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Processo administrativo para imposi? de multas de tr?ito: breves notas ?uz da jurisprud?ia do STJ
Resumo: Este resumido estudo ressalta o impacto do trânsito de veículos na sociedade, destacando a importância da análise que o Superior
Tribunal de Justiça tem feito das normas do Código de Trânsito Brasileiro (precisamente a respeito do processo administrativo destinado à imposição
de multas de trânsito).
Palavras-chave: Direito de trânsito. Multas. Processo Administrativo.
Sumário: I. Introdução. II. Breve síntese do processo administrativo de trânsito; III. Defesa prévia. IV. Notificação de autuação; V. Decadência do
direito de expedir a notificação; VI. Decadência da ação punitiva; VII. Reflexão.
I. Introdução.
Desde a Roma Antiga[1] até os dias de hoje, o trânsito constitui um fenômeno jurídico de imensa relevância para o Direito, por se tratar de fenômeno
jurídico indissociável da vida em sociedade. Por esta razão, são freqüentes as tensões entre particulares ou entre estes e o Poder Público, sendo que
estes interesses comumente resultam em questionamentos judiciais.
Um dos focos de polêmica se concentra na disciplina do processo administrativo para imposição de penalidades decorrentes das infrações de
trânsito, em especial na Seção do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997) que dispõe a respeito “Do Julgamento e das Autuações das
Penalidades” – dispositivos que sofreram mínimas alterações desde sua edição e que ainda hoje despertam controvérsias no âmbito dos órgãos de
trânsito e dos tribunais.
No entanto, todos estes temas envolvem relevante interesse público, na medida em que contrapõem a responsabilidade do Estado em tornar o
trânsito mais fluido e seguro, com a garantia dos cidadãos ao devido processo legal e à incolumidade de seus direitos fundamentais, a exemplo da
propriedade e do direito de locomover-se nas vias públicas.
Nesse cenário, considerando a competência da União para legislar sobre trânsito em transporte (Constituição Federal, art. 22, XI), o Superior Tribunal
de Justiça tem desempenhado importante papel ao pacificar questões polêmicas envolvendo o Direito de Trânsito, a exemplo da edição da Súmula nº
312 e, recentemente, do julgamento do Recurso Especial nº 1.195.178, sob a sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil.
O objetivo deste trabalho é expor, resumidamente, a interpretação que a Corte de Uniformização do Direito Federal tem feito dos dispositivos do CTB
que disciplina o chamado processo administrativo de trânsito[2].
II. Breve síntese do processo administrativo de trânsito.
O processo administrativo destinado a apuração das infrações de trânsito e imposição de penalidades aos responsáveis, desenhado no CTB, começa
com a lavratura do auto de infração (art. 280) e se encerra com o julgamento das formas de impugnações à disposição do suposto infrator (arts. 281
e ss).
Na primeira etapa, a autoridade de trânsito julgará a consistência e regularidade do auto de infração, sendo facultado ao interessado a apresentação
de defesa prévia. Aplicada a penalidade, o interessado será notificado para pagamento da multa e/ou interposição de recurso a ser apreciado pelas
Juntas Administrativas de Recursos de Infração (JARI), sendo esta uma fase tipicamente recursal, pois pressupõe o reexame da decisão da
autoridade de trânsito por colegiado especificamente constituído para esse fim (art. 282 a 287). Por fim, há, ainda, previsão de recurso dirigido ao
Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) aos Conselhos Estaduais de Transito (CETRAN e CONTRANDIFE), o que constitui uma segunda
instância recursal administrativa (arts. 288 e 289).
No limitado objeto desta análise, nos interessa investigar esta primeira etapa do processo administrativo para imposição de multas de trânsito.
III. Defesa prévia
Lavrado o auto de infração, o consectário lógico é o chamamento do suposto infrator para que tome conhecimento do processo administrativo
instaurado contra si e, querendo, impugne o ato praticado pelo agente da fiscalização. Esta providência está contida nos arts. 280 e 281 do CTB:
“Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
I - tipificação da infração;
II - local, data e hora do cometimento da infração;
III - caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;
IV - o prontuário do condutor, sempre que possível;
V - identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração;
VI - assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.
§ 1º (VETADO)
§ 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por
equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.
§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a
respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte.
§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial
militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto
de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I - se considerado inconsistente ou irregular;
II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação. (Redação dada pela Lei nº 9.602, de 1998)
De fato, o CTB não menciona expressamente a chamada “defesa prévia” – formalidade prevista em resoluções do CONTRAN editadas à luz do
revogado Código Nacional de Trânsito –, porém, deixa claro que a notificação da autuação, destacada nos dispositivos acima, não se confundo com
a notificação da penalidade, prevista no art. 282:
“Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio
tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade.”
Ocorre que, desde o advento no Código de Trânsito em vigor, muitos órgãos de trânsito resistiram em admitir a necessidade de defesa prévia para
julgamento das autuações, o que contou com apoio de alguns tribunais, como se vê no aresto abaixo:
“Ação declaratória - Nulidade de ato administrativo. Multa de trânsito - Defesa prévia - Código de Trânsito - Não previsão - Inaplicabilidade da
Resolução nº 149/03 do CONTRAN às infrações anteriores à sua publicação - Pedido julgado procedente - Sentença reformada. O Código de
Trânsito Brasileiro não prevê que seja oportunizada defesa prévia ao infrator como requisito para validade da cobrança de multa. A cientificação da
infração enviada pelo correio, com a concessão de prazo para recorrer, obedece ao princípio constitucional da ampla defesa, por conferir ao condutor
ou proprietário do veículo o direito de se insurgir contra a autuação como um todo, inclusive a penalidade”. (TJ-MG, Apelação Cível nº
1.0313.03.104881-9/003 rel. Des. Jarbas Ladeira, DJ 03/12/2004)
A celeuma perdurou até que o CONTRAN editasse a Resolução nº 149/2003[3], ratificando a existência deste meio de impugnação durante a fase de
“julgamento” do auto de infração, conforme vinha sendo assinalado pelo STJ:
“ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. PENALIDADE. PRÉVIA NOTIFICAÇÃO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. APLICAÇÃO
ANALÓGICA DA SÚMULA 127/STJ. O CÓDIGO DE TRÂNSITO IMPÔS MAIS DE UMA NOTIFICAÇÃO PARA CONSOLIDAR A MULTA.
AFIRMAÇÃO DAS GARANTIAS PÉTREAS CONSTITUCIONAIS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. 1. O sistema de imputação de sanção
pelo Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503/97) prevê duas notificações a saber: a primeira referente ao cometimento da infração e a segunda
inerente à penalidade aplicada, desde que superada a fase da defesa quanto ao cometimento, em si, do ilícito administrativo. Similitude com o
processo judicial, por isso que ao imputado concede-se a garantia de defesa antes da imposição da sanção, sem prejuízo da possibilidade de revisão
desta. 2. Nas infrações de trânsito, a análise da consistência do auto de infração à luz da defesa propiciada é premissa inafastável para a aplicação
da penalidade e consectário da garantia da ampla defesa assegurada no inciso LV, do artigo 5º da CF, como decorrência do due process of law do
direito anglo-norte-americano, hoje constitucionalizado na nossa Carta Maior. 3. A garantia da plena defesa implica a observância do rito, as
cientificações necessárias, a oportunidade de objetar a acusação desde o seu nascedouro, a produção de provas, o acompanhamento do iter
procedimental, bem como a utilização dos recursos cabíveis. 4. A Administração Pública, mesmo no exercício do seu poder de polícia e nas
atividades self executing não pode impor aos administrados sanções que repercutam no seu patrimônio sem a preservação da ampla defesa, que in
casu se opera pelas notificações apontadas no CTB. 5. Sobressai inequívoco do CTB (art. 280, caput) que à lavratura do auto de infração segue-se a
primeira notificação in faciem (art. 280, VI) ou, se detectada a falta à distância, mediante comunicação documental (art. 281, parágrafo único, do
CTB), ambas propiciadoras da primeira defesa, cuja previsão resta encartada no artigo 314, parágrafo único, do CTB em consonância com as
Resoluções 568/80 e 829/92 (art. 2º e 1º, respectivamente, do CONTRAN). 6. Superada a fase acima e concluindo-se nesse estágio do procedimento
pela imputação da sanção, nova notificação deve ser expedida para satisfação da contraprestação ao cometimento do ilícito administrativo ou
oferecimento de recurso (art. 282, do CTB). Nessa última hipótese, a instância administrativa somente se encerra nos termos dos artigos 288 e 290,
do CTB. 7. Revelando-se procedente a imputação da penalidade, após obedecido o devido processo legal, a autoridade administrativa recolherá, sob
o pálio da legalidade a famigerada multa pretendida abocanhar açodadamente. 8. A sistemática ora entrevista coaduna-se com a jurisprudência do E.
STJ e do E. STF as quais, malgrado admitam à administração anular os seus atos, impõe-lhe a obediência ao princípio do devido processo legal
quando a atividade repercuta no patrimônio do administrado. 9. No mesmo sentido é a ratio essendi da Súmula 127, do STJ que inibe condicionar a
renovação da licença de veículo ao pagamento da multa, da qual o infrator não foi notificado. 10. Recurso especial desprovido”. (RESP 426084, rel.
Min. Franciulli Neto, DJ 02/12/2002)
Pouco depois, em 2005, o Superior Tribunal de Justiça sepultou a questão com a edição da Súmula nº 302, a qual proclamou que “No processo
administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração”.
Esta sistemática é semelhante a diversos procedimentos fiscais previstos em nossa legislação e repousa na presunção de que a Administração terá
melhores condições de exercer seu poder de autotutela antes da imposição de qualquer gravame ao particular.
Não podemos omitir, contudo, a opinião daqueles que entendem desnecessária uma fase externa de julgamento, ao invés da análise interna da
consistência e regularidade do auto de infração. Este entendimento repousa, sobretudo, na constatação de que milhares de defesas se acumulam
nos órgãos de trânsito, pendentes de análise, resultando na perda de efetividade da fiscalização e mitigação do potencial educativo das penalidades.
“Realmente, sendo obrigada tal providencia, instaura-se um verdadeiro procedimento contencioso perante um órgão destinado a simplesmente
aplicar a penalidade. Alem de não comportarem os órgãos de transito uma estrutura para apreciar e decidir sobre as infrações, está-se subtraindo
uma função reserva mais às JARIs, consoante acima abordado. Realmente, nos grandes centros, a ser colocada em prática essa medida, as
milhares de autuações converter-se-ão em processos, com a imposição do exame e julgamento de cada caso, embora a falta de condições humanas
e materiais, e a repetição do julgamento pela JARI” (RIZZARDO, 2004, p. 735).
De nossa parte, embora entendamos possível postergar o exercício do contraditório para um momento posterior à homologação do auto de infração,
e que não se imponha qualquer gravame ao suposto infrator antes de possibilitar-lhe a impugnação na via administrativa, esta alteração somente
poderia ser feita por Lei que altere o formato do processo administrativo desenhado no CTB.
IV. Notificação de autuação.
O art. 280, VI, do CTB estabelece que o auto de infração contenha, sempre que possível, a assinatura do infrator, a qual valerá como notificação e
marcará o início do prazo para defesa prévia. Além de dar mais celeridade ao processo destinado à imposição da penalidade, esta previsão está
associada ao caráter educativo da fiscalização de trânsito e à possibilidade imediata de esclarecimentos das circunstâncias da autuação ao próprio
condutor. Por isso, a notificação em flagrante é preferencial.
Entretanto, dado o crescente número veículos em circulação, os reduzidos recursos dos órgãos de trânsito e, especialmente, a dificuldade de realizar
uma abordagem segura a cada condutor em situação irregular, a Lei também previu a possibilidade de notificação da autuação diretamente ao
proprietário.
Ocorre que, nem sempre o proprietário é o condutor ou está presente no momento da autuação e nos termos do art. 257 do CTB[4], a
responsabilidade pela infração pode recair sobre cada uma destas figuras, de forma isolada ou conjunta, ou ainda ser transferida ao proprietário no
caso de não identificação do condutor. Assim, sem descartar a presunção de que o proprietário deve zelar pela correta utilização do veículo, é
razoável admitir que a garantia do contraditório depende da correta notificação do responsável pela infração.
Anteriormente, a jurisprudência do STJ se orientava no sentido de considerar suficiente a notificação em flagrante do condutor, ainda que se tratasse
de infração de responsabilidade do proprietário, o qual poderia impugnar a penalidade por meio de recurso dirigido às Juntas Administrativas de
Recursos de Infrações (JARI).
“ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. PAGAMENTO DA MULTA. NÃO-CONVALIDAÇÃO DO ATO VICIADO. ARTS. 284 E 286 DO CTB.
ANULAÇÃO DA MULTA. SUBSISTÊNCIA DO AUTO DE INFRAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO PUNITIVO DO ESTADO. NÃO OCORRÊNCIA.
HONORÁRIOS. DISTRIBUIÇÃO. AUTUAÇÃO EM FLAGRANTE. NOTIFICAÇÃO DO CONDUTOR. TEMPESTIVIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS.
281 E 282 DO CTB. 1. O cumprimento da penalidade imposta ao administrado (multa por infração de trânsito) não convalida, por si só, a eventual
nulidade do procedimento administrativo do qual resultou a sua aplicação. Assim, o pagamento da multa não obsta o conhecimento do recurso
administrativo, sendo dever da Administração ressarcir a quantia paga no caso de seu provimento. Com mais razão, não inibe o acesso à via
jurisdicional para ver declarada a nulidade do procedimento. Precedentes: RESP 614957/RS, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, D.J. de 28/06/2004; RESP
654945/RS, 2ª Turma, Min. Castro Meira, D.J. de 04/10/2004; RESP 662834/RS, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, D.J. de 13/12/2004. 2. Não
importa violação ao art. 281, parágrafo único, inciso II, do CTB, a possibilidade de renovação da notificação, desde que respeitado o prazo de trinta
dias do trânsito em julgado da decisão que anulou parcialmente o procedimento administrativo. Aplicação do art. 220 do CPC. Precedente: Resp
689.788/RS, 1ª Turma, Min. Teori Zavascki, DJ de 01.07.2005. 3. Dispõe o art. 281, parágrafo único, II, do CTB que é de trinta dias o prazo para
notificação da existência de autuação de trânsito. Tendo a autuação sido lavrada em flagrante, a assinatura do condutor nos autos de infração é
considerada como notificação válida. 4. A notificação da autuação do proprietário do veículo é dispensada quando identificado o condutor e
lavrado o auto em flagrante. Precedentes: Resp 731.749/RS, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 06.06.2005; AgRg no Resp 579.996/RS,
2ª Turma, Min. Franciulli Netto, DJ de 23.05.2005; Resp 754.536/RS, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 22.08.2005. 5. Recursos especiais
parcialmente providos.” (STJ, GRESP 744374, rel. Min. Teori Albino Zavaski, DJ 10/10/2005)
Esta orientação se assentou, dentre outros aspectos, no entendimento segundo o qual
“(...) a defesa quanto à consistência do auto de infração cabe ao condutor do veículo no momento da constatação da irregularidade, pois é ele que
conhece as circunstâncias em que o fato ocorreu. Portanto, a notificação da autuação foi realizada no prazo fixado em lei, vez que não se exige neste
caso, também, a notificação do proprietário” (REsp 567.038/RS, rel. Min. Teori Albino Zavaski, DJ 01/07/2004)
Todavia, a Egrégia Corte reviu seu posicionamento e passou entender necessária a notificação do proprietário quando a infração for de sua
responsabilidade e somente tenha sido notificado o condutor:
“ADMINISTRATIVO. MULTA DE TRÂNSITO. AUTO LAVRADO EM FLAGRANTE. NOTIFICAÇÃO DA INFRAÇÃO INEXISTÊNCIA DE ASSINATURA
NO AUTO DE INFRAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. APRECIAÇÃO DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. PROCESSO
ADMINISTRATIVO. SÚMULA 312/STJ. AUTUAÇÃO EM FLAGRANTE. INFRAÇÃO DO CONDUTOR. AUSÊNCIA NECESSIDADE DE NOVA
NOTIFICAÇÃO. NOTIFICAÇÃO DA INFRAÇÃO CONCOMITANTEMENTE À IMPOSIÇÃO DE MULTA IMPOSSIBILIDADE. 1. Não se conhece do
recurso, quanto à alegação de inexistência de assinatura no auto de infração, primeiramente, por ser questão que, a despeito da oposição de
embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo (Súmula 211/STJ), em segundo lugar, por implicar, para seu deslinde, a apreciação de
provas, o que, sabidamente, é defeso nesta Corte Superior, ante à vedação prevista no enunciado da Súmula 7/STJ. 2. Está assentado nesta Corte
Superior o entendimento de que o atual Código de Trânsito Brasileiro vislumbra mais de uma notificação ao infrator: a primeira quando da lavratura
do auto de infração, ocasião em que é aberto prazo de trinta dias para o oferecimento de defesa prévia; e a segunda quando da aplicação da
penalidade pela autoridade de trânsito. 3. "No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da
autuação e da aplicação da pena decorrente da infração." (Súmula 312/STJ). 4. De regra, havendo autuação em flagrante, torna-se desnecessária a
notificação da infração, abrindo-se, desde logo ao recorrente a oportunidade de apresentação de defesa prévia. Contudo, faz-se necessário
sublinhar que, de acordo com os parágrafos 2º e 3º do art. 257 do Código de Trânsito Brasileiro, há infrações cuja responsabilidade é
atribuída ao proprietário do veículo, bem como outras de responsabilidade exclusiva do condutor, devendo, no primeiro caso, ser expedida
nova notificação de autuação. 5. A legislação de trânsito não suprimiu a exigência de defesa prévia à aplicação da penalidade de trânsito.
Conseqüentemente, não pode a Administração promover a notificação da infração concomitantemente à notificação da imposição da multa.
Precedentes. 6. Recurso Especial conhecido em parte e, nessa, não provido.” (RESP 789596, rel. Des. Conv. Carlos Fernando Mathias, DJ
09/06/2008)
Nesta ordem, o recente julgamento do Recurso Especial nº 1.195.178 representou mais um importante passo no sentido de pacificar as controvérsias
relativas à aplicação das penalidades de transito, pois, além de estar submetido à sistemática do art. 543-C do CPC (“Lei dos Recursos Repetitivos”),
serviu para consolidar o entendimento da Corte a respeito de vários assuntos relativos ao processo administrativo de trânsito. Senão vejamos na
sempre completa ementa lavrada pelo Ministro Luiz Fux:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 105, III, A E C, DA CF/1988. ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO.
HOMOLOGAÇÃO/JULGAMENTO DO AUTO DE INFRAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. PENALIDADE. PRÉVIA NOTIFICAÇÃO. AMPLA DEFESA E
CONTRADITÓRIO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 127/STJ. O CÓDIGO DE TRÂNSITO IMPÔS MAIS DE UMA NOTIFICAÇÃO PARA
CONSOLIDAR A PENALIDADE DE MULTA. AFIRMAÇÃO DAS GARANTIAS PÉTREAS CONSTITUCIONAIS NO PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO. SÚMULA 312/STJ. AUTO DE INFRAÇÃO. CONDUTOR (NÃO PROPRIETÁRIO) AUTUADO EM FLAGRANTE. MULTA
RELATIVA AO VEÍCULO. NOTIFICAÇÃO DO PROPRIETÁRIO. MATÉRIA APRECIADA PELA 1.ª SEÇÃO PELO RITO DO ARTIGO 543-C, DO CPC,
E DA RESOLUÇÃO STJ 8/2008 (RESP 1.092.154/RS). AUSÊNCIA DE ASSINATURA NO AUTO DE INFRAÇÃO. NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO
DE NOTIFICAÇÃO DE AUTUAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA. 1. O recurso especial
não é servil ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, em face do óbice erigido pela Súmula
07/STJ. 2. No caso sub judice, o Tribunal local, no que respeita à homologação/julgamento dos autos de infração, analisou a questão à luz do
contexto fático-probatório engendrado nos autos, verbis: (fls. 495, e-STJ) "Ao contrário do que afirma o embargante, o julgamento/homologação dos
autos de infração de trânsito é ato meramente formal, tal qual exposto nas fls. 142 e seguintes dos autos." 3. Súmula 312/STJ:"No processo
administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração". 4.
Sobressai inequívoco do CTB (art. 280, caput) que à lavratura do auto de infração segue-se a primeira notificação in faciem (art. 280, VI) ou, se
detectada a falta à distância, mediante comunicação documental (art. 281, parágrafo único, do CTB), ambas propiciadoras da primeira defesa, cuja
previsão resta encartada no artigo 314, parágrafo único, do CTB em consonância com as Resoluções 568/80 e 829/92 (art. 2º e 1º, respectivamente,
do Contran). 5. Superada a fase acima e concluindo-se nesse estágio do procedimento pela imputação da sanção, nova notificação deve ser
expedida para satisfação da contraprestação ao cometimento do ilícito administrativo ou oferecimento de recurso (art. 282, do CTB). Nessa última
hipótese, a instância administrativa somente se encerra nos termos dos artigos 288 e 290, do CTB. 6. Revelando-se procedente a imputação da
penalidade, após obedecido o devido processo legal, a autoridade administrativa recolherá, sob o pálio da legalidade, a famigerada multa pretendida
abocanhar açodadamente. 7. A ausência de notificação do infrator no prazo máximo de 30 (trinta) dias da infração, implica na decadência do direito
de punir do Estado, consoante entendimento consolidado pela Primeira Seção desta Corte Superior, segundo o qual: "O comando constante do art.
281, parágrafo único, II, do CTB, é no sentido de que, uma vez não havendo notificação do infrator para defesa dentro do lapso de trinta dias,
opera-se a decadência do direito de punir do Estado" (EREsp n.º 803.487/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 6.11.2006). 8. O auto de infração, em
ocorrendo a decadência supra, deve ser arquivado e seu registro julgado insubsistente, consoante o preceito do art. 281, parágrafo único, III, do
Código de Trânsito Brasileiro, sendo, portanto, nulo o respectivo procedimento administrativo. 9. A notificação endereçada ao proprietário do veículo
ou ao motorista infrator objetiva permitir o recolhimento da multa com o desconto previsto no art. 284 do CTB. É pacífico o entendimento desta Corte
de que a penalidade de multa por infração de trânsito deverá ser precedida da devida notificação do infrator, sob pena de ferimento aos princípios do
contraditório e da ampla defesa. O proprietário do veículo responde solidariamente com o condutor do veículo. Em outras palavras, a
responsabilidade do dono da coisa é presumida, invertendo-se, em razão disso, o ônus da prova. 10. Deveras, não obstante superada a questão
atinente à validade da primeira notificação feita em flagrante ao condutor do veículo, notadamente porque o Código de Trânsito Brasileiro, em seu
artigo 280, VI, determina que deverá constar do auto de infração a assinatura do infrator, sem fazer qualquer distinção entre proprietário ou condutor
do veículo, esta Corte, à luz da exegese do art. 257, §§ 1º, 2º, 3º e 7º do CTB c/c art. 2º e 3º da Resolução 149/2003/Contran, concluiu que: "(...)
nova notificação de autuação deve ser expedida, mesmo em caso de notificação in faciem, quando a infração for relativa ao veículo e, portanto, de
responsabilidade do proprietário que não estava na condução do veículo." (RESP 824.437/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon) 11. A análise do
thema, à luz da novel jurisprudência desta Corte e da legislação atinente à matéria, conduz à seguinte conclusão: a) a notificação in faciem
do condutor em flagrante, mediante a assinatura do auto de infração, valerá como notificação da autuação quando a infração for de
responsabilidade do condutor e sendo a infração de responsabilidade do proprietário este estiver conduzindo o veículo; b) no caso de a
infração ser de responsabilidade do proprietário e este não estiver conduzindo o veículo, a autoridade de trânsito expedirá, no prazo
máximo de 30 (trinta) dias contados da data do cometimento da infração, a Notificação da Autuação dirigida ao proprietário do veículo, na
qual deverão constar, no mínimo, os dados definidos no art. 280 do CTB e em regulamentação específica (art. 3º da Resolução
149/2003/Contran). 12. A Primeira Seção, quando do julgamento do Resp 1.092.154/RS, representativo da controvérsia (art. 543-C, do CPC),
reafirmou o entendimento de que: (...) 1. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) prevê uma primeira notificação de autuação, para
apresentação de defesa (art. 280), e uma segunda notificação, posteriormente, informando do prosseguimento do processo, para que se defenda o
apenado da sanção aplicada (art. 281). 2. A sanção é ilegal, por cerceamento de defesa, quando inobservados os prazos estabelecidos. 3. O art.
281, parágrafo único, II, do CTB prevê que será arquivado o auto de infração e julgado insubsistente o respectivo registro se não for expedida a
notificação da autuação dentro de 30 dias. Por isso, não havendo a notificação do infrator para defesa no prazo de trinta dias, opera-se a decadência
do direito de punir do Estado, não havendo que se falar em reinício do procedimento administrativo. 4. Descabe a aplicação analógica dos arts. 219 e
220 do CPC para admitir seja renovada a notificação, no prazo de trinta dias do trânsito em julgado da decisão que anulou parcialmente o
procedimento administrativo. (...) (Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 12/08/2009, DJ de 31/08/2009) 13. Consectariamente,
“não sendo possível colher a assinatura do condutor, seja pela falta de flagrante, seja pela sua recusa, a autoridade de trânsito deverá
proceder à notificação via postal no prazo de trinta dias, preservando-se, assim,o jus puniendi estatal”. (REsp 732.505/RS, Rel. Ministro
Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 19/05/2005, DJ 01/08/2005, p. 425) 14. In casu, em se tratando de imposição de penalidades decorrentes
de autuações em flagrante, e à míngua de assinatura do infrator nos 3 (três) autos de infração às fls. 105/110 (e-STJ), cumpria à autoridade de
trânsito a expedição de notificação de autuação, em observância ao devido processo legal no processo administrativo. Por outro lado, os 4 (quatro)
autos de infração às fls. 150, 151, 155 e 157 (e-STJ) ostentam a assinatura do infrator, de sorte que, consoante assentado, valem como notificação
da autuação e conjuram a necessidade de expedição de notificação de autuação. 15. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a
questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC, mercê de o magistrado não estar obrigado a rebater, um a
um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 16. Recurso especial
parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido.” (RESP 1195178, rel. Min. Luiz Fux, DJ 17/12/2010)
Por fim, nos preocupa a interpretação extensiva que equiparou a recusa do condutor em assinar o auto de infração às hipóteses de impossibilidade
de notificação em flagrante ou infração de responsabilidade do proprietário.
Como vimos no começo deste tópico, a autuação mediante abordagem pessoal é medida que favorece a educação para o trânsito e permite ao
condutor conhecer imediatamente os termos da autuação, podendo, neste momento, colher provas e inquirir o agente autuador. Entretanto, não é
facultado ao suposto infrator escolher o momento inicial para fluência do prazo para defesa, mormente quando este marco está previsto em lei e se
destina a uma maior segurança do particular.
Raciocínio idêntico é aplicado pelo Poder Judiciário para considerar válida a intimação pessoal quando a parte se recusa a apor sua assinatura no
respectivo mandado[5]. Especificamente em relação à notificação em flagrante de infração de transito, assim já decidiu o Tribunal Regional Federal
da 4ª Região:
“PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SUSPENSÃO DE PENALIDADES. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. AUTUAÇÃO EM FLAGRANTE.
RECUSA DO SUPOSTO INFRATOR EM ASSINAR O AUTO. - O fato de o infrator ter oferecido recusa a assinar o Auto de Infração não é suficiente
para a invalidação do ato notificatório. - Tendo sido a autuação efetuada em flagrante por agente de trânsito competente e colhidos dados suficientes
sobre o condutor e o veículo, considera-se perfectibilizada neste momento a notificação da infração. - Expedida a notificação da penalidade aplicada
mais de 30 dias após a autuação em flagrante, correto o procedimento adotado pela autoridade de trânsito, pois observado o prazo para a defesa
prévia. - Agravo provido.” (TRF-4, AG 200404010338529, rel. Desa. Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ 26/01/2005)
Enfim, em aplicação analógica ao art. 266, II, do CPC ou mediante a assinatura de testemunhas, entendemos que o agente da autoridade de trânsito
poderá certificar a recusa do condutor ou proprietário presente em assinar o auto de infração ou receber a segunda via, sendo válida a notificação
pessoal em relação àqueles.
V. Decadência do direito de expedir a notificação
O art. 281, parágrafo único, II, do CTB diz que o auto de infração será arquivado “se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação
da autuação”. De início, vale destacar que o descumprimento deste prazo implica a decadência do direito de prosseguir no processo de imputar
penalidades.
Passando ao largo das polêmicas que envolvem a distinção entre decadência e prescrição[6], aderimos à opinião de Nei Pires Mitidieiro, segundo
quem:
“O prazo de que trata o inciso II do parágrafo único do art. 281, CTB é decadencial, porquanto apanha o direito de notificar da autuação da
Administração Pública, com o que, súbito, inviabiliza igualmente o seu direito de punir (uma vez que se inadmite, dentro do ordenamento pátrio, julgar
sem prévia oitiva do acusado). De conseguinte, desconhece causas interruptivas e suspensivas e o seu termo final consome o direito, banindo-o do
mundo jurídico”. (2005, p. 1336)
Feita esta ressalva de ordem terminológica, a identificação do alcance e sentido da norma não desperta maiores controvérsias. Ao impor à autoridade
de trânsito o dever de comunicar com brevidade a instauração do processo visando a apuração de infrações de trânsito, a finalidade do dispositivo foi
conferir segurança jurídica aos supostos infratores e a toda a sociedade (potencial interessada nas multas que recaem sobre o proprietário e que
podem gravar o veículo).
Num plano ideal, esta regra seria desnecessária ao se considerar um ordenamento jurídico que estabelece como princípios da administração pública
a moralidade e a eficiência. Contudo, sendo conhecidas as deficiências comuns ao serviço público brasileiro, nos parece que a fixação de prazo
peremptório para expedição da notificação de autuação está mais ligado à importância da sanção como mecanismo de prevenção da ineficiência dos
órgãos de trânsito do que propriamente acelerar o respectivo processo administrativo.
Esta premissa é importante para se constatar o acerto do legislador ao se referir à expedição da notificação, e não à concretização do próprio ato de
ciência. É bem verdade que a simples remessa postal da notificação[7] não desincumbe a autoridade de trânsito do dever de acompanhar sua
concretização, evitando uma perpetuação exagerada do ato, porém, seria igualmente descabido condicionar a validade de todo o procedimento
fiscalizatório ao efetivo recebimento da comunicação.
Enfim, os arestos já mencionados são suficientes para demonstrar que a jurisprudência do STJ não distorceu a norma do art. 281 a respeito da
decadência do direito da Administração Pública expedir as citadas notificações de autuação. Todavia, imprecisões terminológicas poderiam conduzir
a entendimento contrário, a exemplo da ementa abaixo transcrita:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E
RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. AUTO DE INFRAÇÃO. NOTIFICAÇÃO. PRAZO. ART. 281, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DO CTB. NULIDADE.
RENOVAÇÃO DE PRAZO. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS. SÚMULA 7/STJ. 1. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) prevê uma
primeira notificação de autuação, para apresentação de defesa (art. 280), e uma segunda notificação, posteriormente, informando do prosseguimento
do processo, para que se defenda o apenado da sanção aplicada (art. 281). 2. A sanção é ilegal, por cerceamento de defesa, quando inobservados
os prazos estabelecidos. 3. O art. 281, parágrafo único, II, do CTB prevê que será arquivado o auto de infração e julgado insubsistente o
respectivo registro se não for expedida a notificação da autuação dentro de 30 dias. Por isso, não havendo a notificação do infrator para
defesa no prazo de trinta dias, opera-se a decadência do direito de punir do Estado, não havendo que se falar em reinício do procedimento
administrativo. 4. Descabe a aplicação analógica dos arts. 219 e 220 do CPC para admitir seja renovada a notificação, no prazo de trinta dias do
trânsito em julgado da decisão que anulou parcialmente o procedimento administrativo. 5. O exame da alegada violação do art. 20, § 4º, do CPC
esbarra no óbice sumular n.º 07/STJ, já que os honorários de R$ 500,00 não se mostram irrisórios para causas dessa natureza, em que se discute
multa de trânsito, de modo a não poder ser revisado em recurso especial. Ressaltou o acórdão recorrido esse montante remunera "dignamente os
procuradores, tendo em vista a repetividade da matéria debatida e sua pouca complexidade". 6. Recurso especial conhecido em parte e provido.
Acórdão sujeito ao art. 543-C do CPC e à Resolução STJ n.º 08/2008”. (RESP 732505, Rel. Min. Castro Meira, DJ 01/08/2005)
Apenas para desfazer esta equivocada impressão, confira-se recente julgado:
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO REGIMENTAL. TRÂNSITO. NOTIFICAÇÃO DE AUTUAÇÃO. PRAZO LEGAL.
INOBSERVÂNCIA. DECADÊNCIA CONFIGURADA. NÃO-INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DESTA CORTE SUPERIOR. 1. Da leitura do acórdão
recorrido, percebe-se que as multas foram expedidas depois de terem decorridos mais de 60 (sessenta) dias do auto de infração em flagrante. 2. O
entendimento jurisprudencial firmado no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que os autos de infração devem ser arquivados quando já
expirado o prazo de trinta dias para a expedição da notificação de autuação, por força do que dispõe o art. 281, p. ún., inc. II, do CTB.
Precedente: REsp 1.092.154/RS, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, j. 12.8.2009, submetido à sistemática dos recursos repetitivos. 3. Frise-se,
ainda, que esta Corte Superior não fez incursão em fatos para concluir desta forma. Ao contrário, a partir das premissas fáticas consolidadas no
acórdão (fl. 199), houve qualificação jurídica diversa que acarreta o provimento do especial. 4. Agravo regimental não provido”. (AARESP 937521, rel.
Min. Mauro Campbell Marques, DJ 28/06/2010)
Desta forma, podemos afirmar que, a despeito da redação superficial de algumas ementas de acórdãos, a jurisprudência do STJ não preconiza a
decadência das notificações não recebidas no prazo de 30 dias, mas sim daquelas não expedidas nesse lapso.
VI. Da decadência da ação punitiva
Numa apertada síntese, a prescrição e a decadência são institutos concebidos em favor da estabilidade e da segurança jurídica (MELLO, 2005, p.
963) e seu mecanismo consiste em impedir o exercício de direitos após o prazo assinalado em lei. Aplicado ao exercício do poder de polícia, estes
institutos ganham contornos mais rígidos, tendo em vista o dever de eficiência e a importância da sanção como instrumento educativo e repressivo.
No caso das infrações à legislação de trânsito, a demora na aplicação das penalidades é causa de descrédito na ordem pública e fator de
insegurança para os cidadãos que, eventualmente, não tenham transgredido a lei e precisem demonstrá-lo no âmbito do processo administrativo. Por
esta razão, não seria lógico supor que a expedição tempestiva da primeira notificação autorize a Administração Pública a perpetuar o julgamento do
auto de infração e os recursos subseqüentes.
Assim, a existência de hipótese de decadência específica para expedição da notificação de autuação não afasta a aplicação do prazo genérico de
“prescrição” da ação punitiva, tratada no art. 1º da Lei nº 9.873/1999[8]:
“Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando
apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver
cessado.
§ 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão
arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da
paralisação, se for o caso.
§ 2o Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.”
Ao falar em prescrição da ação punitiva da Administração Pública, nos parece que o legislador utilizou expressão que se aproxima do Direito Penal,
mas que se ressente da melhor técnica nos Direitos Civil e Administrativo. Nesse sentido, a jurisprudência do STJ também auxilia distinguir a
decadência do direito de impor a sanção pecuniária da prescrição da ação de cobrança:
“ADMINISTRATIVO. MULTA ADMINISTRATIVA. AMBIENTAL. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. 1. A decisão agravada considerou aplicável a
prescrição qüinqüenal, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32, às ações de cobrança de multa administrativa, invocando precedente da Turma
no REsp 444.646/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 02.08.06. 2. No caso de multa de multa por ilícito ambiental, mostra-se relevante
examinar-se com mais profundidade a matéria, considerando a observação do Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell, para quem "a partir de
24.11.1999, as hipóteses de prescrição das multas administrativas ficam sujeitas à regência da Lei n. 9873/99 no que tange à decadência, exceto
se a conduta for qualificada simultaneamente co o ilícito administrativo e ilícito peal, ocasião em que se aplicará o art. 109 do Código Penal,
permanecendo o prazo prescricional, nos termos do Código Civil de 1916, até a entrada em vigor do novo Código Civil de 2002 (art. 206, § 5º, I),
devendo-se observar a regra de transição colocada no art. 2.028". 3. Requisição dos autos principais para melhor exame do recurso especial. 4.
Agravo regimental provido”. (AGA 1045586, rel. Min. Castro Meira, DJ 15/12/2008)
A prevalecer a terminologia legal, é importante demarcar que a prescrição da ação de cobrança da multa somente tem início após a devida
constituição definitiva do respectivo crédito. Ou seja, a “prescrição da ação punitiva” (decadência) diz respeito ao prazo que o Estado tem para
proceder a aplicação das penalidades previstas em lei, a exemplo da multa (sanção pecuniária), distinção que se tornou inquestionável com o
advento da Lei nº 11.941/2010[9].
Em todo caso, a decadência decorrente da não expedição da notificação de autuação dentro do prazo legal não se confunde com a decadência do
próprio direito de impor a sanção administrativa. Esta inicia sua contagem a partir da prática do ilícito ou de sua cessão (no caso de infrações de
caráter permanente ou continuada) e se justifica enquanto perdurar o processo administrativo destinado à apuração da infração de trânsito e
aplicação da penalidade correlata.
VII. Reflexão
Em tempos de crise da prestação jurisdicional, o engrandecimento da hierarquia judiciária em matéria de direito é um dos caminhos eleitos para
alcançar a duração razoável dos processos e a segurança jurídica. Nesse contexto, avoluma-se a importância do Superior Tribunal de Justiça como
uniformizador da interpretação da legislação federal.
A harmonização das polêmicas que envolvem a aplicação do Código de Trânsito Brasileiro tem ocupado lugar de destaque nas decisões do STJ,
contribuindo para delimitar o campo de atuação do Poder Público na busca pela fluidez e segurança do trânsito, em contraposição às garantias dos
administrados ao devido processo legal. No entanto, é necessário que a interpretação das normas que permeia o Direito de Trânsito levem em
consideração a especialidade desse rico microssistema.
Bibliografia FONSECA, Bruno César. Novo processo administrativo de trânsito. A defesa do infrator na Lei nº 9.503/1997. Jus Navigandi,
dez/2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6065> . Acesso em: 5 fev. 2011. MELLO, Celso Antonia Bandeira de. Curso de direito
administrativo. São Paulo: Malheiros Editora, 2005. MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A defesa prévia no processo administrativo de trânsito:
feições e limites. Jus Navigandi, mai/2003. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4011>. Acesso em: 5 fev. 2011. MITIDIEIRO, Nei
Pires. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005. RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito
Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. SILVA, Ulisses Rafael da. Processo Administrativo de Trânsito Brasileiro.
Clube Jurídico do Brasil, fev/2009. Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.23169>. Acesso em: 5 fev. 2011.
Notas: [1] Atribui-se a Julio César, a edição de uma das primeiras legislações de trânsito conhecidas na História. A fim de solucionar problemas
como congestionamentos e o barulho causado por milhares de carruagens que circulavam pela Roma Antiga, o imperador proibiu o trânsito de
“rodas” em determinados horários e locais. [2] Embora este termo seja amplo, capaz de abranger todos os procedimentos destinados à aplicação de
regras relativas ao Direito de Trânsito (ex: processo de habilitação de condutores, processo de baixa de veículos etc.), a doutrina e a jurisprudência
consagraram seu uso para identificar o processo destinado a apuração de infrações e aplicação de penalidades. Nesse sentido: MEZZOMO (2003),
FONSECA (2004), SILVA (2009). [3] Revogada pela Resolução nº 363/2010 – CONTRAN. [4] Art. 257. As penalidades serão impostas ao condutor,
ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas
físicas ou jurídicas expressamente mencionados neste Código. § 1º Aos proprietários e condutores de veículos serão impostas concomitantemente
as penalidades de que trata este Código toda vez que houver responsabilidade solidária em infração dos preceitos que lhes couber observar,
respondendo cada um de per si pela falta em comum que lhes for atribuída. § 2º Ao proprietário caberá sempre a responsabilidade pela infração
referente à prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para o trânsito do veículo na via terrestre, conservação e
inalterabilidade de suas características, componentes, agregados, habilitação legal e compatível de seus condutores, quando esta for exigida, e
outras disposições que deva observar. § 3º Ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do
veículo. § 4º O embarcador é responsável pela infração relativa ao transporte de carga com excesso de peso nos eixos ou no peso bruto total,
quando simultaneamente for o único remetente da carga e o peso declarado na nota fiscal, fatura ou manifesto for inferior àquele aferido. § 5º O
transportador é o responsável pela infração relativa ao transporte de carga com excesso de peso nos eixos ou quando a carga proveniente de mais
de um embarcador ultrapassar o peso bruto total. § 6º O transportador e o embarcador são solidariamente responsáveis pela infração relativa ao
excesso de peso bruto total, se o peso declarado na nota fiscal, fatura ou manifesto for superior ao limite legal. § 7º Não sendo imediata a
identificação do infrator, o proprietário do veículo terá quinze dias de prazo, após a notificação da autuação, para apresentá-lo, na forma em que
dispuser o CONTRAN, ao fim do qual, não o fazendo, será considerado responsável pela infração. § 8º Após o prazo previsto no parágrafo anterior,
não havendo identificação do infrator e sendo o veículo de propriedade de pessoa jurídica, será lavrada nova multa ao proprietário do veículo,
mantida a originada pela infração, cujo valor é o da multa multiplicada pelo número de infrações iguais cometidas no período de doze meses. [5]
PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. DEL - 70/66. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. NULIDADE DO CERTAME. FALTA
DE INTIMAÇÃO. DESCARACTERIZADA. DISCUSSÃO SOBRE A LEGALIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. Colacionando dos autos a prova haver sido efetivada a notificação ao devedor através do Registro de Títulos e Documentos, concedendo-lhe o prazo
de 20 (vinte) dias para a purgação da mora, bem como da recusa do mesmo em assinar a notificação, incabível a alegação de nulidade do certame
por falta de notificação pessoal. (...) Apelação a que se nega provimento. (TRF-5, AC 203478, rel. Des. Frederico Pinto de Azevedo, DJ 23/04/2004);
AGRAVO REGIMENTAL. CONTAGEM DO PRAZO PARA RECURSO. DATA DA RECUSA EM ASSINAR O MANDADO DE INTIMAÇÃO. DIES A
QUO. QUESTÃO DE ORDEM NO RESP. 761.811. Segundo definido na questão de ordem suscitada no bojo do REsp. 761.811, a recusa de
recebimento do mandado de intimação por parte do representante do Ministério Público Federal deve ser contada para efeito da comunicação,
iniciando o prazo recursal a partir deste ato. Apresentado o recurso fora do prazo de cinco dias da recusa de recebimento da intimação, há de ser
reconhecida a sua intempestividade. Agravo não conhecido. (STJ, AGRHC 153842, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 21/06/2010) [6] Em
razão de sua lucidez, vale mencionar a crítica feita por Sídio Rosa Mesquita Júnior (2001), que entende correta a terminologia legal, pois a
decadência terminaria atingindo a própria infração, e não a pretensão punitiva (ação condenatória). [7] Embora o CTB não vede a utilização de
outros meios de notificação, a aplicação analógica do art. 282 do CTB tem direcionado a entrega das notificações pela via postal por quase todos os
órgãos de trânsito. [8] A esse respeito, vale mencionar trecho do Parecer CGCOB/DIGEVAT nº 002/2010, aprovado pelo Procurador-Geral Federal: “
Assim dito, verifica-se que a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, por não particularizar o prazo de
constituição e cobrança da multa ali instituída, deve integrar-se à Lei nº 9.873/99, que funciona como norma geral em relação ao prazo de prescrição
da ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta”. [9] A Lei nº 11.941/2009, que acrescentou à redação da Lei nº 9.874/199, o
art. 1º-A, que assim dispõe: “Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5
(cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em
vigor. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)”
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de multas de tr?ito: breves notas ?uz da jurisprud