problemas enfrentados pelos professores de ensino superior no trabalho com o gênero seminário é que os demais alunos não leem os textos, apenas aqueles que o apresentam. O planejamento com sequência didática possibilita o aluno a ler e estimula a discussão sobre as temáticas para que haja a interação entre os interlocutores na sala de aula e não seja uma mera exposição do grupo. O terceiro ponto da sequência didática é o processo de reescritura dos textos. Essa é uma parte bem dinâmica do projeto na qual o aluno escreve artigo científico ou ensaio teórico, e os textos são orientados, corrigidos por duas professoras. O processo de escritura do gênero científico e a busca do tema conduzem o aluno a procurar outros professores para os ajudarem na elaboração dos textos. A pesquisa demonstra o interesse dos alunos por gestão de documentos, uma área ainda não estudada no 1º período, pela preservação de documentos, pelos métodos que precisam de auxílio de colegas ou professores para desenvolver os trabalhos. Após construírem os textos, os alunos precisam apresentá-los, por isso o projeto não podia deixar de refletir também sobre a oralidade. No que se refere às modalidades oral e escrita da língua, os gêneros se distribuem numa escala contínua de relações, podendo apresentar desde diferenças mais acentuadas, até semelhanças tais que fica difícil, se não impossível, enquadrá-los como pertencentes a uma modalidade da língua ou a outra. De acordo com Schneuwly (2004:135) Não existe “o oral”, mas os “orais” em múltiplas formas, que, por outro lado, entram em relação com os escritos, de maneira muito diversas: podem se aproximar da escrita e mesmo dela depender – como é o caso da exposição oral, ou ainda, do teatro e da leitura para os outros -, como também podem estar mais distanciados – como nos debates ou, é claro, na conversação cotidiana. Não existe uma essência mítica do oral que permitiria fundar sua didática, mas práticas de linguagem muito diferenciadas, que se dão, prioritariamente, pelo uso da palavra (falada), mas também por meio da escrita (...). Assim, podemos dizer que alguns gêneros orais são mais permeados pela escrita e outros menos, do mesmo modo, alguns gêneros escritos apresentam mais traços da oralidade, enquanto outros os apresentam em quantidade menor. Fica, portanto, difícil sustentar a dicotomia entre fala e escrita. Os usos reais da língua revelam a existência de muitos gêneros que apresentam uma relação estreita entre as duas modalidades. Após essa etapa de apresentação, um dos alunos da área da Tecnologia da Informação (TI), organiza todos os textos em um cd dos anais do Seminário de Saberes Arquivísticos. Nele, está a produção dos artigos acadêmicos, independente de sua competência linguística, pois o objetivo maior das disciplinas, consequentemente do projeto, é despertar o interesse pela pesquisa e que haja uma melhoria no letramento acadêmico do corpo discente, atendendo às normas da ABNT. Depois de todas as apresentações, alguns trabalhos foram selecionados e organizados para publicação em uma coletânea impressa para um evento interdisciplinar da instituição. Essa é uma etapa fundamental, porque o corpo discente descobre não só a importância da construção desse gênero, mas também que há uma finalidade para a produção de qualquer texto. 4 Considerações finais Mediante as inquietações apontadas anteriormente, levantamos algumas hipóteses, tais como: 1. Uma vez que o aluno é novo membro da comunidade acadêmica, não traz conhecimentos prévios indispensáveis para a produção de gêneros acadêmicos; 2. O conhecimento desses gêneros no inicio da graduação é essencial para a produção acadêmica nas diversas disciplinas, pois todos terão que escrever textos acadêmicos durante os vários semestres e farão a monografia no final do curso. Essa hipótese contraria a opinião de alguns professores do curso de Arquivologia que acham que o estudo do gênero acadêmico deveria ser feito no sétimo período, um semestre antes da monografia; 3. A transposição didática do professor e as diversas interações verbais presentes na sala de aula, inclusive do material didático é fator predominante para a compreensão, análise e produção dos gêneros acadêmicos, sendo assim, cremos que a aprendizagem de um gênero mais simples pode colaborar para a compreensão de outro, por isso é possível pensar numa cadeia de transposição didática para o ensino e aprendizagem dos gêneros, num processo de hibridização. Os dados nos revelam que as reflexões para um processo teórico-metodológico precisam ser debruçadas sobre o sentido do humano, em relação com o outro, com o mundo, com o transcendente. Uma elaboração que, ao mesmo tempo, possibilite a incorporação dos valores concernentes ao humano e que conduz os indivíduos a se desenvolverem de maneira autônoma e autêntica. Parafraseando Martin Buber, compreender o humano como ser de relação significa, por sua vez, a impossibilidade de compreendê-lo isoladamente, mas apenas na sua relação com o mundo: sua família, seu trabalho, suas responsabilidades e obrigações, experiências que nos permitem caracterizar o humano como ser essencialmente vinculado à comunidade. O estabelecimento de relações autênticas é uma condição para a formação, algo que pressupõe é a vivência da totalidade da relação, enquanto experiência do Inter-humano. O educador é apenas mais um componente na vivência do educando. Ele se distingue dos demais pela presença significativa da vontade que orienta a sua ação de participar nesse processo e de representar, para o que está se tornando homem, através da consciência, uma determinada escolha do ser, uma escolha do ‘certo’ daquilo que deve ser. O que faz dela uma ação inegavelmente intencional. A educação é assim compreendida como responsabilidade com o outro, o educando; “responsabilidade para a escolha do ser”, é um componente daquilo que chamamos relação. Uma relação que não se constitui por um ato impositivo, por um decreto, mas que requer abertura e tem como única via a confiança. É a confiança que suplanta a resistência contra o estar sendo formado e possibilita que o educando aceite o educador como pessoa. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. por M. E. Galvão Gomes. São Paulo: Martins Fontes, 1992 (1953). BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV) 1929/1995. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec. BHATIA, V. 1993. Analysing genre: language use in professional settings. London: Longman. BAZERMAN, C. Dionísio, A. P. & J. C. Hoffnagel (Orgs.) Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2005. BOURDIEU, P. Travaux et projets. Trad. por Renato Ortiz. 2. ed. São Paulo: Ática, 1994. BRONCKART. J. P.; GIGER, I. P. 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